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A busca pessoal e suas classificações

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Agenda 19/03/2007 às 00:00

A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida e a verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A busca pessoal preventiva e a processual 3. A busca pessoal preliminar e a minuciosa 4. A busca pessoal individual e a coletiva 4.1. A polêmica "revista privada" 5. A busca pessoal direta e a indireta 6. Conclusões


1.Introdução

Apesar de constituir importante meio de obtenção de prova e ao mesmo tempo um dos principais instrumentos da atividade de polícia de segurança, curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada em profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas, não obstante a relevância do tema. Desconsideram os autores o fato de que se procede busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar, sendo esta última, por sinal, vinculada a condições objetivas e, portanto, de mais fácil percepção [01].

A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida e a verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. Além da separação das modalidades de busca, deve ser estabelecida uma completa desvinculação entre o procedimento da busca e o da apreensão - que se trata de instituto diverso - como já observado, por exemplo, no Código de Processo Penal Militar brasileiro, de 1969, no Código de Processo Penal português, de 1987 e no Código de Processo Penal italiano, de 1988.

Pela tradição da lei processual penal comum brasileira, a busca pessoal ou domiciliar vem sendo associada à apreensão, como se esta fosse sempre a sua conseqüência ou mesmo o seu único propósito e não é possível concordar com essa linha de raciocínio. Há apreensão sem busca, por exemplo, no caso de objeto voluntariamente entregue ou ocasionalmente encontrado e, com maior freqüência, há busca sem apreensão.

Partindo de uma visão processual, ainda que o momento da ação - em regra de iniciativa policial - não seja coincidente com o início do "ciclo da persecução penal", a busca pessoal significará "procura" por algo relevante ao processo penal, com efeito preventivo extraordinário, no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive no interior de seu veículo desde que este não lhe sirva de moradia.

Relevante tal análise, posto que a busca pessoal não apenas devassa a intimidade extra-corporal relacionada àquilo que se encontra junto ao revistado. O que se sucede é a tangibilidade do organismo, ainda que superficial, realizando-se normalmente o toque no corpo mediante imposição do buscador (agente da busca). Em uma seqüência de restrições de direitos, o revistado é obrigado a interromper o seu curso normal, a expor-se, a ser observado e tocado, a submeter seus objetos pessoais à vistoria e, enfim, a aguardar a sua liberação, se ainda não for conduzido preso, ou para melhor verificação em casos especiais.

E o que dizer, então, de uma busca pessoal minuciosa, como por exemplo, aquela que se procede normalmente em parentes de réus presos na entrada de estabelecimentos prisionais de máxima segurança, como condição para sua visitação, ou ao suspeito de tráfico de entorpecentes. O revistado é obrigado a ficar nu e mostrar todas as cavidades corporais onde possa ter escondido alguma substância entorpecente ou qualquer objeto de circulação proibida em determinado ambiente.

Em face da complexidade do tema, busca-se uma visão abrangente mediante critérios classificatórios que auxiliem na construção doutrinária proposta, a partir de alguns enfoques possíveis. Nessa linha, o estudo aprofundado do assunto nos impulsiona para quatro principais classificações:

a. quanto à natureza jurídica do procedimento, distinguem-se a busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual;

b. quanto ao nível de restrição de direitos individuais imposto verificam-se a busca pessoal preliminar e a busca pessoal minuciosa;

c. quanto ao sujeito passivo da medida, a busca pessoal individual e a busca pessoal coletiva;

d. quanto à tangibilidade corporal, a busca pessoal direta e a busca pessoal indireta.


2. A busca pessoal preventiva e a processual

De acordo com o momento em que é realizada, bem como a sua finalidade, a busca pessoal terá caráter preventivo ou processual. Identifica-se, nesse raciocínio, a natureza jurídica do ato. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é realizada por iniciativa de autoridade policial competente e constitui ato legitimado pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com objetivo preventivo (busca pessoal preventiva). Realizada após a prática, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que como seqüência da busca preventiva, tenciona normalmente atender ao interesse processual (busca pessoal processual), para a obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração, ou mesmo à defesa do réu (alínea e, do parágrafo 1º, do art. 240 do CPP).

