4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI
Conforme ficou evidente o poder da mídia em influenciar a sociedade, principalmente em matérias de processo penal, ressalto e importância de demonstrar a relação da mídia e a (im) parcialidade dos jurados. Outro ponto importante em destacar nesse capítulo é possíveis soluções para a problemática.
4.1 A Mídia e a (im)parcialidade dos Jurados
Antes de explanar o tópico, vale ressaltar os jurados julgarão conforme sua consciência, decidem com sua íntima convicção e suas decisões não precisam ser motivadas, ao contrário do que acontece com um juiz togado, que deverá sempre fundamentar suas decisões.
Sobre o tema, discorre Aury Lopes Júnior (2013, p. 1063/1064):
[...] a partir de elementos que não estão no processo. A ‘íntima convicção’ despida de qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento. Isso significa um retrocesso ao Direito Penal do autor, ao julgamento pela ‘cara’ cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des) valor que o jurado faz em relação ao réu. E, tudo isso, sem qualquer fundamentação.
Nesse raciocínio, o autor aduz que os jurados são mais sucetíveis a votos imparciais pela pressão exercida pela mídia. Conforme explanado no capítulo anterior, os jurados já compõem o Conselho de Sentença com (pré) julgamentos decididos feitos com base a todo exposto pela mídia sobre o caso.
Em relação ao sensacionalismo midiático, salienta-se as indagações de Lopes Filho, ao analisar o período que as rádios transmitiam em tempo real as sessões de Júri:
O primeiro julgamento parcialmente televisado teve como matéria de fundo o caso ‘Ângela Diniz’, assassinada por ‘Doca Street’, movimentando milhares de pessoas que ficaram do lado de fora do prédio do tribunal onde acontecia o julgamento, vibrando com o conteúdo dos debates. No primeiro julgamento, o acusado foi absolvido, tendo os jurados reconhecido, em seu benefício, a legítima defesa da honra para, depois, anulado o primeiro julgamento, vir a ser condenado pelo crime, no último julgamento.
Tais referências históricas são relevantes, especialmente por mostrarem a sensação que alguns julgamentos, fundamentalmente pela condição desfrutada por acusados e vítimas, provocavam na sociedade que, prontamente, acorria ao plenário de julgamento. Quanto mais os envolvidos eram conhecidos do público, maior interesse da população quando do julgamento.
[...]
A revelia de tais invocações e argumentos, resta o seguinte questionamento: até que ponto, esta publicização [sic], motivadora da opinião pública, poderá produzir algum elemento de convicção no Conselho de Sentença?
Eventual resposta tem íntima relação com o tópico anterior, pois, o pensamento da opinião pública é informado, cada vez mais, pelos meios de comunicação. Por isso, a publicação de notícias exageradas ou distorcidas poderá provocar um juízo afastado da realidade fática, e se o jurado convocado tiver tido contato com esse tipo de informação, poderá comprometer sua valoração no caso concreto. (LOPES FILHO, 2008, p.93)
Ante a todo exposto, claramente é a presença da opinião pública em meio ao conselho de sentença, conluindo-se que “a mídia atua como inquisidor, acusador, juiz e aplicador da pena. Diria ainda que trazem todas as características de um tribunal de exceção, surgindo após a conduta com o exclusivo fim de condenar o acusado” (CÂMARA, 2016, online).
Então, com a divulgação sensacionalista do casos sob júdice, cria-se um sentimento de medo, de insegurança, originando um medo coletivo conforme explanação de Bayer e Rosário (2014, online):
[...] para dar sustentação ao ciclo que por diversas formas fomenta o consumo e acarreta o lucro, a mídia, seguindo os ditames da indústria cultural, interage com o público receptador das informações de uma forma muito particular, visto que consegue se adaptar perfeitamente às mais diversas classes, idades e tipos de pessoas, buscando uma relação com o público médio.
