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Considerações sobre a disciplina do crime de participação em rixa no Código Penal brasileiro

O crime de participação em rixa, situado topograficamente no título de Crimes contra a pessoa, apresenta-se em capítulo próprio, e, no entanto, o incluiremos assim como faz Liszt (2003: 66), no capítulo sobre crimes de periclitação da vida e da saúde, por entendermos que se trata de crime pluriofensivo em que são tuteladas, diretamente, a vida e a saúde humanas (a ordem pública e a tranqüilidade social são tuteladas por via indireta).

O artigo 137 do Código Penal prescreve que incorrerá na pena de detenção, de quinze dias a dois meses, ou na pena de multa, aquele que participar de rixa, salvo quando o fizer para separar os contendores. Diante da análise do núcleo do tipo, temos que participar de rixa é tomar parte de confusão generalizada, na qual não se consegue identificar contra quem estão os opositores, isto é, não se sabe quem está brigando contra quem.

Deve-se tomar o cuidado de não confundir o crime de participar em rixa com crime de participar do crime de rixa: na primeira hipótese consideramos os rixentos, aqueles que efetivamente participam, tomam parte do tumulto generalizado; na segunda, consideramos quem instiga ou induz alguém ou lhe presta auxílio para que participe de rixa. A distinção, contudo, é dispensável, haja vista que, diante da redação do artigo 137, não há se indicar qualquer diferenciação entre uma e outra forma, de modo que, como veremos adiante, o agente responderá por crime de participação em rixa simples ou qualificada a depender de sua contribuição para o resultado final. Pondera Bitencourt (2003: 319) no sentido de que o artigo 137, no caso de participação do crime de rixa, deve ser combinado com o artigo 29, de modo que o partícipe em crime de rixa responderá pela pena do crime de participação em rixa na medida de sua culpabilidade.

Assim, que mister se faz definir rixa. Pois bem, rixa é uma confusão generalizada, ou uma luta tumultuosa, em que cada um está por si e contra todos. Se fosse possível identificar quem está contra quem, o tipo penal será diferente do que nos propomos a aqui estudar – poderia ser, a título de exemplo, lesão corporal, homicídio, vias de fato, dentre outras possibilidades. Em rigor, para que o tipo penal seja o de rixa requer-se que haja pelo menos três sujeitos, uma vez que se a luta fosse entre duas pessoas ou dois grupos, saberíamos de pronto quem estaria contra quem. Por isso, a doutrina entende que, para que haja rixa é preciso que participem no mínimo três pessoas lutando entre si, e que pelo menos uma delas seja imputável.

Da necessidade de no mínimo três pessoas em contenda, temos que o crime em epígrafe é plurissubjetivo, coletivo ou de concurso necessário de agentes. A necessidade do concurso de agentes tange o aspecto da fixação da responsabilidade de cada agente que participa da rixa: em uma baderna é bem mais dificultosa a fixação da responsabilidade de cada agente do que em uma luta entre duas pessoas. De se observar que havendo três pessoas e, no entanto, uma delas estiver separando os indivíduos briguentos, não há que se falar em caracterização da rixa. Da mesma forma, se dois indivíduos investem contra um terceiro, o qual apenas se defende, o tipo penal em estudo não estará configurado..

Na rixa, os sujeitos passivos são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos, ou melhor, são passivos em relação a todos os que estão brigando contra eles e ativos em relação a todos contra quem estão brigando. Disto decorre, também, que o delito é de condutas contrapostas: cada um por si e cada um contra todos. Desta maneira: Mélvio desfere socos em Caio que desfere pontapés em Tício que, a seu turno, com cotoveladas atinge Mélvio e com joelhadas machuca Caio. Por conseguinte, fica estabelecido que estamos diante de um crime comum, visto que o sujeito ativo, assim como o sujeito passivo, pode ser qualquer pessoa, salvo aquela que tenta separar os contendores ou tenta socorrer alguém, "salvo se não se limitar a fazê-lo, praticando atos de violência ou contribuindo de alguma forma, com animus rixandi, para estimular o conflito" (Prado, 2006: 231). Não se deve olvidar também que não participa de rixa o indivíduo envolvido involuntariamente no tumulto.