A busca domiciliar, por outro lado, possui sempre caráter processual, posto que autorizada judicialmente por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1º do art. 240. Ocorre que a busca domiciliar, diferentemente da busca pessoal, sempre dependerá de ordem judicial, ressalvada a hipótese de autorização do morador ou de a própria autoridade judicial realizá-la pessoalmente, situações não vinculadas ao caráter estrito de prevenção [02].

Quanto aos critérios de classificação da busca pessoal em preventiva ou processual, além do aspecto do momento em que ela é realizada (antes ou depois da prática do crime ou da sua constatação), foi mencionada, ainda, a sua finalidade, vez que tecnicamente é possível conceber-se busca pessoal de natureza preventiva até mesmo em réu preso, por exemplo, que será movimentado de um estabelecimento prisional para outro ou que será apresentado perante o juiz e a sociedade, em audiência criminal, por evidente questão de segurança, indispensável nessa circunstância e realizada por iniciativa da polícia para a finalidade de preservação da ordem pública.

A busca pessoal preventiva, que tem por impulso a movimentação da polícia administrativa no campo da prevenção, pode resultar, no entanto, em encontro de objeto ou informação que caracterizem a prática de crime ou contravenção penal. A partir do exato momento da constatação da prática delituosa, a exemplo da localização de uma arma portada em condição irregular, passa a busca pessoal a ter interesse eminentemente processual e, consequentemente, a ser regulada, junto às outras diligências necessárias, objetivamente pelas disposições da norma processual penal. Inicia-se, desse modo, a fase denominada repressão imediata.

Trata-se dos atos imediatamente subseqüentes; em regra, uma busca pessoal minuciosa, a coleta de informações, registros preliminares, a preservação do local se necessário e, eventualmente, o ato de prisão em flagrante delito (voz de prisão e condução), que ensejará a lavratura do respectivo auto no Distrito Policial, caso seja a apuração de competência da autoridade de polícia civil local. Encerrada a fase da repressão imediata e tendo sido restabelecida a ordem, começa o trabalho de investigação - próprio de polícia judiciária - em fase pré-processual, preparatória da ação penal.

Existe, é claro, a busca pessoal originariamente de caráter processual, baseada na fundada suspeita, como por exemplo, aquela realizada no interior de um Distrito Policial, por iniciativa de uma autoridade de polícia civil encarregada de inquérito policial. Sim, por que a lei processual penal não prescreve o momento em que pode ocorrer a fundada suspeita como circunstância eximente de ordem judicial, ou seja, se antes ou depois da prática delituosa.

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Também, existe a busca pessoal determinada pelo juiz, igualmente de caráter processual. Não obstante, configuram-se raros os casos como esse na prática forense. É claro que a ausência de ordem judicial normalmente verificada na busca pessoal não significa impossibilidade de sua expedição pelo juízo criminal competente, durante o andamento de inquérito ou no curso da instrução processual; muito pelo contrário. Poderá o juiz atender requerimento da acusação ou da defesa, durante a ação penal, ou determinar a diligência por sua própria iniciativa conforme art. 156 do CPP [03].

A propósito, o próprio art. 243 do CPP traz em seus incisos o conteúdo obrigatório do mandado de busca, estabelecendo logo no inciso I, parte final, que nele deverá constar...no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem, além de mencionar o motivo e os fins da diligência" (inciso II) e ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir (inciso III).

Sem desconsiderar a existência de casos de originário interesse processual, conforme indicado, certo é que a maioria absoluta das buscas pessoais efetivamente realizadas tem caráter preventivo. Constituem, à evidência, um dos principais recursos para o desenvolvimento da atividade policial preventiva, particularmente das Polícias Militares dos Estados, órgãos responsáveis pela complexa missão de preservação da ordem pública, promovendo com exclusividade o policiamento ostensivo - pelo reconhecimento imediato da autoridade policial em razão do uso da farda -, nos termos do parágrafo 5º, do inciso IV, do art. 144 da Constituição Federal [04].

