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Compliance no direito público e governança corporativa

Agenda 15/02/2022 às 15:50

A governança corporativa é fundamental, também, na esfera pública, assim como o compliance, responsável por trazer a ideia de ética, integridade e conformidade.

Compliance e governança corporativa são conceitos criados e aplicados, inicialmente, no setor privado. Governança corporativa é um conjunto de princípios, processos, práticas e propósitos que rege o sistema de poderes, mecanismos de gestão de corporações, buscando a maximização de riqueza de seus proprietários.

Desde seu início, a governança corporativa buscou solucionar alguns problemas, tendo surgido como uma necessidade e consequência do processo de globalização.

Com esse processo de ultrapassagem de barreiras, com as bolsas de valores, as empresas passam a captar dinheiro no mercado para crescimento, expansão de fronteiras e áreas de atuação.

Passa-se a mudar estruturas internas e não há mais possibilidade de gerir atividades como fazia, visto que antes uma pessoa era responsável por toda a empresa e agora, uma deve ser responsável por cada área da empresa: financeiro, expedição, RH etc.

Mediante a contratação de gestores para as áreas, empresas passam a ter filiais em diversos pontos do mundo e em cada estrutura, próprios funcionários, decisões e faturamento.

Esse processo de dispersão trouxe desafios para as companhias no que toca a definição de poder, responsabilidades quem pode definir estratégias, planejar, organizar a estrutura corporativa.

Não há mais possibilidade de realização de reunião de acionista porque simplesmente não tenho mais como identificar cada um deles dentro de uma S/A. Logo, surge a governança corporativa.

Processos de IPO são frequentes, abertura de capital na bolsa de valores, compra e venda de ações. Tenho investidores buscando esse tipo de investimento e oportunidades dentro desse cenário; tenho a questão do planejamento sucessório; os filhos podem herdar a empresa, mas querem? Estão preparados? Temos a figura dos proprietários passivos que são os investidores que não se envolvem na gestão.

Há os processos de fusões e aquisições que reduzem o capital dos sócios na empresa. O processo acionário permite o agigantamento da empresa sem que o empresário dependa de uma linha de crédito junto a uma instituição financeira e alienação de bens da empresa e sócios.

Surge a despersonalização da propriedade: quando a empresa começa a ficar muito grande, preciso definir o gestor e o proprietário, que, não necessariamente será a mesma pessoa.

A governança corporativa vai fazer essa separação gradual entre propriedade e gestão. No Brasil, há uma série de empresas familiares que substituem seus donos por gestores de mercado. Essa separação muitas vezes gera conflitos de interesse, que também são denominados conflitos de agência.

Conflito de agência surge exatamente quando eu tenho uma separação de propriedade e gestão. Eu vou ter uma relação indissociável entre conflito de interesse e separação entre propriedade e gestão.

Se eu não tenho essa separação, eu não vou ter o conflito. É o que vemos no caso de uma EIRELI; não vou ter conflito de agência porque só tem um sócio e, a princípio, não vou precisar de governança corporativa e não vou precisar de auditora externa.

Se eu tenho uma empresa de um sócio apenas, e o dono não quer que determinada situação aconteça, ela não vai acontecer. A regra básica da governança é: quanto mais eu tenho a separação entre propriedade e gestão, mais eu vou precisar de uma estrutura mais complexa de governança corporativa.

Vou precisar de governança corporativa quando tiver executivo contratado. Os outorgantes que dão poderes para a realização dessa governança constituem o conselho, que representa os detentores das ações.

Através da governança corporativa vou definir quais os valores da empresa, quais os princípios da empresa, quais os processos e de que forma os desenvolver, quais as práticas usar, como aplicar.

A Sarbanes-Oxley, ou SOx, criada pelo Congresso americano em 2002 para proteger os investidores e stakeholders das empresas contra possíveis fraudes financeiras é um elemento de evolução da governança corporativa.

Os pilares da governança corporativa são:

- Compliance;

- Accountability;

- Desclousure;

- Fairness.