Quanto àquele que toma parte em rixa com a finalidade exclusiva de separar os rixentos, há duas correntes. De acordo com a primeira, a ilicitude da ação é excluída, haja vista que a norma apresenta uma parte com natureza jurídica permissiva. Já para a segunda corrente, a tipicidade é excluída por ausência de dolo. Note-se que a conseqüência das duas correntes é a mesma: excluir o crime.

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Do exposto, temos que, para a consumação da participação em rixa, é necessário que haja pelo menos três pessoas, voluntariamente envolvidas em uma confusão generalizada, praticando atos hostis de violência material (violência física) ou de vias de fato, uns contra os outros. Desta maneira, consuma-se o tipo penal com a prática de vias de fato ou de violências recíprocas, ou seja, no momento em que há a produção do resultado, haja vista que se trata de crime instantâneo. É delito abstrato de dano, em que basta a configuração da participação para que incida o tipo penal, independentemente de qualquer resultado que possa ocorrer, ficando presumida pelo legislador, de modo absoluto, a situação de perigo.

Discute-se na doutrina a possibilidade de tentativa no crime de participação em rixa. Há três correntes. Para uma primeira, a tentativa de participação em rixa é possível apenas no caso de rixa preordenada: é o caso em que os grupos rivais Jafé, Café e Mafé se dirigem ao local marcado e, ao apanhar pedras e paus para iniciar a contenda, são obstados pela intervenção policial (Prado, 2006: 236; Damásio, 1998: 192; Capez, 2005: 223-224; Noronha, 1979: 117). Para uma segunda corrente, a tentativa de participação em rixa preordenada é, em tese, possível, mas de difícil configuração prática (Bitencourt, 2003: 321). Para uma terceira e última corrente, a tentativa é inadmissível, tanto na forma preordenada como na forma improvisada, uma vez que a conduta e o evento se exaurem ao mesmo tempo (Pierangeli, 2005: 187-188; Mirabete, 1998: 149; Bruno, 1979: 258). Concordamos com esta última linha de pensamento, já que o legislador visou punir, com o artigo 137 do Código Penal brasileiro, o animus rixandi, o qual já está presente no mero planejamento da rixa.

Com a exposição das linhas de entendimento, há que se falar nas formas de surgimento de rixa que a doutrina expõe. A rixa pode ser preordenada (ex proposito), quando é planejada, ou pode ser de improviso (ex improviso), quando surge de súbito, inesperadamente.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo direto: consistente na vontade livre e consciente de tomar parte na rixa. Não há possibilidade de rixa culposa, quando o sujeito, por sua imprudência, negligência ou imperícia, é envolvido na rixa, vês que desta não tome parte ao depois. Também não cabe rixa simulada, por ausência de animus rixandi, ainda que da simulação decorra morte, vias de fato ou lesão corporal, de modo que quem tenha dado causa a tais resultados responderá por homicídio, contravenção penal ou por lesão corporal, respectivamente.

Prado (2006: 234-235) considera que a legítima defesa, própria ou de terceiro, é possível quando há conduta excessiva de um dos rixentos em relação às condutas dos demais. Ilustremos este ponto com a hipótese de todos lutarem mediante socos e pontapés e alguém sacar de uma arma para efetuar disparos em relação a outrem. Portanto, a legítima defesa é possível, a fim de repelir agressão injusta (não prevista e imprevisível) na confusão. Vale lembrar que a reação contra uma suposta agressão (legítima defesa putativa) afasta a tipificação do crime de rixa, ainda que o erro seja evitável, pois, mesmo assim, faltaria a vontade consciente de participar de rixa (erro de tipo permissivo).

Como o crime de participação em rixa é caracterizado, dentre outras coisas, pela prática hostil de violência material recíproca, o legislador preferiu qualificar o crime em tela, com o parágrafo único do artigo 137 CP, dispondo do seguinte modo: se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Com efeito, temos duas formas qualificadas: quando da participação em rixa resulta morte e quando da participação em rixa resulta lesão corporal de natureza grave. Interessante notar que o legislador tratou os resultados como crimes de menor potencial ofensivo, fixando a pena máxima em dois anos. Dispensável é a discussão acerca de a forma qualificada ser dolosa ou ser preterdolosa.

