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O jusnaturalismo católico

Agenda 24/07/2021 às 20:33

Um pequeno ensaio sobre o direito natural do ponto de vista cristão católico.

O Direito Natural é a corrente jusfilosófica que crê e ensina que os direitos provêm de Deus, criador da lei eterna - imutável e atemporal. A lei natural seria, stricto sensu, a lei eterna, enquanto participada à natureza racional do homem: participatio legis aeternae in rationali criatura (TOMÁS DE AQUINO., I-II, q. 91, a. 2). Esta lei estaria inscrita na consciência do ser humano através de princípios e seria acessada por meio da sindérese. O justo natural ou direito natural é o débito estrito em relação a outra pessoa, com fundamentos na lei da natureza.

Acredita-se que o termo Direito1 se origina do particípio passado do verbo latino dirigere, que significa dirigido, composto pela partícula di e do verbo regere, que significa reger ou governar (particípio passado: rectum). O direito é “aquela coisa que, estando atribuída a um sujeito, que é seu titular, é devida a esse, em virtude de uma dívida em sentido estrito” (Hervada, pp.136, 1987). Com o passar do tempo, o vocábulo assumiu outras conotações, por analogia, significando: Norma Jurídica (Lei), Poder Jurídico, Saber Jurídico, Lugar Jurídico e pessoa realiza o direito (Juiz, partes, o notário etc.). Tomás de Aquino aborda este assunto:

“É habitual serem os nomes desviados da sua primitiva significação para significar outras coisas. Assim, o nome de medicina foi empregado, primeiro, para designar o remédio dado a um enfermo, para que sare; depois, passou a significar a arte de curar. Assim também, a palavra ius foi empregada primeiramente para significar a coisa justa mesmo; depois, porém, aplicou-se à arte pela qual conhecemos o justo; ulteriormente, para significar o lugar em que é aplicado o direito, como quando se diz que alguém deve comparecer perante a justiça; e, por fim, chama-se ainda direito o que é aplicado por quem tem o dever de fazer justiça, embora seja iníquo o que decidiu.” (TOMÁS DE AQUINO, II-II, q. 57, a.1 ad 1)

Dentre os autores que advogam por esta corrente de pensamento estão: Cícero, Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha, Tomás de Aquino, John Finnis, Michel Villey, Leo Strauss, Javier Hervada, Ricardo Dip, Vitor Sales Pinheiro, José Pedro Galvão de Sousa e Eric Voegelin.

É importante ressaltar que jusnaturalismo não se confunde com o jusracionalismo, muitas vezes nomeado jusnaturalismo racional (dentre seus pensadores estão: Hobbes, Locke, Espinosa etc.). Esta corrente de pensamento buscou um sistema de direito baseado na razão, deduzido desta, que em muitos casos possuía grande tendencia reformista em relação ao direito estabelecido.

A lei natural também não é uma espécie de catálogo de normas positivadas proibitivas ou permissivas, nem induz a criação de um código ideal de direitos, sendo predominantemente principiológica.

O adjetivo católico ao termo jusnaturalismo indica que este está de acordo com os enunciados e preceitos da religião católica. A religião católica, segundo dados se trata da maior religião em número de adeptos no Brasil e em todo o mundo, alega ser fundada pelo próprio Cristo, que delegou a administração de sua Igreja (reunião de pessoas) ao apóstolo Simão Pedro que, conforme estabeleceu a Tradição, foi o 1º papa.

Após a ressureição de Jesus Cristo, a administração da sua Igreja foi delegada ao papa, vigário do Cristo na terra e aos epíscopos (bispos) que governam em suas dioceses (unidades territoriais). Isto está presente nas Sagradas Escrituras, no livro de Matheus:

"Jesus, então, lhe disse: “Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”." (BÍBLIA, Mateus, 16, 17-19)

Este poder sobre a administração da Igreja Católica ficou conhecido como Magistério, cabendo a ele o guiar e o esclarecimento do povo católico nas questões de fé e moral, a partir das interpretações das escrituras e da Tradição constituída ao longo dos quase 2000 anos de existência.