Toda essa realidade que se forma na ‘cultura do medo’ acaba por contribuir para o reforço dos preconceitos na esteira da ignorância e da insegurança. Com isso, cria-se a ‘Sociedade do Medo’[…] que, além de cruel e preconceituosa, passa a ser ignorante e submissa a tudo que lhe é apresentado como verdade absoluta.
Esse sentimento de insegurança e impunidade gerado pelo sensacionalismo midiático, acaba por resultar em pré-julgamentos e cobrança massiva por ‘’justiça’’, entendendo por justiça, uma punição extremamente rigorosa, assim então extirpando esse ‘’medo’’ da sociedade.
A situação é clara e evidente, bastando assistir algum programa televisivo e analisar a maneira dramática para noticiar o susposto crime, e por muitas vezes atingem de forma pessoal o acusado, que pode até mesmo servvítima de um linchamento público, sendo segregado como ser humano. A maior exemplificação é o ‘’datenismo’’, conforme transcrito de Barbosa (2014, online):
Calcado no sensacionalismo, o datenismo se propõe a transmitir, lançando mão de recursos dramáticos, crimes cometidos local, regional e/ou nacionalmente, a depender da abrangência do sinal eletromagnético de que se vale a concessionária que emprega seu respectivo porta-voz.
O datenismo, todavia, não se propõe apenas a noticiar, mas também a destroçar reputações, julgar e condenar ao mesmo tempo, ainda que aos réus e rés, apresentados em rede aberta como animais fustigados, tenham em seu favor o princípio constitucional da presunção de inocência. Entronando-se como inalcançáveis baluartes da moral, os ‘dateninhas’ costumam passar por cima da lei no afã de contemplar sua particular, justiceira, homicida e voraz sede de vingança, também estendida para quem os assiste.
É nítida a influência do conselho de sentença pelo sensacionalismo midiático, é possível concluir que “todos os princípios para tentar assegurar um julgamento imparcial perdem sua eficácia em muitos de seus julgamentos, uma vez que notadamente tem-se uma pré- condenação” (KIRCHER, 2008, online). Assim, não podemos dizer que há possibilidade de um julgamento justo, conforme tão somente pautado na verdade processual.
4.2 A Liberdade de Imprensa e a Presunção de Inocência
Como visto no capítulo anterior, a liberdade de imprensa está interligada a liberdade de expressão. Assim, o transmissor de uma notícia deve se pautar na veracidade, sendo imparcial ao veicular os fatos. (VIANNA, 2015).
Ainda conforme o autor alhures mencionado, buscou-se o entendimento jurisprudencial a cerca da problemática do abuso de direito de liberdade de imprensa, é essencial então transcrever parte da sua análise:
‘referida liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constitui direito absoluto, podendo ser relativizado quando colidir com o direito à proteção da honra e à imagem dos indivíduos, bem como quando ofender o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.’ [...]
Por isso, constitui abuso do direito de liberdade de imprensa, p. ex.:(a)a descrição fatos efetivamente ocorridos, mas com afirmações imprecisas, abusando de recursos retóricos e que geraram dúvida quanto à conduta da pessoa noticiada [...]; (b) a matéria extrapola o animus narrandi, tendo por escopo nodal atingir a honra e a imagem da pessoa, com o agravante de se utilizar como subterfúgio informações inverídicas, evidenciando, no mínimo, displicência do jornalista na confirmação dos fatos trazidos pela sua fonte [...]; (c) a utilização de no ato de qualificações pejorativas e xingamentos [...] (VIANNA, 2015, online).
Assim, possível é concluir que não é vetado a transmissão de conteúdo com matéria criminal, mas essa veiculação deve ser responsável limitando-se a verdade e a imparcialidade, logo, não haverá ofensa pessoal. (VIANNA, 2015).
A presunção da inocência é um princípio que apesar de estar implícito em no ordenamento jurídico, é uma das bases importantes da nossa democracia, ora; o indivíduo até que se comprove o contrário, é constitucionalmente considerado inocente, se não o fosse, estariamos sujeito a total arbitrariedade.
