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A reforma política brasileira:

primeiras aproximações

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4. Separação de Poderes e Rigidez Constitucional

Como nos ensina Montesquieu, em uma federação ocorre dupla Divisão de Poderes: uma entre Executivo, o Legislativo e o Judiciário: e outra entre o governo central e os estados-membros.

Neste tópico, nos preocuparemos com o primeiro tipo de separação, qual seja, entre o Poder Executivo, o Legislativo e Judiciário.

Segundo a moderna concepção da teoria separação dos poderes, proposta por Karl Loewenstein, a definição da política (policy decision) compete ao Poder Legislativo, a execução da política (policy execution), ao Executivo, e o controle da política (policy control), ao Poder Judiciário.

Muito embora a concepção da teoria da separação dos poderes tenha sofrido mudanças, seu desafio ainda continua sendo o de consiguir atingir o seu objetivo maior, qual seja, a limitação do poder. Para isso, é preciso que existam instrumentos para que um Poder freie o Poder.

Nesse passo, para que não exista desequilíbrio entre os Poderes, não se pode admitir que um Poder interfira, de forma negativa, no exercício das funções do outro. Muito embora, a própria Constituição, preveja instrumentos de controle de um Poder em relação ao outro, ela não permite que o exercício dos três poderes se dê de forma desequilibrada.

Por conseguinte, para que a separação dos poderes seja assegurada é necessário que se proíba que uma mesma pessoa ocupe um cargo no Poder Executivo e no Poder Legislativo ou Poder Judiciário, ao mesmo tempo.

Não se pode admitir, também, que o Poder Executivo exerça coesão sobre o Poder Legislativo. Nesse ponto, a nossa proposta de diminuir o número de partidos e, por conseqüência, fortalecê-los a ponto de se assegurar a governabilidade, certamente influenciará o sistema político, de forma positiva, para amenizar a referida coesão.

Sempre com vistas a evitar a concentração do Poder na esfera executiva, outra preocupação da separação dos poderes é controlar os poderes, denominados por Lijphart, como reativo (poder de veto) e pró-ativo (editar medidas provisórias). O primeiro não nos apresenta problemas, já que o veto pode ser derrubado pelo Poder Legislativo.

Já o segundo, o uso excessivo das medidas provisórias, como já se defendeu anteriormente, por ser fruto de governos fracos, pode ser solucionado também com o fortalecimento da governabilidade, resultado da diminuição do número de partidos e o seu fortalecimento. Também não podemos deixar de considerar as novas regras aplicáveis às medidas provisórias, que limitam a sua utilização.

Neste ponto, é preciso lembrar da necessidade de profissionalização da administração pública, por meio da diminuição dos cargos em comissão e das funções de confiança, o que poderia, certamente, fortalecer a nossa democracia, já que o seu provimento ficaria livre dos humores da política.

Muito embora defendamos o sistema majoritário, não o adotamos em sua forma pura, pois optamos por adotar a rigidez constitucional.

Para garantir essa rigidez e em nome da separação dos poderes, manteremos o controle da constitucionalidade fora do âmbito executivo e legislativo.

No entanto, propomos que um Tribunal Constitucional especial, seja criado, para exercer, apenas, o controle da constitucionalidade.

Aqui, pedimos vênia para invocar a lição de Cezar Saldanha Souza Junior, que se referindo à grande polêmica Kelsen-Schmitt, nos ensina que a defesa da constituição requer uma instância independente e superior à da legislação – e, com maior razão- à da governação e à da administração (as quais dependem do Parlamento para a fixação do endereço político de suas ações), bem como à instância da própria jurisdição ordinária (que se expressa, basicamente, pela aplicação da legislação formal (p. 138).


