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"Aposentar-se" no Brasil

Agenda 20/03/2007 às 00:00

Já escrevi sobre uma questão cuja discussão me atraía desde meus tempos de empregado: afinal, aposentar-se é sinônimo de parar de trabalhar? No artigo anterior, falei das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 1.770 e nº. 1721, e de minha curiosidade de acorrer ao site do STF para ler todos os votos dos Senhores Ministros já então proferidos e continuei acompanhando a evolução do julgamento, iniciado em 1997 e desenvolvido em várias etapas. Não vi mudanças que previ poderiam ocorrer.

Tratando-se de algo fundamentalmente de natureza trabalhista, encontrava-se em vigor uma Orientação Jurisprudencial da SBDI-1/TST (nº. 177) que declarava ser causa extintiva do contrato de trabalho a aposentadoria voluntária do empregado, conforme fora incorporado à CLT via Medida Provisória transformada em lei.

O Supremo, em ambas as ADIs, suspendera ex-nunc os efeitos das alterações promovidas no art. 453 da CLT, ao incorporar-lhes os parágrafos 1º. e 2º. A questão, finalmente, parece ter sido pacificada com a decisão, por maioria, adotada em 11/10/2006 pelo Pleno do STF, ao julgar aquelas ADIs, já sob a relatoria, respectivamente, dos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto.

Muito se discutira, desde então, sobre a vexata quaestio: o vínculo laboral é ou não desfeito automaticamente com a obtenção, pelo empregado, junto ao INSS do benefício da aposentadoria? Eu mesmo escrevi um texto e pus em fóruns de debates a pergunta O que quer dizer aposentar-se?

No que tange ao que quer dizer "aposentar-se", ou o que queria dizer, também se tem escrito muitas vezes: jubilação, apojubilação, inatividade,. ..., e entre os militares, reserva e reforma. Em inglês, usa-se a palavra retired, para aqueles que se aposentam; em francês, en retraite ou retraité; em espanhol, retirado ou jubilado; também em italiano, aposentar-se é ritirarsi. Em suma, universalmente, aposentar-se é parar de trabalhar, retirar-se do mercado de trabalho. Como lembrou o Ministro Marco Aurélio, abrir vaga.

Sobre a aposentadoria compulsória dos servidores públicos, regidos pelo dito RJU (Lei nº. 8.112/90), reconheça-se que há professores universitários ou magistrados dos Tribunais Superiores que se encontram no auge de sua produtividade aos 70 anos. Pior para as universidades públicas em que ensinavam (e transmitiam seu saber às novas gerações) ou as Cortes onde decidiam questões de alta relevância. Aquele dispositivo que impede os que completam 70 anos de continuarem na ativa sendo objeto de uma PEC elevando, em alguns casos, a idade para 75 anos.

Porém a questão mais discutida refere-se à aposentadoria voluntária e parece-me longe de obter consenso na questão fulcral: a não extinção automática do contrato individual de trabalho e a potencial demissão sem justa causa, com seus reflexos para o empregador.

Eu perguntara quão justo, ou lógico, poder-se cumular dois proventos intrinsecamente paradoxais (um de atividade enquanto sendo, pela Previdência Social, reconhecido como inativo).

No Brasil (país rico é outra coisa), o empregado requer, espontaneamente, sua aposentadoria e isso não acarreta a extinção do vínculo laboral por iniciativa do empregado. A Previdência paga aposentadorias de mentirinha a quem de fato continua trabalhando (os inativos na ativa) e, também, a quem nunca contribuiu (trabalhadores rurais – ou quem alegue que foi - e idosos de baixa renda).

Ninguém está pensando seriamente em parar de trabalhar, se retirar do mercado de trabalho, dar a vez a outro. Quer, simplesmente, ganhar "algum" a mais mensalmente e dane-se o mundo, afunde a Previdência, quebre o Brasil. A "certeza" que todos têm é que o saco é sem fundo, a Previdência tem o dom de imprimir dinheiro a rodo; se o pirão é pouco, tanto pior: vai ter que dar pra mais um ou para mais mil, ou mais um milhão, desde que o novo postulante esteja incluído.

