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A prevenção ao superendividamento de consumidores e a recuperação judicial da pessoa natural

Agenda 13/07/2021 às 22:22

Estudam-se as novas medidas legais de prevenção ao superendividamento e o plano de recuperação da pessoa física.

RESUMO.

O presente artigo possui o como objetivo a análise dos aspectos jurídicos e dos possíveis impactos que eventualmente serão provocados pelas recentes modificações apresentadas pela Lei nº. 14.181 de 2.021. Para tanto, foram estudados os aspectos do texto apresentado pela nova lei e, paralelamente, uma visão jurisprudencial na seara do Direito do Consumidor, sem se afastar das disposições doutrinárias que há muito se debruçavam sobre o tema.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Superendividamento. Consumo.

ABSTRACT.

This article aims to analyze the legal aspects and the possible impacts that will eventually be caused by the recent changes presented by Law no. 14181 of 2021. To this end, aspects of the text presented by the new law were studied and, at the same time, a jurisprudential view in the field of Consumer Law, without straying from the doctrinal provisions that had been dealing with the subject for a long time.

Keywords: Consumer Law. Over-indebtedness. Consumption.

INTRODUÇÃO.

Tão logo o fortalecimento da utilização do mercado de crédito no Brasil, que teve um elevado crescimento após a implementação do Plano Real em 1.994 sob o governo de Itamar Franco, simultaneamente, houve uma forte expansão no poder de compra do brasileiro, quer queira pela estabilidade econômica gerada pelo trabalho econômico desenvolvido, quer queira pela crescente onda de utilização das mais variadas linhas de crédito.

Ao compasso do aumento do poder de compra, onde o brasileiro comum passou a adquirir os mais variados produtos e bens através das linhas de crédito ou de seus similares, o endividamento tornou-se uma consequência quase que inevitável para a grande maioria da população, que não soube gerenciar ou pelas oscilações econômicas e crises, se deparou com o endividamento ou em casos ainda mais graves, encontrou o superendividamento.

Nesse cenário, real e caótico, de muitos brasileiros que se estende até os dias mais atuais, a legislação vigente, desde o crescimento do mercado de crédito no Brasil, foi frágil e praticamente ineficaz na contenção ou na solução dos brasileiros superendividados, muito diferente daquilo que já ocorre em outros países economicamente liberais, tais como o Estados Unidos da América, por exemplo.

Bem, felizmente, a realidade para muitos desses brasileiros superendividados ganha um novo contorno de esperança e já se vislumbra a possibilidade de “retorno a vida civil ordinária”, com a possibilidade de liquidar as inadimplências existentes e à primeira vista, quase impagáveis, isso porque, no dia 02 de julho de 2.021 entrou em vigor a Lei nº. 14.181 de 2.021 que trouxe importantíssimas inovações ao Código de Defesa do Consumidor, os quais serão expostas breves considerações, vejamos:

PRINCÍPIOS E GARANTIAS.

Inicialmente, necessária a análise dos dois novos princípios apresentados pela nova lei e que prevê, na sequência, a forma de sua execução, in verbis:

“Art 4º - [...]

“IX – fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores;”

“X – prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor” (NR);

Notem que tais princípios inovadores estabelecem novas diretrizes e que se amoldam com perfeição aqueles anteriormente previstos no caput do dispositivo acima citado, até porque, não seria correto ou até mesmo lógico que a Política Nacional das Relações de Consumo continuasse omissiva ou ainda infrutífera, permitindo aos seus protegidos que venham a atingir um patamar financeiro deficitário tamanho elevado que se assemelhem ou impliquem, como queiram compreender, a uma verdadeira exclusão social.

Notadamente, de nada serviriam tais princípios sem os meios pelos quais, estes, viessem a se materializar, nesse sentido, o artigo 5º do Código de Defesa do Consumidor também ganhou inovações, que assim dispuseram:

“Artigo 5º - [...]”

“VI – instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural;”

“VII – instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento;”

Nessa seara, a Lei nº. 14.181 de 2.021 se manteve à regra e cuidou de tornar tais princípios em garantias explicitas, agora esculpidas no artigo 6º Código de Defesa do Consumidor, o qual farei menção aos incisos XI, XII e XIII vejamos:

“Artigo 6º - [...]”