5. Conclusão

Léon Duguit afirma que:

"O século XIX viveu de duas idéias políticas: supôs que tudo se salvava afirmando o princípio de que todo poder emana do povo, e criando um parlamento diretamente eleito pelo povo; supôs também que, proclamando a república como a forma necessária de democracia, estabelecia a liberdade em bases indestrutíveis. A história contemporânea mostra, à sociedade o erro desses dois princípios, e que, se há uma forma de governo contra o arbítrio, no qual importa tomar sérias garantias, é justamente o governo do povo, porque é ele que tem mais tendências a julgar-se onipotente. Criaram-se parlamentos por eleição contra o despotismo dos reis; deve afirmar-se agora o direito intangível do indivíduo contra o despotismo dos parlamentos." (p. 31-32)

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Esse texto evidencia a importância, para a democracia, dos direitos dos indivíduos "contra o despotismo dos parlamentos", porquanto nenhuma forma de arbítrio do governo é aceitável. Se a humanidade já superou o "despotismo dos reis", deve também lutar contra o "despotismo dos parlamentos".

A separação de poderes, nesse contexto, é de suma importância. Todavia, a fim de que essa separação não fique comprometida, torna-se necessário que o Poder Executivo possa governar sem a necessidade de recurso exagerado às Medidas Provisórias.

Com o escopo de atingir essa governabilidade, há necessidade de mudança, porquanto a junção entre o presidencialismo e sistema de representação proporcional não tem se mostrado eficiente neste aspecto. Diante disto, a escolha do sistema de representação majoritário afigura-se essencial para que se possa atingir um grau maior de governabilidade, impedindo, assim, que seja colocada em risco a separação de poderes.

Consoante mencionado anteriormente, a escolha entre presidencialismo e parlamentarismo é de somenos importância, porquanto não trará mudanças substanciais em pontos estratégicos, como a diminuição do número de partidos existentes em nosso País e o aumento de governabilidade do Poder Executivo. Ademais, o presidencialismo também deve ser mantido por se encontrar culturalmente muito enraizado no Brasil, como revela o plebiscito realizado alguns anos atrás, bem como em razão de não ser ele o responsável pela alegada concentração de poder nas mãos do executivo, como demonstrado em linhas atrás.

Por fim, afigura-se importante a manutenção da rigidez Constitucional e do sistema de revisão judicial, não apenas por razões culturais, mas também em face da idéia de que esses institutos ajudam a garantir a manutenção dos direitos assegurados constitucionalmente para impedir o "despotismo dos parlamentos".


BIBLIOGRAFIA

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CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, 3ª edição.

DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 16. ed., São Paulo: Saraiva, 1991.

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LNZ Editora, 2003.

HORTA, Raul Machado. Regime Político e a doutrina das formas de governo. RF 176.

LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: Desempenho e Padrões de Governo em 36 Países. Tradução de Roberto Franco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação e divisão de poderes. Tradução de Pedro Vieira Mota, 8ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2004.

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SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O Congresso e as delegações legislativas. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha Souza. O Tribunal Constitucional como Poder: Uma Nova Teoria da Divisão dos Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002.


Notas

01 Convencionou-se chamar democráticas todas as doutrinas que têm, como sua origem, o poder político na vontade coletiva da sociedade, submetida a esse poder, dando legitimidade ao poder instituído pela coletividade que a rege.

02 Para MEZZAROBA apud GRUPPI, a concepção de hegemonia em Gramsci está vinculada à capacidade de desvendar a identidade nacional, isto é, as características típicas de um determinado grupo. Logo, hegemonia em tal concepção é empregada como sinônimo de "conhecimento, além de ação, por isso é a conquista de um novo nível de cultura, é a descoberta de coisas que não se conhecia". Ora, segundo tal premissa "o processo de hegemonia é então um processo de unificação do pensamento e da ação. [...] A hegemonia se conquista antes da conquista do poder, e é uma condição essencial da conquista do poder". (2005:09)

O efeito das referidas concepções são curiosos, posto que um determinado grupo só conquistará a supremacia sobre o outro, na medida em que conquistar a direção e o poder.

O meio para alcançar tal intento é simples, ou seja, basta que se consiga difundir, "entre todos", a sua identidade política e cultural.

03 Esses ensinamentos de José Eduardo Faria são encontrados no prefácio da Obra Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, da autora Gisele Cittadino.

