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O indulto do Presidente da República e a sua prerrogativa constitucional

Agenda 07/05/2022 às 08:30

Após a Constituição Federal de 1988, nunca havia sido concedido indulto individual pelos Presidentes da República.

O Presidente da República tem competências privativas ofertadas após a  redemocratização pelo constituinte de 1988, tanto como Chefe de estado quanto Chefe de governo, para a concessão de indulto e a comutação de penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei, catalogadas como uma das suas prerrogativas (CF, 84, inc. XII).

Trata-se de perdão presidencial que em simples palavras se subdivide em indulto (caráter coletivo) ou graça (caráter individual) que são hipóteses de clemência soberana.

Na legislação processual penal temos, em particular, o instituto da graça que poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de concedê-la espontaneamente (CPP, 734).

Após a Constituição Federal de 1988, nunca foi concedido indulto individual pelos Presidentes da República, ao contrário dos indultos coletivos natalinos decretados no final do ano. Tal clemência encontra-se prevista no Brasil desde nossa primeira Constituição de Imperial de 1824.

No último dia 21 de abril foi concedida, de forma inédita, via decreto presidencial, graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional: inciso IV, do caput do art. 23 (incitar à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos) combinado com o art. 18 (tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos), bem como no art. 344 do Código Penal (coação no curso do processo - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência).

A graça pode ser total (extinção da pena), parcial (redução da pena), incondicionada (independe de qualquer atitude do beneficiário) ou condicionada (depende de atitude do contemplado).

No caso em apreço, consta do decreto que a graça foi incondicionada e concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, incluindo as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.

Houve também a imposição de multa de R$ 192,5 mil reais e a determinação da perda do mandato e a suspensão dos seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação criminal.

Não obstante a doutrina apontar que este instituto de renúncia estatal ao seu direito de punir alcança somente o efeito principal da condenação (pena aplicada) e necessita do trânsito em julgado, certo é que a constituição federal não limita tal abrangência.

Em nosso passado, o presidente José Sarney via decreto nº 97.164/88, concedeu indulto sem que a sentença estivesse transitada em julgado.

O que existe são precedentes do STJ e STF sobre o assunto, o que nada impede, como houve, a concessão após a condenação, antes do trânsito em julgado, mesmo não sendo comum, o que não o torna inválido.

Se eventualmente fosse invalidado por vício formal, bastaria aguardar o trânsito em julgado da condenação, para proferir novo decreto, simples assim.

Certo é que não existe o duplo grau de jurisdição no STF (competência originaria) e, no máximo, a defesa poderá utilizar-se dos embargos de declaração que não possuirá o condão de alterar materialmente a pena aplicada ouros crimes tipificados.

Especificamente sobre os reflexos no âmbito cível, prevalece o entendimento de que repercutem apenas em relação ao cumprimento da pena, subsistindo todos os efeitos penais secundários e extrapenais. O STJ editou a súmula nº. 631: O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais. Cita-se como exemplo, a obrigação de reparar o dano (CP, art. 91, I) e suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III), o que será, talvez, rediscutida no âmbito do STF, até porque tal assertiva é uma construção por base em precedentes e não com arrimo legal.

O STF já decidiu que o indulto da pena privativa de liberdade não alcança a pena de multa (Plenário. Inf. 884), não obstante o referido decreto também incluí-la, expressamente.

Em relação ao Deputado Federal Daniel da Silveira, recém agraciado, a situação é diversa, considerando que somente ocorrerá a suspensão de seus direitos políticos e a perda de seu mandato se houver decisão da Câmara dos Deputados, via voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (CF, art. 55, VI e § 2º). A regra aqui é especial em relação ao artigo 15 do diploma constitucional e a perda não é automática.

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Na análise global, em especial aos inúmeros comentários de "especialistas" nas redes jornalísticas, ao meu sentir, acho pouco provável que o STF venha a dar a ênfase da tese por alguns levantadas sobre o desvio de finalidade do ato administrativo, por afronta a moralidade, a impessoalidade ou a teoria dos motivos determinantes, até porque, recentemente, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5.874, validaram o decreto de Natal do ex presidente Temer, em que o próprio Ministro Alexandre de Moraes, em seu voto, consignou: O sistema de freios e contrapesos, todavia, também estabelece mecanismos de controle do Executivo sobre o Poder Judiciário, como por exemplo, a livre escolha e nomeação dos Ministros do STF (CF, art. 101); escolha e nomeação dos Ministros do STJ (CF, art. 104); e, como na presente hipótese, a possibilidade de concessão de graça, indulto ou comutação de penas (CF, art. 84, XII).

Ademais, a rigor, não devemos misturar institutos próprios do direito administrativo para essa questão soberana de clemência, porque o indulto ou a graça não são atos administrativos, mas sim, nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho, uma quarta categoria dos atos públicos, abrigando maior amplitude de discricionariedade aos governantes - ampla e ilimitada -, com valoração proibida pelo Poder Judiciario. 

Como consequência, o controle jurisdicional sobre o poder de indultar do executivo está na legislação pátria, como limitação expressa nos casos da proibição da sua concessão para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos (CF, 5º, XLIII) ou limitação constitucional implícita para os casos de extradição (EXT 1435/DF).

Na ADI antes apontada, restou-se consignado que não compete ao Supremo Tribunal Federal reescrever o decreto de indulto, pois, ou o Presidente da República extrapolou o exercício de sua discricionariedade, e, consequentemente, a norma é inconstitucional; ou, entre as várias opções constitucionalmente lícitas, o Presidente da República escolheu validamente uma delas, e, consequentemente, esta opção válida não poderá ser substituída por uma escolha discricionária do Poder Judiciário, mesmo que possa parecer melhor, mais técnica ou mais justa.

Ao Poder Judiciário também se impõe o Império da Constituição Federal. O indulto é ato discricionário e privativo do PR que pode concedê-lo segundo critérios de conveniência e de oportunidade.

Analisando a questão posta, pouco provável que a Casa legislativa determine a perda dos direitos políticos do deputado, mas a celeuma jurídica está posta.

De mais a mais, em que pese as diversas opiniões em sentido diverso ao decreto, talvez seria o momento dos congressistas, por intermédio do procedimento de emenda constitucional, alterarem o instituto com limitações e critérios mais objetivos para tal clemência.

Por fim, como bem declinado na ADI 5874/DF, no voto de Alexandre de Moraes, compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade; devendo ser, por inoportuna, afastada qualquer alegação de desrespeito à Separação de Poderes ou ilícita ingerência do Executivo na política criminal, genericamente, estabelecida pelo Legislativo e aplicada, concretamente, pelo Judiciário.

Não há pela análise precedida, ao meu sentir, qualquer inconstitucionalidade ou irregularidade do Decreto de clemência da graça: "indulto individual", recentemente instituído pelo Presidente da República. 

Sobre o autor
Marcos Luciano Donhas

Tabelião de Notas e Registrador Civil no Estado de São Paulo. Pós graduado pela Escola Superior da Magistratura. Foi advogado de 2002 à 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DONHAS, Marcos Luciano. O indulto do Presidente da República e a sua prerrogativa constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6884, 7 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97456. Acesso em: 18 dez. 2024.

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