Levando-se em consideração a inexistência de regulamentação para o exercício do poder de polícia aplicado às atividades de preservação da ordem pública - e, a bem da verdade, a verificação da impossibilidade de regulamentá-lo, eis que se trata de um poder discricionário por excelência, exercido pela autoridade policial guiada pelos princípios constitucionais que regem o ato administrativo -, aplicam-se usualmente para a realização da busca pessoal preventiva as mesmas disposições do art. 240 do CPP. Considera-se, ainda, o interesse processual estabelecido a partir da localização de um objeto ou informação relevante para a Justiça Criminal, como eventual resultado do procedimento policial, sendo incontestável a circunstância de que, ao iniciar a busca pessoal originariamente preventiva, a autoridade policial não pode adivinhar se o resultado será ou não de interesse processual. Aliás, por óbvio, qualquer busca possui como característica a "tentativa" de se localizar algo. Inquestionável, portanto, o valor da prova colhida em tal circunstância.

Em conclusão, não somente a busca pessoal preventiva tem amparo na norma processual penal, como essencialmente - e originariamente - no exercício do poder de polícia, que possui por atributos a presunção de legitimidade e a auto-executoriedade do ato e é exercido discricionariamente pela autoridade policial competente, inexistindo conflito com as disposições do Código de Processo Penal.


3. A busca pessoal preliminar e a minuciosa

Diferentemente da busca domiciliar, a busca pessoal é realizada normalmente de dois modos: preliminar ou minucioso. O que distingue as duas espécies de busca pessoal em análise é exatamente o grau de rigor dispensado ao ato da revista [05], que impõe maior ou menor restrição de direitos individuais, configurando-se preliminar (revista superficial) ou minuciosa - também conhecida como íntima -, conforme o caso.

Observa-se que quanto à busca domiciliar, não há sentido em distinguir espécies com menor ou maior rigor, vez que se entende que o ato de varejamento [06] no interior do domicílio já constitui um grau máximo de restrição de direito nessa modalidade, provocando total invasão à intimidade domiciliar. Ademais, no curso da busca domiciliar pode até mesmo ser realizada a busca pessoal de quem se encontra no recinto, independente de mandado judicial, conforme estabelecido no art. 244 do CPP [07].

A busca pessoal preventiva normalmente é superficial, representando um procedimento que antecede à eventual busca minuciosa, ou seja, a busca mais rigorosa poderá ser conseqüência de uma superficial, dependendo do resultado desta. Daí porque a busca em pessoa ou em seus pertences, de modo não rigoroso, é denominada busca pessoal preliminar.

Assim, por exemplo, se em uma busca pessoal preliminar, mediante observação visual e toque das mãos do agente por cima das roupas do revistado, for encontrada uma arma, haverá fundada suspeita em nível tal que justificará uma busca minuciosa, voltada à localização de outros materiais (objetos de ilícito), de menor volume, que provavelmente também estejam na posse do revistado, como substâncias entorpecentes, cheques e cartões de crédito roubados, documentos falsos etc.

O que caracteriza basicamente a busca minuciosa é a verificação detalhada do corpo do revistado, mediante a retirada de suas roupas e sapatos, sendo por isso igualmente conhecida como "revista íntima", além da verificação cuidadosa dos objetos e pertences por ele portados. É observado o interior da boca, nariz e ouvido, a região coberta pelos cabelos, barba e bigode, se houver, entre os dedos, embaixo dos braços e ainda nas partes púdicas (do revistado ou da revistada), ou seja, entre as pernas e as nádegas e, no caso de mulher submetida à busca, também embaixo dos seios e entre eles, sendo todo o procedimento realizado preferencialmente com auxílio do próprio revistado, concitado a colaborar. A busca pessoal minuciosa é realizada em local isolado do público, sempre que possível na presença de testemunha.

A tangibilidade corporal é um aspecto importante para análise em razão do compreensível - e inevitável - desconforto na situação de submissão do revistado a toque de pessoas estranhas. Na busca pessoal preliminar convencional, o agente utiliza muito mais o tato que a visão; impõe-se o tateamento superficial sobre o corpo do revistado, ou seja, por cima de suas roupas, em movimentos rápidos e precisos de mãos de policiais treinados para essa finalidade. Na busca minuciosa, ao contrário, quando a exposição corporal daquele que é submetido à revista é maior (tendo sido obrigado a tirar toda a roupa), o uso do tato por parte do buscador é mínimo, utilizando-se muito mais o sentido da visão. A participação que se espera do revistado diz respeito à observância das orientações que lhe são passadas, em seqüência, como por exemplo: abrir a boca, passar o próprio dedo dentro da sua boca, levantar os braços, agachar-se, abrir as pernas, abrir os dedos dos pés, dentre outras.

