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Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006:

apontamentos para compreensão do tema

Agenda 17/01/2007 às 00:00

1. Introdução

            Os constantes reclamos sociais face à morosidade com a qual tramitam inúmeras querelas judiciais, bem como a necessidade de se salvaguardar a segurança jurídica, a isonomia e a celeridade processual, bem como, por corolário, a credibilidade das decisões emanadas do Poder Judiciário, levaram o legislador constituinte derivado reformador a introduzir no ordenamento jurídico-constitucional pátrio o instituto da súmula vinculante, ampliando e dando observância obrigatória aos efeitos objetivos de suas decisões.

            O referido instituto de direito foi fruto da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, mais conhecida como a Reforma do Poder Judiciário, a qual acresceu ao texto da Carta Política de outubro de 1988, o art. 103-A, com a seguinte redação:

            Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

            § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

            § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

            § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

            Busca-se resgatar a efetividade do devido processo legal por meio de um instituto que irá estabelecer o entendimento da Suprema Corte Federal brasileira sobre matérias constitucionais de direito, tornando a exegese fixada pelo Pretório Excelso de observância obrigatória por todos os órgãos e entes derivados dos Poderes Constituídos Judiciário e Executivo, os quais limitar-se-ão à análise de aspectos fáticos, tão-somente, como forma de se reduzir o lapso temporal referente ao trâmite procedimental na Justiça e na Administração Pública e de se garantir a segurança jurídica na Nação.

            A fim de regulamentar o referido artigo, foi editada em 19 de dezembro de 2006, quase dois anos após a Reforma do Poder Judiciário, a Lei nº 11.417, cuja análise é objeto do presente artigo,o qual busca analisar a referida lei, como forma de fornecer ao operador do direito alguns apontamentos para a compreensão do tema.


2. Jurisprudência e Súmula

            Inicialmente, insta conceituar e estabelecer as diferenças existentes entre as diversas manifestações exaradas dos órgãos judicantes, bem como quais seus tradicionais efeitos dentro do direito.

            Jurisprudência é o conjunto de soluções dadas às questões de direito pelos tribunais, sendo fruto da interpretação reiterada que as cortes dão à lei, nos casos concretos submetidos a seu julgamento. Já a súmula se trata da sinopse da jurisprudência, isto é, do processo de edição de enunciados por parte das Cortes de Julgamento que vão traduzir a orientação jurisprudencial da mesma.

            Corroborando o entendimento acima, vale transcrever o art. 102 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:

            Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.

            Vale ressaltar que dada a nossa tradição romano-germânica, tanto a jurisprudência quanto a súmula tem força meramente indicativa, não possuindo observância obrigatória por parte das instâncias inferiores. Todavia, não há como lhes negar papel fundamental como instituto de interpretação do direito, uma vez que fornece preciosa orientação sobre a hermenêutica a ser dada a casos concretos.

            Neste sentido, destacamos a seguinte lição:

            "Jurisprudência nada mais é do que reiteração uniforme e constante de certa decisão sempre no mesmo sentido. Porém, por conveniência do tribunal, quando há um consenso sobre uma linha jurisprudencial, é possível sintetizar tal entendimento através de um enunciado em "súmula". Apesar de serem distintos, em um ponto se assemelham, ambos não têm qualquer caráter cogente, não obrigando os julgadores. Valer dizer, servem como mera orientação, não engessando a convicção pessoal do magistrado, que pode livremente contrariá-las, desde que fundamente sua decisão. Contudo, é óbvio, que não se pode ignorar a profunda influência que as súmulas exercem sobre o desempenho do judiciário como um todo. Mas, frise-se, trata-se de uma influência persuasiva, não normativa". [01]

            Diferentemente de nossa tradição jurídica, a Reforma do Poder Judiciário facultou ao Supremo Tribunal Federal a edição, revisão e o cancelamento dos enunciados de sua súmula dando-lhe caráter de observância obrigatória por parte do Judiciário e do Executivo.

