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A extinção da UFIR e o limite da competência legislativa dos Estados sobre matéria financeira

Agenda 22/03/2007 às 00:00

1. Introdução

A competência para legislar sobre matéria financeira é matéria que sempre provocou acesos debates no campo doutrinário e jurisprudencial.

Com o advento do Plano Real e do discurso da desindexação os valores constantes da legislação tributária federal, até então indexados em UFIR, foram, por determinação legal, convertidos para o Real, e o referido indexador nos idos do ano de 2000 foi extinto.

No período em que houve a determinação legal da conversão dos valores em Ufir para o Real aqueles Estados que adotavam a Ufir como indexador de valores da legislação tributária poderiam manter a indexação e, com a sua extinção, teriam competência para editar lei criando Ufir Estadual?


2. A conversão da Ufir para o Real e a sua extinção

A determinacão da conversão dos valores da legislação tributária indexados em Ufir para o Real se deu com fundamento no artigo 30, da Lei 9.249/95 e 25 da Medida Provisória 1.542, de 18.12.1996, como se extrai da dicção dos mencionados dispositivos legais:

Art. 30. Os valores constantes da legislação tributária, expressos em quantidade de UFIR, serão convertidos em Reais pelo valor da UFIR vigente em 1 º de janeiro de 1996.

No ano de 2000, ratificando o discurso da desindexação, a UFIR foi extinta1 valendo transcrição trecho matéria publicada na página da Receita Federal na Internet intitulada de "O Fim Da Correção Monetária":

"Finalmente, em 1º de janeiro de 1996, foi extinta a correção monetária, que até 1994 era automática, de todos os valores constantes da legislação tributária federal, conforme disposto no art. 30. da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que determinou a conversão, em Reais, dos valores expressos em quantidade de UFIR, pelo valor desta em 1º de janeiro de 1996".2


3. A competência dos Estados para criar indexadores

No passado houve intenso questionamento da competência do Estados para criar indexadores.

A matéria restou pacificada nos Tribunais com o entendimento de que os Estados têm competência concorrente para legislar, entretanto, com a ressalva de que seus indexadores devem observar o limite do indexador federal.

Nesse sentido, a título de ilustração, o RE. 235.022-4-SP., que teve como Relator o Ministro Otávio Gallotti:

"Entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 29.03.2000, quando do julgamento do RE 183907, também relatado pelo Min. Ilmar Galvão, entendeu que os Estados não têm competência para a fixação de índices de correção monetária de créditos fiscais, em percentuais superiores aos fixados pela União, para o mesmo fim.

Em consonância com referidos precedentes, dou provimento parcial ao recurso extraordinário, para julgar indevida a execução fiscal embargada, no que exceder, no tempo, os índices fixados pelo Governo Federal, prosseguindo-se a cobrança pelo valor adequado".3

À mesma linha filiou-se o Superior Tribunal de Justiça como se pode constatar de trecho do REsp 79.306-SP, que teve como relator o Ministro Peçanha Martins:

"O Egrégio STF proclamou a legitimidade da UFESP, indexada pelo IPC/FIPE, na atualização monetária do débito fiscal relativo a ICMS, desde que inferior ao índice oficial".4


4. O posicionamento da vertente que entende como cabível a indexação mesmo sem previsão legal por não ser acréscimo

Aplicados os posicionamentos adotados pelo STF e STJ ao caso sob comento a conclusão não seria outra senão a de que não poderiam os Estados adotar a Ufir no período em que lei federal vedou a sua aplicação e muito menos, com a sua extinção, editar lei criando novo indexador com o mesmo perfil.

Ocorre que, em decorrência de sucessivos fracassos de planos econômicos anteriores ao Plano Real, a jurisprudência caminhou para o entendimento de que não sendo a correção monetária acréscimo patrimonial poderia ser aplicada.