Por fim, em que pese redação pouco precisa, o Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Polícia Militar de São Paulo há mais de trinta anos diferenciou as duas espécies de busca pessoal, nos seguintes termos: Busca preliminar é a realizada em situações de rotina quando não há fundadas suspeitas sobre a pessoa a ser verificada, mas em razão do local e da hora de atuação. Ex.: local público de má freqüência, local de alta incidência criminal, entrada de pessoal em campo de futebol e bailes populares. Busca minuciosa é aquela realizada em pessoas altamente suspeitas ou em delinqüentes.

Buscando aperfeiçoar o raciocínio, para evitar eventuais distorções, interpretamos que a fundada suspeita sempre será o critério para a iniciativa policial da busca pessoal de modo individual (preliminar ou minuciosa), na atividade preventiva, podendo recair a suspeição sobre a própria pessoa (em razão de sua conduta ou simples expressão corporal) ou circunstâncias diversas a ela relacionadas (por exemplo, local, horário, companhia etc.). Já a busca coletiva constitui situação excepcional (realizada, por exemplo, em todos os torcedores que pretendem adentrar em um estádio de futebol), de forma em princípio superficial (preliminar), não existindo, nesse caso, propriamente a caracterização da fundada suspeita, mas a legitimação da iniciativa pelo exercício do poder de polícia, considerando-se os critérios de necessidade e razoabilidade da medida, como intervenção imprescindível para a preservação da ordem pública, conforme se verá adiante.


4. A busca pessoal individual e a coletiva

Quanto ao sujeito passivo - ou sujeitos passivos -, a busca pessoal pode ser classificada em individual ou coletiva.

A busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual. De fato, na preventiva, o quesito "fundada suspeita" tem como pressuposto a individualização de condutas. Ainda, é inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido, requisito obrigatório da ordem, nos termos do inciso I, do art. 243, do CPP.

Conforme já mencionado, nos limites da busca pessoal preventiva, constitui situação particular a busca pessoal preventiva e preliminar que, por iniciativa do poder público, sujeita a todos os interessados em adentrar em algum recinto, desde que exercida por quem está investido do poder de polícia, como providência necessária para a segurança da coletividade. Na condição de medida excepcional, é tolerável tal procedimento em benefício do bem comum, como observado na revista realizada por policiais militares em todos os torcedores na entrada de determinada praça desportiva. Tal espécie de busca, denominada busca pessoal coletiva, é realizada no acesso de eventos ou, então, em situações específicas (a exemplo da busca realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados), em oposição à busca pessoal individual, essa de procedimento cotidiano na atividade policial preventiva.

Nesse raciocínio, observou Edmilson Forte sobre a busca pessoal coletiva exercida pela Polícia Militar, como medida extraordinária e necessária, legitimada pelo regular exercício do poder de polícia: O poder de busca pessoal pela Polícia Militar, abrange hipótese que não se enquadra no artigo 240 do Código de Processo Penal e que é conseqüência da própria natureza da operação. Esses casos constituem situações em que há alto risco de ações contra a segurança e incolumidade de pessoas. Não há fundada suspeita de crime. Um exemplo pode ser dado no ingresso de pessoas em estádio de futebol por ocasião de um jogo. É proibido o porte de arma. A única maneira de garantir o cumprimento da Lei nessas ocasiões é a busca pessoal, que encontra seu fundamento na natureza e finalidade do policiamento preventivo. [08]

Em folhetos de esclarecimento à população, a Polícia Militar do Estado de São Paulo tem divulgado explicações sobre o procedimento da busca pessoal, a fim de alcançar a conscientização popular sobre a importância e a necessidade de medidas como a busca pessoal coletiva, em determinadas situações, conforme expõe: As buscas pessoais podem ser feitas pelos policiais na entrada de estádios de futebol, ginásios de esporte e similares, bem como na entrada de espetáculos e em todos os locais onde haja aglomeração de pessoas. Caso, durante o evento, você seja solicitado a submeter-se a uma nova revista, lembre-se de que a polícia ali está para garantir a segurança de todos e tem a autoridade para assim proceder [09].