04 O autor assim defende sua concepção: "(...) o papel do consumidor cada vez mais se sobrepõe ao de trabalhador e em que os titulares de um direito civil se transformam em meros compradores de bens e serviços produzidos e/ou prestados pela iniciativa privada, a igualdade só acaba ocorrendo no mercado – o espaço onde os homens são iguais apenas e tão-somente como proprietários de bens ou da própria força de trabalho. E como este é um momento em que o emprego se tornou escasso, por razões que discuto em outro texto (FARIA: 1999). A tão glamorizada "soberania do consumidor".(...) Isto porque, quem está desempregado, em princípio, fica sem acesso ao mercado consumidor. E, por esse motivo, não é capaz de ser dono de si, juntamente com os outros, em tudo o mais na vida política, social e cultural."(p. 10)

05 "Hoje, não está claro", diz ele, "se a ampliação da consciência (...) poderá abarcar os sistemas que se vão ampliando, ou se, ao contrário, os processos sistêmicos, depois de adquirirem vida própria, levarão à fragmentação, com uma multiplicidade de aldeias globais não relacionadas entre si" (HABERMAS, 2000: 308).

06 JOSÉ EDUARDO FARIA (2003:14): "Mas os procedimentos democráticos tradicionais, uma vez esvaziados em sentido e conteúdo, já não são mais um processo compartilhado de afirmação da vontade coletiva e de participação efetiva na constituição do poder. Quando muito, limitam-se a ratificar acordos feitos em outras arenas, inter ou transnacionais, inter ou supragovernamentais, assumindo assim a forma de ritos banalizados ou empobrecidos, de jogos de cena determinados pela conjunção entre pesquisas de mercado e técnicas de marketing e de "vídeo política" e espetáculos "midiáticos" para o imaginário das massas, convertendo o cidadão em simples telespectador, um homo videns banalizado – e, com isso, levando à substituição de seus esforços de reflexão e crítica pela dinâmica passiva dos reflexos".

07 No Brasil, o presidencialismo já está muito enraizado, tanto que, com o plebiscito realizado há anos atrás, saiu vencedor.

08 Essa separação não é tão nítida no parlamentarismo, sistema em que o chefe de governo é responsável pela legislatura juntamente com seu gabinete.

09 Segundo CAFFÉ ALVES (2002:101): "A representação não pode ser um fim e si mesma. Ela deve ser apenas um meio de garantir a efetiva participação das instituições sociais e dos homens concretos no governo das comunidades".

10 Em sendo: manter a simplicidade, não ter medo de inovar, errar em favor da inclusão, estabelecer a legitimidade e a aceitação entre todos os atores essenciais, procurar maximizar a influência do eleitor, equilibrar isto em relação ao estímulo a partidos políticos coerentes.

11 O sistema majoritário uninominal corresponde ao "first past the post", sistema eleitoral no qual o candidato mais votado vence (o segundo colocado é excluído).

12 Quanto ao Senado, o grupo sofreu um duro embate. Se de um lado parte dos membros irredutivelmente defendeu sua extinção completa, outros, mais moderados e vencedores em votação efetuada para redação final do texto, concordaram em restrições quanto ao número de representantes e a competência. E, por fim, todos ficaram "felizes" em garantir a proteção das minorias ricas e nordestinas, com a manutenção do Senado.

13 O recall nos EUA nasceu no Estado de Oregon, a revogação permite aos eleitores revocar, ou seja, chamar de volta, retomar o mandato do eleito, o que significa retirar o poder de alguém que tenha sido eleito para alguma função pública. (JOSÉ AFONSO DA SILVA, 2003:102).

14 A inserção de critérios objetivos e subjetivos pode "criar" uma maior transparência na relação entre partidos e membros e vice-versa.

Sobre os autores
Lúcia Helena Brandt

Advogada da União. Mestranda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPADA, Cinthia Maria Fonseca; FRANCISCO, Elaine Cristina et al. A reforma política brasileira:: primeiras aproximações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1354, 17 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9600. Acesso em: 6 mai. 2024.

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