A tradução literal de compliance é conformidade. A accountability diz respeito à prestação de contas; preciso, enquanto gestor, prestar contas do que fiz, aos meus acionistas. A desclousure vai trazer a ideia de transparência; preciso de acesso às informações, do que está acontecendo na empresa. A fairness está vinculada à remuneração dos sócios, acionistas, que precisa ser realizada de maneira justa a fairness carrega esse juízo de justiça.

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Compliance é um pilar da governança corporativa e diz respeito à adoção, pelas corporações, de um código de ética, de como a empresa quer ser reconhecida.

Vou precisar criar regras, convencer os colabores sobre quais são os valores da empresa, e, diante disso, necessário um código de ética e conduta.

Quando se fala em governança corporativa, código de ética é um instrumento indispensável porque as empresas que não o adotam, devem justificar o motivo de não possuírem um conjunto de regras que direcione seus funcionários, parceiros e colaboradores, de modo a impedir práticas que possam prejudicar a imagem da companhia, tais como ocorrência de fraudes, corrupção e demais ilícitos.

Accountability vai envolver a prestação de contas do CEO, Chief Executive Officer, e do CFO, Chief Financial Officer, devendo ambos revisar relatórios para verificar se não há omissão de fatos relevantes, visto que as demonstrações financeiras devem ser analisadas para garantir a confiabilidade dos números.

Esses dois cargos igualmente precisam garantir que a auditoria terá todas as informações necessárias que representam a empresa de forma clara. Os investidores não estão no dia a dia da empresa, todavia, precisam de informações que irão definir seus aportes e estratégias.

Desclosure relaciona-se com o comitê de auditoria, sob a ótica da transparência. Necessário alguém técnico para analisar a área fiscal e que seja remunerado, de modo a impedir conflitos de interesse.

Contingências, informações relevantes e investigações devem ser publicadas. É por parte dos auditores e comitê de auditoria que esse trabalho será realizado.

Fairness guarda relação com remuneração justa. A remuneração deve ser justa para não existir conflito de interesse.

Tudo o que é relacionado ao setor privado, no que toca à governança corporativa, pode ser aplicado no setor público.

O Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017, trata a governança pública como um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.

No setor público, as leis são direcionadas para que as empresas previnam as práticas de ilícitos.

A proposta de criação da política de governança se originou da cooperação dos órgãos centrais de governo com o Tribunal de Contas da União. Para o tribunal, era necessário editar um ato normativo que estabelecesse boas práticas de governança voltadas para a melhoria do desempenho de órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, bem como dos demais Poderes na esfera federal, a partir de três linhas centrais: liderança, estratégia e controle.

Com a missão de estabelecer um conjunto de boas práticas de governança que subsidiariam e direcionariam a atuação estatal, uma equipe de técnicos da Casa Civil, do Ministério do Planejamento, do Ministério da Fazenda e do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União preparam dois atos normativos: o Decreto nº 9.203, de 2017, e o Projeto de Lei nº 9.163, de 2017.

A lei geral de proteção de dados está ligada ao conceito de governança corporativa, visto que cria regras para que empresas que usem dados de pessoas físicas tenham determinados controles,um sistema de compliance.

Governança corporativa relaciona-se com gerenciamento de risco e, por isso, está associada à lei geral de proteção de dados.

No Brasil, órgãos do poder público vêm lançando projetos de integridade, buscando medidas de compliance. A CGU tem desenvolvido uma série de cartilhas para os órgãos públicos.

Todos os órgãos públicos, em um dado momento, irão enfrentar uma questão central: será que eu posso falar de compliance para o setor público ou eu vou ter que falar de compliance para estatais, partidos políticos e prefeituras, além de individualizar cada órgão público, assim como as regras a ele aplicáveis? Por causa disso, uma série de órgãos já estão instituindo algumas iniciativas, tais como ouvidoria, manuais de conduta.

