É possível que uma empresa suspenda os serviços do plano (pré-pago ou pós-pago) de telefone celular do consumidor inadimplente, impossibilitando o seu acesso à internet?
É uma questão relevante, que pode ser analisada sob três perspectivas e normas, que dialogam entre si: o Direito do Consumidor, mais especificamente os direitos dos consumidores usuários de serviços de telecomunicações (que contém regras próprias) e o Marco Civil da Internet, sob os fundamentos e princípios do Direito Constitucional.
Além disso, o Direito Administrativo também se aplica previamente, na regulação do setor de telecomunicações.
Em primeiro lugar, é importante tratar da inclusão digital e do acesso à internet.
No Brasil, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2020 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 152 milhões de brasileiros tinham acesso à internet (81% dos brasileiros com mais de 10 anos de idade).
Desses usuários, 99% acessa a internet com o uso de um telefone celular, enquanto o computador é usado por 44% (percentual que era de 80% em 2014) e a televisão é utilizada por 42% das pessoas que acessam a internet no Brasil.
A partir dessa compreensão da inclusão digital e da importância do acesso à internet em um mundo digital, nós temos que atualizar e entender os direitos e deveres dos consumidores e dos fornecedores dos produtos e serviços digitais.
Especificamente para os serviços de telefonia, deve ser observada a Resolução nº 632/2014 da ANATEL, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), inclui entre os direitos dos consumidores a não suspensão dos serviços, que só pode ocorrer mediante a sua solicitação ou pelo descumprimento de um dos deveres dos consumidores previstos no art. 4º, hipótese em que a prestadora de serviços deve notificá-lo previamente (art. 3º, VI, da Resolução).
Entre os deveres dos consumidores está o de cumprir as obrigações fixadas no contrato de prestação do serviço, em especial o pagamento pontual referente à prestação de serviços (art. 4º, IV, da Resolução nº 632/2014).
Trata-se de uma aplicação prática do princípio do aviso prévio a uma sanção, que já foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça em diversas situações.
Além disso, a Resolução nº 632/2014 define prazos que devem ser observados entre a notificação prévia e a suspensão da prestação de serviços ao consumidor, quando este for inadimplente (arts. 90/103):
(a) em 15 dias após notificação, sem o pagamento pelo consumidor, a prestadora pode suspender parcialmente a prestação do serviço, com a redução da velocidade contratada (art. 90) e a especificação das razões da suspensão, o valor do débito, as regras e prazos para a suspensão parcial e total e para a rescisão do contrato e, por fim, a possibilidade do registro da dívida e dos dados do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, após a rescisão contratual (art. 91);
(b) em 30 dias após o início da suspensão parcial, a prestadora pode suspender totalmente a prestação do serviço (art. 93) e, a partir dessa suspensão total, não pode mais cobrar valores de assinatura ou prestação de serviços do consumidor (art. 95);
(c) e em 30 dias após o início da suspensão total, a prestadora pode desativar definitivamente o serviço prestado ao consumidor e rescindir o contrato de prestação do serviço (art. 97).
Apenas depois da rescisão do contrato é que a prestadora poderá incluir o registro de débito em sistemas de proteção ao crédito, desde que encaminhe para o consumidor comprovante escrito da rescisão, no prazo máximo de 7 dias.
Ainda, se o consumidor efetuar o pagamento da dívida antes da rescisão do contrato, a prestadora deve providenciar o restabelecimento dos serviços no prazo de 24 horas, a partir do pagamento da dívida ou da primeira parcela do acordo eventualmente realizado entre consumidor e fornecedor (arts. 100, caput, e 101, § 1º, da Resolução nº 632/2014).