Conclusão
Examinada as duas possibilidades de prisão civil previstas pela Constituição Federal e feito o levantamento das principais hipóteses práticas de incidência da norma, coube fazer um estudo dos argumentos que viabilizam a impetração de habeas corpus do devedor. Uma vez que o débito alimentar é em muito diverso da infidelidade do depositário, coube o estudo separado de cada hipotése. E aproveitando a própria diferenciação, realizou-se um estudo de base, do cabimento universal da prisão civil. Se a decretação da prisão civil do devedor de alimentos pode efetivamente atentar contra a proporcionalidade, por razões de justa medida e da verdadeira natureza da imposição constritiva, muito maior pode ser a desmedida em se tratando de prisão do depositário infiel.
Notas
01 BARROS, Marco Antônio de. Comentários sobre o "habeas corpus". Revista Justitia, vol. 170, abr./jun. 1995, p. 10.
02 VENDRAMEL, Aparecida. O Habeas Corpus como Garantia Individual. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 14, 1996, p. 105.
03 CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Habeas corpus Liberatório, Preventivo, Profilático. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2001, p. 40-41.
04 A classificação apresentada é proposta por José Amir do Amaral em: Aspectos da Prisão Civil. Ajuris, 50, 1990, p. 155-158.
05 HABEAS CORPUS PREVENTIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXECUÇÃO DE DÍVIDA DE NATUREZA ALIMENTAR. DECRETAÇÃO DE PRISÃO CIVIL. ILEGALIDADE DO ATO. Tratando-se de pensão decorrente de ato ilícito não é possível decretar a prisão do devedor, em razão da falta de pagamento. Ausência de previsão legal e constitucional. Ademais, não se trata de pensão alimentícia, mas a título de alimentos. A segunda não é derivada de relação de direito de família. Concedida a ordem de habeas corpus. (Habeas Corpus 70004427209, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Jorge André Pereira Gailhard, julgado em 06/11/2002).
06 HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. NULIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE ALIMENTOS E GUARDA DE FILHOS EM SEDE DE JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. Tendo o juizado especial criminal avançado na sua competência, desbordando dos limites que a lei impõe, o acordo de alimentos homologado é nulo e não possui eficácia para albergar execução mediante coação pessoal. Ordem concedida. (Habeas Corpus 70006606982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 13/08/2003).
07 É imperioso destacar que o texto do art. 733 do CPC trata apenas dos alimentos provisionais, razão pela qual Pontes de Miranda, quando ainda incipiente a discussão, chegou a defender ser essa a sua única possibilidade. Porém, venceu a posição de que a prisão pode ser pedida tanto no caso da execução de alimentos provisionais como no de alimentos definitivos. Cf. CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação de Alimentos e Prisão Civil. AJURIS, v. 13, 1978, p. 65.
08 Conclusão 21ª do CETJRGS – Na execução de alimentos, não é obrigatória a prévia propositura pela modalidade expropriatória para, somente após, recorrer-se à coerção pessoal.
Conclusão 22ª do CETJRGS – Não deve ser admitida, em um mesmo processo, de forma simultânea ou sucessiva, a execução de alimentos pela via expropriatória e coercitiva.
Conclusão 23ª do CETJRGS – A execução de alimentos, na modalidade coercitiva (art. 733, CPC) abrange as três últimas parcelas vencidas à data do ajuizamento da ação, além de todas as que se vencerem no curso da lide (art. 290, CPC).
09 ASSIS, Araken de. Da Execução de Alimentos e Prisão do Devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.181.
10 HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. DÍVIDA ALIMENTÍCIA JÁ PAGA. DÉBITO REFERENTE AOS ENCARGOS MORATÓRIOS. A possibilidade de prisão civil por dívida de alimentos deve ser interpretada e aplicada restritivamente. No caso concreto, não existe mais dívida de alimentos, uma vez que o principal já foi pago. O débito executado é referente à aplicação do percentual estabelecido a título de multa moratória. E este débito não está garantido pela execução pessoal, mas sim pela execução real, nos moldes do art. 732 do CPC. Concederam a ordem. (Habeas Corpus 70006370977. Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Rui Portanova, julgado em 21/06/2003).
11 Id. ibidem, p. 183.
12 Conclusão 28ª do CETJRGS – Em sede de hábeas corpus, inocorrente ilegalidade ou abuso de poder na decretação da prisão civil, não cabe a apreciação do mérito de justificativa apresentada por devedor de alimentos nos autos da execução coercitiva.
13 HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO. Conclusão nº 28 do CETJRGS: Em sede de hábeas corpus, inocorrente ilegalidade ou abuso de poder na decretação da prisão civil, não cabe a apreciação de mérito da justificativa apresentada por devedor de alimentos nos autos da execução coercitiva. PAGAMENTO PARCIAL. O pagamento parcial do débito não tem o condão de ilidir o decreto prisional. ART. 733 DO CPC. O débito em execução de alimentos, pelo rito do art. 733 do CPC, corresponde às três parcelas vencidas antes do ajuizamento da demanda e mais as que se vencerem durante sua tramitação. Habeas denegado. (Habeas Corpus 70012911426, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Maria Berenice Dias, julgado em 09/11/2005).
No mesmo sentido, o julgamento do Habeas Corpus 70002404281, em 10/08/2005, pela Sétima Câmara Cível, relatado pelo Des. Luiz Felipe Brasil Santos.
