Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A inspeção do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho

Exibindo página 4 de 5
Agenda 11/12/2006 às 00:00

5CONCLUSÃO

            A Inspeção do Trabalho não é um fim em si mesmo, constituindo um meio para o cumprimento da legislação trabalhista, sendo mero instrumento para concretização do fundamento democrático da valorização social do trabalho. Tal função estatal surgiu em 1833 na Grã-bretanha, sendo instituída no Brasil em 1891.

            Atualmente, além da inspeção promovida pelos órgãos de fiscalização do exercício profissional, a atividade de fiscalização das relações de trabalho é de incumbência do poder executivo, sendo promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio das Delegacias Regionais do Trabalho. Além da inspeção quanto às condições de proteção, saúde e segurança do trabalho, tal órgão é competente para fiscalizar o recolhimento do FGTS.

            O objetivo do Estado, nesse particular, nada mais é que a proteção do trabalhador, atuando não apenas nas relações empregatícias, mas em toda relação de trabalho, isto é, além do trabalho prestado mediante subordinação jurídica, a inspeção laboral atua em todas as atividades em que há trabalho humano.

            Embora de relevante função social, a inspeção do trabalho não objetiva a arrecadação de receitas, mas tão-somente o cumprimento das normas de proteção do trabalhador. Para tanto, o órgãos responsáveis pela fiscalização são dotados do poder de polícia, e aos seus atos são atribuídos os elementos da coercibilidade e auto-executoriedade.

            Todavia, o agente fiscal deve observar, além das normas previstas no ordenamento jurídico interno, e das normas internacionais ratificadas pelo Brasil, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo vedada a prática de ato que exceda o estritamente necessário, sob pena de nulidade, declarada através do controle jurisdicional.

            Em regra, o ato emanado da inspeção do trabalho é vinculado, sendo, portanto, objeto de amplo controle judicial, porém, no caso de ato discricionário, caberá intervenção judicial tão-somente quanto à legalidade, o que dependerá da análise do caso concreto.

            O processo administrativo para apuração das penalidades administrativas é pautado nos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, além dos demais postulados constitucionais de observância obrigatória pela administração pública, como a inafastabilidade da jurisdição.

            Com efeito, a exigência de depósito prévio para recorrer administrativamente é inconstitucional, o que deverá ser objeto de Mandado de Segurança para dispensa deste pressuposto, o que é recomendável somente nos casos em que há certo grau de probabilidade na desconstituição da penalidade imposta.

            A cobrança das multas aplicadas pela inspeção promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego poderá ocorrer de forma amigável, ou, após a inscrição na dívida ativa da União, judicialmente através de execução fiscal, promovida pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Esta competência poderá ser transferida para a Advocacia Geral da União, conforme redação da PEC n.º 554/06.

            A transferência de competência para julgar os atos da fiscalização do trabalho, da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho, constitui uma das mais relevantes alterações promovidas pela Emenda Constitucional n.º 45/04, embora encontra-se para votação a PEC n.º 358/05, que atribui à Justiça do Trabalho a execução de ofício das multas aplicadas em decorrência de infrações apuradas no processo judicial.

            O atual texto do inciso VII do art. 114 da Constituição, porém, atraiu todas as ações que envolvem os atos da inspeção do trabalho praticados em face de empregador e terceiros não empregadores, incluindo a execução fiscal promovida pela fazenda pública e as demais ações promovidas pelos administrados. A Certidão de Dívida Ativa constitui agora, uma nova modalidade de títulos executivos extrajudiciais na Justiça do Trabalho.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            A competência da Justiça do Trabalho prevista no dispositivo estudado não se limita aos casos em que o empregador compõe a relação jurídica processual, mas em todos os casos em que há relação de trabalho. Dentre as ações cabíveis, verificam-se os remédios constitucionais, tal como o mandado de segurança, o habeas corpus e o habeas data, além dos remédios de índole infraconstitucional, como a execução fiscal, a ação cautelar e as ações ordinárias, como a ação anulatória, declaratória e de repetição de indébito.