O mínimo sacrifício imposto em razão desse procedimento é normalmente bem aceito pela sociedade, diante da constatação de que a busca pessoal é o único meio eficaz para garantir a segurança, como um dos invioláveis direitos fundamentais, conforme estabelecido da Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput: "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. [...]"

No caso da busca pessoal individual, quando de caráter preventivo, a questão da igualdade de tratamento ganha maior relevo, eis que normalmente é baseada na análise daquele que seleciona quem será sujeito passivo da revista. Resolve-se o problema estabelecendo critérios de seleção porque a sujeição de todo um grupo à busca pessoal, como por exemplo, de todos os condutores de veículos que passarem dirigindo em determinada via pública, parece-nos configurar abuso de autoridade, além do procedimento apresentar-se quase sempre impraticável. A razoabilidade e a necessidade da medida é o que distingue a situação anteriormente indicada, de busca pessoal coletiva (no citado exemplo do estádio de futebol) e a busca pessoal em que se imagina parar todos os veículos que passem em determinada via (irregular na nossa avaliação, vez que não razoável e desnecessária), tendo-se por princípio que somente poderá haver restrição de direitos individuais se o sacrifício for imprescindível para se alcançar o objetivo maior do bem coletivo e apenas nessa circunstância tem-se como tolerável a intervenção do Estado na esfera da prevenção.

No que toca ao devido tratamento igualitário, observamos que, se em um Fórum, por exemplo, por decisão do Juiz Diretor, for adotado um sistema de segurança em que todos que pretendam ter acesso ao interior do prédio devam submeter-se à busca pessoal – preventiva, preliminar e coletiva -, simplificada pelo uso de um portal magnético (busca pessoal indireta), não haverá argumento razoável para quem quer que seja recusar-se a passar por tal equipamento. Ora, não é exatamente o mesmo que se impõe nos acessos de consulados e embaixadas e nos grandes aeroportos, sem que se reivindique eventual prerrogativa funcional que torne o sujeito isento da busca preliminar?

Com esse entendimento, em abril de 2003, o Juiz Diretor do Complexo Judiciário "Ministro Mário Guimarães", na Barra Funda, São Paulo (o maior Complexo Criminal em funcionamento na América Latina), Dr. Alex Tadeu Monteiro Zilenovski, de modo pioneiro em São Paulo, baixou portaria determinando a busca preliminar coletiva na entrada do Fórum, após enumerar uma série de considerações sobre a necessidade da medida para a garantia da segurança de todos os usuários desse espaço público. Nos termos da portaria, resolveu, conforme transcrição dos dois primeiros artigos:

Art. 1º – Determinar que pessoas que ingressarem nas dependências deste Complexo Judiciário sejam submetidas a controle de armas por meio eletrônico e outros necessários, exercidos por Policiais Militares que guarnecem o Fórum ou por outros agentes da Autoridade constituída que aqui exercem suas funções.

Art. 2º - Para tal, fica estabelecido que os funcionários públicos incumbidos desta atividade fiscalizatória deverão agir com urbanidade, respeito e diligência que o cargo lhes exige, inclusive solicitando a todos aqueles que sejam submetidos à fiscalização a colaboração que se faz necessária para que seja garantida a cada um de nós a segurança a que todos temos direito enquanto cidadãos, enquanto operadores do Direito, enquanto funcionários que aqui militam e de um modo geral, enquanto presentes a um prédio público [10].

Pouco tempo depois, em 30 de setembro de 2003, o Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidiu disciplinar a matéria, mediante o Provimento nº 811/2003 [11], considerando a necessidade de resguardar a segurança e integridade física de todos que se utilizam das sedes do Poder Judiciário e, ainda, a ocorrência de ameaças e a possibilidade de violência contra servidores da Justiça, partes, promotores de justiça, advogados e juízes, enfim, de todos os usuários do ambiente forense. Prescreveram os três primeiros artigos desse Provimento que:

Art. 1º – Em todas as unidades do Poder Judiciário do Estado serão adotadas medidas de segurança que poderão determinar a utilização de equipamentos, fixos ou portáteis, ou por outro modo, inclusive a revista pessoal [12], se for o caso, durante todo o expediente forense, para evitar ingresso de pessoas portando armas de qualquer tipo ou artefatos, que possam representar risco para a integridade física daqueles que estejam em seu interior.

