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A competência para julgamento das medidas cautelares nos termos do parágrafo único do art. 800 do CPC

Agenda 16/12/2006 às 00:00

            Muitos operadores do direito têm como confusa a interpretação e aplicação do parágrafo único do art. 800 do CPC, que trata da competência jurisdicional para julgamento de medidas cautelares requeridas ao "juiz da causa". Os desencontros interpretativos e aplicativos dão-se quando as medidas cautelares são propostas perante o "juiz da causa" e este, em seguida, julga apenas a demanda principal.

            Em verdade, na hipótese explicitada, resta a seguinte dúvida: quando da interposição de recurso pela parte sucumbente, quem será o juízo competente para processar e julgar as referidas medidas cautelares (anteriormente ajuizadas)? Alguns entendem que a competência seria do Tribunal ad quem. Outros, porém, defendem que a competência seria do juízo que processou e julgou a demanda principal.

            A solução desta questão será o objeto do presente trabalho.

            Antes, contudo, de adentrar na questão vertida propriamente dita, urge tecer alguns comentários acerca do instituto da conexão, conceituado pelo art. 103 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL [01]. Na lição de LUIZ RODRIGUES WAMBIER, "diz a lei que a conexão que enseja a reunião de causas é aquela que decorre da identidade ou do pedido ou da causa de pedir, seja esta próxima ou remota" [02].

            Já NELSON NERY JUNIOR, fazendo alusão aos ensinamentos de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, professa que "na verdade a lei disse menos do que queria, porque basta a coincidência de um só dos elementos da ação (partes, causa de pedir ou pedido), para que exista conexão entre duas ações" [03].

            Todavia, mesmo a par destes abalizados ensinamentos doutrinários, prefere-se defender que há conexão quando duas (ou mais) demandas judiciais, se processadas e julgadas perante juízos diversos (porém com idêntica parcela de jurisdição), possam proporcionar julgamentos inconciliáveis à situação jurídica posta a deste [04].

            Não é por outra razão que o STJ definiu que "o objetivo da norma inserta no art. 103, bem como no disposto no art. 106, ambos do CPC, é evitar decisões contraditórias; por isso, a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada" [05].

            Entendido isto, preconiza o art. 800 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL "as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer a ação principal". Em seguida, o seu parágrafo único estabelece que "interposto o recurso, a medida cautelar será requerida diretamente ao tribunal".

            O encimado dispositivo rege uma espécie de "conexão por acessoriedade". A respeito do mesmo, o STF definiu que "a natureza acessória do processo cautelar justifica a regra inscrita no CPC 800, que manda submeter as medidas cautelares ao ‘juiz da causa’. Existe, por isso mesmo, uma situação de conexão por acessoriedade, que decorre do vínculo existente entre a ação cautelar, de um lado, e a ação principal, de outro (CPC 108 e 800)" (STF-RT 685/215).

            O TJSP, fazendo referência ao mesmo art. 800 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e entendendo que há conexão, é incisivo ao preconizar que "só a conexão justificaria que tivessem em curso no mesmo juízo a ação principal e a cautelar incidental" (TJSP, Câmara Esp., Ccomp. 17968-0, Rel. Des. YUSSEF CAHALI, 5.1.1995).

            Neste rumo, a despeito do que foi esclarecido, se existe uma conexão, ambos os processos (principal e cautelar) devem ser processados e julgados pelo juiz que estiver com a jurisdição do processo principal em exercício no ato do ajuizamento da ação cautelar [06]. Isto porque esta é a regra de conexão estipulada pelo ordenamento jurídico para evitar julgamentos conflitantes.

            Perceba-se que a necessidade de julgamento da ação principal e cautelar pelo mesmo órgão julgador em respeito à conexão foi o móvel que geriu o legislador processual, inclusive quando deu redação ao art. 800 do CPC. Com efeito, o caput do art. 800 refere-se ao "requerimento" (e, por conseguinte, distribuição) da ação cautelar, que deve ser feita ao juiz da causa principal.

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            Por seu viés, o parágrafo único do art. 800 do CPC traz a regra de que a ação cautelar, quando a ação principal já estiver em sede recursal, deve ser requerida (por conseguinte, distribuída) diretamente no tribunal, pois é ele, por força de lei, competente. Ora, se a medida cautelar deve ser requerida no tribunal, que está julgando a ação principal, deve o mesmo julgar aquela (evitando-se julgamento conflitantes em respeito à conexão), até porque é competente para tal, como dispõe o art. 800, parágrafo único do CPC.

            Acrescente-se, outrossim, que o art. 800 do CPC não cogita a possibilidade de redistribuição pelo juízo (a outro de hierarquia superior) em caso de o mesmo ter julgado a ação principal quando já do trâmite da ação cautelar. Ou seja, não existe regra processual específica a este respeito (redistribuição), devendo prevalecer, destarte, a regra da conexão (de amparo legal), que se harmoniza perfeitamente com aquele dispositivo legal (art. 800 do CPC).