No setor público há sujeitos ativos e há que se fiscalizar os parceiros do setor privado que, igualmente, podem ser alvo de prática de corrupção e afetar a esfera pública.

Caso seja necessário, preciso avaliar eventuais desvios de servidores e monitorar se não está acontecendo algum ilícito de prática de corrupção. Para isso, cria-se um PAR, processo administrativo de responsabilidade.

Com a nova lei de licitações, os órgãos têm que se inteirar se as empresas participantes têm um programa de governança corporativa, compliance.

O gestor público age da mesma forma que um CEO: administra algo que não é dele. Quando há pagamento de impostos, a gestão dessa arrecadação vai ser feita por determinado ente público.

Na esfera privada, o interesse dos outorgantes é o máximo retorno dos seus investimentos; e, na esfera pública, o interesse dos contribuintes tem a ver com uma melhor eficiência por parte da administração na prestação de serviços.

A governança corporativa vai criar instrumentos jurídicos que irão formalizar essa relação entre agência e mudança de comportamento, instrumentos jurídicos que irão estimular os agentes a se alinharem para gerar sustentabilidade a longo prazo, entretanto, conflitos sempre irão acontecer.

E isso porque não há como definir um contrato padrão que atenderá e responderá todas as questões no momento em que novas demandas surgem a cada momento.

Isso também vai ocorrer com o setor público, porquanto ambas as esferas foram atingidas pela Covid-19 e regras precisaram ser criadas e alteradas. Há uma série de situações imprevisíveis dentro da governança corporativa.

A governança corporativa surge para sopesar interesses, criar instrumentos e dar conta desses desalinhamentos na companhia.

Se tenho desalinhamento interno entre sócios, acionistas, tenho também desalinhamentos externos que guardam relação da empresa com terceiros.

Quando tenho desalinhamento entre shareholders e stakeholders, a governança corporativa vai ter que fazer essa ponte, estabelecer condutas para que a empresa se identifique com seus valores.

Para ter sustentabilidade, uma empresa não pode mais ter compromisso só com os shareholders, sócios, donos, investidores.

A governança corporativa foi criada com o intuito de proteger os interesses dos shareholders, contudo, ao longo dos anos,essa concepção vai perdendo espaço.

Os shareholders colocam dinheiro na empresa e, com esse aporte, vem a legitimidade para questionar, exigir; mas dentro dos stakeholders estão presentes os consumidores e se a empresa não tem cliente, não tem nada. Daí a mudança na concepção de governança corporativa.

Em uma sociedade em que há concorrência, a opinião dos consumidores importa e vai fazer diferença no negócio. A livre concorrência vai viabilizar a proteção do consumidor.

Por essa razão, dentro de uma empresa vão ser criados vários departamentos Direção Executiva, Conselho de Administração, Conselho Fiscal, Auditores Independentes, Auditores externos.

O conselho de administração vai ser o órgão de excelência. Em uma companhia, é o órgão colegiado formado por acionistas e quotistas que vai definir qual a dimensão estratégica que a empresa deve seguir, estando relacionado aos shareholders e à direção executiva.

A direção executiva é formada pelos gestores contratados pela empresa para tocar a dimensão da gestão - uma vez definida a estratégia, executa as funções especificas.

O conselho fiscal é um conselho do conselho da administração, figurando como órgão vinculado ao conselho de administração que vai ajudar no controle da empresa.

O comitê de auditoria vai ser responsável pela conexão entre os auditores e o conselho de administração.  Teremos aí os auditores independentes e os auditores internos.

Os auditores independentes são muito importantes e, por isso, nas S/As são obrigatórios numa sociedade de capital aberto, deve haver o máximo de separação entre propriedade e gestão.

E isso porque vária pessoas compram e vendem ações todos os dias e por isso preciso de transparência.

Os stakeholders externos são credores, consumidores, e dizem respeito à cadeia de negócios, uma vez que são fornecedores diretos e indiretos. Enquanto clientes, tenho que levar em consideração a opinião deles porque, a longo prazo, vai afetar a empresa e por isso relaciona-se à sustentabilidade.

