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Honorários advocatícios sucumbenciais: relação de acessoriedade com o crédito principal

Agenda 29/12/2021 às 17:00

Será que não é possível opor ao titular do direito material, ou do crédito principal, a existência de crédito privilegiado instituído, como acessório daquele, na mesma relação processual?

Nos termos do art. 2° do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), Lei 8.906/1994, o advogado é indispensável à administração da justiça, norma que repete a premissa contida no art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Ainda, mais adiante na Lei 8.906/1994, especificamente no art. 22 e 23, nos deparamos com o objeto do presente artigo, os honorários advocatícios.

Nesse passo, nos termos do art. 22, caput[1] e art. 23[2] do referido diploma legal, o advogado é remunerado pelos a) honorários contratuais, entendidos como os estipulados entre o advogado e o constituinte para o patrocínio da demanda; b) honorários sucumbenciais, decorrentes de condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários ao advogado da parte vencedora e; c) honorários fixados por arbitramento judicial, na falta de estipulação ou de acordo com o constituinte, art. 22, § 2° da Lei 8.906/1994.

Para tanto, ganha destaque que, além de outras qualidades suprimidas, pois não são objeto do presente artigo, temos que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar, ou seja, constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial, nos termos do art. 85, § 14 do CPC e art. 24 do EAOAB:

Código de Processo Civil Lei n° 13.105/2015

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(...)

§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil Lei n° 8.906/1994.

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

Ocorre que, em que pese a natureza de créditos alimentares, aqui tratando em específico dos honorários sucumbenciais, estes não possuem oponibilidade ao seu constituinte, que foi vencedor na demanda, o qual concorrentemente também busca a satisfação do direito.

Desse modo, não é possível opor ao titular do direito material ou do crédito principal a existência de crédito privilegiado instituído, como acessório daquele, na mesma relação processual.[3], tendo em vista que há um liame de acessoriedade entre os honorários sucumbenciais e a condenação principal a ser recebida pela parte autora, pois foram constituídos por decorrência do êxito na demanda. Assim, não é possível falar em concurso de credores entre o advogado e o credor vencedor.

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Para tanto, recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema no REsp n° 1.890.615-SP. No caso em referência, os advogados pretendiam receber a integralidade dos honorários antes mesmo da satisfação do crédito da parte exequente, em ação de execução de título extrajudicial ajuizada pela Petrobras em desfavor de um posto de combustível. Após o leilão de propriedade da executada com valor abaixo do pleiteado, houve a revogação do mandato da exequente com a sociedade de advogados que a representava na demanda. A sociedade de advogados requereu sua admissão nos autos para execução dos honorários, ainda, a declaração de preferência de seu crédito para que o seu pagamento fosse feito em primeiro lugar, antes da satisfação do crédito da exequente. O resultado do julgamento foi o seguinte:

CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DIREITO DO ADVOGADO, NATUREZA ALIMENTAR E CRÉDITO PRIVILEGIADO. PREFERÊNCIA EM RELAÇÃO AO CRÉDITO TITULARIZADO PELO SEU CLIENTE VENCEDOR NA EXECUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA RELEVANTE E ESPECÍFICA. CONCURSO SINGULAR DE CREDORES. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL ENTRE OS CREDORES CONCORRENTES. PRESSUPOSTO DO CONCURSO AUSENTE NA HIPÓTESE. NECESSIDADE DE INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA ENTRE AS EXECUÇÕES. INDISPENSABILIDADE DO INGRESSO APENAS POSTERIOR DO CREDOR CONCORRENTE, APÓS A OBTENÇÃO DE VALOR HÁBIL A SATISFAÇÃO, TOTAL OU PARCIAL, DO CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. RELAÇÃO DE ACESSORIEDADE COM O CRÉDITO PRINCIPAL TITULARIZADO PELA PARTE VENCEDORA. IMPOSSIBILIDADE DE PREFERÊNCIA DO ACESSÓRIO SOBRE O PRINCIPAL. INEXISTÊNCIA DE PREFERÊNCIA DOS HONORÁRIOS, QUE SEGUIRÃO A NATUREZA DO CRÉDITO PRINCIPAL. TITULAR DO DIREITO MATERIAL A QUEM NÃO SE PODE OPOR A EXISTÊNCIA DE CRÉDITO PRIVILEGIADO INSTITUÍDO POR ACESSORIEDADE NA MESMA RELAÇÃO PROCESSUAL EM QUE SE SAGROU VENCEDORA. PROCESSO QUE DEVE DAR À PARTE TUDO AQUILO E EXATAMENTE AQUILO QUE TEM O DIREITO DE CONSEGUIR. IMPOSSIBILIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DO PRODUTO DA ALIENAÇÃO A PARTIR DA REGRA TEMPORAL DE ANTERIORIDADE DA PENHORA. CONCOMITÂNCIA DA PENHORA PARA SATISFAÇÃO DE AMBOS OS CRÉDITOS. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DO PRODUTO DA ALIENAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1- Recurso especial interposto em 27/09/2018 e atribuído à Relatora em 21/06/2019.

