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Aspectos culturais do compliance nas organizações empresariais multinacionais

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O compliance em multinacionais exige conciliar distintas culturas nacionais.

Resumo: A sociedade passa por um processo de aculturamento que implica em uma mudança de valores dos consumidores atuais, os quais passam a exigir das organizações empresariais um desenvolvimento sustentável, responsável e transparente. Nesse contexto, ganha destaque a temática do programa de compliance nas empresas, que é um conjunto de medidas estabelecidas para o cumprimento das normas legais e regulamentares. O presente trabalho objetiva demonstrar a importância da criação de um compliance multicultural no âmbito das organizações multinacionais, a fim de prevenir riscos e atribuir à empresa uma cultura organizacional ética. Pretende-se destacar a influência da cultura na efetividade dos mecanismos de compliance aplicados às multinacionais, principalmente pela existência de princípios de Direito Empresarial e Constitucional invioláveis, assim como, pela necessidade de adequar os objetivos econômicos da empresa à legislação do país anfitrião.

Palavras-chave: Organizações multinacionais. Compliance. Cultura nacional. Cultural organizacional.


1 INTRODUÇÃO 

O processo da globalização possui um protagonista de maior realce: a organização transnacional. Isso se dá em razão do papel que desenvolve no cotidiano da sociedade, pois seu caráter transfronteiriço permitiu sua sub-rogação no lugar do Estado como negociador em escala global na economia capitalista (KUCINSKI, 1981, p. 4). Nesse contexto, o laissez-faire[3] possibilitou a maximização do potencial econômico das pessoas jurídicas de direito privado (VAGTS, 1975, p. 71) e fomentou sua internacionalização, o que pode ser considerado o ápice do processo de aproximação social, cultural e econômico entre diversas nações do mundo.

Esse fenômeno da aproximação entre nações permite que determinados assuntos adquiram relevância mundial e passem a ser exigidos pela comunidade internacional.

No contexto internacional, em 2015 a ONU elaborou dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para implementação em todo o mundo nos próximos 15 anos. Dentre eles, houve a incorporação da ética empresarial como importante objetivo a ser assumido por seus membros, a fim rechaçar a corrupção e fomentar instituições transparentes e socialmente responsáveis:

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis (...)

16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas

16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis[4]

Em cada país a urgência por regular valores como a integridade e a transparência empresarial, surgem por motivações e em épocas distintas. Veja-se que, em diversos outros países, instituições empresariais há muito tempo se submetem à legislação que visa o combate da corrupção internacional, como é o caso da lei britânica BRIBERY ACT e da FCPA dos Estados Unidos.

Nota-se, assim, que a comunidade internacional compreende a enorme desvantagem social e econômica que deriva da corrupção entre os setores privado e público. Motivo pelo qual, empreende esforços para criar meios de prevenir e combater o cometimento de atos de corrupção lato sensu.

No contexto nacional, há também uma crescente conscientização da sociedade no que se refere à exigência por organizações empresariais transparentes, responsáveis e pautadas em um desenvolvimento sustentável. Isso se percebe, por exemplo, quando os consumidores buscam confirmar se o produto que irão adquirir não foi testado em animais, ou se há notícias de origem escrava em sua produção, ou ainda, quando cessam relações com empresas que possuam uma reputação duvidosa no mercado concorrencial.

Essa mudança de valores dos consumidores contemporâneos, em conjunto ao atual cenário brasileiro de imoralidade do setor empresarial, fez com que sociedade almeje muito além da qualidade do produto no momento de escolha entre os concorrentes. Para satisfazer a nova demanda, o programa de compliance tornou-se uma ferramenta eficaz para fins de prevenção de riscos e de um desenvolvimento empresarial ético e transparente.

Em vista disso, diversos autores discorrem acerca dos efeitos benéficos advindos da instalação de mecanismos de compliance ou, ainda, dos custos de sua não implementação.

