Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Direitos políticos

Exibindo página 2 de 3
Agenda 10/01/2007 às 00:00

Eleições e eleitores

            Eleitorado é o conjunto de todos os que detêm o direito de sufrágio. Organiza-se segundo as circunscrições, zonas e seções eleitorais.

            É significativa a participação do povo no poder em todas as suas manifestações, pois o papel dos eleitores é participar nas operações do corpo eleitoral, em virtude de um direito individual próprio, que é uma expressão da sua soberania individual.

            O alistamento diz respeito à capacidade eleitoral ativa de ser eleitor, e a elegibilidade refere-se à capacidade eleitoral passiva de ser eleito.

            Elegibilidade é pois o direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou no Executivo. Para que alguém, entre nós, possa concorrer a uma função eletiva, é necessário preencher as condições de elegibilidade que a Constituição arrola no art. 14, § 3º, ou seja, nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação partidária, idade mínima para os vários cargos e não incorrer em nenhuma inelegibilidade específica (art. 14, §§ 4º a 7º e 9º).

            Eleito é o candidato que tenha recebido votação suficiente para lhe conferir o mandato. Uma vez eleito, o candidato não incompatibilizado prestará compromisso e tomará posse do mandato.

            A eleição é um concurso de vontades, visando a designação de um titular de mandato eletivo. É o modo pelo qual o povo, nas democracias representativas, participa na formação da vontade do governo.

            Assim, o sistema eleitoral é o conjunto de procedimentos que se empregam na realização das eleições, destinadas a organizar a representação do povo no território nacional. Isso envolve técnicas como a divisão do território em distritos ou circunscrições eleitorais, o método de emissão de votos e os procedimentos de apresentação de candidatos e de designação dos eleitos de acordo com os votos emitidos.

            Desde 1997, a Constituição reconheceu ao titular a possibilidade da reeleição, isto é, pleitear a sua própria eleição para um mandato sucessivo ao que está desempenhando (art. 14, § 5º). Isso já era permitido aos titulares de mandatos parlamentares.

            O direito constitucional brasileiro vigente consagra o sistema majoritário: a) por maioria absoluta, para a eleição do presidente e vice-presidente da República (art. 77), do governador e vice-governador de Estado (art. 28) e do prefeito e vice-prefeito municipal (art. 29, II); b) por maioria relativa, para a eleição de senadores federais.

            O sistema proporcional é acolhido constitucionalmente para a eleição de deputados federais (art. 45), o que significa a adoção de um princípio que se estende às eleições para as Assembléias Legislativas e para as Câmaras Municipais, considerando o número de votos válidos, o quociente eleitoral, o quociente partidário, a técnica de distribuição dos restos ou sobras, a determinação dos eleitos e a solução dos casos em que há falta de quociente.

            No Brasil houve várias tentativas de implantar um sistema misto majoritário e proporcional por distrito. Elas no entanto fracassaram, mas a tendência a isso amplia-se cada vez mais, à vista dos notórios defeitos do sistema de representação proporcional puro que vigora atualmente.

            O procedimento eleitoral visa selecionar e designar as autoridades governamentais. Começa com a apresentação das candidaturas ao eleitorado, sua designação em cada partido, o seu registro no órgão da Justiça Eleitoral competente, a propaganda eleitoral destinada a tornar conhecidos o pensamento, o programa e os objetivos dos candidatos.

            Pena é que, depois de elegê-los, nós, eleitores, esquecemos os seus nomes, os seus programas, os seus objetivos, e ficamos a lamentar nossa falta de consciência política.


Os direitos políticos negativos

            "Toda a pessoa tem direito de participar no governo de seu país, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos."

            Trata-se de princípio universal que já figurava no art. 6º da Declaração de Direitos de Virgínia (1776): VI – That elections of members to serve as representatives of the people in assembly ought to be free; and that all men, having sufficient evidence of permanent common interest with, and attachment to, the community have the right of suffrage and cannot be taxed or deprived of their property for public uses without their own consent or that of their representatives so elected, nor bound by any law to which they have not, in like manner, assented, for the public good.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            Igualmente constava no art. 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): Article 6 – La loi est l’expression de la volonté générale. Tous les citoyens ont droit de concourir personnellement ou par leurs représentants à sa formation. Elle doit être la même pour tous, soit qu’elle protège, soit qu’elle punisse. Tous les citoyens, étant égaux à ces yeux, sont également admissibles à toutes dignités, places et emplois publics, selon leur capacité et sans autre distinction que celle de leurs vertus et de leurs talents.

            Faz parte especialmente do art. 21.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Article 21.(1) Everyone has the right to take part in the government of his country, directly or through freely chosen representatives).

            Entretanto algumas determinações constitucionais privam o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos esses direitos, porque negam ao cidadão o direito de eleger, de ser eleito, de exercer atividade político-partidária e de exercer função pública.

            A Constituição veda a cassação de direitos políticos. Só a admite nos casos do art. 15, ou seja, em virtude de: a) cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; b) incapacidade absoluta; c) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; d) recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art. 5º, VIII; e) improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

            Nossos constituintes de 1988 não incluíram a perda da nacionalidade entre os motivos de perda ou de suspensão dos direitos políticos. Mas o simples fato da aquisição de outra nacionalidade implica a sua perda, uma vez que transforma o brasileiro em estrangeiro. Como o estrangeiro não se pode alistar como eleitor e se a nacionalidade brasileira é pressuposto da posse dos direitos políticos, perde-os quem a perde com a aquisição de outra (art. 12, § 4º, II), ainda que não conste no art. 15.