14 HABEAS CORPUS. Alimentos. Se o credor por alimentos tarda em executá-los, a prisão civil só pode ser decretada se as prestações dos últimos três meses deixarem de ser pagas. Situação diferente, no entanto, é a das prestações que vencem após o início da execução. Nesse caso, o pagamento das três últimas prestações não livra o devedor da prisão civil. A não ser assim, a duração do processo faria por beneficia-lo, que seria maior ou menor, conforme os obstáculos e incidentes criados. Ordem denegada. Habeas Corpus 48587/MG, Terceira Turma Recursal, STJ. Relator: Ministro Ari Pargendler, julgado em 03/11/2005).
No mesmo sentido, o julgamento do Habeas Corpus 44270/SP, em 15/09/2005, pela Quarta Turma Recursal do STJ, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini.
15 WEDY, Miguel Tedesco. A Prisão Constitucional por Alimentos e o Princípio da Proporcionalidade. PORTO, Sérgio Gilberto (Org.) Tendências Constitucionais no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 196.
16 APPIO, Eduardo. Habeas Corpus no Cível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 93-95.
17 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade. Vol. 3. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 260-261.
18 Não há cogitar-se mais de prisão liminar. Na sistemática atual a prisão é viável unicamente depois de julgada procedente a demanda, e depois de não satisfeito o mandado para a entrega do bem no prazo marcado. Só não tendo sido adimplido o mandado, é que o julgador decretará a medida extrema (PAULA, Alexandre de. CPC Anotado. IV Vol., p. 53).
19 OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Prisão Civil na Alienação Fiduciária em Garantia: Uma Visão Constitucional. Curitiba: Juruá, 2000, p. 63.
Também no sentido da impossibilidade da prisão em contratos de alienação fiduciária, citam-se os seguintes arestos:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. APLICAÇÃO DO CDC. ENCARGOS CONTRATUAIS ABUSIVOS. NÃO-CARACTERIZAÇÃO DA MORA. FALTA DE ZELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO RECEBER O BEM MÓVEL EM GARANTIA SEM COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DA DEVEDORA FIDUCIANTE. FALTA DE PROVA. CONVERSÃO EM DEPÓSITO. DESCABIMENTO. PRISÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO PROVIDA". (Apelação Cível no 70008757098, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Ângela Terezinha de Oliveira Brito, julgado em 12/05/2005).
20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Prisão do Depositário Infiel. Revista dos Tribunais, Vol. 705, 1994, p. 43/44.
21 OLIVEIRA, Leonardo Henrique Mundim Moraes. O Leasing de Veículo e a Prisão por Depósito Infiel em Sede de Execução por Dívida Pessoal do Arrendatário. Revista de Doutrina e Jurisprudência do TJDF e Territórios. V. 65, 1999, p. 47/54.
22 "AÇÃO DE DEPÓSITO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. PENHOR. BENS LOCALIZADOS. DEPÓSITO POR EQUIPARAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE EXCLUI PENA DE PRISÃO. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. Dispondo a Constituição Federal que não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII), inadmissível o decreto de prisão com fundamento em depósito por equiparação, pena de violada a garantia constitucional mediante artifícios legislativos. Atribuída ao devedor a responsabilidade igual à de fiel depositário pela guarda e conservação da coisa dada em garantia, cabível o manejo da ação de depósito pelo credor, a fim de obter condenação do devedor a entrega do bem, excluída, todavia, a possibilidade de constrição pessoal. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. UNÂNIME". (Apelação Cível nº 198006439, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 25/11/1999).
Também nesse sentido a jurisprudência do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. FINANCIAMENTO PARA INVESTIMENTO EM PECUÁRIA. PENHOR SOBRE CABEÇAS DE GADO. DEPÓSITO PARA GARANTIA DE DÍVIDA. PRISÃO DOS DEVEDORES. INCAMBIMENTO. DL 167/67, ART. 17. EXEGESE. I. Não há nulidade no acórdão se o mesmo traz fundamentação suficiente ao embasamento da decisão nele tomada. II. Incabível a pena prisional dos devedores quando não caracterizada a hipótese de depósito clássico, mas, sim, quando os semoventes são dados em garantia de financiamento obtido mediante cédula de crédito rural. Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido em parte e provido". (Resp 193.728/GO, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Julgado em 24/08/2004).
"PROCESSUAL CIVI. AGRAVO REGIMENTAL. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL COM PENHOR E AVALISTAS. PRISÃO DE AVALISTAS ILEGÍTIMA. I – A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que, por dívida cível, só se decretará a prisão daquele que, voluntária e inescusavelmente, for responsável pelo inadimplemento de pensão alimentícia e a do depositário infiel, não se admitindo interpretação extensiva para abranger o caso de crédito industrial garantido por penhor e avalistas, até porque o cerceio da liberdade destes manifesta abuso que a exceção constitucional não autoriza. II – Regimental improvido". (AgRg 40.126/RS, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ministro Waldemar Zveiter, Julgado em 05/10/1993).
23 LEÃO, Antônio Carlos Amaral. Alguns Comentários sobre as Heresias Jurídicas Contidas na MP 427. Revista dos Tribunais, Vol. 707, 1994, p. 268-270.
24 SOUZA, Sebastião Pereira de. Prisão Civil do Depositário Infiel no Processo de Execução. Revista Forense, V. 290, 1985, 490-491.
25 Tal entendimento fica muito claro na decisão do Eminente Ministro Celso de Mello, no HC 78.375/1999.
26 QUEIROZ, Odete Novaes Carneiro. Prisão Civil e os Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.121-151.
27 ALVES, José Carlos Moreira. A Ação de Depósito e o Pedido de Prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 36, 1984, p. 09.