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Considerações históricas e jurídicas sobre o direito humano (e da humanidade) ao desenvolvimento.

A necessária solidariedade diante da crise ambiental

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Agenda 07/05/2007 às 00:00

3. Breve história do direito ao desenvolvimento

            Parte da doutrina entende que o direito ao desenvolvimento foi concebido como direito humano na Conferência da OIT, na Filadélfia, em 1944. É o caso de Nicolás Angulo Sánchez, que vê na Declaração de Filadelfia uma referência ao desenvolvimento no parágrafo II, inciso a), que diz: "todos los seres humanos, sin discriminación de raza, credo o sexo, tienen el derecho a perseguir su bienestar material y si desarrollo espiritual, en condiciones de libertad y dignidad, de seguridad económica y de igualdad de oportunidades."

            A história do direito humano ao desenvolvimento está intimamente ligada ao processo de descolonização dos países africanos, em meados do século XX, com base principalmente no direito à autodeterminação dos povos, que aparece já no artigo 2.2 da Carta da ONU, que afirma ser um propósito da organização "fomentar entre las Naciones relaciones de amistad basadas en el respeto al principio de la igualdad de derechos y al de la libre determinación de los pueblos."

            Devido à não inclusão do direito à livre determinação dos povos na DUDH, "en la Resolución 545 (VI) del 5 de febrero de 1952, la Asamblea General resolvió "Incluir en el Pacto Internacional o en los Pactos Internacionales de Derechos Humanos un artículo sobre el derecho de los pueblos y de las naciones a la libre determinación, reafirmando así el principio enunciado en la Carta de las Naciones Unidas.(...) En consecuencia, el derecho a la libre determinación aparece como artículo 1º de los grandes Pactos Internacionales de Derechos Humanos"

            Para Martinez Quinteiro, "ambos Pactos recogían también aquellos derechos de los pueblos más importantes para la legitimación del proceso de descolonización que se acelera después de la Segunda Guerra Mundial, y para la prevención de opresiones neocoloniales alternativas, esto es, el derecho de autodeterminación y el derecho de los pueblos a disponer de sus riquezas naturales, en lo que constituía un brindis al tiempo a la URSS y al Tercer Mundo."

            A Resolução 2625 (XXV) adotada pela Assembléia Geral da ONU de 24 de outubro de 1970 (Declaração sobre Princípios de Amizade e Cooperação) estabelece a conexão entre a autodeterminação dos povos e seu desenvolvimento, ao estabelecer: "En virtud del principio de la igualdad de derechos y de la libre determinación de los pueblos, consagrado en la Carta de las Naciones Unidas, todos los pueblos tienen el derecho de determinar libremente, sin injerencia externa, su condición política y de procurar su desarrollo económico, social y cultural, y todo Estado tiene el deber de respetar este derecho de conformidad con las disposiciones de la Carta."

            A primeira vez que se trata específica e explícitamente do direito ao desenvolvimento na ONU foi em 21 de fevereiro de 1977, através da resolução 4 (XXXIII) da Comissão de Direitos Humanos, que pede ao secretário-geral da organização que apresente um relatório sobre tal direito. Em dezembro de 1978, é entregue o relatório solicitado, "el estudio más serio y riguroso realizado hasta esa fecha sobre el derecho humano al desarrollo", no qual se afirma a "existencia en Derecho Internacional de un derecho humano al desarrollo".

            Em 4 de dezembro de 1986, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração sobre o direito ao desenvolvimento (Resolução 41/128, na 97ª. sessão plenária), "auténtico texto de referencia en lo que concierne a la definición y al contenido del derecho humano al desarrollo". Na mesma sessão, a Assembléia Geral também aprovou a resolução 41/133, que "establece un nexo claro entre el derecho al desarrollo y el nuevo orden económico internacional."

            Mas toda essa produção "legislativa" é fruto de diversos fatores. O papel da Igreja foi fundamental. De fato, "La idea de un derecho al desarrollo aparece por primera vez en la doctrina social de la Iglesia Católica". Segundo o Papa Pablo VI, em sua famosa Encíclica Populorum Progressio, "el desarrollo es el nuevo nombre de la paz". Ressalte-se que o documento data de 1967, já passado o Concílio Vaticano II.

            Na década de 1960, é dizer, ainda durante a Guerra Fria, além da bipolaridade EUA/URSS, constituiu-se também a polaridad Norte/Sul, através da diplomacia dos países do chamado "Terceiro Mundo", que reclamavam seu direito à auto-determinação, fundamento para a descolonização de vários países africanos. Issp trouxe à luz otros direitos de titularidade coletiva, os de terceira geração.

