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A lavratura do auto de prisão em flagrante nos crimes inafiançáveis cometidos por magistrados e membros do Ministério Público

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Agenda 13/12/2006 às 00:00

Do Foro por Prerrogativa de Função

1 – A Função Jurisdicional

A jurisdição como uma expressão e manifestação de poder do Estado, é una e abstratamente atribuída a todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário.

Caracteriza-se pela imperatividade e imposição das decisões proferidas pelos órgãos que dela são dotados e concretiza-se nas atividades realizadas por estes órgãos no processo. Os órgãos jurisdicionais são, assim, dotados de competência que, conforme lição de José Frederico Marques [10] "é o poder de julgar destinado pela lei a ser exercido sobre certas matérias, somente em certos lugares e apenas em relação à determinada fase processual".

O poder abstrato da jurisdição torna-se concreto quando da necessidade de solucionar litígios, ficando determinada a competência do juiz que se encontra apto a julgar, conforme capacidade jurisdicional.

2– A Competência Originária na Constituição Federal

Um dos critérios determinadores da competência, estabelecidos em nosso Código de Processo Penal, é exatamente o da prerrogativa de função, conforme estabelecido nos seus artigos 69, inciso VII, 84, 85, 86 e 87. É a chamada competência originária ratione personae.

A competência por prerrogativa de função é estabelecida não em razão da pessoa, mas em virtude do cargo ou função pública [11] que ela exerce, razão pela qual não fere qualquer princípio constitucional, como o da igualdade (artigo 5º, "caput" da Constituição Federal) ou o que proíbe os juízos ou tribunais de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII da Lei Maior).

É usual também o nome de foro privilegiado, nomenclatura que não parece ser a mais correta na acepção técnica, vez que a competência não é em razão da pessoa (ratione personae), mas em função da pessoa, tendo em vista o cargo exercido e não o indivíduo que o exerce. Na realidade não pode haver "privilégio" às pessoas, pois a lei não pode ter preferências, mas deve ser levada em consideração a função exercida.

Na esfera penal [12] compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. Nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, ressalvado o disposto no artigo 52, inciso I da Constituição da República [13], os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar originariamente, na esfera penal nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e nestes e nos de responsabilidade os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

Compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Compete aos Tribunais de Justiça dos Estados julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. [14]

3 – A Competência para Julgar Magistrados e Membros do Ministério Público

Os juízes e promotores estão sujeitos a julgamento perante o Tribunal em que exercem suas funções e, se praticarem delito em outro Estado, o inquérito deve ser remetido ao Tribunal a que estão vinculados (RT 499/302, 412/113, 506/317 e 534/380).

Em acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (RT 534/380) ficou vencido o relator sorteado, Desembargador Acyr Loyola, que entendeu que, sendo o caso de competência originária por prerrogativa de função, cabe ao Tribunal de Justiça do Estado em que foi cometida a infração o seu processo e julgamento.

Antes da Constituição de 1988 havia divergência a respeito do Juízo competente para julgar membro do Ministério Público que praticasse crime de homicídio doloso. Contudo, a Constituição Federal em vigor contempla expressamente que os membros do Ministério Público são julgados pelos Tribunais de Justiça, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (artigo 96, inciso III da Lei Maior).

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Dispõe a Súmula 451 do Supremo Tribunal Federal que a competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional, ou seja, deixado o cargo não pode mais o ex-ocupante continuar sendo beneficiado com foro especial, salvo se o crime tiver sido praticado durante sua ocupação. [15]

A jurisprudência, no entanto, tem entendido que o juiz ou promotor, demitido ou aposentado, que tenha praticado o delito no exercício da função continua sob a jurisdição especial do Tribunal em que exerceram seu mister (RT 554/313, 601/289).


CONCLUSÃO

Parte da doutrina, quiçá pouco habituada a imediaticidade exigida para a lavratura do auto de prisão em flagrante, tem defendido que a elaboração da peça, na hipótese do delito ser cometido por juízes ou membros do Parquet, deva ser feita pelas pessoas competentes para a investigação e julgamento (Tribunal ou Procurador-Geral).

Contudo, em uma análise mais acurada, vemos que a nota de culpa tem de ser entregue ao indiciado no prazo de 24 horas, assim, em face da exigüidade do tempo somente em hipótese excepcionais a tese acima esposada seria factível de ser cumprida.

Imaginemos, como exemplo, um magistrado que exerce suas funções em um Estado da Região Sul do País, mas que venha a cometer um crime inafiançável em uma pequena localidade de um Estado da Região Norte. Como seria possível conseguir transportar o magistrado preso da localidade em que o crime foi cometido até a Capital do Estado que exerce suas funções, e em lá chegando novo transporte até a sede do Tribunal, para então serem imediatamente atendidos no Tribunal, para então ser lavrado o flagrante e entregue a nota de culpa ao increpado em exíguas 24 horas.

Para reflexão podemos, ainda, mencionar que a ordem formal que o flagrante deve seguir restaria totalmente comprometida, estando o auto de prisão em flagrante eivado de nulidade, pois como se procederia quanto à oitiva do condutor, das testemunhas e do ofendido antes do acusado? Todos também seriam transportados juntamente com o magistrado ou uma parte do flagrante seria elaborada pela autoridade policial do local em que ocorreu o ilícito e outra parte pelo Tribunal?

Não parece se este o melhor caminho. Ademais as leis que regem a matéria dizem tão somente que os autos serão remetidos ao Tribunal ou ao Procurador-Geral, conforme a hipótese, a quem competirá dar prosseguimento à apuração, vale dizer o flagrante já deverá ter sido lavrado e a nota de culpa entregue ao infrator.