Quando se trata exclusivamente das multinacionais, o programa é desafiado a conciliar distintas culturas nacionais para desenvolver uma cultura ética organizacional totalmente singular. Desse modo, sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente trabalho objetiva analisar os aspectos culturais a serem observados pelos programas de compliance desenvolvidos nas multinacionais, em especial no Brasil.


2 MULTINACIONAIS E BREVE RELATO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

 A grandiosidade operacional das multinacionais não lhes permite simplesmente buscar a maximização de lucro através de suas subsidiárias, mas sim uma contribuição para com as operações gerais da empresa. Até porque o objetivo da internacionalização, na maioria das vezes, é adentrar em um mercado interno que fornece vantagens produtivas, como a mão-de-obra barata, tecnologia, recursos naturais para exploração e uma intervenção governamental razoável.

No caso do Brasil, não foi apenas a posição oficial de intervenção mínima (PEREIRA, 1976, p. 3) que atraiu tantas multinacionais ao país, mas sim as boas chances de lucro e crescimento em um país propício à exploração comercial.

Em 1981 a quebra de fronteiras já não era novidade, ano em que Kucinski (1981, p.1) alterou trecho do Manifesto Comunista de 1894 de Karl Marx, substituindo, porém, a expressa original capitalismo por multinacional, a fim de demonstrar que os ideais expansionistas a muito tempo faziam parte das intenções dos empresários:

A necessidade de expandir constantemente os mercados para seus produtos persegue as empresas multinacionais através de toda a superfície do globo. Elas precisam estar em toda parte, instalar-se em todos os lugares, estabelecer conexões em todas as direções. (...) industrias que não mais usam materiais locais, mas sim matérias-primas trazidas de lugares remotos, e cujos produtos não são consumidos apenas no país, mas em todos os quadrantes do mundo. No lugar das antigas necessidades, satisfeitas pela produção nacional, nós encontramos novas necessidades, que requerem, para sua satisfação, produtos de países e climas distantes. No lugar da antiga reclusão e autossuficiência temos o intercâmbio em todas as direções, a interdependência universal das nações (KUCINSKI, 1981, p.1)

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Entretanto, Kucinski (1981, p. 27) aponta que é comum que as empresas, antes de se aventurarem na internacionalização, conquistem o mercado interno do seu país de origem, absorvendo os concorrentes, concentrando capital e, geralmente, monopolizando a produção. Foi por esse caminho que seguiram grandes empresas multinacionais como a ExxonMobil, classificada pela Forbes como a 13º maior empresa do mundo em 2018,[5] companhia que na década de 1960 fazia parte de um cartel composto por mais seis petrolíferas, as quais mantinham interesses econômicos estratégicos em comum para eliminar a concorrência e enriquecer através do domínio do mercado de petróleo (KUCINSKI, 1981, p. 12). Antes fosse, porém, o único caso de truste no mercado multinacional.

Diante do papel que tais empresas possuem no cotidiano da atual sociedade globalizada, emerge o processo de aculturamento social em sua exigência por transparência e ética no setor privado, através de uma conscientização e modificação da mentalidade do mercado, das próprias empresas e da maneira como estas são enxergadas pela sociedade (VENTURINI, 2019, p. 290).

No Brasil, além dos diversos compromissos internacionais de incentivo ao combate à corrupção,[6] a Lei 12.846 em 1º de agosto de 2013 (BRASIL, 2013),[7] também conhecida por Lei Anticorrupção, prevê a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas que venham a perpetrar atos contra a Administração Pública.

E com o intuito de evitar a impunidade da corrupção na esfera privada, desde 2016 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que visa alterar o Código Penal Brasileiro,[8] para acrescentar a tipificação da corrupção no setor privado, prejudicial à livre concorrência e, por conseguinte, à sociedade. Prática que advém da existência de conflitos de interesses, em que o interesse do particular se sobrepõe ao interesse da empresa e de sua função social.

A crise institucional no Brasil,[9] principalmente em razão de investigações criminais envolvendo o setor empresarial,[10] em conjunto com a pressão da comunidade internacional, corroborou para que o Brasil se visse diante da necessidade atribuir maior importância à temática.