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve contradição ou omissão relevante no acórdão recorrido; (ii) se o crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais, de titularidade de sociedade de advogados que patrocinou os interesses da exequente vencedora, tem preferência na distribuição do produto da arrematação do imóvel penhorado no bojo desta execução, inclusive em relação ao crédito a ser recebido pela própria exequente. 

3- Inexiste contradição no acórdão que, a despeito de reconhecer que a verba honorária é autônoma e dotada de privilégio legal, estabelece também que essa autonomia e preferência não são absolutas, a ponto de se sobrepor ao próprio crédito a ser recebido pela exequente.

4- Inexiste omissão relevante no acórdão que, resolvendo embargos de declaração opostos pela parte, examina a questão e afasta a existência de concurso de credores entre o advogado e seu cliente.

5- Os honorários advocatícios sucumbenciais constituem direito do advogado, possuem natureza alimentar e são considerados créditos privilegiados, equiparados aos créditos oriundos da legislação trabalhista para efeito de habilitação em falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. Precedentes.

6- A despeito disso, é de particular relevância e especificidade a questãorelacionada à possibilidade de o crédito decorrente dos honorários advocatícios sucumbenciais preferir o crédito titularizado pela parte vencedora e que foi representada, no processo, ainda que por determinado período, pela sociedade de advogados credora.

7- Não há concurso singular de credores entre o advogado titular da verba honorária sucumbencial e o seu cliente titular da condenação principal, uma vez que é elemento essencial do concurso a ausência de relação jurídica material entre os credores, exigindo-se, ao revés, que haja independência e autonomia entre as execuções até o momento em que um deles obtenha valor hábil a satisfazê-la, no todo ou em parte, quando os demais credores poderão ingressar no processo alheio e estabelecer concorrência com aquele que havia obtido êxito na perseguição do patrimônio do devedor. Doutrina.

8- De outro lado, não pode o advogado, que atuou na defesa dos interesses da parte vencedora, preferir ao crédito principal por ela obtido porque a relação de acessoriedade entre os honorários sucumbenciais e a condenação principal a ser recebida pela parte é determinante para que se reconheça que os honorários sucumbenciais, nessa específica hipótese em que há concorrência com a condenação principal, deverão, em verdade, seguir a sorte e a natureza do crédito titularizado pela parte vencedora.

9- Em suma, o crédito decorrente de honorários advocatícios sucumbenciais titularizado pelo advogado não é capaz de estabelecer relação de preferência ou de exclusão em relação ao crédito principal titularizado por seu cliente porque, segundo a máxima chiovendiana, o processo deve dar, na medida do possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de conseguir, de modo que a parte, titular do direito material, não pode deixar de obter a satisfação de seu crédito em razão de crédito constituído por acessoriedade ao principal e titularizado por quem apenas a representou em juízo no processo em que reconhecido o direito.

10- Hipótese em que, inclusive, é inaplicável a regra do art. 908, §2º, do CPC/15, pois a perseguição dos valores devidos pelo executado, que culminou com a penhora e posterior alienação judicial do bem cujo produto se disputa, iniciou-se conjuntamente pela vencedora e pelo advogado, tendo sido a penhora para a satisfação de ambos os créditos sido realizada na constância da atuação do recorrente como representante processual do recorrido.

11- Recurso especial conhecido e não provido.(STJ Resp: 1890615 SP 2019/0141164-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 17/08/2021, T3 TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/08/2021)


[1] Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

[2] Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. 

[3] (STJ Resp: 1890615 SP 2019/0141164-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data do Julgamento: 17/08/2021, T3 TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/08/2021)

Sobre o autor
Lucas Sanches

Advogado. Graduado em Direito pela UNIMEP e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Judas Tadeu/Escola Brasileira de Direito. Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Anhembi Morumbi. Possui extensão em Contratos Empresariais e em Direito Societário pela ESA/SP, bem como curso de Negociação pela Harvard ManageMentor, Privacy Law and Data Protection pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e Argumentação Jurídica pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, Lucas. Honorários advocatícios sucumbenciais: relação de acessoriedade com o crédito principal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6755, 29 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95608. Acesso em: 18 dez. 2024.

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