VALOR MERAMENTE INFORMATIVO DO INQUÉRITO POLICIAL
Lopes Jr. aduz que somente através do processo penal, consistente em estrutura contraditória e dialética, é possível a produção de provas, sendo o IP apenas um instrumento de apuração de atos de investigação. [43]
Rangel afirma, sobre o valor dos indícios apurados no inquérito policial, que estes podem embasar uma condenação, desde que sejam corroboradas em juízo, ou seja, novamente produzidos em juízo, sob o contraditório e ampla defesa. [44]
Tucci dignifica a legitimidade da obtenção da prova em pressuposto da plenitude de defesa, uma das pilastras do processo penal constitucional. [45]
Como justificar a condenação com base no IP, mesmo que de forma indireta, com o argumento de que a prova judicializada confirma o que foi apurado no IP, ou seja, não foi suficiente por si só para trazer elemento seguro de culpa do réu, necessitando-se buscar mais elementos para condená-lo, na investigação preliminar.
Como o inquérito é peça meramente informativa, sem natureza probatória, os autos do IP, preferencialmente, deveriam ser desentranhados dos autos do processo, após o recebimento da denúncia, para que não se contamine a convicção do juiz com o perigoso expediente de conferir o que foi apurado no processo penal com os elementos de informação do inquérito. [46]
A dificuldade e a tendência à valorização do inquérito, como meio de prova, são resquícios do processo penal inquisitório, a falsa busca da verdade real e do culpado, sem restrições, pois os fins justificam os meios. [47]
Gomes Filho capta bem a dificuldade na concepção de que somente a prova legitimada pelo processo acusatório pode embasar uma condenação, valendo-se, não raramente, o juiz de elementos amealhados no inquérito para justificar uma condenação, justicializando o processo e punindo o réu pelo mal que causou a sociedade. [48]
Refuta-se qualquer argumento de que o IP pode trazer elementos de prova capaz de justificar uma condenação.
A condenação só pode ter como fundamento a prova colhida em juízo, perante o contraditório e ampla defesa, cabendo a investigação preliminar apenas apurar os fatos de forma sumária, sem nenhum valor probatório.
DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: GARANTIA DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL
A prova do processo penal deve ser produzida em juízo, na presença do juiz de direito, com todas as garantias processuais constitucional para o réu.
Entretanto, os autos do IP, mesmo após o oferecimento da denúncia, acompanharão o processo penal, como determina o art. 12 do CPP.
Este fato, inquestionavelmente, por maior que seja a imparcialidade e independência do magistrado, contamina o processo penal acusatório, pois o IP é justamente a primeira peça que acompanha a denúncia, sendo, obrigatoriamente, lido e avaliado pelo juiz.
Ao ser recebida a denúncia, toda a prova será produzida em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo totalmente descabido que os autos do IP, procedimento administrativo, inquisitivo e sigiloso, acompanhe a denúncia.
Lopes Jr. se pronuncia com veemência sobre a insustentável situação, que é regra geral, de que o inquérito acompanhe a denúncia, e, o que é mais grave, seja referido pelo juiz quando da condenação do réu. [49]
A permanência do IP junto ao processo penal acusatório contamina a imparcialidade do juiz, que mesmo com a simples leitura do inquérito, poderá formar juízo, até inconsciente, em desfavor do réu.
Se o próprio CPP determina que somente a prova judicializada é valida para formar a convicção do juiz, há evidente contradição com o art. 12 do CPP, que determina que os autos do IP deverão acompanhar a denúncia.
Sem falar no mandamento constitucional do art. 5º, LIV, de que somente o devido processo legal pode tolher a liberdade ou o patrimônio do cidadão, que é violado a todo instante, em todo processo penal onde não seja desentranhado o auto do IP.
Ao não ter o contato físico com o IP, o juiz que fará a instrução do processo penal está isento de qualquer pré-juízo de valor em relação ao réu, ficando com ampla liberdade de consciência para dar seu veredicto sobre os fatos que se imputam ao acusado.