            Tal instituto tem inspiração na teoria dos precedentes do direito norte americano, a fim de se garantir a completude e o respeito às decisões emanadas da Suprema Corte.


3. A teoria dos precedentes norte-americana

            No direito norte-americano, a declaração de inconstitucionalidade é realizada no bojo de um caso concreto, não sendo dotada de efeito erga omnes. Mas, por ser país de tradição anglo-saxônica, com raízes no Common-law, o direito norte-americano adotou a doutrina do stare decisis, que acaba por atribuir naturalmente eficácia geral e vinculante às decisões da Suprema Corte. Stare decisis, provém da expressão latina stare decisis et non quieta movere [02]. A decisão da Corte Americana gera um precedente, com força vinculante, de modo a assegurar que, no futuro, um caso análogo venha a ser decidido da mesma forma. [03]

            A teoria dos precedentes permite que casos idênticos sejam julgados da mesma forma, evitando contradições e insegurança jurídica. Dessa forma, uma decisão do passado, cujos motivos foram expostos, deve ser aplicada em casos similares e futuros onde caiba a mesma fundamentação, e somente novas e persuasivas razões poderão admitir uma decisão que não seja similar às decisões antecedentes.

            No constitucionalismo americano, em que pese a declaração de inconstitucionalidade no modelo incidente operar inter partes, diretamente sobre essas decisões aplica-se a teoria dos precedentes (stare decisis), assegurando naturalmente a eficácia obrigatória e geral das decisões da Suprema Corte Americana.

            Observe-se que, desta forma, salvaguarda-se a segurança jurídica e, por corolário, a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.


4. Do procedimento para edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante na Lei nº 11.417, de 2006

            Com o fito de regulamentar o pré-citado art. 103-A da CRFB, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, foi promulgada a Lei nº 11.417, de 2006, que disciplinou a edição, a revisão e o cancelamento de súmula vinculante por parte do Egrégio Supremo Tribunal Federal, bem como alterou a Lei do Processo Administrativo Federal (nº 9.784, de 1999).

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            O procedimento para edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante não se encontra suficientemente disciplinado na lei regulamentadora, a qual limita-se a estabelecer o quorum qualificado de apreciação pelo plenário, o rol de legitimados ativos para propositura de enunciado com efeito vinculante da súmula do Pretório Excelso, possibilidade de manifestação de terceiros, a modulação de efeitos materiais e temporais do respectivo verbete, a possibilidade de reclamação em face da inobservância da súmula vinculante, bem como a aplicação subsidiária do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

            A apreciação de proposta de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante é de competência do órgão pleno do Supremo Tribunal Federal, o qual irá deliberar pelo quorum qualificado de 2/3 (dois terços) de seus membros.

            Formulada a proposta ex officio ou por parte de um dos legitimados ativos, esta será distribuída a um relator que, em homenagem ao disposto no art. 103, §1º, da CRFB, e em obediência ao art. 2º, §2º, da lei regulamentadora, irá proceder à oitiva do Procurador-Geral da República, tão-somente, nas proposições não formuladas pelo mesmo, podendo, ainda, admitir, ou não, manifestação de terceiros.

            Feito isto, o procedimento será submetido ao pleno do Pretório para deliberação. Uma vez apreciado o pedido no sentido de editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal terá prazo de 10 dias para publicar o respectivo verbete na imprensa oficial, a qual irá produzir efeitos imediatos, a partir da data de sua publicação, podendo, todavia, o Pretório Excelso modular seus efeitos temporais, restringindo, ainda, sua eficácia vinculante, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

            Outrossim, há que ser ressaltado que a formulação de proposta de enunciado de súmula com efeito vinculante não autoriza a suspensão dos processos subjetivos que tenha como fundamento questão idêntica, não tendo o referido procedimento força de questão prejudicial.

            Visto isso, passe-se à análise dos demais aspectos materiais e formais da referida lei.

            4.1 Da natureza jurídica do procedimento para edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante na Lei nº 11.417, de 2006

            Inicialmente, insta delimitar qual a natureza jurídica do procedimento para edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante estabelecido na Lei nº 11.417, de 2006.

