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A lavratura do auto de prisão em flagrante nos crimes inafiançáveis cometidos por magistrados e membros do Ministério Público

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Agenda 13/12/2006 às 00:00

Introdução

A Constituição Federal de 1988 determina que uma série de autoridades deva ser processada e julgada criminalmente perante os órgãos superiores da jurisdição, excepcionando a regra geral segundo a qual o processo deve se iniciar perante juízes singulares (primeira instância).

Essa regra é comumente designada de prerrogativa de foro, foro privilegiado por prerrogativa de função ou foro privativo. A regra teria sido incluída no texto constitucional em virtude das implicações que processos desta natureza possam ter. Assim, a prerrogativa de foro determina que certas autoridades públicas só podem ser processadas e julgadas perante órgãos colegiados (Tribunais).

O foro por prerrogativa de função é na atualidade um tema ao qual os estudiosos do Direito têm prestado importantes considerações, pois é cada vez maior a sua utilização e aplicação em face ao crescente número de casos de autoridades públicas envolvidas em escândalos criminosos os mais diversos.

Entretanto quanto à atribuição para conduzir a investigação destas autoridades – que precede o processo e o julgamento – não há nenhuma norma na Constituição Brasileira que disponha acerca da atribuição para investigar pessoas que possuam prerrogativa de foro. Tampouco quanto ao tema da lavratura do auto de prisão em flagrante tratou a Constituição Federal na hipótese do cometimento de crimes inafiançáveis pelas pessoas mencionadas.

É nesse terreno fértil propiciado pela questão do foro por prerrogativa de função que iremos direcionar nosso estudo.


O Inquérito Policial

Cometido um delito deve o Estado buscar provas iniciais acerca da autoria e da materialidade, para apresentá-las ao titular da ação penal (Ministério Público ou vítima), a fim de que este, avaliando-as, decida se oferece ou não a denúncia ou queixa-crime. Essa investigação inicial, composta por uma série de diligências, chama-se inquérito policial.

A característica inerente ao inquérito policial é o seu caráter inquisitivo, ou seja, as atividades nele desenvolvidas são presididas por uma autoridade policial, agindo esta de ofício ou provocada, empregando as atividades necessárias para a execução do fim primário de todo inquérito policial: o esclarecimento do crime e da sua autoria.

Apesar de ausentes no inquérito policial as garantias do contraditório e da ampla defesa (informadoras de todo processo penal), faz-se imperar dentro da investigação criminal a observância a algumas formalidades legais, que se ausentes são capazes de contaminar todo ato, sob pena de saneamento ou desconsideração judicial, como, por exemplo, a nota de culpa.

Em nível infraconstitucional, há previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35/1979, artigo 33, parágrafo único) de que a investigação de crimes praticados por magistrados seja feita pelo Tribunal competente para processá-lo.

Já as leis que disciplinam as atividades do Ministério Público dispõem que a investigação de infrações penais atribuídas aos membros do Parquet seja feita por Procurador-Geral (Lei Complementar nº 75/1993, artigo 18, parágrafo único, e Lei nº 8.625/1993, artigo 41, parágrafo único).


Prisão

Prisão é a supressão da liberdade individual mediante recolhimento. A palavra prisão vem do latim prensione, que, por sua vez, se origina de prehensione – de prehensio, onis, e quer dizer pender, sendo usada, indistintamente, para denominar o lugar, o estabelecimento em que alguém fica segregado, o recolhimento do preso, a captura, a custódia e a detenção [01].

Podemos definir em matéria processual penal duas formas de prisão: prisão pena e prisão processual.

Prisão pena é aquela que decorre de sentença condenatória transitada em julgado; enquanto prisão processual é a decretada antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, nas hipóteses permitidas em lei.

O Estado, para alcançar os seus fins, vê-se, por vezes, compelido a socorrer-se da prisão provisória ou prisão processual, utilizando as providências conhecidas na técnica processual pelo nome de cautelas, responsáveis pelas prisões cautelares.

O Código de Processo Penal preconiza quatro modalidades de prisão cautelar, quais sejam: prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária, prisão por sentença condenatória recorrível e prisão por pronúncia.

Vamos, entretanto, nos deter somente nas hipóteses de prisão em flagrante enumeradas no artigo 302 do Código de Processo Penal.