Neste ponto, novamente incide a incompetência do juiz que tenha proferido atos no curso do IP, sendo o processo obrigatoriamente julgado por outro juiz que não tenha praticado atos de cunho investigatório, garantindo a imparcialidade do juízo.
Mister, portanto, de lege lata, que se observe a Constituição Federal e o próprio CPP que determina que somente a prova judicializada por fundamentar a decisão do magistrado, desentranhado-se os autos do IP após o recebimento da denúncia.
CONCLUSÃO
Depois da analise dos sistemas de investigação preliminar existentes, apontamentos sobre as desvantagens para o cidadão do sistema de investigação preliminar a cargo da polícia, fundamentamos a extinção do IP e a condução da investigação preliminar pelo MP, titular da ação penal e órgão capaz de assegurar maior eficácia na apuração das infrações penais, passando a policia judiciária como órgão auxiliar na condução da investigação criminal.
NOTAS
01 LOPES Jr., Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 63: O sistema de investigação preliminar policial caracteriza-se por encarregar à polícia judiciária o poder de mando sobre os atos destinados a investigar os fatos e a suposta autoria, apontados na notitia criminis ou através de qualquer outra fonte de informação. Todas as informações sobre os delitos públicos são canalizadas para a polícia, que decidirá e estabelecerá qual será a linha de investigação a ser seguida, isto é, que atos e de que forma.
02 IDEM, Ibidem. p.70: o juiz instrutor é a máxima autoridade, responsável pelo impulso e direção oficial. É o principal responsável pelo desenvolvimento da instrução preliminar. Como protagonista, o juiz instrutor detém todos os poderes para realizar as investigações e diligências que entenda necessárias para aportar elementos de convicção que permitam ao Ministério Público acusar, e a ele decidir, na fase intermediária, pela admissão ou não da acusação.
03 IDEM, Ibidem. p. 85: do promotor investigador poderá obrar pessoalmente e/ou por meio da polícia judiciária (necessariamente subordinada a ele).
04 IDEM, Ibidem. p. 63.
05 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 766.
06 LOPES Jr., Aury. Op. cit., p. : 105: a sumariedade implica a proibição de que o órgão encarregado da investigação preliminar (juiz instrutor, promotor investigador ou polícia) analise a fundo a matéria, ou seja, o fato constante na notícia crime, de modo que não poderá comprovar de forma plena todos os elementos necessários para emitir um juízo de certeza. Como não há busca da certeza, mas a mera probabilidade, o grau de profundidade com que se investiga, ou quanto a ser esclarecido, é menor.
07 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 765: es evidente que el proceso de democratización de la justicia penal crece con la reducción del sistema penal preventivo o de polícia y con la ampliación del ordinario o retributivo. Y crece, sobre todo, con la reducción de ese amplio subsistema de abusos y desviaciones integrado por las prácticas extralegales de la polícia y con el divorcio entre normatividad y efectividad del monopolio penal y judicial de la violencia estatal.
08 LOPES Jr., Aury. Op. cit., p. 368.
09 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit, p. 183.
10 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 368: o inquérito policial é um sistema falido.
11 IDEM, Ibidem, p. 65.
12 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit, p. 763: la propria ley confiere a la polícia amplios poderes discricionales para restringir la libertad.
13 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 370: em definitivo, são necessárias profundas modificações legislativas na investigação preliminar brasileira e essas modificações devem partir do fortalecimento da situação jurídica do sujeito passivo.
14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit, p. 186: a polícia judiciária exerce aquela atividade, de índole eminentemente administrativa, de investigar o fato típico e apurar a respectiva autoria.
15 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 212.