            A recusa de consciência é a decorrente da liberdade de crença religiosa ou de convicções filosóficas ou políticas (art. 5º, VIII). Fato impunível que não importaria em perda de direito algum.

            Nossos constituintes de 1988 não foram felizes, gerando incoerência no texto e até um sem sentido (nonsense), porque não é lógico que o art. 5º, VIII mande o escusador cumprir uma prestação alternativa pela escusa de consciência, que também possa ser motivo de perda dos direitos políticos, e assim mesmo ficar sujeito à prestação alternativa.

            A suspensão dos direitos políticos consiste na privação temporária dos direitos políticos. A Constituição de 1946 (art. 135, § 1º) previa como caso de suspensão a incapacidade absoluta e a condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. A doutrina constitucionalista e a jurisprudência encontravam base na lei civil e penal para a aplicação correta dessa medida. Assim é que concluíram que bastaria a verificação judicial da incapacidade civil absoluta, mediante decretação da interdição do incapaz, para que decorresse a privação provisória da cidadania do interdito.

            Na condenação criminal o paciente continuará com seus direitos políticos suspensos, ainda que se beneficie de sursis. É que a suspensão dos direitos políticos constitui uma das penas de interdição temporária de direitos, às quais não se estende a suspensão condicional da pena (CP, art. 47, I e 80). Assim, o benefício da suspensão condicional da pena não interfere na suspensão dos direitos políticos decorrentes de condenação criminal.

            Nossos constituintes de 1988 redigiram mal o texto do art. 37, § 4º: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

            O texto ruim dá a entender que a improbidade administrativa não é propriamente sinônimo de imoralidade administrativa. Esta teria sentido mais amplo, de sorte que nem toda a imoralidade administrativa conduziria, necessariamente, à suspensão dos direitos políticos, salvo como pena acessória em condenação criminal.

            A improbidade diz respeito à prática de ato que gere prejuízo ao erário público em proveito do agente. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo. O desonesto administrativo é o devasso da Administração Pública.


Inelegibilidades e desincompatibilização

            O impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado) revela inelegibilidade; o obstáculo à capacidade eleitoral ativa (direito de ser eleitor) é a não alistabilidade. Assim, a incompatibilidade é o estorvo ao exercício do mandato depois de eleito.

            As inelegibilidades visam "proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta" (art. 14, § 9º).

            É bom lembrar que a cláusula "contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função..." só se refere à normalidade e à legitimidade das eleições. Isso quer dizer que a "probidade administrativa" e a "moralidade para o exercício do mandato" são valores autônomos em relação àquela cláusula. Elas não são protegidas contra a influência do poder econômico ou o abuso de função etc., mas como valores em si mesmos dignos de proteção, porque a improbidade e a imoralidade conspurcam por si sós a lisura do processo eleitoral.

            As inelegibilidades possuem assim um fundamento ético evidente, correlacionando-se com a democracia, não podendo ser entendidas como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure.

            A Constituição estabelece vários casos de inelegibilidades no art. 14, §§ 4º a 7º; normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou seja, que independem da lei complementar referida no § 9º desse artigo. Por serem restritivas de direitos fundamentais (direito à elegibilidade), a técnica sempre recomendou que fossem disciplinadas inteiramente em dispositivos constitucionais.

            Absolutas são as inelegibilidades que implicam impedição eleitoral para qualquer cargo eletivo: o cidadão não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear eleição para qualquer mandato eletivo e não tem prazo para desincompatibilização que lhe permita sair do impedimento a tempo de concorrer a determinado pleito. A inelegibilidade absoluta é excepcional, e só é legítima quando estabelecida na própria Constituição – é o caso do art. 14, § 4º, que declara inelegíveis os não alistáveis e os analfabetos.

            Relativas são as inelegibilidades que constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos, em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão. A inelegibilidade relativa não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva, mas o poderia relativamente a outros, exatamente por estar o cidadão sujeito a um vínculo funcional ou de parentesco ou de domicílio que inviabiliza sua candidatura na situação.

            São absolutamente inelegíveis por motivos funcionais, para os mesmos cargos, num terceiro período subseqüente: o presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal, os prefeitos e quem os houver sucedido nos seis meses anteriores ao pleito – é a proibição de uma segunda reeleição. Igualmente, para concorrerem a outros cargos, eles são inelegíveis, salvo desincompatibilização mediante renúncia aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

            Por motivo de parentesco no território de circunscrição do titular (o art. 14, § 7º, erroneamente fala no território da jurisdição do titular), são inelegíveis o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção – situação especial com possibilidade de desaparecer pela vontade das pessoas envolvidas e com prazo certo para terminar.

            Também por motivo de domicílio pode o cidadão ser inelegível, pois o domicílio eleitoral é uma das condições de elegibilidade (art. 14, § 3º, IV). Assim, ele é inelegível para mandato ou cargo eletivo em circunscrição em que não seja domiciliado pelo tempo exigido em lei.

            Desincompatibilização é o ato pelo qual o candidato se desvencilha da inelegibilidade a tempo de concorrer à eleição cogitada. Esse termo tanto serve para designar o ato mediante o qual o eleito sai de uma situação de incompatibilidade para o exercício do mandato como para o candidato desembaraçar-se da inelegibilidade.

            Posição incômoda é a do cônjuge e do parente inelegível: nada podem fazer por si, a não ser pressionar o cônjuge ou parente titular do cargo para que renuncie, a fim de desvencilhá-los do embaraço.

Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Direitos políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1288, 10 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9375. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Texto resultante da compilação de artigos do autor publicados no “Jornal da Cidade”, de Caxias (MA), entre 12/09 e 14/11/2004.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!