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O veto à Emenda nº 3

Agenda 09/04/2007 às 00:00

Em 1987, quando convidado pelo Presidente da Sub-Comissão de Tributos, hoje Senador Francisco Dornelles, a fazer a minha avaliação do sistema tributário para os constituintes, em audiência pública preparatória, entre outras sugestões – algumas delas constitucionalizadas – sugeri que se deixasse muito claro que há limitações constitucionais ao poder de tributar – poder esse a respeito do qual já dizia o juiz John Marshall, da Suprema Corte americana: "O poder de tributar é o poder de destruir" ("The power to tax is the power to destroy").

A sugestão feita também por diversos mestres de direito tributário, durante o período de audiências públicas, terminou levando os constituintes a criar, nas cinco partes do Sistema Tributário (arts. 145 a 156), uma dedicada inteiramente aos limites à tributação.

Entre eles, a previsão do art. 150, inc. I, de que, no âmbito tributário, se exige a legalidade estrita – segundo todos os constitucionalistas e tributaristas da época – e não lata, como a do inc. I do art. 5º; que a tipicidade é fechada e não aberta; e que a reserva da lei formal é absoluta e não elástica, como no direito privado.

Por isto, sempre se entendeu, na doutrina, que a desconsideração da pessoa jurídica – "Der Durchgriff", do direito alemão – só poderia se dar por imputação normativa e jamais por formulação pretoriana, no campo do direito tributário.

Exemplo da imputação normativa foi a figura da desconsideração da pessoa jurídica na distribuição disfarçada de lucros, em que todas as hipóteses de atos capazes de caracterizá-la estavam elencadas em lei, desde 1964. Fora estes casos, pelo princípio da estrita legalidade, SÓ O QUE ESTIVESSE NITIDAMENTE NA LEI poderia ser cobrado, visto que, tendo o Fisco o poder amplo de criar a tributação por ato legislativo, não poderia alargá-lo ou estendê-lo, após sua publicação, em interpretações extensivas, integrações analógicas ou atos desconsiderativos, exigindo tributos por "aproximação legal".

Por esta razão, a comunidade jurídica especializada reagiu mal à Lei Complementar n. 104/00, ainda dependente de regulamentação, a respeito da qual o Supremo Tribunal Federal debruça-se sobre ação de inconstitucionalidade proposta há 7 anos, sem colocá-la em pauta para julgamento.

A primeira tentativa de regulamentação – muito melhor que o PL n. 536/2007 – representada pelos arts. 13 a 19 da MP 66, foi incinerada, em pleno vôo, nas duas Casas Legislativas, e rejeitada, apesar de outra parte da MP ter sido aprovada, para efeitos de majoração do PIS.

Estamos, pois, há 7 anos sem a pretendida regulamentação que, a meu ver, qualquer que seja, virá ferir o art. 150, inc. I, da C.F., que exige esteja o tipo tributário inteiramente plasmado na lei, e não, sujeito a opiniões altamente comprometidas de agentes fiscais em gerar cada vez mais receitas, para um Estado incapaz de reduzir despesas correntes e enxugar a parte esclerosada da máquina administrativa.

De qualquer forma, o simples fato de o Poder Executivo ter enviado o Projeto de Lei, deverá fazer com que o Fisco, por elementar regra de lógica e respeito à opinião pública e aos cidadãos, anule todos os autos de infração lavrados antes da eventual lei, por falta de suporte legal. Sem lei, não poderiam os agentes ter desconsiderado as pessoas jurídicas, para efeitos de elevar a incidência do I.Renda.

O que mais impressiona, todavia, no PL 536/87, é que foi enviado para dar uma satisfação à sociedade pelo veto à Emenda 3, que apenas dizia que "uma pessoa jurídica é uma pessoa jurídica" e "não é pessoa física".

Sempre entendi a Emenda 3 como uma mera ordem legislativa para que o governo cumprisse a lei, ou seja, o art. 129 da chamada a MP do Bem, de nº 255, segundo a qual as sociedades de profissionais e de prestação de serviços são pessoas jurídicas, não podendo ser desconsideradas. Foi ela convertida e sancionada pelo Presidente da República, transformando-se na Lei 11.196/05 QUE ESTÁ EM PLENA VIGÊNCIA E EFICÁCIA.

O argumento de que a Justiça do Trabalho, que é voltada a proteger o trabalhador –e muitas vezes o desprotege, pensando defendê-lo- assemelha-se ao direito tributário, é inaceitável. É que no direito tributário a própria Constituição demonstra que é voltado à defesa do contribuinte, como aliás o princípio de, na dúvida, decidir o julgador a seu favor (art. 112 do CTN), de ser impossível a analogia para instituir imposições ou a própria retroatividade benigna a favor do pagador de tributos (arts. 108 e 106 do CTN).

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O TST, inclusive, apenas desconsidera sociedades cuja formação é imposta ao trabalhador, quando este não quer constituí-la. Ainda recentemente, em voto de meu filho, o Ministro Ives, dizia ele (relator e voto vencedor) que as sociedades de profissionais ou empregados SÃO LEGAIS, desde que surjam por decisão do trabalhador e não por imposição do empregador.

E, neste particular, reside o ponto maior da polêmica. Se o art. 170, § único, da C.F. permite a ampla criação de sociedades, sem interferência do poder público, a não ser quanto à capacitação dos profissionais (sociedade de advogados têm de ser com advogados), não pode um agente fiscal impor limites que a Constituição não impôs.

Infelizmente, num país em que o PIB só foi recalculado a mais porque o governo gastou excessivamente, visto que cresceu por nele ter sido incluído o pagamento dos tributos indiretos, com o que resultou DIMINUÍDO, por conseqüência e infelizmente, O PERCENTUAL DE INVESTIMENTOS, compreende-se que tudo vale a pena para aumentar a arrecadação - que já é o dobro da média dos países emergentes, inclusive dos nossos principais concorrentes (China, Índia e Rússia) -, mesmo que inconstitucional.

Espero, por ser de direito e de justiça, que se derrube o veto à Emenda 3 e não se aprove o inconstitucional PL da desconsideração, por NÃO TIPIFICAR OS CASOS SUPERATIVOS, deixando-os ao arbítrio da autoridade fiscal.

Sobre o autor
Ives Gandra da Silva Martins

advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, presidente do Centro de Extensão Universitária, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Ives Gandra Silva. O veto à Emenda nº 3. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1377, 9 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9723. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado no jornal "Gazeta Mercantil", em 04/04/2007.

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