16 IDEM, Ibidem. p. 44.
17 RANGEL, Paulo. Op. cit, p. 72: Desta forma, surge a chamada percutio criminis, que é exercida pela polícia judiciária (através do inquérito policial) e pelo Ministério Público (através da competente ação penal). A função jurisdicional fica inerte, aguardando o resultado da auto-executoriedade dos atos da administração e a devida provocação, pois, não obstante Tício ter violado a norma penal (matar alguém), somente os órgãos jurisdicionais poderão julgá-lo, compondo a lide a ser instaurada. É o chamado princípio do juiz natural (nulla poena sine iudicio - não há pena sem processo). O inquérito policial, portanto, é o instrumento de que se vale o Estado, através da polícia, órgão integrante da função executiva, para iniciar a persecução penal com o controle das investigações realizadas do Ministério Público (cf. art. 129, VII, da CRFB).
18 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 46.
19 IDEM, ibidem, p. 52: A nosso juízo, a função de evitar acusações infundadas é o principal fundamento da instrução preliminar, pois em realidade evitar acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto (juízo provisório e de probabilidade) e com isso também assegurar a sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal. Se a impunidade causa uma grave intranqüilidade social, não menos grave é o mal causado por processar um inocente.
20 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal, tradução José Antônio Cardinalli. Campinas: Conam Editora, 1995, p. 43: A tarefa do processo penal está no saber se o acusado é inocente ou culpado. Isto quer dizer, antes de tudo, se aconteceu ou não aconteceu um determinado fato: um homem foi ou não foi assassinado, uma mulher foi ou não foi violentada, um documento foi ou não foi falsificado, uma jóia foi ou não foi levada embora? Necessitaria saber o que é um fato, antes de tudo. São palavras que se usam pela intuição; que se compreendem aproximadamente; mas precisa refletir-se sobre. Um fato é um pedaço de história; e a história é a estrada que percorrem, do nascimento à morte, os homens e a humanidade. Um pedaço de estrada, portanto. Mas da estrada que se fez, não da estrada que se pode fazer. Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer, portanto, voltar atrás. Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história.
21 HANS, Kelsen. O que é Justiça; tradução Luís Carlos Borges. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 1 e 261: O que é justiça? Quando Jesus de Nazaré, no julgamento perante o pretor romano, admitiu ser rei, disse ele: "Nasci e vim a este mundo para dar testemunho da verdade." Ao que Pilatos perguntou: "O que é a verdade?". Cético, o romano obviamente não esperava resposta a esta pergunta, e o Santo também não a deu. Dar testemunho da verdade não era o essencial em sua missão como rei messiânico. Ele nascera para dar testemunho da justiça, aquela justiça que Ele desejava concretizar no reino de Deus. E, por essa justiça, morreu na cruz. Dessa forma, emerge da pergunta de Pilatos - o que é a verdade? - através do sangue do crucificado, uma outra questão, bem mais veemente, a eterna questão da humanidade: o que é a justiça? Nenhuma outra questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma outra foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso; sobre nenhuma outra, ainda, as mentes mais ilustres - de Platão a Kant - meditaram tão profundamente. E, no entanto, ela continua até hoje sem resposta. Talvez por se tratar de uma dessas questões para as quais vale o resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; deverá apenas tentar perguntar melhor. Libertar o conceito de direito da idéia de justiça é difícil porque eles são constantemente confundidos no pensamento político e na linguagem comum, e porque essa confusão corresponde à tendência de permitir que o direito positivo afigure-se como justo. Em vista dessa tendência, o esforço para tratar o direito e a justiça como dois problemas diferentes incorre na suspeita de dispensar a exigência de que o direito positivo deva ser justo. Mas a teoria pura do direito simplesmente declara-se incompetente para responder tanto à questão de ser dado direito justo ou não como a questão mais fundamental do que constitui a justiça. A teoria pura do direito - uma ciência - não pode responder a essas questões porque elas absolutamente não podem ser respondidas cientificamente.
22 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 368: gracias a él la pena no es un prius, sino un posterius, no una medida preventiva o ante delictum, sino una sanción retributiva o post delictum.