A dimensão de imagem de uma empresa está vinculada à empresa e a quem trabalha nela ou para ela. No setor público, o mesmo se aplica.

Fornecedores também afetam a imagem de uma empresa: quando tenho uma corporação se utilizando de fornecedor que faz uso de mão de obra escrava, essa imagem reverbera na imagem da companhia e, não necessariamente, do fornecedor, que em grande parte não são denominados.

De igual modo, há interesses difusos a serem protegidos, tais como não construção em área indígena, de preservação ambiental, de nascentes etc.

E quando teremos problemas na tomada de decisão? Seja na esfera pública quanto na privada? Quando teremos que lidar com escassez de recursos.

Por isso há que se estabelecer controles. A criação de controles serve para gerar sustentabilidade e eficiência a longo prazo.

Exatamente por isso temos a Controladoria Geral da União. Serve para controlar, na esfera pública, os gastos. Por isso também temos os Tribunais de Contas, para que sejam evitado gastos altos e desnecessários.

No que toca à sustentabilidade, surge a ESG, que é a sigla em inglês para environmental, social and governance (ambiental, social e governança), usada para medir as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa.

No setor público há órgãos colegiados que representam os donos, como na esfera privada aí estão as casas legislativas e assembleias. São eles que vão aprovar orçamentos do executivo.

No setor público existem os auditores do TCU, Tribunais de Contas da União, e a CGU, Controladoria Geral da União. Há também essa separação entre propriedade e gestão.

Em 2013, aprovada a Lei 12.813, de 16 de maio de 2013, que trata de conflitos de interesses entre setor público e privado.

A lei anticorrupção, Lei 12.846, de 1 de agosto de 2013, foi um marco inegável no Brasil, em matéria de compliance, criando série de instrumentos para supervisionar atos de controle e sistemas internos para prevenção de corrupção.

Em 2016, aprovada a Lei 13.303, de 30 de junho de 2016, que é a lei das estatais, que traz a ideia de compliance e governança.

As empresas públicas, por força da lei das estatais, são obrigadas a ter programas de compliance, sistemas de gestão de compliance, códigos de ética e conduta, assim como as estatais igualmente passaram a exigir de terceiros programas de compliance.

Aprovada a lei de proteção de dados, Lei 13.709, de 13 de agosto de 2018, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais nas esferas pública e privada.

A governança corporativa relaciona-se com sustentabilidade, gestão de risco e eficiência o que é buscado tanto na esfera pública quanto na privada.

De extrema importância entender o segmento de atuação da organização, a fim de traçar as melhores práticas de governança corporativa, desenvolver um programa de integridade e, no direito público, a governança precisa estar de acordo com as mudanças e valores de uma sociedade.

O programa de integridade vai ser o responsável pelo combate às práticas de fraudes, corrupção e demais ilícitos que enfraquecem o Estado Democrático de Direito, impactando diretamente direitos fundamentais e sociais.

A governança pública vai identificar necessidades prioritárias da sociedade, estabelecer objetivos, elaborar estratégias para atingimento de metas. Cada ente público, em menor ou maior grau vai contribuir para esses objetivos, estratégias e metas e toda a população deve acompanhar e cobrar por melhores práticas de governança.


BIBLIOGRAFIA

Andrade, Adriana; Rossetti, José Paschoal. Governança Corporativa. Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. São Paulo: Atlas, 2009.

Programa de Integridade e Compliance, Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. Disponível em: < https://www.gov.br/iti/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/Programa_de_Integridade_e_Compliance___Assinado_1.pdf>.

Governança Pública. Portal TCU. Disponível em: < https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/governanca-no-setor-publico/>.

Guia de Política de Governança Pública. Disponível em: < https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/guia-da-politica-de-governanca-publica>.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Ana Carolina Rosalino. Compliance no direito público e governança corporativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6803, 15 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96405. Acesso em: 24 nov. 2024.

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