No que se refere a Lei Anticorrupção, o grande diferencial é o seu caráter preventivo acima do punitivo e a previsão de responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, com a punição por ato comissivo ou omissivo e independente de comprovação de culpabilidade, sem considerar sequer a forma societária ou a regularidade empresarial (COUTINHO, 2017, p.19).

A lei é orientada pela ideia da função social (COUTINHO, 2017, p. 13) e transcende a intenção proibitiva de leis penais, haja vista que incentiva a internalização de programas de integridade capazes de modificar a cultura empresarial. Com o intuito de atingir o ponto fraco das empresas, a legislação visa combater atos de corrupção mediante a previsão de severas penalidades econômicas.

Levando em consideração que a instalação de um programa de integridade é mera faculdade, às pessoas jurídicas que o internalizarem com efetividade será garantido o benefício da redução das sanções administrativas. Uma previsão de tamanha relevância, porém, não deixou de prever contracautelas, eis que no momento de verificação as autoridades competentes analisarão a real aplicabilidade das medidas de compliance, ou seja, não haverá redução de penalidade se restar verificado que a empresa possui um programa apenas de fachada.

Aos olhos do Direito Penal a Lei Anticorrupção surge com uma lógica inversa, primeiramente, por possuir um caráter punitivo objetivo, através do qual não se faz necessário que haja a demonstração de dolo[11] e, ainda, porque sequer depende da comprovação de conduta comissiva, pois a responsabilização também se dá pela omissão (COUTINHO, 2017, p.19).

A objetividade da lei é uma peculiaridade que a aproxima mais da racionalidade das normas de proteção ao meio ambiente e à concorrência do que propriamente do Direito Administrativo sancionador e do Direito Penal, (COUTINHO, 2017, p.19).

Assim sendo, um dos grandes desafios de um programa de integridade, é modificar a cultura de companhias desenvolvidas sob manobras antiéticas e moralmente duvidosas. Nesse caso, os mecanismos deverão ser fortes e efetivos o suficiente para reestruturar a cultura corrupta da empresa.

De acordo com o CADE, no âmbito das multinacionais a descentralização é acentuada e um número elevado de pessoas ocupa cargos de administração (gerenciamento de áreas específicas, direção nacional, regional, mundial, etc.).[12] Logo, o desenvolvimento de uma cultura íntegra, que seja efetivamente harmônica e reconhecida por toda a equipe empresarial, merece uma atenção especial.


3 PROGRAMA DE COMPLIANCE NAS MULTINACIONAIS

É diante do atual cenário brasileiro de mudanças culturais, que o compliance corporativo se destaca como uma tentativa de solução ético preventiva.

Com origem no verbo em inglês to comply, compliance é um termo utilizado para designar um conjunto de políticas administrativas e mecanismos minuciosamente elaborados, que visa orientar, evitar, detectar e penalizar fraudes, atos ilícitos e desvios morais. O foco do programa é a prevenção de riscos e a disseminação de uma cultura íntegra, a fim de garantir a conformidade da empresa aos mandamentos legislativos, normativos e éticos.

A complexidade do programa reside no desenvolvimento de uma cultura ético empresarial, pois exige da empresa a manutenção de um raciocínio e de um funcionamento honesto, para que atue em consonância com os valores[13] implementados. Portanto, almeja-se uma harmonia na pessoa jurídica.

Sabe-se que a ética é dinâmica, pois muda conforme a sociedade, a época, os conceitos e até conforme o grupo em que os indivíduos participam (SANTOS, 2015, p. 4). Logo, no cenário empresarial a construção de uma cultura ética exige observância das peculiaridades e características de cada pessoa jurídica seu porte, seus funcionários, suas relações nacionais e internacionais, o mapeamento de seus riscos e até mesmo a região em que é localizada e, de modo algum, podem seguir diretrizes engessadas e padronizadas à todas as empresas.