Pobre país rico este nosso, que reparte o que não tem (muito menos está sobrando), dá a muitos que ainda não fizeram por merecer e faz de conta que é justo e equânime.

Se nosso dia-a-dia não comprovasse que De Gaulle tinha razão (supondo que ele haja mesmo duvidado de sermos um país sério), cada brasileiro trabalharia enquanto pudesse, tivesse forças e ânimo; contribuindo para a grandeza ou o engrandecimento nacional, nosso PIB; dando seu suor e sangue; cumprindo as leis sem delas tão-somente usufruir para seu benefício pessoal, como se o dinheiro o acompanhasse ao além, fosse companheiro de caixão; etc.

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Lembro-me do modismo, nos anos 80, de quem era profissional e dava aulas (à noite,uma ou duas vezes por semana) em faculdades ou cursinhos pré-vestibular. Auto-intitularam-se "professores" e requereram a aposentadoria antecipada em cinco anos que a Constituição garante àqueles que, no texto mais moderno e que foi revisto para evitar essas espertezas, é garantida a quem "comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio".

Li um artigo no Jus Navigandi (edição 1221, de 04/11/2006) da advogada paulista, e professora universitária, Cristiane Miziara Mussi em que ela pondera:

"a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 1721 poderá provocar prejuízo ao próprio empregado. Ademais, a multa sobre o FGTS foi inserida para a proteção do empregado dispensado sem justa causa. O dinheiro serviria para ampará-lo na situação de desemprego. Ora, quem se aposenta não está na situação de desempregado, mas de aposentado amparado pela Previdência Social, não tendo razão de existir a multa sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço nessa hipótese."

E aduz: "O empregador enfrentará certa dificuldade, pois terá as seguintes alternativas: esperar que seu empregado venha a falecer, já que assim será indevida a multa de 40% sobre o FGTS; dispensar o empregado assim que este se aposentar, para que a multa devida não seja tão dispendiosa; ou permitir que o empregado continue desenvolvendo sua atividade após a aposentadoria, ficando ciente da elevada indenização que terá que pagar no momento da rescisão contratual."

Parece procedente a profecia. Talvez dê origem a outro ciclo de negócios escusos entre patrão e empregado, como aqueles usuais no passado (eu te demito sem justa causa e você me devolve pelo menos a metade da multa). Sem contar aquelas benemerências exageradas muito comuns em paraestatais, notadamente para beneficiar seus empregados mais grados - e que, por extensão, era aplicada a todos - que o TCU nunca condenou: demitem "sem justa causa" aqueles que querem se aposentar (chegam a fornecer um modelo de carta do tipo "quero me aposentar, me demita"). A ponto de os menos esclarecidos acharem que, quando se aposentarem, farão sempre jus à multa de 40%, como se fora um direito adquirido.

Valho-me da oportunidade para abordar outro tema correlato. Quase sempre, por trás de uma tese defendida, há um interesse principal oculto ou disfarçado. Quanta vez uma reclamação ajuizada pretende, no fundo, apenas causar um desconforto, ao forçar o reclamado a vir a juízo nessa condição, ou para provocar um acordo judicial.

Veja-se a questão suscitada sobre a não extinção do contrato individual do trabalho como conseqüência natural da aposentadoria voluntária e a Orientação Jurisprudencial nº. 177 da SBDI.1/TST, rapidamente revogada pelo Pleno do TST.

Na sustentação oral feita quando do julgamento daquelas duas ADI pelo Pleno do STF, em 11/10/2006, o advogado que defendia os interesses dos empregados (contrários à OJ e favorecidos com a decisão do Supremo) disse, expressamente, que algo muito mais importante estava por trás do pedido naquelas ADI, porquanto resultava em ser devido o pagamento da multa rescisória de 40% sobre o total dos depósitos efetuados durante a vigência do contrato de trabalho que viesse a ser rescindido sem justa causa, devidamente atualizados pelos índices de reajuste das contas vinculadas do FGTS.

