Artigo Destaque dos editores

Considerações históricas e jurídicas sobre o direito humano (e da humanidade) ao desenvolvimento.

A necessária solidariedade diante da crise ambiental

Exibindo página 1 de 4
07/05/2007 às 00:00
Leia nesta página:

Resumo

            A história dos direitos humanos é fruto de uma evolução, surgindo como resposta a cada nova necessidade humana. O direito humano ao desenvolvimento, especificamente, tem sua história relacionada com a independência das colônias africanas. O próprio termo "desenvolvimento" sofreu uma intensa evolução. Inicialmente tido como um conceito puramente econômico, passou a ser considerado multidisciplinar. Caracteriza-se por ser um direito humano de terceira geração, individual no plano interno e coletivo no plano internacional. A solidariedade (a fraternité da Revolução Francesa), traço importante dos direitos humanos de terceira geração, é imprescindível para a vida humana, diante da grave crise ambiental atual..

            Palavras-chave:Direitos humanos; direito ao desenvolvimento; solidariedade; crise ambiental.


Abstract

            The history of human rights is the result of a evolution, that comes as an answer to every new human need. The human right to development itself has its history related to the independence of African colonies. The word "development" itself has suffered an evolution. Initially considered as a solely economical concept, it became multidisciplinary. It is part of the third generation of human rights, individual at the national level and collective at the international level. Solidarity (the fraternité of the French Revolution), important characteristic of the third generation of human rights, is indispensable to human life, due to the serious environmental crisis.

            Keywords:Human rights; right to development: solidarity; environmental crisis


Sumário:1. Introdução; 2. Breve história dos direitos humanos; 2.1. As revoluções liberais; 2.2. O século XX; 3. Breve história do direito ao desenvolvimento; 4.A evolução do conceito de desenvolvimento; 5. Conteúdo do direito ao desenvolvimento; 6. Importância do direito ao desenvolvimento; 7. Participação e responsabilidade dos indivíduos; 8. Os titulares do direito ao desenvolvimento; 9. Dever de cooperação; 10. Dificuldades; 11. Conclusões


1. Introdução

            O presente artigo trata do direito humano ao desenvolvimento, sua história e características principais. A complexa questão de sua implementação foge do âmbito desse texto.

            É fundamental um mínimo de conhecimento dos direitos humanos em geral, antes de adentrar especificamente no tema central. Por isso, a título introdutório, traz-se um breve resumo da evolução histórica desses direitos, imprescindível para um melhor entendimento da questão, bem como para desmistificar e "dessacralizar" os direitos humanos.

            Não enfrentarei aqui a questão da fundamentação dos direitos humanos, tema demasiadamente complexo. Parto já da idéia de que os direitos humanos são fruto de um processo histórico. Essa opção não é aleatória, mas fruto da observação da realidade histórica. Um exemplo concreto da historicidade dos direitos humanos é a propriedade. Por ser coletiva no Antigo Regime (v.g.: propriedade da família, da Igreja), aparece nos primeiros textos liberais como um direito "sagrado e inviolável", para nem sequer constar nos textos atuais de direitos humanos, ante o forçado consenso Leste/Oeste durante a Guerra Fria.

            Cada um dos direitos humanos é fruto de uma necessidade humana, também surgida a partir de um processo histórico e da evolução tecnológica. É o que ensina Bobbio, para quem os direitos humanos, "por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. O problema (...) do fundamento, até mesmo do fundamento absoluto, irresistível, inquestionável, dos direitos do homem é um problema mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis, das lutas dos parlamentos contra os soberanos absolutos; (...)".

            Segundo Bobbio, um modo de justificar os valores "consiste em mostrar que são apoiados no consenso, o que significa que um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito." Esse consenso pode ser comprovado, hoje em dia, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, primeiro sistema de valores universal da história.

            Depois será enfocado especificamente o direito humano ao desenvolvimento. Começo com um breve histórico desse direito, para logo tratar de temas muitos específicos, como sua titularidade (individual, coletiva, ou ambas), a necessidade de participação popular, a evolução do conceito de desenvolvimento.

            Os objetivos desse trabalho são: tentar trazer alguma luz sobre um direito reconhecido como um direito humano pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1986, mas que tem enfrentado muita resistência; e mostrar a necessidade da solidariedade (característica dos direitos de terceira geração, como é o direito ao desenvolvimento), em função da crise ambiental, para a sobrevivência.