Corrobora com esse pensamento Fonseca (1999, online):
Existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não ‘presume’ a inocência, mas declara que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado.
Logo, conclui-se que a mídia não está sujeita a limitações e a censura, o que se deve observar ao veicular noticiários é que há outros direitos constitucionais diretamente afetados, caso o direito a liberdade de imprensa seja exercido com excesso.
4.3 Possíveis soluções para a problemática
Ante ao exposto, é inegável que os direitos e as garantias pontuadas são fundamentais para a realização de um Estado democrático de direito, haja vista que não há hierarquia entre os direitos fundamentais, necessário é, no caso concreto, conciliá-los de modo que um direito fundamental não seja totalmente suprimido em face do outro. Vianna (2015) aduz possíveis deslindes para sanar a problemática, baseando-se no direito comparado, destacando-se: a solicitação de desconsideração pelo conselho de sentença de informações conhecidas fora do tribunal, o desprezo de informações que se trata de questões ‘sub judice’, e o estabelecimento de ordens de supressão.
Há ainda, um meio previsto em nosso ordenamento jurídico, capaz de ao menos reduzir os danos no que se refere a parcialidade dos jurados, previsto nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal, que vem se aplicando pelos operadores do direito, o chamado ‘’desaforamento do júri’’.
4.3.1 Solicitação de desconsideração pelo conselho de sentença de informações conhecidas fora do tribunal
Essa solicitação de desconsideração pelo conselho de sentença de informações obtidas na mídia é comumente utilizado no direito comparado, porém é algo sem muita eficácia, haja vista que mesmo o magistrado instruindo os jurados para a desconsideração, não é capaz de reverter a opinião pública criada através do sensacionalismo midiático.
Ante o exposto, é possível galgar restrições de matérias que tenha como escopo sensacionalismo em torno de crimes cometidos, como forma de conciliar os principios alhures explanados. Não há que se falar em censura no caso da restrição, uma vez que ‘Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto [...]` (STF, 2000, online), sendo que apenas irá restringir a imprensa excepcionalmente de maneira que não irá extirpar a liberdade de expressão e imprensa.
Corroborando com este pensamento, pontua a doutrina:
Devemos ter em mente que procedimento preparatório, acusação, julgamento e condenação são atos que competem, constitucional e legalmente, ao Poder Judiciário com a valiosa colaboração do Ministério Público e da polícia judiciária. Assim, não é correto que a notícia leve a coletividade a concluir pela culpabilidade do acusado antes do pronunciamento judicial. Não é justo que se inverta na mente das pessoas, a ordem das coisas, e a sentença seja passada antes mesmo da instauração do procedimento preliminar ou preparatório de ação penal, a cargo da autoridade policial. E mais: se os fatos não são levados a julgamento, cria-se a suspeita de que a Justiça faz parte de conluio para acobertar o pretenso crime. Jamais percamos de vista que, entre os direitos e garantias fundamentais de nossa Constituição, encontra-se inscrito que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (NAVES, 2003, p. 97 apud VIANNA, 2015, online).
Então, é necessário a restrição alhures mencionada, uma vez que o Estado deve garantir os direitos do acusado, tanto no do devido processo legal, como a presunção de inocência. A justificativa para a restrição é, quando da publicação de matérias que envolvem crimes cometidos, a imprensa divulga conteúdo de forma parcial, trazendo no contexto uma forma que condena o acusado e afronta as liberdades individuais deste, como por exemplo a intimidade, vida privada, presunção da inocência.
Corroborando com esse pensamento, pontua Câmara (2016, online):
O entendimento doutrinário é pacífico no sentido de que, em se tratando de conflitos entre princípios, deve-se analisar cada caso e, a depender do caso concreto, mitigar um princípio em detrimento do outro, de forma a melhor se adequar ao caso, garantindo a máxima efetividade da Carta Magna. [...]