Aí está o busílis! Não se tratava, meramente, de se questionar a constitucionalidade de uma alteração na legislação consolidada – em rigor, dirigida aos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista (§ 1º) e aos empregados que requeressem o benefício previdenciário da aposentadoria antes de completarem 35 anos de serviço (30 anos para as mulheres), ou seja, a aposentadoria proporcional, precoce, antecipada (§ 2º), em vigor, sem maiores questionamentos, desde 10/12/1997 (L. 9.528), ou mesmo desde 29/04/1975 (L. 6.204). A meta visada pela via indireta, reflexa, expedita, de uma ADI era fulminar a parte da OJ 177 no que afastava a multa rescisória. Nesse caso, flagrantemente, atirou-se no que se quis mirar para acertar no que se queria obter.

Porém, como diria o Conselheiro Acácio, as conseqüências virão depois, e já começam a surgir, o que vai ou deve requerer novas e controvertidas manifestações jurisdicionais mais dia menos dia. As Turmas do TST já começaram a julgar harmonicamente na direção oposta à anteriormente unânime, embora, a meu modesto juízo, a matéria esteja longe de restar incontrovertível.

Navegando pelo Fórum de Jus Navigandi, em janeiro passado, deparei-me com a seguinte questão:

"como fica a situação do empregado cujo contrato foi suspenso pela aposentadoria por invalidez, se o INSS o considerar reabilitado e capacitado a voltar ao mercado de trabalho e ao antigo emprego, na hipótese de seu empregador, sem motivo justo, optar por sua posterior dispensa?"

O empregador vai ser penalizado por algo a que não deu causa? Afinal, não fora ele responsável pela concessão da aposentadoria por invalidez; não era obrigação sua ficar, quem sabe muitos anos, com a vaga aberta para um empregado que eventualmente nem voltaria a seus quadros ativos; cessara sua responsabilidade quanto a efetuar depósitos na conta vinculada; e o saldo nessa conta do FGTS, certamente, já fora sacado quando da aposentadoria do empregado, podendo ser encerrada ou dada como tal.

De repente, sem mais nem porém, vê-se o empregador passível de ter que desembolsar uma inesperada quantia se quiser demitir "imotivadamente" aquele ex-aposentado que retornou à atividade. Digamos que o cargo fora extinto na empresa, ou que a evolução negocial e tecnológica resultara na incapacidade ou desatualização do antigo empregado para retomar suas atividades, ou que a vaga fora preenchida e o novo ocupante (ou o sucessor do sucessor do sucessor. ..... de quem substituíra o aposentado por invalidez) não mereça ser demitido (para ensejar o retorno do ex-inválido ao posto de trabalho) e nem deva mudar de função, se naquela exerce bem seu mister. Isto é, não haver mais lugar para aquele desaposentado nos quadros da empresa. Sem falar na hipótese de ter ocorrido sucessão na empresa (mudança de donos).

Parece injusto que, simplesmente porque o INSS declarou um aposentado apto para voltar ao trabalho (cassando sua aposentadoria por invalidez), um contrato que se encontrava suspenso tenha que voltar a viger, sem a menor consideração quanto aos interesses e conveniências do empregador e onerando-o pesadamente. Será que a empresa vai ter que manter aquele empregado "peso morto", desnecessário, improdutivo (rezando para que ele morra, peça demissão ou volte a ser declarado inválido) somente para não lhe ter de pagar uma multa rescisória a que estará sujeito para se ver livre dele?

Passados mais de 40 anos, muitos já se esqueceram do instituto da estabilidade (Cap. VII do Título IV da CLT, arts. 492 a 500) que a CF de 1988 "sepultou" em seu art.7º, inc. III, conquanto ainda esteja previsto na legislação trabalhista. A "opção" pelo FGTS tornou-se uma obrigação conseqüente de ser admitido como celetista, sob o título pomposo de ser um "direito constitucional".

Raríssimos são aqueles (se é que ainda existe algum) que gozam da verdadeira estabilidade por tempo de serviço, duradoura, permanente, merecedora desse nome (não se deve confundi-la com a estabilidade temporária ou provisória, circunscrita a determinado período de tempo, como 12 meses após o término do mandato de dirigente sindical ou de membro titular de Cipa representante dos empregados, ou de 5 meses após o parto da empregada gestante, que melhor seria dita "garantia de emprego", no abalizado ensinamento de Sérgio Pinto Martins).