De acordo com o inciso I do dispositivo anteriormente citado considera-se em situação de flagrância aquele que está cometendo o crime. Infere-se, portanto, que deve ser preso quem é visto durante a prática dos atos executórios da infração penal. Na hipótese do inciso II, o agente é flagrado quando acaba de cometer o crime, estando ainda no local; de acordo com este inciso, encontra-se em flagrante quem já encerrou os atos de execução, mas é encontrado no local dos fatos em situação indicativa de que praticou a infração penal. A estas duas hipóteses dá-se a denominação de flagrante próprio ou real. [02]

No inciso III está descrito o flagrante impróprio ou quase-flagrante, no qual considera-se em flagrante quem é perseguido, logo após [03], pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração.

Temos, ainda, o flagrante presumido ou ficto que é a hipótese em que o sujeito é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.

Em relação aos magistrados e aos membros do ministério público a prisão somente poderá ocorrer por ordem escrita e fundamentada do tribunal competente ou em flagrante delito de crime considerado inafiançável (Leis Complementares 35/79 e 75/93, respectivamente), devendo o fato, nesta hipótese, ser comunicado imediatamente ao órgão superior da instituição, que, nesse caso deverá se manifestar acerca da manutenção da prisão.


A Prisão em Flagrante

1 – Retrospecto Histórico

A palavra "flagrante" é derivada do latim flagrare (queimar) e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante, resplandecente), que no léxico é acalorado, evidente, notório, visível, manifesto. Em sentido jurídico, flagrante é uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é o delito irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor sem mandado.

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Embora por flagrante se deva entender a relação de imediaticidade entre o fato ou evento e sua captação ou conhecimento, o artigo 302 do Código de Processo Penal contempla também situações em que não é mais possível falar-se em ardência ou crepitação.

A legislação reinícola considerava o flagrante delito não só quando delinqüente era encontrado no lugar da infração cometendo-a, como também quando empreendia fuga sendo perseguido pelos agentes da autoridade, em ato contínuo ou pouco tempo depois.

Decorria da legislação colonial que o flagrante delito tinha um duplo efeito: dar ao juiz o direito de proceder ex officio; e dar a qualquer do povo o direito de prender o delinqüente e apresentá-lo ao juiz antes de ser levado à cadeia.

A Constituição Imperial de 25 de março de 1824 em seu artigo 179, § 10º previa que: "À exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas que a lei determinar".

A Lei de 30 de agosto de 1828, definindo a prisão em flagrante, estabeleceu que poderiam ser presos sem culpa formada: "Os que forem achados em flagrante delito, entendendo-se presos em flagrante delito não só os que se apreenderem cometendo o delito, mas também os que se prenderem em fugida, indo em seu seguimento os oficiais de justiça, ou quaisquer cidadãos, que presenciassem o fato, conduzindo-os diretamente à presença do juiz".

A promulgação do Código de Processo Criminal em 29 de novembro de 1832 delineou a prisão em flagrante facultativa (praticada pelos particulares) e a prisão em flagrante compulsória (praticada pelos oficiais de justiça) em seu artigo 131: "Qualquer pessoa do povo pode e os Oficiais de Justiça são obrigados a prender, e levar à presença do Juiz de Paz do Distrito, a qualquer que for encontrado cometendo algum delito, ou enquanto foge perseguido pelo clamor público. Os que assim forem presos entender-se-ão presos em flagrante delito".

Com o advento da República, a Constituição de 1889 assim mencionou, no seu artigo 72, § 13º, quando poderia ocorrer a prisão de alguém: "À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se, senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente".

2 – O Auto de Prisão em Flagrante

Havendo a notitia criminis e estando presentes os pressupostos legais, a autoridade policial está obrigada à lavratura do competente auto de prisão em flagrante. Vige na hipótese o princípio da obrigatoriedade ou da legalidade da ação penal.

Entretanto, a simples apresentação de um indivíduo à autoridade competente, por uma pressuposta prática de delito, não implica, obrigatoriamente, lavratura de auto de flagrante. Compete à autoridade, examinando o caso, exercer verdadeiro ato de julgamento sobre as circunstâncias objetivas e subjetivas para ver se, realmente, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado.