“XI – a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;”

“XII – a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;”

“XIII – a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.”

Não seria de bom tom, deixar de ressaltar que tais dispositivos devem impactar com maior força as instituições financeiras e de linhas de crédito propriamente ditas, isso porque, vejamos como natural a preocupação do legislador em preservar ainda mais o consumidor em relação as instituições bancárias e de crédito pela conjuntura do atual momento vivido, onde, pela crise econômica carregada pela SARS-Cov-2 (Covid-19), atingiu uma enorme quantidade de brasileiros se socorrem dos financiamentos, empréstimos bancários e cheques-especiais em uma situação quase de completa submissão as determinações daqueles.

Ademais, é certo o interesse comum do brasileiro ordinário, o dos empresários e do próprio Estado para que esses endividados retomem seu poder de compra e possibilitem um retorno mais agudo da economia, o que implica em aquecimento do mercado e o recolhimento maior de tributos em favor do Estado.

Mais a mais, salta aos olhos os dizeres “preservação do mínimo existencial” e “por meio da revisão e da repactuação da dívida” e dentro do contexto a que se propõe as novas alterações e na hipótese de as novas alterações – ainda que em um primeiro momento legitimas e legais – vierem a provocar um abalo financeiro que impossibilite ao consumidor manter-se minimamente (mínimo existencial), o contrato estará sujeito a um reequilíbrio através da análise do Poder Judiciário, inclusive modificando e reequilibrando a aplicação dos juros de mora e multas que eventualmente estejam previstos no instrumento particular e não poderia ser diferente, já que as alterações tem como proposta base a preservação do sustento mínimo da família e a garantia social.

E que não se diga que as alterações sejam uma medida de proteção ao devedor contumaz, uma vez que o próprio fornecedor de serviços e produtos possui os meios legítimos a verificar a capacidade financeira do consumidor em relação ao objeto pretendido, podendo perfeitamente aplica-las com equilíbrio ao serviço/produto prestado, sem o prejuízo irreparável ao consumidor.

Por fim, mas em igual sentido, reporto-me a um trecho da brilhante decisão do Ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo de Tarso Sanseverino, que ao se debruçar sobre a temática no REsp 1.584.501 assim dispôs: “Se o desconto consumir parte excessiva dos vencimentos do consumidor, colocará em risco a sua subsistência e a de sua família, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Assim, vislumbro que tais diretrizes caminham a manter, muito além da dignidade da pessoa humana como bem ressaltou o brilhante Min. Paulo de Tarso Sanseverino, mas a uma verdadeira prática financeira saudável e que trará, certamente, benefícios financeiros indiretos a economia de todo o país, uma vez que com o endividamento em menor escala, implicará em um poder de compra consciente e contínuo e assim permitindo uma econômica robusta e constante.

CLÁUSULAS ABUSIVAS.

Duas foram as introduções apresentadas pela nova lei quanto as já conhecidas cláusulas abusivas ou cláusulas de desequilíbrio, incluídas no artigo 51 do mencionado diploma legal, conforme disposto:

“Artigo 51 – [...]”

“XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;”

O sem efeito prático inciso XVII trouxe a impossibilidade de condicionar ou limitar o acesso aos órgãos do Poder Judiciário, algo já previsto na Constituição Federal de 1.988 em seu artigo 5º, inciso XXXV e, portanto, pouco justifica a sua inclusão nesta pequena reforma.

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Aliás, necessário destacar que o acesso ao judiciário por parte daquele que vier a se sentir lesado não é uma obrigação, mas uma possibilidade, visto que é perfeitamente e até aconselhável a utilização dos meios administrativos e eficientes para obtenção de acordos judiciais ou extrajudiciais.

“XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;”

Já no inciso XVIII, percorre uma linha tênue entre a proteção do consumidor e a gravíssima lesão ao livre comércio quando dispõe: “estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais”. Ora, implica sem disfarces ou meias palavras há um grave desequilíbrio contratual, uma vez que o fornecedor estará obrigado a manter a plena prestação de serviços sem nenhuma garantia de contra partida, afinal, tais penalidades não visam o lucro indevido, mas coibir praticas dolosas e aumento na inadimplência.