A lei que criou o FGTS (5.107, de 13/09/1966) dava aos empregados o "direito de optarem" pelo novo regime, concedendo-lhes um prazo de 365 dias para decidirem se preferiam correr o risco de serem demitidos antes de alcançarem os 10 anos no emprego, e saírem sem qualquer indenização, ou se optavam pelo regime fundiário, garantindo desde então um depósito mensal por parte do empregador, em conta aberta de sua titularidade. As mudanças posteriores na Lei 5.107/66, seja a Lei 7.839/89 ou a Lei 8.036/90 – com suas alterações que já somam mais de dez -, ainda que sempre ressalvem, explicitamente, o direito adquirido dos que alcançaram a estabilidade por tempo de serviço, não modificam a situação do celetista, sendo, na prática, letra morta, ou tende a se tornar com o passar do tempo. Quem foi contratado até 05/10/1978 e não optou pelo FGTS vai estar com 35 anos de serviço em menos de sete anos, e deve se aposentar. Não restará mais nenhum empregado com a estabilidade do art. 492 da CLT.

A oportunidade de elaboração deste texto levou-nos a detectar um erro na redação do art. 14 da Lei 8.036/90, que (tal como ocorrera na lei de 1989, também da dupla Collor/Magri) cita o "Capítulo V" do Título IV da CLT, em vez de citar o "Capítulo VII", que é o que trata efetivamente da Estabilidade. A lei original citava os dois capítulos.

O que releva para a questão ora discutida, no entanto, é que o empregado aposentado por invalidez pode sacar o que houver em sua conta vinculada no FGTS (art. 20, III) em vista da "aposentadoria concedida pela Previdência Social", sob qualquer das formas. Contudo, malgrado ter sido a conta zerada e não mais existisse motivo para novos depósitos, o empregador que tiver a infelicidade de ver aquele seu (ex?) empregado declarado apto a retornar ao serviço, pela cessação das razões que haviam determinado sua aposentadoria por invalidez, vai ficar sujeito a ter de pagar-lhe 40% do valor levantado, inclusive com a atualização monetária (JAM) do período em que ele estivera aposentado, obrigação nova nascida da medida adotada pela Previdência Social (cassar aquela aposentadoria).

O empregador, provavelmente, vai abrir outra conta vinculada em nome de seu empregado (ou reabrirá a mesma?) quando este, declarado pelo INSS não mais inválido, voltar ao emprego cujo contrato se encontrava suspenso. Logo, a eventual multa de 40% pela demissão imotivada, em tese, poderia incidir apenas sobre os depósitos efetuados na conta
nova. Mas pode ensejar uma bela reclamação trabalhista, de resultado imprevisível.

Do ponto de vista do FGTS, quem sabe, vai mudar a legislação, e a aposentadoria por invalidez (dada sua natureza temporária, provisória, e sua reversibilidade), ante esse novo entendimento jurisprudencial – a aposentadoria espontânea não extinguir o contrato de trabalho – não dará mais direito ao saque dos depósitos.

Ou será que a jurisprudência é somente para os empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista ou apenas para as aposentadorias voluntárias precoces? O teor do § 2º do art. 453, declarado inconstitucional, não diz isso, porque dispõe, ou dispunha, sobre a concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado trinta e cinco – trinta, para as mulheres – anos de serviço. Engloba ou não os aposentados por invalidez?.

Agora, imagine-se que alguém não possa sacar o FGTS porque sua aposentadoria é reversível e seu contrato se encontra apenas suspenso. E que a invalidez não seja cancelada nunca. Ou seja, os herdeiros é que vão levantar o FGTS dele. Quem quer que diga algo sobre essa hipótese estará especulando. Porque a multa não incide apenas sobre "o valor sacado" quando da aposentadoria ou demissão sem justa causa, mas sobre a "soma de todos os depósitos efetuados" (que inclui os saques efetuados na vigência do contrato de trabalho, por exemplo, para aquisição ou abatimento da casa própria pelo SFH ou outros saques autorizados) devidamente atualizados monetariamente até a data da demissão que resultou na multa.

Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. "Aposentar-se" no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1357, 20 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9613. Acesso em: 22 nov. 2024.

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