            Da análise dos diversos dispositivos da referida lei, depreende-se que se trata de procedimento objetivo de competência originária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal, de natureza objetiva, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional.

            Em que pese haver a possibilidade de manifestação de terceiros, não há que se falar em discussão sobre interesses pessoais, uma vez que o Pretório Excelso limitar-se-á, tão-somente, a objetivar a fundamentação de seus julgados exercida em sede de controle difuso de constitucionalidade ou no exercício de sua competência originária (quando se tratar de matéria constitucional), nos termos estabelecidos no art. 102 da CRFB, a ser compendiada nos enunciados vinculantes que compõe sua súmula.

            4.2 Dos limites subjetivos dos efeitos da súmula vinculante

            Conforme prescrito no art. 2º da Lei nº 11.417, de 2006 [04], devem submissão obrigatória aos enunciados vinculantes da súmula do Supremo Tribunal Federal todos os órgãos do Poder Constituído Judiciário, bem como todos os órgãos e entes da Administração Pública direta e indireta dos entes federativos municipal, estadual e federal.

            É de se ressaltar que não houve citação expressa da Administração Pública distrital tanto por parte do legislador constituinte reformado quanto por parte do legislador infraconstitucional. Todavia, não há como não excluir do campo de incidência de eficácia da súmula vinculante o Distrito Federal, devendo o referido art. 2º ser interpretado extensiva e sistematicamente com os demais dispositivos da lei.

            Assim, uma vez que o art. 3º, IX e X, estabelece legitimação ativa para a propositura de súmula vinculante à Câmara Legislativa do Distrito Federal, bem como ao Governador do Distrito Federal, sua a exegese sistêmica com o art. 2º, nos remete que a Administração Pública distrital, seja direta ou indireta, encontra-se sob a égide da observância obrigatória dos enunciados vinculantes da súmula do Supremo Tribunal Federal.

            4.3 Do objeto da súmula vinculante

            Para se estabelecer os contornos dos limites do objeto dos verbetes vinculantes da súmula do Pretório Excelso, mister se faz a exegese do art. 103-A, §1º da CRFB combinado com o art. 2º, caput, ab initio, e§1º [05] da lei regulamentadora.

            Assim, nos termos dos pré-citados dispositivos legais, resta claro que os enunciados sobre os quais serão atribuídos eficácia vinculante terão por objeto a fixação do entendimento da Corte Suprema Federa acerca da validade, interpretação e eficácia de normas federais, estaduais, distritais e municipais em face dos preceitos estabelecidos no texto constitucional para tanto.

            4.4 Dos requisitos para a edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante

            O instituto da súmula vinculante foi introduzido no direito pátrio consubstanciado em três princípios de direito, a saber, a segurança jurídica, a isonomia e a celeridade processual, além de salvaguardar e resgatar a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.

            Nos termos do art. 2º, §1º, da lei regulamentadora da súmula vinculante, mister se faz a demonstração perante o plenário do Pretório Excelso de que a matéria é objeto de controvérsia entre os diversos órgãos do Poder Judiciário ou, ainda, entre estes e a Administração Pública, cuja divergência tem efeito danoso, potencial ou efetivo, para a segurança jurídica, devendo, ainda, traduzir-se em fator relevante de multiplicação de querelas judiciais que versem sobre o mesmo objeto.

            4.5 Da legitimação ativa

            Inicialmente, insta salientar que o próprio Supremo Tribunal Federal pode de ofício editar, rever ou cancelar enunciado de sua súmula com efeito vinculante, podendo ainda ser formulado pedido para tanto mediante provocação de um dos legitimados ativos para deflagrar o controle de constitucionalidade concentrado e abstrato via ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art. 103-A, §2º, da CRFB. Além destes, houve acréscimo no rol de legitimados ativos por parte do legislador infraconstitucional.