Acresça-se que as distinções entre rixa qualificada e autoria incerta, bem como entre rixa e delito multitudinário devem ser delineadas. No que se refere à primeira diferenciação, cumpre lembrar que enquanto na rixa qualificada os rixosos, teoricamente, não querem o resultado mais gravoso, porém respondem pela possibilidade de ocorrência deste, na autoria incerta, por sua vez, os agentes são identificados e há dolo em relação ao resultado gravoso. O que não se sabe, na verdade, é quem, dentre os suspeitos, cometeu o delito (Capez, 2005: 227). Já em relação à segunda distinção, entende-se que na rixa, as condutas são contrapostas e os ataques, recíprocos. No delito multitudinário, as condutas são paralelas e não há ataques recíprocos.

Todos os sujeitos que tomaram parte da rixa, inclusive a vítima (se esta não morrer), caso não haja identificação de quem teve o ânimo de produzir o resultado qualificador, responderão pela forma qualificada de rixa, uma vez que o que se pune é a participação em rixa e não o resultado provocado. Caso haja a identificação, o autor do resultado qualificador responderá por concurso material de crimes e os demais rixentos pela forma qualificada de rixa. Prado (2006: 237-238) observa que aquele que abandona a rixa antes da produção do resultado qualificador, responde por este, desde que tenha dado contribuição para o advento de tal resultado; e, aquele que entra após o resultado qualificador, responde pela forma do caput, em virtude de que para o agente do crime de participação em rixa, suas responsabilidade e culpabilidade iniciam com o seu ingresso na baderna.

Há, no caso do concurso de crimes, duas correntes acerca do modo como este irá ocorrer. A primeira corrente afirma que haverá concurso entre a participação em rixa na forma simples (do caput) com o delito de homicídio ou de lesão corporal grave, visto que não pode haver bis in idem (Prado, 2006: 238; Pierangeli, 2005: 189; Damásio, 1998: 193-194). A segunda corrente, com a qual concordamos, argumenta que haverá concurso material entre a participação em rixa na forma qualificada com o delito de homicídio ou de lesão corporal grave, em razão de que não há bis in idem, porque o agente, pela participação no crime em sua forma qualificada, responde pela participação e não pelo resultado provocado (Bitencourt, 2003: 319, 323; Mirabete, 1998: 150; Bruno, 1979: 260, Capez, 2005: 226).

Por fim, resta ponderar algumas observações referentes ao concurso de crimes. Os delitos de ameaça – art. 147, CP, lesão corporal leve e contravenção penal de vias de fato – art. 21, LCP, quando praticados contemporaneamente com o crime de rixa, não configuram o concurso material de crimes, em razão de haver a absorção dos delitos supramencionados pelo de rixa. Entretanto, se na confusão ocorrer o crime de furto – art. 155, CP e o agente for identificado, ele será responsabilizado, concomitantemente, pelos delitos de furto e rixa. E ainda, se durante a confusão generalizada, o agente disparar arma de fogo – de modo a não haver intenção de praticar outro crime – responderá pela infração penal prevista no art. 15 da Lei 10.826/2003.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 2. 3.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

BRUNO, Aníbal. Crimes Contra a Pessoa. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), volume 2. 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte especial, 2º volume: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 20.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.

LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão, tomo II. 1.ed. Campinas: Editora Russell, 2003;

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 a 234 do CP), volume 2. 13.ed. São Paulo: Editora Atlas, 1998.

NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal, volume 2. 13.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1977.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

Sobre os autores
Bruno Costa Teixeira

bacharelando em Direito pela FDV, bacharelando em Economia pela UFES, editor da Panóptica - Revista Eletrônica Acadêmica de Direito

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH). Membro do Comitê de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá, Campus Vitória (FESV). Professor de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Financeiro, Direito Tributário e Processo Tributário, no Curso de Direito da FESV. Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV. Consultor de Publicações; Advogado e Consultor Jurídico sócio do Escritório Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados. Autor de mais de uma centena de trabalhos jurídicos publicados no Brasil, na Alemanha, no Chile, na Bélgica, na Inglaterra, na Romênia, na Itália, na Espanha, no Peru e em Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Bruno Costa; SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem. Considerações sobre a disciplina do crime de participação em rixa no Código Penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1313, 4 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9448. Acesso em: 23 dez. 2024.

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