Dessa forma, data vênia, creio não ser razoável a atual irrestrita e ilimitada liberdade de imprensa em que vivemos, capaz de influenciar as massas de forma negativa em diversas áreas, sobretudo na esfera penal.
Partindo do pressuposto de que o Estado, figura máxima, deve respeitar todos os princípios supramencionados, não é razoável admitir que as empresas privadas que veiculam os diversos tipos de mídias não observem tais preceitos fundamentais.
É válido ressaltar que quando um princípio prepondera sobre outro, não significa que o outro é inválido ou não tem eficácia, significa que somente naquele caso em específico um princípio foi restringindo em face do outro, mas a depender da situação ocasional, essa preponderação pode ser revertida ou invertida.
Vejamos então o exemplo de Vianna (2015, online) sobre o assunto:
Imaginemos que determinado jornalista J resolva fazer uma matéria acerca da vida do cidadão C, pessoa sem qualquer vida pública. Com o fim de colher material para embasar a reportagem, J começa a segui-lo vinte e quatro horas por dias, tira fotografias do interior da residência de C, dele andando pelas ruas, namorando, enfim, de todas as ações de C. C, então, se sente ofendido em sua intimidade e resolve pedir em juízo que a publicação de J seja proibida. Neste caso, como C é um cidadão comum, não existe nenhum tipo de interesse apto a justificar a precedência do direito à liberdade de imprensa sob o direito à intimidade.
Imagine-se, agora, que o jornalista J’ resolva fazer uma matéria acerca da vida do Deputado Federal D, que concorre à reeleição e tem como mote de sua campanha eleitoral a defesa “da família, da moral e dos bons costumes”. Também com a finalidade de colheita de material, J’ descobre que D, durante a noite, veste-se de mulher e se encontra sexualmente com outros homens. Nestas condições, é óbvio que se D requeresse em juízo a proibição de que a matéria fosse veiculada, haveria interesses (a correta informação do eleitorado, p. ex.) a justificar a precedência da liberdade de imprensa sob o direito à privacidade.
Observe, no caso hipotético exemplificativo, nenhum princípio prepondera sobre o outro, há se de analisar o caso em concreto para então ver qual princípio irá sofrer uma restrição em face do outro.
4.3.2 O desprezo de publicações que abordem questões ‘sub judice’
É um tema balizado por leis australianas e neozelandeses, buscando impedir que informações sensacionalistas publicadas prejudique os processos. O propósito é, que os acusados tenham um julgamento justo e que o Poder Judiciário não seja influenciado por essas questões externas, trazendo confiabilidade ao processo penal.
Nesse sentido, discorre (VIANNA, 2015, online):
Como é comum nos países de common law [sic], não existe um critério determinado e fixo do que constitui a desobediência à Corte. O critério determinante parece mesmo ser a possibilidade de influência na opinião dos jurados. Obviamente, a correta administração da justiça exige que o jurado forme sua convicção unicamente pelas evidências apresentadas no decorrer do julgamento (art. 472 do CPP). Como publicações podem conter afirmações acerca da culpa ou inocência de determinada pessoa, criar simpatia ou antipatia pelo acusado, utilizar confissões ou provas que não foram admitidas como evidências, detalhes de condenações anteriores do acusado, fazer referências a materiais proibidos de serem utilizados em plenário (art. 478 do CPP), e tais impressões não simplesmente esquecidas pelos jurados como se não existissem (e os estudos citados acima o comprovam), é de se esperar que os jurados não atinjam um veredito imparcial e justo.
No mesmo sentido discorre Luzung (2004, online):
O efeito da regra ‘sub-judice’ é proibir a publicação de certas informações sobre um caso que está sendo ouvido ou está pendente de audiência em um tribunal. Um exemplo de uma publicação que pode violar a lei sobre o ‘desprezo sub judice’ é um artigo de jornal (incluindo um publicado na Internet), transmissão de rádio ou televisão revelando o registro criminal de uma pessoa que está atualmente sendo julgada por um crime. Outra seria uma publicação sugerindo a culpa (ou inocência) de um acusado.