Nessa linha o Agravo Regimental número 568, relatado pelo Ministro José Delgado:

"O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO tem, por via de ambiente jurisprudencial, fixado o entendimento de que, por a correção monetária não ser considerada acréscimo patrimonial, caracterizando a sua aplicação simples atualização do valor expresso na lide, por força do fenômeno inflacionário, há possibilidade de ser incluída de ofício na liquidação do julgado".5

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No mesmo sentido o REsp. 94.692. da relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

"É entendimento consolidado da Corte que a evolução dos fatos econômicos tornou insustentável a não-incidência da correção monetária, sob pena de prestigiar-se o enriquecimento sem causa do devedor, constituindo ela imperativo econômico, jurídico e ético indispensável à plena indenização dos danos e ao fiel e completo adimplemento das obrigações. Decisão. Por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento".6


5. O posicionamento da vertente oposta fundada em recentes precedentes do STF

Estimulados com o posicionamento até então adotado de que correção monetária não é acréscimo vários contribuintes buscaram junto ao Judiciário o direito à correção de seus créditos de ICMS.

A pretensão foi afastada e o Supremo Tribunal Federal, fundado no argumento de que não compete ao Judiciário legislar, sob pena de invadir competência que não lhe é própria, deixou de conceder o direito à referida correção por falta de previsão legislativa, como se pode constatar de ementa de elucidativo precedente do Tribunal Pleno redigida nos seguintes termos:

"Correção monetária de créditos fiscais eventualmente verificados e comprovados. Direito que, por não estar previsto na legislação estadual, não pode ser deferido pelo Judiciário sob pena de substituir-se o legislador em matéria de sua estrita competência. Matéria pacificada no Supremo Tribunal Federal".

STF. EREAA-212163-SP. Tribunal Pleno. – Relator: Min. Maurício Corrêa. DJ de 18.02.2002. In: DATADEZ – CD. Porto Alegre: Notadez, n. 11, nov./dez. 2002.


6. Conclusão

Considerando o fato de que a legislação federal determinou a conversão dos valores indexados em Ufir para o Real e em seguida extinguiu o referido indexador, e como os Estados, dentro de sua competência concorrente, devem observar o limite legislativo adotado pela União em matéria financeira, evidente que os valores indexados em Ufir pelos Estados deveriam ser convertidos para o Real e eventuais leis editadas pelos Estados seriam de duvidosa constitucionalidade.

Analisada a matéria por este ângulo, e uma vez configurada a inconstitucionalidade de eventual lei que criasse Ufir Estadual, certamente que não poderia existir o socorro do judiciário por não ser órgão legislativo, e, principalmente, para que não se cometesse absurdo tratamento desigual com os contribuintes que tiveram, quando em semelhante situação, as suas pretensões afastadas.


Notas e referências bibliográficas

1 Medida Provisória número 2176-77, de 28.06.2001, art. 3º e art. 29. § 3º.

2 Extinção da correção monetária. Site da Receita Federal. Disponível em: <https://www.receita.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 05 jan.2003.

3 STF. RE 235.022-4. SP. Relator: Min. Otávio Gallotti. In: DJU de 07.06.2000, p. 22. .

4 STJ. REsp 79.306–SP-2ª T. Relator: Min. Peçanha Martins. In: DJU 26.10.1998, p. 101.

5 STJ. AR. 568. Relator: Min. José Delgado. DJ de 15.03.1999, p. 74.

6 STJ. REsp. 94692. Relator: Min. Sálvio d Figueiredo Teixeira. DJ de 21.09.1998, p. 167.

Sobre o autor
Luiz Cláudio Barreto Silva

advogado em Campos dos Goytacazes (RJ), escritor, ex-diretor-geral da Escola Superior de Advocacia de Campos dos Goytacazes, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Cláudio Barreto. A extinção da UFIR e o limite da competência legislativa dos Estados sobre matéria financeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1359, 22 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9637. Acesso em: 21 nov. 2024.

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