            Assim, os legitimados para deflagrar a propositura de edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante perante o pleno do Pretório Excelso encontram-se prescritos taxativamente no art. 3º da lei regulamentadora, sendo estes o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Defensor Público-Geral da União; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

            À semelhança do que ocorre com o processo objetivo de controle de constitucionalidade, nos termos em que se consolidou a jurisprudência evolutiva do Supremo Tribunal Federal impondo o critério limitativo da demonstração de pertinência temática como forma de se restringir o número de demandas perante a referida corte, dever-se-á adotar, salvo melhor juízo, o mesmo critério no que se refere à propositura de súmulas vinculantes.

            Seguindo a linha teleológica da jurisprudência do Pretório Excelso, para determinados legitimados deverá ser exigido, além da prévia demonstração de necessidade e utilidade na edição, revisão ou cancelamento do ato como forma de se preservar a segurança jurídica e a celeridade e a economia processual (art. 2º, §1º), demonstração de interesse objetivo na fixação vinculante da interpretação normativa por parte da Suprema Corte Federal com as atividades exercidas pelo respectivo legitimado.

            Assim, poder-se-á classificar os legitimados ativos para propositura de súmula com efeito vinculante em:

            a)legitimado universais ou neutros: todos aqueles que atuam na defesa geral dos interesses da Nação, que não precisam demonstrar relação de pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento jurisprudencial do Pretório Excelso. Esta categoria, no ato de propositura, deverá, tão-somente, ater-se a demonstração de existência dos requisitos previstos no art. 2º, §1º, para conhecimento do pedido de edição, revisão ou cancelamento, a saber, dano potencial ou efetivo à segurança jurídica e à celeridade processual. São estes o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Defensor Público-Geral da União; e partido político com representação no Congresso Nacional;

            b)legitimados especiais ou sectários: todos aqueles que atuam na defesa específica de interesses inerentes à determinada categoria ou população restrita à determinada base territorial, necessitando demonstrar, além dos requisitos do art. 2º, §1º, relação de pertinência objetiva na fixação obrigatória do entendimento sumulado do Pretório Excelso. São estes a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; e os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

            Fora os legitimados acima, a lei regulamentadora da súmula vinculante trouxe a possibilidade de formulação de proposta de súmula por parte do Município, desde que seja efetuada incidentalmente ao curso de ação em que seja parte, além da comprovação de dano potencial ou efetivo à segurança jurídica e à celeridade processual, bem como da demonstração de pertinência objetiva.

            Por fim, uma vez que se trata de procedimento de feições objetiva, que tem por fim a fixação obrigatória do entendimento do Pretório Excelso sobre a validade, a interpretação ou a eficácia de normas jurídicas, quando confrontadas material e formalmente em face da constituição, não há que se falar em legitimidade passiva, não havendo, sequer, previsão no sentido de requisição de informações para o órgão responsável pela edição do ato normativo objeto do procedimento.

            4.6 Da manifestação de terceiros

            A lei regulamentadora da súmula vinculante permite a participação de terceiros, denominando-a de manifestação, a teor de seu art. 3º, §2º, in fine.

            Inicialmente, há que se ter em mente que não se trata da figura processual da intervenção de terceiros. Terceiro interessado é todo aquele que, mesmo não sendo participante da relação jurídica originária discutida em juízo, pode vir a suportar seus efeitos econômicos ou de direito, no caso de eventual execução de sentença. Logo, em que pese não ter vínculo direto com as partes legítimas, o terceiro tem interesses pessoais no eventual desfecho da lide, sendo-lhe, portanto, facultado, o ingresso em juízo, tão-somente, em processos subjetivos.

            Uma vez que o procedimento para edição, revisão ou cancelamento de súmula vinculante se trata de procedimento objetivo do Pretório Excelso, a manifestação de terceiros deve ser limitada, tão-somente, à exposição de tese de direito sobre a validade, a interpretação e a eficácia das normas jurídicas confrontadas com o texto constitucional, cuja admissão dependerá de prudente juízo do relator, não havendo que se falar em defesa de interesses subjetivos.