2. Breve história dos direitos humanos

            Para grande parte da doutrina, os direitos humanos nascem com a era moderna, frutos das revoluções liberais, do individualismo, do racionalismo.

            Os direitos humanos são com um edifício em constante construção, cuja "inauguração oficial" ocorreu com as revoluções liberais, mas suas bases foram sentadas há muito. Ademais, é uma obra coletiva, pois muitos aportam tijolos, como por exemplo os gregos antigos; alguns padres da Igreja Católica primitiva como Santo Agostinho; os membros da Escola de Salamanca (eclipsada e substituida pelo protestantismo anglo-saxão pela sua falta de continuidade), como Francisco de Vitoria; os filósofos da Ilustração, que substituiram Deus pela razão, abrindo caminho à Reforma Protestante e sua livre interpretação da Bíblia; o Renascimento, que trouxe de volta o individualismo, no lugar do "coletivismo medieval"; muitos filósofos, como Locke, Kant, etc.

            A Idade Média era uma sociedade de privilégios, na qual o individualismo não existia. As pessoas existiam enquanto membros de um corpo, que podia ser a família, seu oficio, etc. Não havia igualdade perante a lei. Cada classe social (nobreza, clero, povo) já sabia qual era seu papel na sociedade. A propiedade, por exemplo, não era algo pessoal, mas coletiva (v.g.: propiedade da família, da Igreja, etc.). Claro está que em uma sociedade de desiguais não podia existir o que hoje conhecemos como direitos humanos.

            Para Antonio Gala, "en la Edad Media el hombre goza de muy pocas libertades, aparte la de salvarse o condenarse en otra vida, no en ésta. Pero está acompañado: pertenece a un pueblo, a un dueño, a una estabilidad geográfica, a un oficio y a un gremio que marcan los precios y el mercado; a un status dentro de su ciudad y su trabajo. Las restricciones de la individualidad son excesivas. Hasta que llega la aurora del Renacimiento. En ella brota una flor indecible, la dignidad del hombre y el orgullo de serlo, la búsqueda ardorosa de la fama entre sus semejantes vivos o futuros, el ansia por belleza, que es un sentimiento inédito hasta entonces; el afán de un trabajo ennoblecido y personal, firmado por sus propios autores, no como en los anónimos artesanos medievales. El Renacimiento es como el gran salto hacia la individualización, hacia la diversificación de la libertad que se va concretando en otras libertades: la religiosa, la sociológica, la laboral, la intelectual, incluso la viajera. El mundo sufre la conmoción de conocerse a sí mismo redondeándose con América, y el individuo se descubre a sí mismo también y se endiosa. Florece entonces la semilla del hombre en plenitud."

            Mas "no resulta fácil fijar una cronología rígida para el surgimiento de la modernidad y de los derechos humanos. (...) La modernidad entendida como ruptura con la tradición, como innovación y voluntad de cambio, como afirmación del derecho subjetivo del individuo a pensar, a definir y perseguir sus intereses, puede retrotraerse a los siglos XIV-XV, mientras que para algunos estudiosos de los derechos humanos tales valores tendrían una historia de más de dos milenios. Sin embargo, nos parece más exacto, como señala Peces Barba, considerar que las afirmaciones de la libertad o la dignidad del hombre anteriores al tránsito a la modernidad son todo lo más "prehistoria" o precedentes de los mismos." Esses precedentes seriam "desde el descubrimiento por el cristianismo de la dignidad esencial del hombre, hasta la ruptura protestante con el dogmatismo eclesiástico y la afirmación del derecho del individuo al libre examen, y, más tarde, hasta la revolución científica abierta por los grandes descubrimientos de la Edad Moderna, antes de la ruptura, determinante, de la Revolución Francesa".

            A doutrina cristã preparou a mentalidade da época para a idéia de direitos humanos. Segundo Celso Lafer, "o ensinamento cristão é um dos formadores da mentalidade que tornou possível o tema dos direitos humanos", pois com o cristianismo somos todos iguais e livres, porquanto criados à semelhança de Deus. No contexto do Estado absolutista, a liberdade religiosa foi o primeriro direito individual conquistado.

            Nesse diapasão, foi de grande importância como "preparação de mentalidade" para os direitos humanos o tabalho da Igreja Católica diante de toda a barbárie cometida pelos colonizadores espanhóis. O Padre Montesinos, espanhol na Ilha de Santo Domingo, deu o que pode ser considerado o primeiro grito a favor da liberdade dos índios, através de seu sermão "ego vox clamatis in deserto", no Natal de 1511. Ademais, o Papa Paulo III, na Bula "Sublimis Deus", de 1537, reconhece que os índios são homens e têm direito à liberdade. São exemplos de precedentes dos direitos humanos.