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            Dessa forma, a partir da metade da década de 1960, teve início o processo de reconhecimento de novos direitos, como o direito à paz, ao meio ambiente, ao desenvolvimento. Ensina Silvia Menicucci: "o processo de descolonização dos anos 60 impôs uma revolução na sociedade internacional e no ordenamento jurídico internacional. Essa mudança repercutiu nos direitos humanos e contribuiu para o reconhecimento de uma categoria especial de sujeitos no Direito Internacional – os países em desenvolvimento. As causas de privações e violações de direitos humanos passaram a ser procuradas também nas estruturas globais de dominação e exploração. Com a intensificação da interdependência e da globalização, os Estados passaram a se conscientizar da existência de problemas globais e riscos compartilhados, cuja solução exige respostas coordenadas e depende necessariamente de cooperação internacional. Os direitos de terceira geração enfatizam a necessidade de decisões e ações conjuntas na esfera internacional, e não apenas no âmbito das fronteiras nacionais. A palavra-chave nesses direitos é solidariedade. Todos os direitos humanos estão relacionados a este valor; todavia, são os direitos de terceira geração que trazem esse traço de forma mais marcante."

            A Conferência da ONU sobre direitos humanos, realizada em Viena em 1993, supera as dicotomias existentes durante a Guerra Fria (quando os EUA defendiam os direitos de primeira geração; a URSS, os de segunda; e o Terceiro Mundo, os de terceira) e incorporou uma concepção global dos direitos humanos, bem como reforçou o direito ao desenvolvimento como direito humano.

            A Declaração de Viena reconhece o direito ao desenvolvimento como um direito humano universal e inalienável, ao tempo em que pede que a comunidade internacional considere prioridade eliminar a pobreza extrema e a exclusão social, porque são "uma violação da dignidade humana e uma denegação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Refere-se, significativamente, aos direitos de todos a um padrão de vida adequado para a saúde e bem-estar (inclusive alimentação, cuidados médicos, moradia e serviços sociais necessários)." O que pode ser considerado un conceito desse direito.

            Na Confêrencia de Copenhague (1995), ressaltou-se a importância do indivíduo como impulsor do progreso, e reconheceu-se que o desenvolvimento exige investimento no social, cooperação, bem como redistribuição de créditos.

            Inclusive o próprio termo "desenvolvimento" sofreu uma importante evolução, como demonstra a história das relações internacionais. Inicialmente considerado um conceito puramente econômico, tornou-se multidisciplinar.


4. A evolução do conceito de desenvolvimento

            A história das relações internacionais demonstra que o termo "desenvolvimento" sofreu uma intensa evolução. Inicialmente considerado como um conceito puramente econômico, tornou-se multidisciplinar. Essa ampliação pode ser dividida em quatro períodos.

            O primeiro (1946-1964) é a era da modernização, que tem como características teorias de crescimento econômico em etapas e a imposição externa de políticas. Segundo Georges Abi-Saad, nesse período imperava a concepção de que a ausência de desenvolvimento era resultado das debilidades de cada país, tais como pouca receita e insuficientes fundos para investimento. Assim, o principal modelo de desenvolvimento da época tinha a ajuda estrangeira como elemento estratégico. Acreditava-se que o desenvolvimento seria obtido através do mesmo modelo dos países ricos, mas ainda mais rapidamente devido à ajuda externa.

            No segundo período (1956-1975), diante da observação de que o ingresso de capital nos países em desenvolvimento não diminuiu a pobreza, concluiu-se que os câmbios políticos e sociais nesses países somente funcionariam em um contexto global. É dizer, o subdesenvolvimento já não era considerado exclusivamente uma debilidade econômica interna de cada país. O problema do desenvolvimento passou a ser preocupação do sistema econômico internacional, segundo se conclui dos resultados da I Conferência das Nações Unidas sobre Comércio y Desenvolvimento, em 1964. Tentou-se, então, eliminar a dependência e satisfazer as necessidades básicas através de programas integrados de desenvolvimento e redistribuição de riqueza, para eliminar a pobreza. Durante esse período (1974) começa o movimento pela Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), exatamente um ano depois da crise do petróleo de 1973, que revelou aos países desenvolvidos que a dependência era mútua, e não caminhava em sentido único.

            No terceiro período, que começa em 1975, questiona-se o papel do Estado de melhorar a qualidade de vida de sua população e surge a preocupação com as condições sócio-culturais. Prioriza-se a participação e o indivíduo conquista o papel de agente desses câmbios. Por outra parte, a década de 1980 esteve caracterizada por um difícil momento econômico internacional, diante do incremento da dívida externa, altas taxas de juros, aumento do protecionismo.

            O quarto momento está marcado pela tentativa de criar um ambiente que permita um desenvolvimento economicamente sustentável. Com o fim da Guerra Fria, e o conseqüente fim da era da bipolaridade, surge um ambiente politicamente próprio para esse fim, diante da grande importância alcançada por temas como direitos humanos, democracia, e a maior influência dos países em desenvolvimento.