            4.7 Da eficácia material e temporal da súmula vinculante

            Nos termos do art. 103-A, caput, da CRFB, e do art. 2º, caput, da lei regulamentadora da súmula vinculante, atribuir-se-á eficácia vinculante à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal a partir de sua data de publicação na imprensa oficial, a qual irá operar efeitos para os demais órgãos do Poder Constituído Judiciário, bem como para a Administração Pública, direta e indireta, dos demais entes federativos.

            Por óbvio, resta claro que a publicação de enunciado que edite, reveja ou cancele verbete da súmula vinculante da Suprema Corte Federal produz efeitos em caráter ex nunc, tão-somente, a partir da data de publicação no Diário Oficial, não havendo como lhe atribuir efeitos retroativos a partir da data da formulação da proposição.

            Ressalte-se que o art. 4º da Lei nº 11.417, de 2006, faculta ao Pretório Excelso a modulação dos efeitos temporais da súmula para outro momento futuro, possibilitando, ainda, a restrição material da eficácia vinculante da mesma, no sentido de delimitar o alcance subjetivo do enunciado, tão-somente, à observância obrigatória de determinados órgãos ou entes da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal, casuisticamente. Isto porque, o juízo sobre a constitucionalidade da cobrança de determinado tributo pode e deve ficar restrito, tão-somente, à esfera de subjetiva dos entes federativos que possuem a respectiva competência e capacidade tributária, sendo desnecessário estender-lhe os efeitos de vinculação obrigatória aos demais.

            4.8 Da possibilidade de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal

            A inobservância de enunciado com efeito vinculante da súmula do Pretório Excelso, seja por parte dos demais órgãos do Judiciário ou por parte da Administração Pública, acarreta o cabimento de reclamação ao próprio Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, l, e do art. 103-A, §3º, ambos da CRFB, do art. 13 e seguintes da Lei nº 8.038, de 1990, bem como do art. 156 e seguintes do Regimento Interno da Corte.

            Por reclamação, nos termos da lei acima mencionada, entende-se o procedimento que objetiva a preservação da competência da Suprema Corte Federal e da Corte Superior de Justiça ou a garantia da autoridade de suas decisões. Via de regra, é instaurada por ato do membro do Ministério Público ou do próprio interessado, perante o órgão fracionário ou o pleno, conforme o caso, sendo distribuído a um relator que irá requisitar informações ao órgão competente em decêndio legal e ouvido o parquet, tão-somente nas reclamações não propostas pelo mesmo. Do julgamento por parte do STF poderá resultar, nos termos do art. 161 de seu regimento interno, a avocação do processo em que houve usurpação de competência; ordem de remessa dos autos do recurso para ele interposto; cassação da decisão exorbitante; ou determinação das medidas adequadas para observância de sua jurisdição. Por fim, cabe ressaltar que, nos casos de a reclamação se fundar em jurisprudência consolidada do Pretório Excelso, é facultado ao relator julgar monocraticamente a reclamação (art. 161, parágrafo único do RISTF).

            Nos termos do art. 7º e §§ da lei regulamentadora da súmula vinculante, de decisão judicial ou ato administrativo que contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente enunciado com efeito vinculante da súmula do Pretório Excelso caberá reclamação, sem prejuízo dos demais recursos e outros meios cabíveis de impugnação. A decisão do STF nesta reclamação, limitar-se-á a anulação do ato administrativo ou a cassação da decisão judicial, determinando expressamente que outra seja proferida por parte da autoridade reclamada (art. 7º, §2º).

            O art. 7º, §1º, é de constitucionalidade duvidosa, apresentando-se em aparente conflito material com o art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil, uma vez que restringe o acesso ao Poder Judiciário, condicionando a propositura de reclamação ao prévio e necessário esgotamento da via administrativa.