            Bobbio ensina que a afirmação dos direitos humanos depende da "visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos. A inversão de perspectiva, que a partir de então se torna irreversível, é provocada, no início da era moderna, principalmente pelas guerras de religião, através das quais se vai afirmando o direito de resistência à opressão". Insiste: "Numa concepção orgânica da sociedade, as partes estão em função do todo; numa concepção individualista, o todo é o resultado da livre vontade das partes. Nunca será suficientemente sublinhada a importância histórica dessa inversão. Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia moderna", cuja soberania não debe residir no povo (conceito abstrato), mas em cada um dos cidadãos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            Ainda segundo Bobbio, a história dos direitos humanos teve três fases: 1) direitos de liberdade, é dizer, "todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado"; 2) direitos políticos, que concebem "a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia"; 3) direitos sociais, diante das exigências de bem-estar e igualdade material, não apenas formal. Seriam, respectivamente, liberdade em relação ao Estado; liberdade no Estado; e liberdade através do Estado. Assim, "a transformação dos Estados absolutistas em Estados de Direito, na linha postulada por Locke, deu-se através da conquista dos direitos civis e políticos".

            Para Alves Pereira "o ponto de partida da luta pelos direitos do homem foi determinado pelo movimento cultural-filosófico do Iluminismo, sobretudo no que diz respeito à liberdade de pensamento".

            2.1. As revoluções liberais

            As revoluções liberais anglo-saxona e francesa foneceram a justificativa para a concepção dos direitos humanos, e criaram verdadeiros mitos através de suas Declarações. A ruptura com o Antigo Regime (e a independência dos Estados Unidos) estava fundamentada no jusnaturalismo, ou seja, em direitos considerados superiores ao direito e ao poder postos. "Tal dimensión de cambio e innovación, y su identificación con la racionalidad en ejercicio, convierte a los derechos humanos en instrumento por excelencia de la modernidad clásica." A causa da independência dos Estados Unidos foi vista como a "causa da humanidade", e além de influenciar a independência dos demais países do novo continente, foi "el motor de la liberación del hombre en buena parte del globo."

            Liberté, igualité, fraternité. O lema da Revolução Francesa, revolução liberal, expressa os valores liberal-burgueses. A liberdade individual era considerada o "direito estrela" do sistema. A igualdade era únicamente "ante la ley civil, renunciándose en nombre de la sacralización de la propiedad y del mercado a cualquier pretensión igualitaria en lo socio-económico". E os direitos de fraternidade serão redescubertos duzentos anos depois da Revolução, por pura necesidade de sobrevivência, diante da crise ambiental.

            O filósofo inglés Locke (1632-1702) teve grande importância para o edifício dos direitos humanos. Sua filosofia procura legitimar a revolução liberal promovida pela oligarquia inglesa, o primeiro liberalismo ocidental. É dizer, nos seus primeiros dias, os direitos humanos tiveram como finalidade legitimar "revoluções brancas". Ele foi o pai do liberalismo individual. Segundo Touchard, Locke escreveu para uma classe ascendente que precisava de um legitimador: "a obra de Locke não deve seu êxito nem à forte personalidade de seu autor nem à audácia de suas teses. É o tipo de obra que aparece no momento mais oportuno e que reflete a opinião da classe ascendente: teórico da Revolução Inglesa, Locke expressa o ideal da burguesia".

            Locke não era democrático (no sentido atual da palavra), mas no contexto da monarquia absoluta inglesa, era um revolucionario. Ele apela ao direito natural e ao pacto social (que passou a ser muito exigente para com o rei) para evitar o despotismo do rei e do Parlamento, bem como para proteger a autonomia do indivíduo. A primera tríade de direitos humanos era: vida, liberdade, propiedade. Para ele, felicidad era ter propiedades. Sua doutrina da propiedade é curiosa: para Locke, o corpo é a primeira propiedade da pessoa, que tem direitos básicos como a vida e a integridad física, liberdade de movimentos, a trabalhar e ao fruto de seu trabalho; assim, a propiedade é a prolongação do corpo. E o pacto social serve para garanti-la. E se o governo não respeita dito pacto (é dizer, a tríade de direitos), os demais têm direito à resistência (limitado). Mas Locke não acredita em um sistema igualitario de propiedad (ni lo podría, pues buscaba legitimar la oligarquía inglesa), mas que cada um tem direito a acumular. Assim, abre caminho para o sistema capitalista.