            A matéria a ser debatida é ampla, constituindo não só as penalidades, mas todos os atos oriundos da fiscalização laboral, inclusive quanto à expedição de certidões negativas de débito e quanto à inserção de nome na lista dos exploradores de trabalho escravo. A alteração no texto constitucional, portanto, trouxe coerência para o sistema, evitando interpretações conflitantes e contrárias à segurança jurídica.

            Os procedimentos para as ações oriundas do novo texto constitucional são os inerentes ao processo do trabalho, utilizando-se do sistema processual comum, as normas compatíveis nos casos de omissão da legislação processual trabalhista, mantendo-se ileso o sistema anterior, objetivando a manutenção da celeridade característica do processo laboral. Isto se destaca no sistema recursal, pois embora aplicável norma especial, os recursos são os previstos na CLT.

            É amplo o rol das novas ações cabíveis no judiciário laboral, compreendidas entre executivas e cognitivas, que se adequam e inter-relacionam, sendo as principais, a execução fiscal, a ação anulatória, declaratória, repetição de indébito, o mandado de segurança e as ações cautelares, sem prejuízo das diversas modalidades cabíveis.

            A execução fiscal é o meio judicial adequado para cobrança das penalidades impostas pela inspeção laboral, disciplinada por norma própria e específica, cuja defesa poderá ser por meio de embargos à execução ou exceção de pré-executividade, bem como através de ações incidentes prejudiciais.

            O rol das ações ordinárias é amplo, não sendo necessária a existência de nomenclatura própria, tendo em vista que o sistema não é taxativo. O procedimento aplicável, neste caso, é o procedimento comum do processo do trabalho com as respectivas adaptações pertinentes.

            Neste particular, as principais ações compreendem as anulatórias e declaratórias, que se distinguem efetivamente pelo momento da sua propositura, sendo a primeira interposta após a inscrição em dívida ativa e a segunda antes da caracterização como dívida ativa. Caso tais ações sejam ajuizadas após iniciada a execução, haverá prejudicialidade desta, deste que tenha sido efetuado o depósito garantidor. Demais, o jurisdicionado poderá utilizar-se da ação de repetição de indébito em caso de pagamento indevido ou desconstituição do débito anteriormente satisfeito.

            O mandado de segurança deverá ser impetrado perante a Vara do Trabalho com o objetivo de impugnar ato da inspeção do trabalho, mormente quando se observar o abuso de poder no procedimento fiscalizatório.

            Embora mitigado pelo instituto da antecipação dos efeitos da tutela, a ação cautelar possui ampla aceitação para garantir o processo principal que visa questionar os atos administrativos do órgão da inspeção laboral.

            Em síntese, porém, o paradigma da relação litigiosa entre o capital e o trabalho é superado pelo inciso VII do art. 114 da Constituição Federal, incumbindo à Justiça do Trabalho a competência para julgar as controvérsias entre o capital e o Estado provedor na sua atuação fiscalizadora, cabendo aos operadores desse ramo, ponderar o interesse público com a relevância da livre iniciativa privada.


6REFERÊNCIAS

            ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

            BARBI, Celso Agrícola. Ação declaratória principal e incidente. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

            BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Celso Bastos, 2002.

            BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 9 ago. 1943.

            BRASIL. Decreto n.º 41.721, de 25 de junho de 1957. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 28 jun. 1957.

            BRASIL. Lei n.º 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 13 dez. 1965.

            BRASIL. Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 out. 1966.

            BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. RR 134.276/94.0 SDI. Relator: Ministro Francisco Fausto. Brasília, 7 mar. 1997. Diário da Justiça, Brasília, p. 5.697, mar. 1997.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 210.235-1/MG 2ª T. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Brasília, 19. dez. 1997. Diário da Justiça, Brasília, p. 92, dez. 1997.

            BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Antônio Luiz Toledo Pinto. et al. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

            BRASIL. Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 31 dez. 2004.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 388359/PE. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 20. abr. 2006. Informativo STF, Brasília, n. 423, abr. 2006.

            BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência. CC 54605/SP 1ª S. Relatora: Ministra Eliana Calmon. Brasília, 29 maio 2006. Diário da Justiça, Brasília, p. 147, maio 2006.

            BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 7. ed. v. 3. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2005.

            CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. A emenda constitucional n. 45/2004 e a competência da justiça do trabalho. In: COUTINHO, Grijaldo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 220-235.

            CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

            DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002.

            DEPARTAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO (Brasil). Estatísticas da fiscalização do trabalho: resultados da fiscalização do trabalho. Brasília, 2006. Disponível em: . Acesso em: 04 set. 2006.

            DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

            FAVA, Marcos Neves. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. In: COUTINHO, Grijaldo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Justiça do trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005. p. 345-361.

            FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 688, 24 maio 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6755 . Acesso em: 14 ago. 2006.

            FERRAZ, Sérgio. Mandado de segurança (individual e coletivo): aspectos polêmicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

            HERKENHOFF FILHO, Hélio Estellita. Nova competência da justiça do trabalho: EC n. 45/04 e outros estudos de processo do trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

            LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005.

            ______. A nova competência da justiça do trabalho para cobrança das multas aplicadas pelos órgãos da fiscalização do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 69, n. 7, p. 799-803, 2005.

            MALLET, Estevão. Apontamentos sobre a competência da justiça do trabalho após a emenda constitucional 45. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. (org.). Reforma do judiciário: analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 355-369.

            ______. Direito, trabalho e processo em transformação. São Paulo: LTr, 2005.

            MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

            ______. Direito processual do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            ______. Procedimento nas novas ações de competência da justiça do trabalho. Revista IOB, São Paulo, n. 199, p. 82-88, 2006.

            MEIRELES, Edilton. A nova competência da justiça do trabalho: competência e procedimento. In: COUTINHO, Grijaldo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 62-81.

            ______. Competência e procedimento na justiça do trabalho: primeiras linhas da reforma do judiciário. São Paulo: LTr, 2005.

            MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do capital e do trabalho: relações de poder, reforma do judiciário e competência da justiça laboral. São Paulo: LTr, 2006.

            MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

            MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. Recurso Ordinário em Ação Anulatória. RO 00226-2005-110-03-00-2 7.ª T. Relator: Juiz Rodrigo Ribeiro Bueno. Belo Horizonte, 18. ago. 2005. Diário da Justiça, Belo Horizonte, ago. 2005.

            MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. v. 7. Campinas: Bookseller, 1998.

            ______. Comentários ao código de processo civil, tomo I: arts. 1.º ao 45. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

            MIRANDA, Anelise Haase de. Da nova competência da justiça do trabalho para julgar ações que visam à exclusão de nome da "lista suja" do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE. Amatra 6. Recife. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2006.

            MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

            OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Ato administrativo. 4. ed. São Paulo: RT, 2001.

            REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal Regional Federal da 5.ª Região. Agravo de Instrumento. AGTR 2005.05.00.006467-1 2ª T. Relator: Desembargador Napoleão Nunes Maia Filho. Recife, 15 dez. 2005. Diário da Justiça, Brasília, p. 628, dez. 2005.

            RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004.

            SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Apelação em Mandado de Segurança. AMS 262295/SP 2ª T. Relatora: Desembargadora Cecília Mello. São Paulo, 26 nov. 2004. Diário da Justiça, Brasília, p. 299, nov. 2004.

            SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

            SILVA, Marcello Ribeiro. Inspeção do trabalho: procedimentos fiscais. Goiânia: AB Editora, 2002.

            SILVA, Antônio Alves. Pequeno tratado da nova competência trabalhista. São Paulo: LTr, 2006.

            SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

            THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de execução fiscal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

            TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (Brasil). Relatório geral da justiça do trabalho no ano de 2005. Brasília, 2005. Disponível em:. Acesso em: 21 set. 2006.

            TUPINAMBÁ, Carolina. Competência da justiça do trabalho à luz da reforma constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

            VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Inspeção do trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de direito do trabalho. 21. ed. v. 2. São Paulo: LTr, 2004, p. 1282-1304.

Sobre o autor
Julio Simão dos Santos

Advogado Corporativo. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela FDV. LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julio Simão. A inspeção do trabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1258, 11 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9270. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!