Art. 2º – É vedado o ingresso de pessoas na posse de armas nas dependências das unidades judiciárias, ainda que detentoras de autorização legal, exceto os policiais, militares ou civis, e agentes de segurança bancária em serviço.

Art. 3º – Nos locais de entrada principal destas unidades do Poder Judiciário, haverá policiais militares, agentes de fiscalização judiciária ou funcionários especialmente treinados e designados pela Diretoria do Fórum, munidos, ou não, de aparelhos específicos para detectar metais, ou realizar eventuais revistas a serem feitas em quem desejar ingressar no interior das instalações.

Por fim, reconhece-se que no acesso de determinados locais não se pode abrir mão desse eficiente recurso para a garantia da segurança coletiva, ou seja, para a segurança de todo um grupo de pessoas que freqüenta determinado espaço, tal como o ambiente forense, em que se concentram tensões próprias dos conflitos humanos.

Por outro lado, a busca pessoal coletiva realizada nessas situações específicas, como medida imprescindível, constitui fórmula de tratamento igualitário aos usuários de determinado ambiente, enquanto a seleção sem critérios para revista pode configurar conduta discriminatória e por isso atentatória a dignidade humana. É o próprio caput do artigo 5º da Constituição Federal, em sua primeira parte, que nos dá a orientação, espelhando o ideário de igualdade que transformou a organização da sociedade, a partir das idéias do iluminismo, movimento que pavimentou o caminho para a Revolução Francesa e a Idade Contemporânea, em importante passo na história da humanidade, ou seja: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...

4.1. A polêmica "revista privada"

Ao tratarmos de busca coletiva invariavelmente surge em discussão outro tema polêmico: a questão da legalidade da denominada "revista privada" imposta como condição de acesso a estabelecimentos particulares, especialmente em entradas de casas de espetáculos, boates e similares.

Trata-se de procedimento superficial realizado por agentes particulares de segurança, objetivando coibir a entrada de armas ou de objetos que possam causar perigo aos usuários desses espaços. Tal ato nunca poderá ser chamado busca pessoal ou simplesmente revista (que é sinônimo de busca pessoal, como já visto), eis que realizado por quem não está cumprindo ordem judicial ou exercendo atividade policial. Por isso escolhemos a expressão revista privada para a sua denominação.

Tem sido tolerado o procedimento de iniciativa particular, na ausência de regulamentação específica sobre a matéria, salvo a condição de devido registro do serviço particular de segurança junto à Polícia Federal. O interessado em acessar o ambiente restrito sabe que, além de pagar o valor do ingresso, deverá submeter-se a uma verificação pessoal incidente no seu próprio corpo e objetos por ele portados. Se por um lado pondera-se que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei, por outro lado se aceita que, no caso em análise, está configurado um contrato entre particulares, representado por um acordo de vontades razoável em face da realidade da vida moderna em grandes cidades.

Sem desconsiderar a dinâmica própria da sociedade que impõe novas fórmulas de convivência, para que não seja configurado o constrangimento ilegal na revista privada de forma direta (com tangibilidade corporal), há dois aspectos que devem ser rigorosamente observados: a superficialidade e a não-seletividade, ou seja, o tratamento dispensado a todos deve ser igualitário e o procedimento apenas superficial, com a anuência do revistado, o que pressupõe a ausência de coerção e o seu prévio conhecimento quanto à imposição do ato e sua forma.

Sobre o autor
Adilson Luís Franco Nassaro

major da Polícia Militar de São Paulo, bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Processual Penal na Escola Paulista da Magistratura, mestrando em História (UNESP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSARO, Adilson Luís Franco. A busca pessoal e suas classificações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1356, 19 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9608. Acesso em: 23 dez. 2024.

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