23 TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit, p. 28: Dado esse caráter indireto da coação penal, necessita o Estado, para torná-la efetiva, ostentar a titularidade de outro direito, igualmente público e subjetivo, e concorrentemente denominado ius persequendi, ou ius persecutionis. Consiste ele no poder-dever de promover a perseguição do indigitado autor da infração penal até o momento em que lhe seja imposta, definitivamente, com o trânsito em julgado da correspondente sentença condenatória, a sanção em lei estabelecida para a prática de fato por ela tida como penalmente relevante. E exterioriza-se na persecução penal (persecutio criminis), consubstanciada numa atuação de agentes estatais destinada à verificação da existência material da infração penal e da culpabilidade de seu autor, para conseqüente aplicação das normas de direito penal material ao caso concreto; e dividida, no sistema processual penal vigorante no Brasil, em duas fases, a saber: a) a primeira, pré-processual - administrativa na forma e na substância, e judiciária à sua finalidade -, denominada investigação criminal (informatio delicti), e efetuada, em regra, por órgãos da administração pública, especialmente a Polícia Judiciária.
24 LOPES Jr., Aury, Op. cit, p. 46: Em regra, o ponto de partida da investigação preliminar é a notitia criminis e, por conseqüência, o fumus commissi delicti. Essa conduta delitiva é, em regra, geralmente, praticada de forma dissimulada, oculta, de índole secreta, basicamente por dois motivos: para não frustar os próprios fins do crime e para evitar a pena como efeito jurídico.
25 LOPES Jr., Aury. Op cit., p. 163: esta é a posição que o juiz deve adotar quando chamado a atuar no inquérito policial: como garante dos direitos fundamentais do sujeito passivo.
26 RANGEL, Paulo. Op. cit, p. 73: O Ministério Público tem o dever de exigir que a investigação seja feita pela polícia, que exerce a atividade de polícia judiciária dentro do devido processo legal, e, portanto, com respeito aos direitos e garantias individuais, colhendo as informações necessárias e verdadeiras, sejam a favor ou não do indiciado. O inquérito não é para apurar culpa, mas sim a verdade de um fato da vida que tem aparente tipificação penal.
27 LOPES Jr., Aury. Op cit., p. 81: o juiz intrui e o MP acusa para outro juiz julgar.
28 MARTINS, Elieser Pereira e outro. Inquérito policial militar. São Paulo: Editora de Direito, 1996, p. 42: Da natureza provisória do inquérito policial militar resulta que o mesmo se destina a fornecer, de forma imediata, ao órgão do Ministério Público em funcionamento junto às Justiças Militares estaduais e federal os elementos de autoria e materialidade que ensejem a propositura da ação penal militar. Mercê da provisoriedade do inquérito policial militar, resulta que dele não se extrairão, ab initio, conseqüências penais definitivas.Ainda da provisoriedade do inquérito policial militar, resulta, portanto, a possibilidade da reprodução das provas nele coligidas, já que procedimento administrativo preliminar e meramente informativo, que pode por vezes conter vícios e falhas.
29 RANGEL, Paulo. Op. cit, p. 74: O inquérito tem valor apenas informativo. Não visa emitir nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor do fato, que, apontado no inquérito como tal, passa a ser tratado como indiciado (indicado como, apontado). Assim, sua finalidade é preparar os elementos necessários que possibilitem ao titular da ação penal (pública ou privada) a descrição correta, na peça exordial (denúncia ou queixa), dos elementos objetivos, subjetivos e normativos que integram a figura típica.
30 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 41: A investigação preliminar pode ser considerada como um iter, uma situação intermediária que serve de elo de ligação entre a notitia criminis e o processo penal. Valorativamente, possibilita, com a investigação, a transição entre a mera possibilidade (notícia-crime) para uma situação de verossimilitude (imputação/Indiciamento), necessária para adoção de medidas cautelares e para receber a ação penal.