Coutinho (2017, p. 100) aduz que, mais importante do que os elevados custos para implementação do programa, é analisar seus efeitos. Principalmente no que tange a uma contenção de possíveis gastos futuros, por mais que sua eficácia resida em uma escala de difícil apuração.

O êxito do programa de compliance apenas é mensurável quando existe efetividade fática que, por sua vez, depende da existência de mecanismos eficientes e da correta escolha de subordinação a que o programa será submetido.

O CADE aponta os seguintes benefícios na implementação de um programa de compliance efetivo: (i) prevenção de riscos; (ii) identificação antecipada de problemas; (iii) reconhecimento de ilicitudes em outras organizações; (iv) benefício reputacional; (v) conscientização dos funcionários; (vi) redução de custos e contingências (COUTINHO, 2017, p. 100).

Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, a imputação das penalidades legislativas, tanto à pessoa física, quanto à pessoa jurídica, são gravames que podem levar a instituição empresarial ao colapso financeiro. Desse modo, um programa capaz de evitar a prática de ilícitos em nome da empresa, consequentemente diminui o risco de severas e danosas punições econômicas (NEVES, 2018, p. 21).

Já sob o prisma da corrupção privada, um dos motivos para implementar um efetivo programa de compliance, volta-se aos benefícios econômicos fruto dos riscos que foram evitados. Para tanto, Neves (2018, p. 22) ressalta a capacidade do programa em detectar compras superfaturas mediante fiscalização interna que se refere a compra de bens e serviços com preços fixados acima do valor de mercado.

Por seu igual caráter econômico, vale mencionar a utilização do compliance como cumprimento de requisito exigido para determinadas relações contratuais com investidores estrangeiros e com alguns bancos privados principalmente na concessão de empréstimos, como é o caso do BNDES. Portanto, a empresa que investe em um programa de compliance, passa a ser melhor vista pelos investidores, (NEVES, 2018, p. 23) uma vez que lhe atribui maior segurança e estabilidade.

Frisa-se, porém, que a integridade que se almeja vai muito além do mero cumprimento legislativo, abrange a sinceridade e a probidade com que a instituição deve gerenciar seu funcionamento e suas relações contratuais. De modo a se tornar um diferencial competitivo e atribuir à empresa um elemento de extrema importância no atual universo da inadimplência e da irregularidade: a tão desejada segurança.

Seria ingênuo afirmar que a mera internalização de mecanismos de compliance seria suficiente para erradicar toda e qualquer conduta ilícita ou antiética. Mas quando há uma rede de confiabilidade nas relações contratuais, possivelmente a empresa firma relações duradouras e de fidelidade que superam até mesmo variações de preço do mercado (BENEDITO, 2017, p. 8).

Neves (2018, p. 22) afirma, ainda, que conforme as políticas éticas se desenvolvam e se aperfeiçoem, a reputação da empresa funcionará como um filtro natural de seus funcionários, mantendo consigo os talentosos e afastando aqueles com tendências a agir imoral ou irregularmente, independente do patamar hierárquico.

Os mecanismos de compliance podem ser desenvolvidos no âmbito interno de uma empresa ou por terceiros alheios à instituição, contratados para realizar auditorias contábeis e financeiras, ou a contratação de empresas de investigação, que não integram a condição de empregador (COUTINHO, 2017, p. 45).

 No entanto, a transmissão de competência pode ocasionar insegurança e problemas no ambiente trabalho. Coutinho (2017, p. 45) afirma que, ante a existência de lacuna na legislação trabalhista, resta contestável a validade da cessação de vínculos quando a decisão advém de sujeito diferente da figura do empregador, mesmo que decorra do descumprimento de obrigações legais ou de compliance.

Diante da insegurança em inserir um terceiro nas relações contratuais firmadas com a pessoa jurídica, o caminho mais viável e eficaz é o desenvolvimento de um programa de integridade no âmbito interno da empresa e idealizado exclusivamente em concordância com suas necessidades.