O auto de prisão em flagrante é uma peça formal, a tal sorte que pode resultar no reconhecimento de sua invalidade, quando não se obedecida a ordem disposta na lei e suas características fundamentais, nos termos do artigo 564, inciso IV do Código de Processo Penal. A hipótese abordada trata de nulidade absoluta por infringência à garantia constitucional, pois sem a rigorosa observância dos requisitos legais o auto em questão não atinge a sua finalidade, que é a de legitimar a forma excepcional de prisão, não sendo aplicável, nesse particular, o disposto pelo artigo 572, inciso II do Estatuto de Ritos [04].

O Estatuto Processual Penal não menciona o prazo dentro do qual deve ser lavrado o auto de prisão em flagrante. Na vigência do sistema processual penal federado, estabelecia o estatuto penal da Paraíba que o auto de flagrante deveria ser lavrado em seguida à apresentação do preso à autoridade, contanto que não excedesse o prazo de vinte e quatro horas contadas da prisão, ou seja, do momento da captura.

Consoante a doutrina o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado imediatamente após a prisão, a despeito de não haver prazo legal estabelecido para sua lavratura. Entretanto, foi estabelecido pelo Código de Ritos que a nota de culpa tem prazo de vinte e quatro horas para ser entregue ao indiciado, levando, por inferência, à conclusão de que o auto de prisão em flagrante deve ser elaborado nesse período.

Nesse diapasão a jurisprudência tem reconhecido: "a lei não fixa prazo para a lavratura do auto de prisão em flagrante. Todavia, o seu caráter de urgência, aliado aos entraves de cunho administrativo, levou os tribunais a optar por um prazo de 24 horas, tempo em que será fornecido ao indiciado a nota de culpa" (RT 683/347).

Como reza o artigo 290 do Codex, o auto de prisão em flagrante deve ser elaborado no município em que se deu a prisão, mesmo que a infração tenha ocorrido em outro local.

Observe-se que o auto de prisão em flagrante é um ato administrativo, despido de conteúdo decisório, assim, na hipótese e haver sido instaurada ação penal perante magistrado incompetente não o invalida, nem torna insubsistente a prisão.

3 – Etapas do Auto de prisão em Flagrante

Antes da lavratura do auto de prisão em flagrante a autoridade policial deve comunicar à família do preso, ou à pessoa por ele indicada, acerca da prisão, conforme estabelecido no artigo 5º, inciso LXIII, 2ª parte, da Carta Política. A assistência de advogado constituído, no momento da lavratura do auto, supre a falta de comunicação de sua prisão à família (STJ, 5ª T., RHC 2.256-1, rel. Flaquer Scartezzini, j. 15-3-1993). Do mesmo modo, a falta de comunicação da prisão á família do preso ou à pessoa por ele indicada não implica, necessariamente, no relaxamento do flagrante (STJ, 6ª T. RHC 4.274-5/RJ, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, RSTJ 12/257).

Em seguida, procede-se à oitiva do condutor (agente público ou particular), que é a pessoa que conduziu o preso até a autoridade.

Após, ouvem-se as testemunhas que acompanharam o condutor, que devem ser, no mínimo duas (a jurisprudência, porém, tem admitido que o condutor funcione como testemunha, necessitando-se, portanto de apenas mais uma testemunha além dele). A falta de testemunha da infração não impedirá a lavratura do auto de prisão em flagrante, mas, nesse caso, com o condutor deverão assinar a peça pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso á autoridade (testemunhas instrumentais ou indiretas); essas testemunhas servem tão somente para confirmar que o preso foi apresentado pelo condutor à autoridade; e, quando for possível, deverá ser ouvida a vítima.

Ouvidas as testemunhas a autoridade interrogará o acusado sobre a imputação que lhe é feita (artigo 304 do Código de Processo Penal), devendo alertá-lo sobre o seu direito constitucional de permanecer calado (artigo 5º, inciso LXIII da Carta Magna).

A ordem seqüencial dos depoimentos determina que o indiciado seja o último a ser ouvido. Se ocorrer inversão nessa ordem o flagrante é maculado de nulidade, devendo o conduzido ser liberado, sob pena de constrangimento ilegal, passível de correção através do habeas corpus.

O auto é lavrado pelo escrivão e por ele encerrado, devendo ser assinado pela autoridade, condutor, testemunhas, ofendido (se ouvido), pelo preso e seu defensor.