            Entre 1689 e 1789 apareceram os grandes textos clásicos dos direitos humanos, desde textos de Locke como "Carta sobre a tolerancia" (1689) e "Tratado sobre o governo civil" (1690), até as Declarações de Virginia (1776), de Independência de los Estados Unidos (1776), dos Direitos do Homem e do cidadão, fruto essa última da Revolução Francesa (1789).

            Os colonos norte-americanos trazem carácter revolucionário aos direitos humanos. As assembléias coloniaies de propietários, que tratavam dos assuntos internos, foram gerando um sentimento de autonomia. O Rei da Inglaterra, George III, impôs uma subida dos impostos para recuperar os gastos da guerra contra a França pelo Canadá. Ademais, houve registros de residências privadas pelos ingleses, o que não acontecia na Inglaterra, onde "a casa de um homem é seu castelo". Assim, foi necessário apelar ao direito natural e à defesa dos direitos adquiridos para defenderse do direito inglês. Nesse sentido, o advogado norte-americano James Otis dizia que o direito positivo inglês tinha origem no direito natural, e defendia o direito natural à inviolabilidade de domicílio. Por sua vez, Paine, en seu "Sentido comun", dizia que os Estados Unidos deveriam convertir-se na vanguarda dos direitos humanos, na luz de um novo humanismo. É uma mensagem universalista e, nesse sentido, uma antecipação da Declaração Universal de 1948. Seu livro circula pelas colonias e posivelmente "preparó de una manera más clara el ambiente revolucionario en las colonias" com passagens como esta: "sumisión continua a un monarca tiránico, un gobierno caduco y un sistema económico viciado, o libertad y felicidad como república auto-suficiente."

            A Declaração de Independência era uma carta para o mundo (naquele momento, para a Europa), um texto de propaganda para justificar a independência e alguns direitos, como vida, liberdade, felicidade, liberdade de mercado. Importante destacar a Declaração de Virgínia, que já pode ser considerada uma carta de direitos humanos. Para Jellinek, essa Declaração, bem como a de outros estados norte-americanos foram a fonte da famosa Declaração Francesa de 1789.

            Apesar de que a vocação universalista já se notava nos Estados Unidos, essa foi muito mais imediata na França. A Carta de 1789 proclamava a igualdade (o que, para os liberais, significava igualdade ante a lei; um grande avanço para a época, posto que no Antigo Regime a desigualdade estava jurídicamente instituída, naquela sociedade de privilégios), libercade de expressão, o imposto sobre a renda como un direito humano.

            A Declaração francesa de 1789 "supone la sustitución de la vieja legitimidad histórica y tradicional del antiguo Régimen por una nueva que expresa la fundamentación del naciente Estado liberal. Responde a las preguntas ¿quién manda?, sustituyendo al monarca por la soberanía nacional; ¿cómo se manda?, estableciendo el imperio de la Ley, a la Ley como garantía de la libertad (arts. 5 y 6); y ¿a quién se manda?, señalando unos contenidos materiales que son los derechos que el hombre de aquel tiempo consideraba fundamentales – garantías penales y procesales (arts. 7, 8 y 9), libertad de opinión, incluida la religiosa (art.10), libertad de expresión (comunicación de los pensamientos) y de imprenta (art. 11), derecho de propiedad (art.17)".

            O legado mais importante da Revolução Francesa e sua Declaração de direitos é seu caráter universalista. Nesse sentido, "si tuviésemos al terminar que señalar un rasgo característico de la Declaración de 1789, sería sin duda su carácter universal, su vocación de transcender a los problemas de Francia que intenta salir del Antiguo Régimen y de ofrecerse como modelo para toda la humanidad." Segundo Tocqueville, a Revolução formou "una patria intelectual común". O caráter laico da Revolução, "donde lo sagrado es el orden", foi fundamental para dar esse caráter universal à Declaração, posto que já não se fala dos direitos dos cristianos, ou de determinado grupo religioso, mas de direitos do homem (sem embargo, segue a diferença de classes, o que se comprova pelo voto censitário, instalado por lei, posteriormente).