3.1 MECANISMOS DE COMPLIANCE APLICÁVEIS ÀS MULTINACIONAIS

Santos aponta cinco dimensões da ética indispensáveis à efetiva disseminação do programa de integridade no ambiente empresarial, quais sejam: sustentabilidade, respeito à multicultura, aprendizado contínuo, inovação e governança corporativa (SANTOS, 2015, p. 25). Acresce-se, ainda, a necessidade de alguns mecanismos regulamentares essenciais à efetividade do programa.

O Código de Conduta trata-se do mentor de toda a organização empresarial, pois é o documento que prevê um conjunto de mandamentos, procedimentos, proibições, valores morais e princípios previamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades e riscos da pessoa jurídica, a fim de regular o comportamento de todos aqueles que agem em nome da sociedade ou que com esta se relacionam.

Neves (2018, p. 40) afirma ser necessário que o Código de Conduta informe acerca da existência das leis e normas, estrangeiras e brasileiras, que versem acerca da responsabilização por atos ilícitos empresariais, a fim de que os stakeholders (público alvo da empresa) obtenham conhecimento de suas previsões. Fica, assim, sob a responsabilidade da equipe de compliance a disseminação das informações e valores do código, com auxílio de sistemas de supervisão.

Segundo Neves (2018, p. 50), o Código de Conduta deve conter previsões e conceituações obrigatórias, dentre as quais: (i) pagamentos indevidos; (ii) bens materiais, imateriais e os segredos da empresa; (iii) diversas hipóteses de lavagem de dinheiro; (iv) orientação e correta informação sobre processos licitatórios e demais contratos firmados com o poder público; (v) deve rechaçar o conflito de interesses; (vi) prever o tratamento digno aos funcionários; (vii) e deverá explicar o passo a passo sobre a quem recorrer em caso de dúvidas ou maiores explicações.

É evidente que para qualquer normativo ser bem aplicado, é necessário que seja primeiramente conhecido. Não basta, pois, criar um belo Código de Condutas e guardá-lo na gaveta para quando for solicitado, sob pena de construir um programa de compliance apenas teórico e isento de resultados. Motivo pelo qual, sua efetividade exige a aplicação do binômio: comunicação e treinamentos periódicos educacionais.

A decisão pela incorporação do programa de compliance é um ato unilateral da pessoa jurídica, motivo pelo qual tem como premissa a publicidade e a anterioridade, até mesmo para que as sanções previstas sejam conhecidas, já que serão imputadas apenas às violações posteriores à sua elaboração.

O segundo mecanismo de compliance que merece destaque, é o canal de denúncias, já que a maneira mais segura de descobrir sobre práticas irregulares é através do auxílio daqueles que se encontram mais próximos da ocorrência.

Segundo Lamy (2018, p. 54), whinstleblower é uma expressão que faz referência ao árbitro de jogo, aquele capaz de frustrar manobras ilegais. O termo é utilizado no Direito Empresarial para denominar o sujeito que informa às autoridades competentes que tomou conhecimento de um ato ilícito ou de uma ilegalidade praticada no ambiente empresarial. Tal denúncia, resultará em um processo de investigação e possíveis punições, porém, deve garantir ao denunciante proteção à identidade e as viáveis proteções legais.

O canal de denúncia do whistleblower é considerado por especialistas de compliance como o mais eficaz para revelar condutas indevidas. Também, é considerado mais seguro aos interesses da pessoa jurídica, pois, ao cessar primeiro o conteúdo do reporte, a empresa terá melhor controle os fatos e, consequentemente, poderá decidir com mais cuidado quanto à destinação da informação recebida; além disso, os esforços de conformidade da empresa constituiriam prova de uma política interna comprometida com a integridade e serviriam para habilitá-la aos benefícios legais no caso de eventual envolvimento com atos ilícitos. (LAMY, 2018, p. 55)

A seriedade do canal precisa transmitir segurança, para que aqueles que possuem relação com a empresa se tornem vigilantes de seus valores. De acordo com Lamy (2018, p. 54), é indispensável que haja uma intensa dedicação na implementação do canal de denúncias, para que o local de trabalho não se torne um lugar hostil, em que os trabalhadores possuem medo de a qualquer momento serem denunciados ou de realizarem tais denúncias.