Na hipótese de alguma testemunha ou o ofendido recusarem-se, não souberem ou não puderem assinar o termo, a autoridade pedirá a alguém que assine em seu lugar, depois de lido o depoimento na presença do depoente (artigo 216 do Código de Ritos).

Se o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto será assinado por duas testemunhas (instrumentárias) que tenham ouvido a leitura, na presença do acusado, do condutor e das testemunhas (artigo 304, § 3º do Estatuto Processual Penal).


Nota de Culpa

1 – Aspectos Históricos

Antigamente dava-se à nota de culpa o nome de Notícia de Culpa, sendo também denominada Nota Constitucional de Culpa.

Essa Nota vem do Aviso de 28 de agosto de 1822, através do qual o Príncipe Regente determinou aos juízes criminais que se orientassem pelas bases da Constituição da Monarquia Portuguesa, de 10 de março de 1821, e da qual constava no nº 5 que o magistrado daria sempre aos presos, em vinte e quatro horas e por escrito, a razão da prisão.

Posteriormente, a Constituição Imperial e o Código de Processo Penal de 1832 sufragaram a nota de culpa.

A Constituição Republicana de 1891 manteve inalterável esse instrumento de proteção à defesa.

A Carta Magna de 1934 silenciou a respeito, mas determinava que a prisão ou a detenção de qualquer pessoa deveria ser imediatamente comunicada ao juiz competente, que a faria cessar se não fosse legal e promoveria, quando de direito, a responsabilidade do coator.

A Constituição democrática de 1946 re-implantou-a e a imposta pelo regime militar permaneceu silente.

A Constituição Federal de 1988, à semelhança da Carta Política de 1934, nada disse quanto à nota de culpa, mas traz insculpido no artigo 5º, inciso LXII que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente.

2 – A Nota de Culpa

A nota de culpa é a peça que ultima o auto de prisão em flagrante. A despeito de não mencionada expressamente no artigo 5º, inciso LXIV da Constituição Federal, lecionam Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves [05] que a nota de culpa "É um documento através do qual a autoridade dá ciência ao preso dos motivos de sua prisão, do nome do condutor e das testemunhas".

A exemplo do auto de prisão em flagrante, o preso passará recibo da nota de culpa, o qual será assinado por duas testemunhas, estranhas à lavratura do auto de prisão em flagrante (testemunhas instrumentárias), quando ele não souber, não puder ou não quiser assinar. Esse recibo deverá ser anexado aos autos para documentar o cumprimento do dispositivo legal.

A nota de culpa, que faz parte da formalidade essencial do ato de prisão, deve ser entregue ao preso dentro do prazo de 24 horas, a contar da prisão. Deve ser assinada pela autoridade e conter o motivo da prisão, o nome do condutor e o nome das testemunhas [06].

No entendimento de Damásio Evangelista de Jesus [07] a finalidade da nota de culpa é "evitar que alguém seja mantido em prisão, ignorando o motivo que a determinou, sendo irrelevante, pois que contenha errônea capitulação do delito". Não pode haver prisão em flagrante sem que culmine numa correspondente nota de culpa.

Neste rigor já é mansa nossa jurisprudência ao se referir à nota de culpa como requisito de prisão decorrente da investigação criminal, ou seja, se a nota de culpa não for entregue ao indiciado no prazo de vinte e quatro horas a contar da efetivação da prisão, o flagrante deve ser relaxado, pois a prisão tornou-se ilegal. A exemplo:

CONSTITUCIONAL – Habeas Corpus – PRISÃO EM FLAGRANTE – Não há que se falar em constrangimento ilegal quando o flagrante obedeceu todas as formalidades legais, tendo inclusive sido entregue a Nota de Culpa ao paciente, estando a Instrução Criminal rigorosamente dentro do prazo, não havendo qualquer coação prevista no artigo 648 do Código de Processo Penal ensejadora de Habeas Corpus. 2) O Habeas Corpus em seu alcance limitado, não sendo meio viável para se discutir matéria probatória, devendo tal assunto ser apreciado na Instrução Criminal. 3) Ordem denegada. (TJAP – HC 017895 – Câmara Única – Macapá – Rel. Des. Gilberto Pinheiro – DJAP 11.04.1995).