Deve-se relembrar, ainda, que o auto de flagrante deverá ser lavrado no local em que ocorreu a prisão, consoante o artigo 290 do Código de Ritos.

Por todo exposto concluímos que a lavratura do auto de prisão em flagrante nos crimes inafiançáveis cometidos por magistrados ou membros do Ministério Público deve ser realizada pela autoridade policial do local em que o ilícito foi cometido, sendo, então, encaminhado ao Tribunal do ao Procurador-Geral para que se proceda a investigação que se fizer necessária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Livros

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, v. 3, 1955.

GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Malheiros, 1992.

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JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MARQUES, José Frederico. Da Competência em Matéria Penal. 1ª ed. Campinas: Millenium, 2000.

___________. Elementos de Direito Processual Penal. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 1998.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões Processuais Penais Controvertidas (Doutrina e Jurisprudência). 4ª ed. São Paulo: Universitária de Direito, 1995.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Sinópses Jurídicas – Processo Penal – Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 14, 2005.

ROSA, Márcio Fernando Elias. Sinópses Jurídicas – Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 19, 2005.

VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo Penal Completo: Doutrina, Formulários, Jurisprudência e Prática. São Paulo: Saraiva, 2001.

Documentos de Internet

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Notas

01 São conhecidos os protestos dos nossos juristas contra essa desordem de nomenclatura. Galdino Siqueira, citado por Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. 3, p. 299, n. 578), escreveu: "Para denotar os atos restritivos da liberdade pessoal, em matéria crime, as nossas leis empregam indistintamente o termo prisão, o que não poucas confusões tem produzido. A exemplo da moderna legislação portuguesa poderíamos empregar os termos custódia e captura, no sentido em que os franceses usam dos termos arrrestation e detention. Os franceses chamam arrestation à prisão de alguém, unicamente para obrigar a comparecer perante a autoridade a fim de ser interrogado sobre o delito que lhe é imputado, e detention, especialmente detention preventive ou préalable, à conservação de alguém em prisão até o julgamento ou à prisão de indiciado para que fique detido até o julgamento".

02 Há quem sustente que a hipótese do inciso II também é de quase-flagrância, pois há apenas uma presunção, embora veemente, de que é o preso o autor do crime, quando é até possível que não seja ele o autor do ilícito (por exemplo: se sujou as roupas ao tentar socorrer a vítima).

03 Deve ser entender que o "logo após" do dispositivo é o tempo que corre entre a prática do delito, a chegada da polícia, a colheita de informações a respeito da identificação do autor e da direção em que este seguiu para, após essa rápida investigação, passar a imediatamente perseguir o infrator.

04 O reconhecimento da nulidade do auto de prisão em flagrante atinge unicamente o seu valor como instrumento de coação cautelar, não tendo repercussão no processo-crime (STF, RHC 61.252-1, RT 584/468; TAPR, RT 678/365, TJSP, RT 732/622), nem impede que o juiz, verificando a existência dos pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, decrete a prisão preventiva.

05 REIS, Alexandre Cebrian Araújo, e GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Sinopses Jurídicas – Processo Penal – Parte Geral. p. 181.

06 Há entendimento de que se omissão na nota de culpa dos motivos da prisão não gera a nulidade do flagrante, uma vez que ela não é elemento constitutivo do ato (RT 674/330).

07 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. p. 243.

08 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Nulidade no Processo Penal. p. 227.

09 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. p. 196.

10 MARQUES, José Frederico. Da Competência em Matéria Penal, p. 39/40.

11 Função pública pode ser entendida como atribuição, encargo ou competência para o exercício de determinada função, assim também como o fim a que se destina o exercício da atividade. Cargo Público pode ser entendido como a unidade de atribuições e responsabilidades cometidas a um agente público; é identificável na Administração direta e indireta de qualquer dos Poderes. Considera-se agente público toda pessoa física vinculada, definitivamente ou transitoriamente, ao exercício de função pública.

12 A competência por prerrogativa de função abrange também as pessoas que não gozam de foro especial, sempre que houver concurso de pessoas (artigos 77, inciso I e 78, inciso II do Código de Processo Penal). Entretanto, rejeitada a denúncia contra a pessoa que goza de foro privilegiado, a competência para o julgamento das demais retorna para o primeiro grau de jurisdição.

13 Reza o artigo 52, inciso I da Carta Magna que compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles.

14 A Constituição Federal delegou aos Estados-Membros a atribuição de estabelecer a competência de seus Tribunais por meio de suas Constituições, podendo os entes federados estabelecer nestas o foto por prerrogativa de função em favor daquelas autoridades locais que, pelo desempenho de suas funções estejam a merecer tal prerrogativa.

15 O Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade, reconheceu que "projeta-se na aposentadoria o foro privilegiado do juiz. Responde este, assim, ainda depois de inativo, perante o Tribunal de Justiça pelos crimes comuns e de responsabilidade, salvo a competência da Justiça Eleitoral nos crimes eleitorais (art. 144, § 3º da CF), por isso que a prerrogativa é do cargo e não da função" (RT 595/381, 618/338). Em outros fundamentos, no que tange ao juiz, o "cargo pe vitalício (n. I do art. 113 da CF), de modo que perdura pela vida inteira do Magistrado, o qual só o perde por sentença judicial transitada em julgado. O juiz é juiz tanto enquanto exerce as funções na atividade como quando deixa de fazê-lo na inatividade. Essa é a prerrogativa, pois é do cargo e não da função. Daí porquê da projeção na aposentadoria".

Sobre o autor
Valmir Bigal

pós-graduando em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura, em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGAL, Valmir. A lavratura do auto de prisão em flagrante nos crimes inafiançáveis cometidos por magistrados e membros do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1260, 13 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9259. Acesso em: 26 nov. 2024.

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