            É dizer, o desenvolvimento exclusivamente econômico já não é suficiente. É necessário um desenvolvimento social, integral, sustentável. Isso está refletifo nas diversas conferências daONU (Rio 1992, Viena 1993, Cairo 1994 e Copenhague 1995), que puderam aportar novos valores acrescentados ao conceito de desenvolvimento, com preocupações tais como o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento social. Mas seu impacto foi eclipsado por questões de paz e de segurança internacionais, diante de tantos conflitos armados localizados, mas com repercussão mundial. Situação que se agravou ainda mais com atentados terroristas, como o de 11 de septiembre de 2001 em Nova York.

            Em palavras de Cláudia Perrone Moisés, "com a Declaração da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre o direito ao desenvolvimento (41/128 de 4 de diciembre de 1986), positivaram-se todas as dimensões que o termo "desenvolvimento" implica"

            O direito ao desenvolvimento é mais do que somente acabar com a pobreza, como dizem os representantes de alguns paises desenvolvidos O desenvolvimento deve ser integral e sustentável, ou seja, respeitando todos os demais direitos humanos (pois todos soão inter-relacionados), bem como a naturaleza (posto que imprescindível para a vida humana).

            A essa evolução do conceito de desenvolvimento, deve-se acrescentar agora o adjetivo "sustentável". Assim, o desenvolvimento econômico, social, cultural e "ecológico" (na medida em que respetuoso com a natureza) pode ser considerado o desenvolvimento integral.


5. Conteúdo do direito ao desenvolvimento

            Para Jaime Oraá, o direito ao desenvolvimento é tema difícil porque "tanto los sujetos del derecho y de las obligaciones, como el contenido del mismo no se encuentran plenamente definidos por los instrumentos internacionales", além da "ausencia de mecanismos para hacer efectivo el derecho."

            O direito ao desenvolvimento é meio (para a realização dos demais direitos humanos) e fim (em si mesmo). De forma muito simples, o desenvolvimento é o que proporciona a condição financeira para comprar o pão. Por outro lado, outros fatores, como a educação, também geram desenvolvimento. Então, todos os direitos humanos devem crescer em conjunto, de mãos dadas, (pois todos inter-relacionados) e não priorizar o (suposto) desenvolvimento em detrimento dos demais direitos. Como disse Amartya Sen: "liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras."

            Segundo Silvia Menicucci de Oliveira, o direito ao desenvolvimento é o resultado da união dos direitos humanos e do desenvolvimento. A relação desses temas pôde ampliar a ótica dos direitos humanos. Ela ensina que "o subsistema dos direitos humanos não deve se apartar da totalidade do sistema internacional se pretende ultrapassar os sintomas superficiais, alcançar as estruturas que geram ou propiciam as violações aos direitos humanos." E que o direito ao desenvolvimento é importante, entre outras razões, porque questiona a ordem econômica internacional.

            Para Celso Mello "em 1980 a Assembléia Geral (da ONU), em outra resolução, estabelece que ‘o processo de desenvolvimento deve assegurar o respeito à dignidade humana. O objetivo final do desenvolvimento é o alimento constante do bem-estar da população inteira com base em sua plena participa no processo de desenvolvimento e de uma repartição justa dos benefícios que dele decorrem".

            O direito ao desenvolvimento, ensina o prof. Celso Mello "é definido por Z. Haquani como ‘um conjunto de princípios e regras no fundamento dos quais o homem, enquanto indivíduo ou membro do corpo social (Estado, nação, povo...) poderá obter, na medida do possível, a satisfação das necessidades econômicas, sociais e culturais indispensáveia à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidada".

            Segundo Upendra Baxi, a concepção do direito ao desenvolvimento envolve as noções de: livre determinação dos povos; direito à soberania sobre os recursos naturais; eliminação de violações massivas de direitos humanos; indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; paz e segurança internacionais; a pessoa humana como principal sujeito (participante e beneficiário) do desenvolvimento; igualdade de oportunidades tanto para as nações quanto para as pessoas e que os recursos obtidos do desarmamento sejam investidos no bem-estar das pessoas, especialmente do terceiro mundo; esforços para uma nova ordem econômica internacional. Define-o como "o direito de todas as pessoas humanas em todas as partes, e da humanidade como um todo, de realizar seu potencial."

            Assim, o direito ao desenvolvimento tem uma dimensão individual e outra coletiva. Ademais, leva em consideração os interesses das gerações presentes e futuras. Logo, o direito humano ao desenvolvimento é um direito humano e da humanidade, tanto presentes quanto futuros. Em poucas palavras, é direito individual, coletivo, presente e futuro.

Sobre o autor
Rodrigo Wanderley Lima

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Rodrigo Wanderley. Considerações históricas e jurídicas sobre o direito humano (e da humanidade) ao desenvolvimento.: A necessária solidariedade diante da crise ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1405, 7 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9800. Acesso em: 26 nov. 2024.

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