            Observe-se que o referido art. 5º, XXXV, da CRFB consagra o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, havendo precedentes no STF sobre a inconstitucionalidade de se condicionar o acesso à justiça à preclusão da via administrativa, conforme ementário a seguir transcrito:

            "Quanto à alegada preclusão, o prévio uso da via administrativa, no caso, não é pressuposto essencial ao exercício do direito de interposição do mandado de segurança. Condicionar a possibilidade do acesso ao Judiciário ao percurso administrativo, equivaleria a excluir da apreciação do Judiciário uma possível lesão a direito individual, em ostensivo gravame à garantia do art. 5º, XXXV da Constituição Federal." – nossos grifos (MS 23.789, voto da Min. Ellen Gracie, DJ 23/09/05)

            Todavia, há que se ter em mente que todas as presunções de constitucionalidade militam em favor do texto legal. Corroborando tal entendimento, tanto a clássica, quanto a moderna doutrina são acordes. Na lição de Carlos Maximiliano [06]:

            "Todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, estão acima de toda a dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qualquer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade. Os tribunais só declaram a inconstitucionalidade de leis quanto esta é evidente, não deixa margem a séria objeção em contrário. Portanto, se, entre duas interpretações mais ou menos defensáveis, entre duas correntes de idéias apoiadas por jurisconsultos de valor, o Congresso adotou uma, o seu ato prevalece. A bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes federais (ou estatais), o Judiciário só faz uso da sua prerrogativa quando o Congresso viola claramente ou deixa de aplicar o estatuto básico, e não quando opta apenas por determinada interpretação não de todo desarrazoada". – grifamos.

            Outrossim, vale citar o magistério de Luís Roberto Barroso [07]:

            "A presunção de constitucionalidade das leis, encerra, naturalmente, uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido contrário do órgão jurisdicional competente. O princípio desempenha uma função pragmática indispensável na manutenção da imperatividade das normas jurídicas e, por via de conseqüência, na harmonia do sistema. O descumprimento ou a não-aplicação da lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade, antes que o vício haja sido proclamado pelo órgão competente, sujeita a vontade insubmissa às sanções prescritas pelo ordenamento. Antes da decisão judicial, quem subtrair-se à lei o fará por sua conta e risco. Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor." – grifamos.

            Destarte, até que haja manifestação em caráter definitivo do Pretório Excelso sobre a compatibilidade material do referido art. 7º, §1º, com o art. 5º, XXXV, da CRFB, o referido dispositivo de lei encontra-se em pleno vigor, com total eficácia, devendo ser observado por parte de eventuais reclamantes, no sentido de fazer prova do esgotamento da via administrativa, sob pena de não conhecimento de sua respectiva reclamação.


5. Conclusão

            Ante todo o exposto, resta claro que o instituto da súmula vinculante se trata de importante inovação que tem como função garantir o respeito à segurança jurídica e a celeridade processual, tendo, ainda, por corolário, a missão de resgatar a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.


Notas

            01

FIGUEIREAS, Júlio da Costa. OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE Monografia apresentada ao curso de direito como requisito parcial para obtenção do Grau de Bacharel em direito da Universidade Santa Úrsula. Rio de Janeiro: 2006.

            02

Ficar com o que foi decidido e não mover o que está em repouso – minha livre tradução.

            03

LIMA, Leonardo Moreira. Stare decisis e Súmula vinculante: um estudo comparado. PUC-Rio. Disponível em: http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/revista/online/rev14_leonardo.html. Acesso em 28 de Outubro de 2006.

            04

Art. 2o  O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

            05

Art. 2o  O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.

            § 1o  O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

            06

MAXIMILIANO, Carlos; "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 19ª edição, editora Forense, Rio de Janeiro, 2003, p. 251 e 252.

            07

BARROSO, Luiz Roberto; "Interpretação e Aplicação da Constituição"; 3ª edição; editora saraiva; São Paulo; 1999, p. 170 e 171.
Sobre o autor
Leonardo Vizeu Figueiredo

procurador federal, especialista em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá, especializando em Direito do Estado e Regulação de Mercados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, professor titular de Direito Econômico da Universidade Santa Úrsula, professor substituto de Direito Constitucional da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor substituto de Direito Civil da Universidade Federal Fluminense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006:: apontamentos para compreensão do tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1295, 17 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9400. Acesso em: 23 dez. 2024.

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