31 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit, p. 188: inquérito policial é, pois, o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judicária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.
32 IDEM, Ibidem, p. 188: qual a finalidade do inquérito policial? Pela leitura de vários dispositivos do CPP, notadamente o 4º e 12, há de se concluir que o inquérito visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promove-la.
33 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 295
34 IDEM, ibidem, p. 295: O indiciamento deve resultar do instante mesmo em que, no inquérito policial instaurado, verificou-se a probabilidade de ser o agente o autor da infração penal, e, como instituto jurídico, deverá emergir configurado em ato formal de polícia judiciária.
35 IDEM, Ibidem. p. 299: por fim, sempre destacando a falta de uma regulamentação legislativa adequada, entendemos que o indiciamento deve ser considerado uma carga para o sujeito passivo, mas também marca o nascimento de direitos, entre eles o de defesa. Logo, é também uma garantia. Evita-se uma acusação de surpresa ou, o que é igualmente grave, comparecer perante a autoridade policial como "testemunha", quando na realidade é o principal suspeito. Na prática, infelizmente, o indiciamento como ato em si mesmo não existe. Foi substituído pelo interrogatório e um formulário destinado a qualificar o sujeito. Uma lamentável degeneração.
36 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 153-154: O Ministério Público poderá participar do inquérito policial conduzido pela polícia judiciária como um assistente contingente, acompanhando a atividade. Ademais, poderá requerer a instauração, acompanhar e requisitar diligências no curso de um inquérito policial. Neste caso, atua junto com a polícia judiciária, acompanhando-a. Seria imprescindível, desde um ponto de vista lógico e jurídico, que a polícia judiciária estivesse funcionalmente subordinada ao MP. Sem embargo, o chamado controle externo da atividade policial ainda não foi devidamente regulado a ponto de podermos afirmar que o MP preside o inquérito policial. Logo, o promotor poderá a instauração do IP (art. 129, VIII, da CB c/c art. 26, IV da lei n.º 8.625/93 e 7º, II da lei complementar n.º 75/93) acompanhando a atividade policial e requisitando diligências que devem ser praticadas - art. 13, II do CPP c/c art. 7º, II da lei n.º 75/93 c/c art. 26, IV da lei n.º 8.625/93 - salvo quando existir uma causa justificada e fundamentada para não atender à requisição. No âmbito do CPP, prevê o art. 13, II, que a polícia judiciária deverá realizar as diligências requisitadas pelo Ministério Público no curso do inquérito policial. Estas diligências inclusive poderão ser requisitadas diretamente à autoridade policial (art. 47). No mesmo sentido, as leis n.º 75/93 e n.º 8.625/93 possuem diversos dispositivos que outorgam poderes ao MP de requisitar diligências investigatórias, acompanhar a atividade policial e apresentar provas para serem juntadas ao inquérito. Em definitivo, não pairam dúvidas de que o Ministério Público poderá requisitar a instauração do inquérito e/ou acompanhar a sua realização. Mas sua presença é secundária, acessória e contingente, pois o órgão encarregado de dirigir o inquérito policial é a polícia judiciária
37 RANGEL, Paulo. Op. cit, p. 97: A Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu, como função institucional do MP, exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior (cf. art. 129, VII). Assim, reforça-se o sistema acusatório, onde o Ministério Público entrega-se à função de controlar as atividades policias, visando a uma melhor colheita do suporte probatório mínimo que irá sustentar eventual imputação penal. Não passa o Ministério Público a ser um órgão correcional da polícia, mas, sim, um órgão fiscalizador das atividades de polícia, seja ela judiciária ou preventiva.
38 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 63.