A falta de equilíbrio acompanha uma insegurança jurídica aos empresários e empresas que tenham interesse em produzir e prestar serviços em solo nacional e, certamente a proteção ao consumidor não pode e não deve ser absoluta e, tampouco, deve representar prejuízo a atividade empresarial e econômica que são fundamentais a economia do Estado e que aliás, assume todo o risco da operação.

SUPERENDIVIDAMENTO.

Com tais premissas assentadas, são tratados mais especificamente o tema “superendividamento” a partir do artigo 54-A, que não hesitou em definir o que é superendividamento, determinando:

“Artigo 54-A – [...]”

“§ 1º - Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”

Portanto, possibilita a extração de quatro requisitos essenciais a configuração do superendividamento, sendo (i) o consumidor ser pessoa natural; (ii) estar na condição de consumidor de boa-fé; (iii) a manifesta incapacidade no pagamento de suas dívidas e (iv) o pagamento ou a condição atual, afetem o mínimo existencial próprio ou de sua família. Contudo, se faz necessário esclarecer que não é todo aquele que se vê impossibilitado de efetuar o pagamento de suas dividas que estarão sob a luz do novo regramento, conforme dispõe o limite estabelecido no parágrafo 3º que nos trouxe o seguinte texto:

“Artigo 54-A – [...]”

“§ 3º - O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor”.

A análise conjunta dos dispositivos mencionados dá forma bastante clara que os novos dispositivos consumeristas não são a regra, mas a exceção, isso porque não basta ser um simples consumidor endividado se apresentar ao Poder Judiciário requerendo as benesses e possibilidades que serão descritas mais a diante, mas é essencial que todos os requisitos estejam devidamente preenchidos e configurados.

Além disso, é fundamental que os operadores da Justiça não se confundam com as dívidas cuja as origens provenham de uma real relação consumerista, ou seja, destinadas e comuns à vida cotidiana de uma pessoa média com aquelas que decorram do luxo, exercício profissional ou ainda da atividade empresarial do indivíduo que ardilosamente poderá tentar beneficiar-se indevidamente ou ainda, daquele consumidor inadimplente costumeiro.

CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA FORNECIMENTO DE CRÉDITO E NA VENDA A PRAZO.

 No Brasil há uma grande imperfeição entre o sentido atribuído a palavra transparência no que tange os contratos e o fator ciência quanto as cláusulas contidas no referido instrumento e que quase sempre uma não resulta ou implica na outra.

Ora, é correto afirmar que nem todos os brasileiros cursaram ou possuem um conhecimento mínimo e suficiente em Direito a ponto de compreender, efetivamente, os efeitos de determinadas cláusulas contidas em um contrato, em especial nos bem elaborados contratos bancários e financeiros, que conscientemente utilizam do bom “juridiquês” e que se tornam quase impossível atribuir o sentido transparência a prática.

Nessa mesma linha, não é difícil perceber que mesmo com a leitura e ciência do texto contido no contrato a ser assinado, o brasileiro comum não possui a mínima consciência das consequências financeiras que lhe atingirão mais tarde, portanto, o efeito transparência pretendido inicialmente pelo Código de Defesa do Consumidor, na prática é praticamente inexistente.

Tardiamente e com o equivoco de atribuir tais imposições somente nas relações de fornecimento de crédito e na venda a prazo, a nova lei traz algumas determinações fundamentais a tentar dar efetividade a palavra transparência, dispondo assim:

'Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre:

I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;

II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento;

III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias;

IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor;

V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.

§ 1º As informações referidas no art. 52 deste Código e no caput deste artigo devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor.

§ 2º Para efeitos deste Código, o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no art. 37 deste Código, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento.'

'Art. 54-C. É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não:

I - (VETADO);

II - indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor;

III - ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo;

IV - assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;

V - condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

Parágrafo único. (VETADO).'

'Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:

I - informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o disposto nos arts. 52 e 54-B deste Código, e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;

II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;

III - informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia do contrato de crédito.

Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.'

'Art. 54-E. (VETADO).

'Art. 54-F. São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento quando o fornecedor de crédito:

I - recorrer aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a preparação ou a conclusão do contrato de crédito;

II - oferecer o crédito no local da atividade empresarial do fornecedor de produto ou serviço financiado ou onde o contrato principal for celebrado.