No entender de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho, a falta da entrega da nota de culpa não é hipótese de nulidade absoluta, mas apenas de nulidade relativa, contingenciada ao momento da prisão e que deve ser argüida oportunamente: "não se tratando de previsão constitucional, nem de formalidade essencial arrolada pelo artigo 564, inciso III do Código de Processo Penal, o mais correto é considerar o vício como irregularidade que pode conduzir à nulidade simplesmente relativa" [08].


Do Princípio do Juiz Natural

1 – Origem do Princípio do Juiz Natural

A concepção do princípio do juiz natural foi originalmente constituída no direito anglo-saxão na Magna Carta de 1215.

Esse diploma legal surgiu na época em que, na Inglaterra, a nobreza lutava contra os abusos cometidos pelo soberano, em detrimento dos privilégios dos barões. Assim, por imposição dos senhores e bispos ingleses, é assinada a Constituição Inglesa de 1215 contendo a regra do direito medieval de que ninguém podia ser julgado a não ser por seus pares.

Por este instrumento, instaurou-se a exigência de um julgamento legítimo por seus pares e pela lei da terra, baseada na proibição de que as infrações penais fossem processadas e julgadas sem o crime estar previamente definido e o seu julgamento adstrito a um tribunal anteriormente estabelecido.

A regra da competência previamente estabelecida ao fato foi acrescida pelo direito norte-americano, atendendo à sua formação política, baseada no federalismo estatal.

A regra inglesa constituiu-se no embrião dos modernos contornos do princípio do juiz natural, que surgiu formulado pela primeira vez, com esse nome, na Carta Constitucional francesa de 1814.

O diploma francês vedava a criação de comissões e tribunais extraordinários e os juízes constituídos post factum para o julgamento de um caso concreto.

2 – No Direito Internacional

O princípio do juiz natural vem acolhido na Declaração Universal dos Direito do Homem proclamada em 1949 pela Assembléia Geral das Nações Únicas, a qual prescreve em seu artigo 10º: "Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal".

Nessa mesma esteira foi a orientação seguida pela Convenção Americana de Direitos Humanos, mas conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, que prestigia o princípio do juiz natural em seu artigo 8º, n. 1: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza".

3 – No Brasil

Inspirado na legislação européia o princípio do juiz natural foi inserido na primeira Carta Constitucional de 1824. A Constituição Imperial dispunha em seu artigo 179, inciso XI que: "Ninguém será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta".

As legislações constitucionais posteriores não deixaram de preservar o julgamento por autoridade competente no rol das garantias individuais.

No ordenamento jurídico brasileiro atual, o princípio do juiz natural tem assento constitucional no Título dedicado aos "Direitos e Garantias Fundamentais". A inserção deste princípio, nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) do artigo 5º, revela o grau de importância dispensada pelo constituinte original, consagrando-o como uma garantia individual estabelecida em favor das pessoas submetidas a processo penal.

No inciso LII do artigo 5º da Carta Política de 1988 se encontra o preceito básico e norteador no tocante ao poder de julgar em matéria penal, porque nele são traçados os limites impostos ao poder punitivo relacionado ao direito de liberdade, ao impedir que órgãos não judiciários se mostrem como autoridades judicantes, assim como impedindo que a justiça penal seja entregue, no âmbito da jurisdição, a órgãos que não estejam expressamente previstos na Constituição.

Desta forma o órgão julgador deverá estar estabelecido através de regras objetivas de competência, o que dará ao indiciado a garantia de um julgamento isento de haver alguma disposição prévia para a condenação.

O referido princípio é entendido no sentido de estar o órgão da jurisdição com sua competência estabelecida antes do cometimento do fato; legitimando-se a partir da vedação imposta ao legislador infraconstitucional em instituir juízo ou tribunal de exceção. Não fere o princípio do juiz natural o julgamento da causa por órgão ou juiz especializado em razão da matéria, nem por órgão ou tribunal colegiado em razão da função do agente imputado, segundo lição de Eugênio Pacelli de Oliveira [09].

Sobre o autor
Valmir Bigal

pós-graduando em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura, em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGAL, Valmir. A lavratura do auto de prisão em flagrante nos crimes inafiançáveis cometidos por magistrados e membros do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1260, 13 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9259. Acesso em: 27 nov. 2024.

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