39 IDEM, Ibidem. p. 155: Analisando os diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as leis n.º 75/93 e n.º 8.625/93, especialmente o disposto nos arts. 7º e 8º da primeira e 26 da Segunda, constata-se que no plano teórico está perfeitamente prevista a atividade de investigação do promotor na fase pré-processual. Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar, pois o art. 144, §§ 1º, I e 4º, simplesmente prevêem que a Polícia Federal e a Civil deverão exercer as funções de polícia judiciária, apurando as infrações penais. Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça
40 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit. p. 766: Pero, al contrario de otras ramas de la administración pública, actúa en contacto directo con las libertades fundamentales; y ahí tiene que actuar no sólo como función auxiliar de la jurisdicón, sino también en ejercicio de competencias propias y autónomas, como son las preventivas y cautelares frente a sujetos peligrosos y sospechos. Por ello su fuerza se manifiesta como violencia, y de ahí proviene su latente ilegitimidad con respecto al paradigma del estado de derecho.
41 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 68-69: O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com que a polícia seja um órgão facilmente pressionável pela imprensa, por políticos e pelas camadas mais elevadas da sociedade. Também é responsável pelo embrutecimento da polícia o completo desprezo dos direitos fundamentais do suspeito, que de antemão já é considerado como culpado pela subcultura policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em dúvida pelas denúncias de corrupção e de abuso de autoridade.
42 IDEM, Ibidem. p. 368: a investigação preliminar deve estar a cargo do Ministério Público, que deverá ter efetivamente o controle externo da atividade policial, através de instruções gerais e específicas.
43 LOPES Jr., Aury. Op. cit., p. 131: A única verdade admissível é a processual, produzida no âmago da estrutura dialética do processo penal e com plena observância das garantias de contradição e defesa. Em outras palavras, os elementos recolhidos na fase pré-processual são considerados como meros atos de investigação e, como tal, destinados a Ter uma eficácia restrita as decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediaria.
44 RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 77-78: Questão controvertida na doutrina é saber se o juiz pode condenar o réu com base apenas nas provas (informações) contidas no inquérito policial, sem que sejam corroboradas no curso do processo judicial. A resposta, para nós, a esta indagação, encontra-se na própria natureza jurídica acima mencionada, bem como na essência do princípio da verdade real, sem olvidar o sistema de provas adotados pelo Código: livre convicção. O princípio da verdade real é básico e fundamental na administração da justiça (seja criminal ou civil), porém deve ser ele compatível e harmonioso com o contraditório, pois não pode haver verdade ouvindo-se apenas uma das partes (empregamos a expressão partes no sentido genérico e não técnico, pois no inquérito não há partes). Assim, não obstante a busca da verdade real dos fatos, esta deve ser procurada por todos que integram a relação jurídica processual e não só pelo Estado, pois, do contrário, não haveria igualdade de tratamento. É cediço que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação das provas (cf. art. 5º, LVI da CRFB c/c 155 do CPP). Porém, a valoração dos elementos colhidos na fase do inquérito somente poderá ser feita em conjunto com as provas colhidas no curso do processo judicial, pois, sendo o inquérito, meramente um procedimento administrativo, de característica inquisitorial, tudo o que nele for apurado deve ser corroborado em juízo. O inquérito, assim, é um suporte probatório sobre o qual repousa a imputação penal feita pelo Ministério Público, mas que deve ser comprovada em juízo, sob pena de se incidir em uma das hipóteses do art. 386 do CPP. Conclusão: entendemos inadmissível a condenação do réu com base apenas nas provas (rectius = informações) colhidas durante a fase do inquérito policial, sem que as mesmas sejam corroboradas no curso do processo judicial, sob o crívo do contraditório, pois a instrução policial ocorreu sem a cooperação do indiciado e, portanto, inquisitorialmente.
45 TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 184: Para que a garantia da plenitude da defesa seja uma realidade ao direito a informação e atuação, e ao contraditório, deve ser somado o direito a prova, mais especificamente o direito a prova legitimamente obtida ou produzida, que, por certo, se faz ínsito a contraditoriedade da instrução criminal.
46 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 131.