[...]
A finalidade da regra ‘sub-judice’ é impedir a publicação de material que possa causar prejuízo a determinados processos judiciais. Mais especificamente, destina-se a proteger jurados, testemunhas e partes em processos judiciais da possibilidade de influência por material que não foi ou não poderia ter sido usado como prova em tribunal. Como isso impõe restrições à publicação de informações, a regra ‘sub judice’ pode limitar tanto o acesso a informações sobre assuntos que chegam aos tribunais quanto a liberdade de discussão em nossa sociedade.
O objeto da revisão da Comissão era obter clareza e precisão no funcionamento da lei relativa ao ‘desprezo sub judice’, com vista a alcançar o equilíbrio certo entre o interesse público em proteger a boa administração da justiça, por um lado, e o interesse público no acesso à informação e liberdade de expressão, por outro. A lei deve permitir que a mídia publique seu material de maneira mais extensa possível, sem comprometer a imparcialidade dos processos judiciais.
Assim o poder judiciário limitará o que as matérias podem abarcar em seu conteúdo, observe que não se proibirá matérias referentes ao crime, aqui se buscará um controle para que elas não influencie o trabalho do judiciário e consequente influência no Júri. Quando ocorrer extrapolação, será verificado o dano causabo balizado sob dois prismas: “o tempo entre a publicação e o julgamento e o alcance e localização da audiência” Vianna (2015, online).
É possível concluir sob os primas de análise mencionados que, se houver um grande lapso temporal entre as publicações e o julgamento esta terá menos influência no Júri, haja vista o processo natural do esquecimento considerando a grande quantidade de notícias veiculadas a todo tempo. Além do mais, quando se trata de crime com repercusão regional, o alcance das publicações é menor, logo, ocorrendo o desaforamento do júri, o julgamento tende a ocorrer sem a influência destas.
4.3.3 Criação de ordens de supressão
Consiste em mecanismo que proíbe a veiculação de notícias e publicações de matérias com conteúdo referente a algum caso que esteja pendente de julgamento pelo judiciário, e essa proibição pode ser específica ou geral, e em casos mais severos, restrige um meio de comunicação específico. Sobre o tema, cabe ressaltar uma publicação da comissão de direito da Nova Zelândia, onde se faz uma análise sobre um julgamento que quebrou paradigmas da justiça, pois, no caso as ordens de supressão foram violadas causando prejuízo no julgamento, necessário se faz exprimir essas observações oriundas da comissão de direito da Nova Zelândia:
O exemplo mais significativo disso foi a publicação de comunicações interceptadas, relativas aos ataques de Rūātoki no Procurador-Geral contra a Fairfax New Zealand Ltd (Fairfax).
[...] os ataques geraram uma quantidade substancial de publicidade e interesse público [...] apesar disso, a Corte concluiu, embora com certa relutância, que: como não foi provado além de qualquer dúvida razoável que, como uma questão de realidade prática, as ações dos respondentes em publicar os artigos da Fair-fax causaram um risco real de interferência na administração da justiça ao comprometer os direitos de julgamento justo ao acusado.
Isso ocorreu apesar de constatado pelos respondentes que eles sabiam que as comunicações interceptadas que foram publicadas eram inadmissíveis nos julgamentos do acusado e também sabiam que havia ordens de supressão em vigor, de modo que não poderia haver qualquer dúvida razoável de que era ilegal publicar esse material.
O Tribunal considerou que as violações das ordens de repressão se tratam de uma conduta ilegal por parte dos envolvidos nas publicações e divulgações e por isso deveriam ter resultado na acusação dos envolvidos. (PUBLICATIONS, 2002, online)
Porém conforme explica Vianna (2015), ordens de supressão não se aplica em nosso ordenamento jurídico, pois; nossa Carta Magna proíbe qualquer tipo de censura prévia.