§ 1º O exercício do direito de arrependimento nas hipóteses previstas neste Código, no contrato principal ou no contrato de crédito, implica a resolução de pleno direito do contrato que lhe seja conexo.

§ 2º Nos casos dos incisos I e II do caput deste artigo, se houver inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produto ou serviço, o consumidor poderá requerer a rescisão do contrato não cumprido contra o fornecedor do crédito.

§ 3º O direito previsto no § 2º deste artigo caberá igualmente ao consumidor:

I - contra o portador de cheque pós-datado emitido para aquisição de produto ou serviço a prazo;

II - contra o administrador ou o emitente de cartão de crédito ou similar quando o cartão de crédito ou similar e o produto ou serviço forem fornecidos pelo mesmo fornecedor ou por entidades pertencentes a um mesmo grupo econômico.

§ 4º A invalidade ou a ineficácia do contrato principal implicará, de pleno direito, a do contrato de crédito que lhe seja conexo, nos termos do caput deste artigo, ressalvado ao fornecedor do crédito o direito de obter do fornecedor do produto ou serviço a devolução dos valores entregues, inclusive relativamente a tributos.'

'Art. 54-G. Sem prejuízo do disposto no art. 39 deste Código e na legislação aplicável à matéria, é vedado ao fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas:

I - realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação;

II - recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato;

III - impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.

§ 1º Sem prejuízo do dever de informação e esclarecimento do consumidor e de entrega da minuta do contrato, no empréstimo cuja liquidação seja feita mediante consignação em folha de pagamento, a formalização e a entrega da cópia do contrato ou do instrumento de contratação ocorrerão após o fornecedor do crédito obter da fonte pagadora a indicação sobre a existência de margem consignável.

§ 2º Nos contratos de adesão, o fornecedor deve prestar ao consumidor, previamente, as informações de que tratam o art. 52 e o caput do art. 54-B deste Código, além de outras porventura determinadas na legislação em vigor, e fica obrigado a entregar ao consumidor cópia do contrato, após a sua conclusão.'"

Dentre os dispositivos acima mencionados, indispensável ressaltar as disposições, bem como as determinações contidas nos artigos 54-B, 54-D e, especialmente, o parágrafo único deste último, que implica ao fornecedor a responsabilidade de prestar um serviço efetivamente transparente e objetivo ao consumidor sob pena de ver, através do poder judiciário, a redução dos encargos contratuais e até mesmo a dilação do prazo para pagamento, que observará o binômio culpa e possibilidade de pagamento.

Assim, verifica-se que não mais se trata de possuir um contrato devidamente assinado e cujo os requisitos legais estejam devidamente preenchidos, mas sim de uma prestação de serviço verdadeiramente eficiente, muito além do documento físico e que ao final possibilite ao consumidor uma transparência e o pleno conhecimento das obrigações pactuadas, principais e acessórias.

DA CONCILIAÇÃO NO SUPERENDIVIDAMENTO.

Ainda que venha a tornar o presente artigo um pouco mais extenso do que era pretendido, necessário se faz mencionar os novos dispositivos para conhecimento e após, as considerações pontuais, vejamos:

'Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

§ 1º Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural.

§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.

§ 3º No caso de conciliação, com qualquer credor, a sentença judicial que homologar o acordo descreverá o plano de pagamento da dívida e terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada.

§ 4º Constarão do plano de pagamento referido no § 3º deste artigo:

I - medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida;

II - referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso;

III - data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes;

IV - condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento.

§ 5º O pedido do consumidor a que se refere o caput deste artigo não importará em declaração de insolvência civil e poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 (dois) anos, contado da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.'

'Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.

§ 1º Serão considerados no processo por superendividamento, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.

§ 2º No prazo de 15 (quinze) dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa de aceder ao plano voluntário ou de renegociar.

§ 3º O juiz poderá nomear administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 (trinta) dias, após cumpridas as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.

§ 4º O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.'

'Art. 104-C. Compete concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas, nos moldes do art. 104-A deste Código, no que couber, com possibilidade de o processo ser regulado por convênios específicos celebrados entre os referidos órgãos e as instituições credoras ou suas associações.