            Aliás, permissa venia, em prevalecendo entendimento diverso (segundo o qual as medidas cautelares, ainda que requeridas perante o juízo da ação principal, podem ser julgado em juízo diverso – de hierarquia superior), estar-se-ia malferindo o Princípio da Indeclinabilidade (ou da inafastabilidade da jurisdição) (de ordem constitucional – art. 5º, XXXV, da CF), pois que, juízo competente, poderia se esquivar de julgar os feitos dos quais é competente para tal (bastando que, para tanto, julgue apenas a demanda principal).

            Assim, torna-se proveitosa e esclarecedora a lição extraída do acórdão lavrado no Conflito de Competência 155.125/MG, proferido pelo Des. Fed. ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA, integrante do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO [07].

            Segundo aquele magistrado, "não perde o caráter incidental a medida cautelar ajuizada dias antes da prolação de sentença que indefere a inicial do processo principal, quando ainda tem a parte autora a faculdade de interpor recurso, como o fez. Não pode, assim, o juiz da causa alegar incompetência para o julgamento da cautelar, vez que, no momento do seu ajuizamento, foi ela endereçada e distribuída, corretamente, ao juiz competente para julgar a ação principal, nos termos do art. 800 do CPC".

            Por esta razão, como define com propriedade aquele julgador, "nos termos do parágrafo único do art. 800 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, a medida cautelar somente será requerida diretamente ao tribunal, após a interposição do recurso".

            Com idêntica dicção, pronuncia-se a doutrina mais abalizada, especialmente representada por LUIZ RODRIGUES WAMBIER, pela qual "a competência para a ação cautelar é a do juízo competente para a ação principal. Se a causa estiver em curso, é a do juízo perante o qual o processo estiver tramitando" [08].

            Posto isto, conclui-se que se a ação cautelar for distribuída antes de a ação principal tiver sido julgada pelo juízo originariamente competente, deve aquela ser processada e julgada neste mesmo juízo, sendo, pois, despicienda a remessa dos autos ao Tribunal ad quem, sob o argumento de que ele seria competente para o julgamento do recurso interposto na demanda principal.


Notas

            01

Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.

            02

In CURSO AVANÇADO DE PROCESSO CIVIL. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Vol. 1. Editora revista dos tribunais. 5ª ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo, 2002. p. 94-95.

            03

In CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL EXTRAVAGANTE EM VIGOR. Editora revista dos Tribunais. 5ª ed. Revista e ampliada. São Paulo, 2001. p. 555.

            04

Como a causa de pedir abrange razões de direito e de fato, se diversos os fatos em que se apóiam os pedidos não se caracteriza a conexão. (RT 625/93, RP 3/330, em. 50)

            05

Voto do Min. WALDEMAR ZVEITER, transcrito em RSTJ 98/191, à p. 207. No mesmo sentido: JTJ 142/185.

            06

"A prevenção ocorre em termos recíprocos, seja qual for a demanda ajuizada em primeiro lugar": a principal ou a cautelar (RF 273/165). No mesmo sentido: RT 732/216. In THEOTÔNIO NEGRÃO. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. Editora Saraiva. 38ª ed. Atualizada até 16 de fevereiro de 2006. São Paulo, 2006. P. 880.

            07

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL DISTRIBUÍDA POR PREVENÇÃO AO JUÍZO ONDE TRAMITAVA O FEITO PRINCIPAL. SENTENÇA QUE INDEFERE A INICIAL DO PROCESSO PRINCIPAL PROFERIDA APÓS A DISTRIBUIÇÃO DA CAUTELAR INOMINADA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO AO QUAL FOI DISTRIBUÍDA A AÇÃO ORDINÁRIA, NOS TERMOS DO ART. 800 DO CPC. 1. Não perde o caráter incidental a medida cautelar ajuizada dias antes da prolação de sentença que indefere a inicial do processo principal, quando ainda tem a parte autora a faculdade de interpor recurso, como o fez. Não pode, assim, o juiz da causa alegar incompetência para o julgamento da cautelar, vez que, no momento do seu ajuizamento, foi ela endereçada e distribuída, corretamente, ao juiz competente para julgar a ação principal, nos termos do art. 800 do CPC. 2. Mesmo se a cautelar incidental tivesse sido manejada no curto período entre a publicação da sentença no processo principal e a sua impugnação por meio de recurso dirigido ao tribunal, seria competente para o julgamento da cautelar o Juízo de primeiro grau que atuou no feito principal, eis que, nos termos do parágrafo único do art. 800 do CPC, a medida cautelar somente será requerida diretamente ao tribunal, após a interposição do recurso. 3. Conflito conhecido e julgado procedente, para declarar competente o Juízo Suscitado, da 20ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. (TRF 1ª REGIÃO – CC Processo: UF: MG Órgão Julgador: Data da decisão: 13/8/2003 Documento: 155125 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA)

            Decisão A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e o julgou procedente, para declarar competente o Juízo Suscitado, da 20ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais.

            08

In Processo cautelar e procedimentos especiais. Vol. 3. Editora Revista dos Tribunais. 4ª ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo, 2002. p. 33.
Sobre o autor
Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva

Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da ANNEP – Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas Souza. A competência para julgamento das medidas cautelares nos termos do parágrafo único do art. 800 do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1263, 16 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9281. Acesso em: 22 nov. 2024.

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