4.3.4 Desaforamento do Júri
Uma das medidas legais previstas em nosso ordenamento jurídico para garantir um julgamento imparcial do Conselho de Sentença, é o desaforamento do Júri, que consiste em transferir o julgamento para outra comarca da mesma região, preferencialmente a mais próxima.
Podemos conceituar o desaforamento do júri balizado nas palavras de Mendonça (2008, p.42) que diz:
O desaforamento é o ato por meio do qual se dá a alteração da competência territorial para o julgamento pelo Tribunal do Júri, submetendoo a um foro estranho ao do delito, em razão da ocorrência de um dos fatores previstos em lei. Trata-se de situação excepcional, por afastar o acusado do julgamento perante o distrito da culpa e pelas pessoas da localidade, razão pela qual deve ser devidamente justificada pelas circunstâncias, sob pena de nulidade.
A arguição para desaforamento do júri é permitida quando houver interesse da ordem pública, quando houver suspeitas a cerca da imparcialidade dos jurados, segurança pessoal do réu e pela morosidade do julgamento na comarca do feito, desde que a demora seja por sobrecarga.
Em cidades interioranas ainda é comum os crimes de pistolagem e brigas entre família, onde a busca pela justiça é pela via da vingança privada, logo é comum o desaforamento do júri nesses casos, haja vista a receiosidade dos jurados em julgar um par da sua localidade tendo em vista as peculiaridades já explanadas. Como exemplo, vale ressaltar o caso de Catolé do Rocha no interior da Paraíba, onde os crimes de homicídio entre famílias ocorre desde tempos mais remotos, logo, os jurados chamados para atuarem no Júri ficam aterrorizados com consequências pessoais que possa ocorrer com si mesmo ante ao deslinde do feito. Com isso há um grande número de arguição de desaforamentos dos júris, levando o Tribunal de Justiça da Paraíba a conceder o deferimento.
Tomamos esse exemplo de deferimento pelo desaforamento do Tribunal do Júri pelo Tribunal de Justiça da Paraíba:
Desaforamento de julgamento n. 2007375-39.2014.815.0000 Relator: DES JOAO BENEDITO DA SILVA Órgão Julgador: Câmara Especializada Criminal Data de Julgamento: 04-08-2015 Ementa: DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO. REPRESENTAÇÃO JUDICIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO PRATICADO POR INTRIGA FAMILIAR. OPERAÇÃO "LAÇOS DE SANGUE". CRIME COM REPERCUSSÃO NACIONAL. DÚVIDA QUANTO A IMPARCIALIDADE DO CONSELHO POPULAR. RECEIO COMPARTILHADO PELO ÓRGÃO MINISTERIAL A QUO. MUNICÍPIOS COM POUCOS HABITANTES. MEDO DA POPULAÇÃO EM PARTICIPAR DO JULGAMENTO. DEFERIMENTO DO PEDIDO. O deslocamento excepcional da competência racione loci será admitido se houver interesse de ordem pública, comprometimento da imparcialidade dos jurados, dúvida sobre a segurança do réu ou atraso injustificável na realização do julgamento. Havendo fundada dúvida acerca da imparcialidade do Corpo de Jurados, assentada em seguros indícios acerca do temor provocado na população do município e, consequentemente, sobre os membros que poderão vir a integrar o Conselho de Sentença, resta configurada uma das hipóteses excepcionais de modificação da regra de competência, nos moldes do que veio a ser determinado pelo artigo 427 do CPP.
É de extrema importância quando da ocorrência de situações ensejadoras de desaforamento, a arguição seja feita para evitar futuramente problemas em fase de recurso, como também na realização do julgamento. Os artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal trazem em seu bojo essas situações bem como os legítimos a peticionar para requerer o desaforamento.