47 FERRAJOLI, Luigi. Op. cit, p. 765.
48 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 34-39: Com relação as provas, não é difícil constatar a aberta adesão ao sistema inquisitório, visto como um progresso ou "forma superior do ordenamento processual", pois reconhecida a "verdadeira essência do processo, isto é, uma indagação critica e imparcial da verdade". A busca obsessiva dessa verdade, que caracterizara a inquisição canônica e dos estados absolutos, e que sempre teve indisfarçados objetivos políticos, passava então a encontrar uma justificação racional, haurida do positivismo criminológico: no processo penal, o tema que o juiz tem diante de si não é apenas um fato, mas um homem, em razão do que a questão de fato é aberta até o momento da sentença. Não é difícil concluir que diante dessa postura metodológica ganha importância a figura do juiz na colheita do material probatório, "para que a punição seja mais apropriada à personalidade do réu", ao mesmo tempo em que a participação da acusação e da defesa no procedimento é vista como forma historicamente superada, relacionada aos tempos em que a perseguição dos criminosos não era considerada uma função social; a presença das partes, o contraste das forças, a luta, não são compatíveis com o método de investigação objetiva e conscenciosa da verdade; no processo penal, os sujeitos participantes não tem qualquer poder dispositivo sobre as provas, limitando-se a fornecer uma ajuda ao juiz para o acertamento da verdade. Nessa ótica, o livre convencimento adquire então um significado mais amplo, para expressar não somente a autonomia do julgador na apreciação de provas colhidas no contraditório, mas também na ausência de limites quanto ao objeto da investigação e também quanto aos meios utilizáveis. Assim, reconhecida a inviabilidade da obtenção, através da pesquisa probatória, de um resultado absolutamente verdadeiro, valorizam-se os aspectos relacionados à correção do procedimento; de acordo com a chamada sporting theory of justice, o que conta não é somente o resultado do acertamento dos fatos, mas principalmente a lisura no encontro dialético entre as partes contrapostas; daí, inclusive, a preocupação com certos aspectos extra-processuais, como a vedação da incorporação de provas que possam ferir outros direitos reconhecidos pelo ordenamento, por isso, ao lado de um verdadeiro direito à incorporação de provas, pode-se falar, no sistema anglo-americano, igualmente, em um direito à exclusão das provas que não atendam aos requisitos da legalidade.
49 LOPES Jr., Aury. Op. cit, p. 213: Não menos grave está a versão dissimulada, que ainda em vogo, de "condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito". Na verdade, essa fórmula jurídica deve ser lida da seguinte forma: não existe prova no processo para sustentar a condenação, de modo que vou socorrer-me do que está no inquérito. Isso é violar a garantia da verdade processual. Tampouco é difícil encontrar decisões baseadas, pasmem, na confissão policial cotejada com uma parca prova judicial. Como aponta Magalhães Gomes Filho, nem sempre a repulsa a confissão obtida in tormentis é incisiva, como deveria ser. "Mesmo admitindo que é essa a sistemática coativa dos inquisidores policiais, a jurisprudência tende a aceitar a prova, se confirmada por outros elementos, especialmente a apreensão da res furtiva; em certos casos, chegou-se mesmo a assentar que eventuais maus-tratos impostos ao réu não infirmam o valor probante da confissão que os demais elementos de convicção demonstram ter sido veraz". Em suma, já se chegou ao absurdo de aceitar a confissão policial obtida sob tortura como prova válida para condenar cotejando com os demais elementos. Claro está que só a prova judicial é válida, pois o que se pretende não é a validade material – obtida a qualquer custo -, mas sim a formalmente válida, produzida no curso do processo penal. Ou há prova suficiente no processo para condenar, e o veredicto deve ser esse, ou permanece a dúvida, falta de acusação ou de provas ritualmente formadas impõem a prevalência da presunção de inocência e atribuição de falsidade formal ou processual as hipóteses acusatórias.