§ 1º Em caso de conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural, os órgãos públicos poderão promover, nas reclamações individuais, audiência global de conciliação com todos os credores e, em todos os casos, facilitar a elaboração de plano de pagamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, sob a supervisão desses órgãos, sem prejuízo das demais atividades de reeducação financeira cabíveis.

§ 2º O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas.'"

O procedimento instituído pela nova lei em muito se assemelha ao já conhecido processo de recuperação judicial empresarial (Lei nº. 11.101/2005) e se caracteriza por possuir duas fases – ainda que nomeadas pela nova lei como processos, o que abre margem para uma interpretação equivocada de serem processos distintos, se tem um mesmo ato processual a instauração das duas fases e um desfecho único - sendo a primeira conciliatória e a segunda compulsória.

A primeira fase, que será instaurada a requerimento do consumidor superendividado, será realizada uma espécie de assembleia de credores, tal qual ocorre no plano de recuperação judicial empresarial, onde de um lado o consumidor apresentará uma proposta de pagamento de todas as dívidas no prazo máximo 05 (cinco) anos e que de um lado possibilite o resguardo de um mínimo existencial e de outro lado cumpra com o pagamento do valor principal da dívida, no mínimo.

Por último e na hipótese de restar infrutífera a conciliação, o Juiz, inclusive com a possibilidade de contar com a colaboração de um administrador, observadas as determinações do artigo 104-B, § 3º - que deverá apresentar um novo plano de pagamento que contemple todas as medidas necessárias e instituídas pela nova reforma e que obriga aos credores e ao devedor ao seu cumprimento.

Além disso, quanto a nomeação do referido administrador e pela impossibilidade de onerar as partes, verifica-se que a responsabilidade para tal será incumbida aos CEJUSC’s para a adaptação de seus profissionais à realização do referido trabalho ou até mesmo por meio de nomeação de Defensor Público, de modo similar ao que ocorre no direito italiano, onde o juízo pode nomear por simples escolha advogado ou profissionais capacitados e inscritos nas áreas de administração ou economia.

Há de se ressaltar que o próprio plano assegurará ao consumidor a quitação dos valores, quando do cumprimento integral do plano.

A NOVA LEI E O ESTATUTO DO IDOSO.

Para assegurar a efetividade que se propõe a nova lei, a instituição financeira e de crédito ganha respaldo para a negativa de crédito quando verificada a incapacidade financeira do Idoso ou o avanço ao superendividamento e não poderia ser diferente já que o objetivo principal é assegurar ao consumidor vulnerável a garantia do mínimo existencial e se tratando de pessoa idosa e, portanto, hipervulnerável na relação consumerista, é essencial que as instituições tomem pra si o dever de zelar por estes indivíduos.

Assim, a nova lei altera o estatuto do idoso e traz ao artigo 96, o parágrafo 3º, que assim dispõe:

“Artigo 96 –“

“§ 3º - Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.”

Há de se ressaltar, contudo, conforme a jurisprudência predominante que idoso não é sinônimo de tolo e, portanto, há uma forte necessidade de uma análise do caso concreto, seja por parte da instituição financeira ou de crédito ou seja por parte do judiciário na análise da lide.

CONCLUSÃO.

A nova lei me parece ser um verdadeiro marco na história recente do Direito do Consumidor no Brasil e, certamente, trará resultados significativamente positivos se a aplicação dos novos dispositivos ocorrerem como bem pretende o legislador, contudo, é preciso cautela e para com o tempo verificarmos como o judiciário irá se posicionar perante este verdadeiro plano de recuperação do brasileiro endividado, que exigirá muito de um já sobrecarregado sistema judiciário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BERTOLDI, Marcelo M. Bertoldi. RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 10ª ed. – Revista dos Tribunais, 2016, p. 524 -535.

Código de Defesa do Consumidor. 3. Ed. São Paulo: ed. rt, 2010.

Lei nº. 14.181 de 01 de julho de 2.021. Altera a Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº. 10.741 de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 26ª ed. Saraiva, 2014.

Sobre o autor
Rafael Scopelli

Formado em Direito pela Universidade de Araraquara. Pós Graduando em Direito Ambiental e do Agronegócio pela PUC-PR. Pós Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Damásio Educacional. Pós Graduado em Direito Processual Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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