Vale mencionar, por fim, a Governança Corporativa como outro mecanismo necessário à efetividade de um programa de compliance. Trata-se da disciplina responsável por gerenciar e monitorar a empresa, a fim de que os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas[14] se deem em consonância com seus princípios.

Neves (2018, p. 171) aponta uma recorrente situação que demonstra o fracasso no cumprimento das responsabilidades empresariais: a desconsideração da personalidade jurídica. Assim, resta à Governança Corporativa o dever de evitar o referido abuso, com o intuito de preservar a empresa, e, por conseguinte, a equipe de acionistas, quotistas, administradores e até mesmo a própria Administração Pública.

Os mecanismos de compliance são medidas preventivas que desenvolvem ações capazes de prognosticar futuros resultados antiéticos ou ilícitos. Portanto, a prevenção se materializa por meio de técnicas que atuarão de maneira antecipada, para localizar os pontos de riscos e frustrar o cometimento de atos que poderiam prejudicar economicamente a empresa ou sua imagem.

Para tanto, o programa deve ter como base as ocorrências prejudiciais pretéritas, a fim de saber os pontos mais frágeis em que os mecanismos de compliance devem atuar com maior ênfase.

Para implementar normas e mecanismos possíveis de serem verdadeiramente cumpridos e adequados àquele ambiente em específico, faz-se necessário a elaboração de auditorias internas e externas, em que os responsáveis pelo programa compreenderão profundamente a rotina de trabalho de toda a empresa e em todas os seus níveis hierárquicos (NEVES, 2018, p. 34).

Não basta aprovar diversas normas de mitigação de riscos e não acompanhar sua aplicabilidade. Logo, cabe à equipe de gestão de riscos, que podem ser profissionais especializados dedicados ao tema ou equipes multidepartamentais, dependendo do orçamento (NEVES, 2018, p. 34), o dever de garantir o cumprimento e uma clara compreensão das normas de compliance.

A eficiência do programa depende diretamente do comprometimento integral da liderança em lhe atribuir a importância e seriedade necessária, bem como, garantir que seja aplicado a todos os membros da empresa, incluindo os mais altos escalões:

Significa, ainda, o grau de comprometimento da liderança da empresa com os princípios e implementação, desenvolvimento e manutenção da ética nos negócios. O presidente da organização, os diretores e todas as pessoas que tem poder de decisão e liderança no negócio devem estar efetivamente comprometidos com os referidos princípios. Liderar pelo exemplo é algo que se afirma de modo reiterado em compliance. (NEVES, 2018, p. 30)

Haverá um contrassenso se o programa de integridade for implementado sem apoio da liderança, visto que a seriedade dele ficará comprometida. Como a diretoria e os profissionais de compliance poderão exigir honestidade e moralidade dos trabalhadores e fornecedores, se a própria liderança da empresa age de maneira diversa ou não o apoia?

Além do mais, para que seja um corpo sólido e levado a sério pelos membros da empresa, as investigações e punições não podem depender integralmente da boa vontade da liderança em lhe conceder dinheiro ou não. Assim, Neves (2018, p. 31) afirma que o expresso e transparente comprometimento dos mais altos escalões, deve combinar-se à garantia de um orçamento específico direcionado ao programa de compliance, tanto para lhe atribuir autonomia, quanto para reafirmar sua importância.

Evidente, pois, que o efetivo compliance é uma construção a longo prazo, haja vista que envolve a disseminação de uma cultura organizacional ética. Mas é muito mais barato e efetivo do que ficar refém da insegurança e perdas econômicas advindas de irregularidades que não foram evitadas.

Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WISTUBA, Fernanda Bueno; CZELUSNIAK, Vivian Amaro. Aspectos culturais do compliance nas organizações empresariais multinacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6778, 21 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95345. Acesso em: 24 nov. 2024.

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