A Igreja por sua vez, através de suas autoridades, sempre foi uma ferrenha defensora da lei natural (como já mencionado, partícipe da lei eterna, criada pelo próprio Deus), ensinamentos em favor desta estão presentes em diversos textos ligados à esta instituição, tais como: O Catecismo da Igreja Católica, que esclarece:

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“As expressões da lei moral são diversas, mas todas coordenadas entre si: a lei eterna, fonte em Deus de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei antiga e a Lei nova ou evangélica: por fim, as leis civis e eclesiásticas.” (CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000. pp. 516.; CIC 1952.)

Os escritos dos santos, tal como já mencionado em Tomás de Aquino; A Bíblia Sagrada, precisamente na epístola II de Pedro: "Mas estes, quais brutos destinados pela Lei natural para a presa e para a perdição, injuriam o que ignoram, e assim da mesma forma perecerão. Esse será o salário de sua iniquidade." (BÍBLIA, II Pedro 2, 12); As declarações dos seus membros e em diversas outras fontes, a Igreja é ferrenha defensora da Lei Natural. A lei natural para a Igreja é revelada através dos mandamentos a Moisés, que constitui um regramento moral a nortear toda a cristandade.

Cabe ressaltar que não é por ser contrário a Lei natural, que uma conduta deve ser regulada pelo Direito. É objeto do Direito todo ato2 que transcende a individualidade atingindo a terceiros, ao passo que a Moral abarcaria todo agir humano. Deste modo, se a Moral pode ser resumida a: Agir (Verbo mais adequado do que “fazer”) o bem e evitar o mal. o Direito preceituaria: Agir o bem a outrem e evitar o mal a outrem.

Importante ressaltar que a lei natural não é uma espécie de catálogo de normas positivadas proibitivas ou permissivas, nem induz a criação de um código ideal de direitos, sendo predominantemente principiológica. A Igreja nunca recitou um modelo ou formato de governo, mas sempre emitiu juízos a respeito destes, “O Papel da teologia certamente não é determinar a política nem o direito, mas os julga. Faz uma seleção” (Villey, pp.103. 1987).

Todavia a partir do século XIX com as constantes mudanças ocorridas na vida social, os papas iniciaram uma série de encíclicas e exortações para elucidar e definir o que seria conveniente ao cidadão católico dentro da seara política e social. Esta série de documentos ficou conhecida como Doutrina Social da Igreja (DSI). A 1ª encíclica sobre este tema foi a Rerum Novarum (em português, "Das Coisas Novas") que condenou o Liberalismo e Socialismo e inclinou-se favorável ao Distributismo. O último documento até os dias atuais é a Fratelli tutti 3 (em português: 'Todos irmãos'; subtítulo: "sobre a fraternidade a amizade social"), do ano 2020. Dentre os princípios da DSI estão: 1) A dignidade da pessoa humana, como criatura à imagem de Deus e a igual dignidade de todas as pessoas; 2) respeito à vida humana, 3) princípio de associação, 4) princípio da participação, 5) princípio da solidariedade, 6) princípio da subsidiariedade, 7) princípio do bem comum, 8) princípio da destinação universal dos bens.

Todos esses princípios inclinarão a análise axiológica sobre a temática ambiental, ao lado das sagradas escrituras.


Notas

1 E seus representantes em outros idiomas, tais como: derecho, diritto, droit, right, recht, dereito, deréit, dret, drech, dritto, drecho, etc)

2 Não somente o agir, incluindo a inação.

3 Anteriormente à esta encíclica foi publicada a encíclica Laudato si, na qual o papa realiza críticas ao consumismo e ao desenvolvimento irresponsável e efetua um apelo à mudança e à unificação global para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas.


Referências Bibliográficas

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAVIE, Paulo Lemgruber Xavier Mattoso. O jusnaturalismo católico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6597, 24 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92081. Acesso em: 22 dez. 2024.

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