Assim dispõe o caput dos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal:
Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).
Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008).
Então, com a transferência do julgamento para outra comarca, pode-se concluir que afasta possíveis sentenças eivadas de imparcialidades por parte do conselho de sentença baseadas em medo e insegurança por exemplo.
Assim tem decidido o Tribunal de Justiça da Paraíba, a exemplo desse julgado:
Desaforamento de Julgamento nº 0002708-10.2015.815.0000 Relator: Des. João Benedito da Silva ORIGEM: Comarca de Caaporã/PB AUTOR: Ministério Público Estadual RÉU: Edvan Antero Fideles ADVOGADO: Diogo de Oliveira Lima Matias Ementa: DESAFORAMENTO. REPRESENTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DESLOCAMENTO PARA JULGAMENTO EM OUTRA COMARCA. RELEVÂNCIA DA OPINIÃO DO MAGISTRADO DE 1º GRAU. PERICULOSIDADE DO ACUSADO. FATOS CONCRETOS. FUNDADA DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE DO CONSELHO DE SENTENÇA. PRESUNÇÃO QUE DEVE SER DIRIMIDA EM FAVOR DA HIGIDEZ DO JULGAMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 427 DO CPP. DEFERIMENTO DO PEDIDO. As informações do magistrado processante são importantes na avaliação do julgamento do pedido de desaforamento, pois este, devido à proximidade com os fatos da causa, tem condições de opinar melhor sobre a imparcialidade do Júri. Deve ser deferido o pedido de desaforamento para julgamento por Tribunal do Júri de outra Comarca, quando, a partir de elementos concretos, exsurgir fundada dúvida sobre a imparcialidade dos jurados.
Em caráter temporal, é importante se ater que para arguir o desaforamento em instância superior é logo após a decisão de pronúncia, pois não há como solicitar desaforamento do júri antes dela, tendo em vista que antes dela não há como saber se o acusado será levado a julgamento no Tribunal do Júri. Importante salientar também que não há como arguir desaforamento após a realização da sessão do júri, salvo se a decisão for anulada ou que durante a realização do júri ocorra eventuais fatos ensejadores de desaforamento previsto nos artigos alhures mencionado.
Como pode-se ver ante ao exposto, o desaforamento nada mais é do que a ampliação da competência territorial, pois o crime não será julgado por um juiz de direito, mas sim pelo Tribunal do Júri, mas de outra comarca. Outro ponto importante de ressaltar é, o desaforamento somente é possível nos crimes da competência de julgamento do Tribunal do Júri, não se ampliando o desaforamento para os outros crimes que não seja os praticados contra a vida.
Outro ponto importante é, quando o crime envolve uma pessoa nacionalmente conhecida, seja ela o acusado ou a vítima, o desaforamento não será capaz de resolver essa problemática. Porém, esse intrumento de desaforamento deve ser utilizado pelo poder judiciário de modo a minimizar um julgamento imparcial, pois não obstante o conhecimento nacional do caso, o desaforamento pode ser utilizado como modo de evitar influência de grupos organizados para o crime em determinada localidade, como é o caso das milícias, facções e onde exista a vingança privada como regra.
Neste sentido, dispõem Távora e Alencar (2013, p.849):
A ideia que norteia o desaforamento é a de que o júri não possa ser realizado no local do cometimento do delito quando haja risco para o julgamento, seja no tocante a parcialidade do júri, seja quanto à segurança do acusado. Permeia a interpretação/aplicação do art. 427, CPP, a atenção para o clamor público e para a possível influência do poder econômico ou político existente no foro competente.
É possível concluir então, que o desaforamento visa garantir que ocorra um julgamento justo e imparcial ante ao acusado, como também visa a segurança daqueles que estão a serviço do júri, principalmente os homens e mulheres que ali estão para julgar seus pares que residem na mesma comarca na grande maioria das vezes.