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Como nascem as propostas de redução da idade penal

Agenda 12/02/2007 às 00:00

Após a morte brutal de um menino de 6 anos, arrastado por um carro por sete quilômetros em um assalto, reinicia a mesma história. Aparecem na cena pública aqueles paladinos das penas duras que, sempre que acontece algum fato violento e uma criança ou adolescente participa como agente do fato, despontam na sociedade com a defesa da redução da idade penal como solução para a criminalidade no país. Isso é uma grande besteira! A criminalidade é um problema grave, que tem raízes na própria formação do Estado Brasileiro e nas suas bases capitalistas, racistas, machistas e homofóbicas. Superar a criminalidade é superar as suas causas e não ampliar penas ou capturar, mais cedo, as crianças e adolescentes a partir de generalizações grosseiras.

Sem dúvida, é absolutamente compreensível a indignação e comoção causadas pelas circunstâncias da morte do menino de 6 anos arrastado por sete quilômetros no Rio de Janeiro. Sem dúvida, esse fato revela a frieza de uma humanidade marcada pelas contradições do mundo. Entretanto, não se pode, a partir desse fato, inegavelmente deplorável, querer alterar uma legislação para satisfazer a nossa sede imediata e passional por punição.

Basta pensarmos mais um pouco e veremos que tal fato se insere no rol das exceções e que crianças e adolescentes não são os responsáveis maiores pela criminalidade no país. Segundo dados do ILAND – Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente – os crimes realizados por adolescentes não atingem 10% dos crimes praticados no Brasil e de todos os atos infracionais praticados por adolescentes, somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria dos atos infracionais (cerca de 75%) são contra o patrimônio, sendo que 50% são furtos. Desta forma, argumentar a redução da idade penal como estratégia para acabar com a criminalidade é, no mínimo, um equívoco.

Temos que lembrar que idade penal fixada aos 18 anos é fruto de uma ampla mobilização da sociedade civil e marca o compromisso do Estado Brasileiro com a infância e a adolescência, bem como a concepção adotada pela Constituição Federal e reiterada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de proteção integral para todos os casos. As medidas sócio-educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não objetivam eximir o Estado de quaisquer intervenções quando da prática de fatos definidos como crime por crianças e adolescentes, mas fixa regimes diferenciados para a reinserção desses menores infratores tendo em vista seu estágio de desenvolvimento físico, psíquico e biológico.

Nesse debate, pareceu-me muito pertinente a posição da Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Ellen Gracie: "Essa discussão sempre retorna cada vez que acontece um crime como esse, terrível. Não sei se é a solução. A solução certamente vem também com essa agilização dos procedimentos, com uma justiça penal mais ágil, mais rápida, com a aplicação de penalidades adequadas, inclusive para os menores infratores. A redução da idade penal não é a solução para a criminalidade no Brasil". Chega de querermos uma legislação sempre casuística e midiática. Precisamos é mergulhar num amplo debate nacional sobre segurança tendo como meta a combinação da defesa das pessoas com a resolução das crises sociais em que vivemos.

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Precisamos de uma política de segurança pública ampla, integrada, ágil, intersetorial. Uma política realmente pública incorporada por todos os aparelhos do Estado e pactuada com o conjunto da sociedade civil comprometida com os direitos humanos. Uma política que entenda a complexidade em que emerge a violência e a criminalidade e as ataque na sua base: a desigualdade social.

É preciso compreender que o aumento das penas e/ou a redução da idade penal não são capazes de alterar a realidade em que vivemos. Só piora querermos prender mais e mais cedo. Crianças e adolescentes precisam é de proteção do Estado, educação, saúde, lazer, moradia, alimentação.

Assusta-me a posição conservadora de parlamentares irresponsáveis que, sem debate, possam aprovar açodadamente uma Proposta de Emenda a Constituição alterando o artigo 228 da Constituição Federal e revogando partes do Estatuto da Criança e do Adolescente com o objetivo de reduzir a idade penal. Precisamos estar atentos/as a essas manobras e afinarmo-nos na luta contra essas iniciativas, pois sabemos que apenas os fatos com cobertura da mídia e/ou os crimes cometidos por pobres haverão de ser punidos. A redução da idade penal é a condenação sumária das crianças negras, pobres, moradoras da periferia.

Os que hoje pedem a redução da idade penal como forma para resolver a questão da criminalidade no Brasil não terão, amanhã, o mesmo compromisso e indignação para a luta por educação, saúde e moradia. Para eles a questão estará resolvida: meninos e meninas pobres, presos; e a grave questão, que hoje se manifesta nas ações definidas como crime, estará confinada ao espaço dos presídios. Assim, a mídia e a sociedade pararão de falar dos políticos, pois esses já julgarão ter feito a sua parte: prenderam quem tinha que prender!

Tudo se manifesta como num grande teatro: ante a cobrança da sociedade por ações, os legisladores produzem uma saída fácil e rápida, a sociedade volta ao silêncio como se tudo estivesse resolvido. Assim nascem as propostas de redução da idade penal. Tudo parece estar resolvido quando, na verdade, está tudo apenas jogado debaixo do tapete, no caso, atrás das grades.

Sobre o autor
Felipe da Silva Freitas

bacharelando em Direito, membro do Núcleo de Estudantes Negros e Negras da Universidade Estadual de Feira de Santana

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Felipe Silva. Como nascem as propostas de redução da idade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9488. Acesso em: 25 dez. 2024.

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