            O liberalismo social, na primeira metade do século XIX, assume os direitos à instrução, ao trabalho ou à asistência social. Os social-demócratas e os trabalhadores "confluyeron con grupos muy diferentes, como radicales demócratas, republicanos de clase media, liberales progresistas, cristiano-sociales, y hasta elites políticas aristocrático-burguesas y conservadoras. Entre fines del siglo XIX y las primeras décadas del siglo XX todas estas fuerzas cooperaron de modo desigual y por diferentes razones en el desarrollo de políticas sociales traducidas – o potencialmente traducibles – en derechos de "segunda generación", impulsando un proceso de expansión a escala nacional y de convergencia a escala internacional de tales derechos".

            Mas o processo evolutivo dos direitos humanos "só alcançaria amplitude internacional com a concretização de alguns dos principais objetivos das lutas sociais do século XIX, decorrentes dos problemas intrínsecos às relações capital/trabalho surgidos com a 1ª Revolução Industrial. A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, outorgada em 1891, tem esse tema como ponto central e lança as bases da Doutrina Social da Igreja Romana". Refere-se à criação da OIT, en 1919, como un marco.

            2.2. O século XX

            A Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919 foram as primeiras em conciliar os direitos liberal-burgueses (liberdade, igualdade formal, os ditos direitos de primeira geração) ao tempo em que desenvolviam direitos sociais (os ditos de segunda geração). Na Constituição de Weimar, "un generoso cuerpo de libertades coexistía con un amplio desarrollo de derechos de la "segunda generación", individuales por su titularidad y sociales por el compromiso de la sociedad que ha de promocionar los medios para su cumplimiento. Apostaba precisamente la República Weimar por la compatibilización de valores que el marxismo y el leninismo declaraban antagónicos, y aunque no lograría articular las garantías precisas para su cumplimiento, ni triunfar en su empeño de edificar el Estado Social, no dejaría de tener a lo largo del tiempo un enorme éxito como modelo."

            A Liga das Nações (antecessora da ONU) contribuiu um pouco com o desenvolvimento dos direitos humanos, ao inaugurar um importante debate em nível internacional sobre o direito de autodeterminação, bem como o direito à não-discriminação de minorias. Apesar de não ter sido aplicado eficazmente, esse debate preparou o caminho, que logo seria utilizado pelos países em desenvolvimento, em especial, pelos países africanos, ao tornarem-se independentes das metrópoles européias depois da Segunda Guerra.

            A barbárie nazista da Segunda Guerra foi fator determinante para que os direitos humanos passassem a ser motivo de preocupação em escala mundial, e que a soberania não podia ser entendida como um princípio absoluto. Em palavras de Antonio Cassese, ao tratar da evolução do direito internacional (que passou a cogitar incluir a pessoa humana como sujeito de direitos na esfera internacional): "los hombres necesitan grandes conmociones, profundas y radicales alteraciones, para replantearse las estructuras sociales y los modelos de vida, para decidirse a renovar el entramado del consorcio humano en un esfuerzo de adaptación a los nuevos desarrollos de la realidad."

            Isso desenvolveu o processo de universalização de tais direitos (os Estados nacionais tinham direitos fundamentais semelhantes, o que facilitou a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos), bem como o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A pessoa humana, por fim, estava por cima dos Estados.

            Com a criação da ONU, em 26 de junho de 1945, "consolida-se o processo de universalização dos direitos humanos". Em 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral da ONU, através da Resolução n. 217 A (III), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que "parecía la coronación de la modernidad clásica por el reconocimiento universal de valores, vanamente pretendido desde la Guerra de Independencia y desde la Carta francesa de 1789, y porque con ella se mostraba el triunfo de una racionalidad compartida por todo el género humano." Mas, na verdade, a impossibilidade de alcançar a "verdade objetiva" (alcança-se apenas a "verdade conciliada/consensuada") reflete a crisis da modernidade.

            A questão mais importante, nesse momento, passou a ser dotar a pessoa humana de capacidade jurídica internacional, porque "não se pode falar em direitos do homem garantidos pela ordem jurídica internacional se o homem não for sujeio de DI" (direito internacional). É o que Cançado Trindade denomina "humanização" do direito internacional.

            Um passo nesse caminho foi dado com os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, que são duplamente importantes, pois consolidam a idéia de que é necessário limitar a soberania estatal, bem como reconhece aos indivíduos direitos na esfera internacional.

            Para Bobbio, "o caminho cotínuo, ainda que várias vezes interrompido, da concepção individualista da sociedade procede lentamente, indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo primeiro anúncio foi a Declaração universal dos direitos humanos". Apesar de que, na época, por razões políticas, não pôde nascer com força jurídica vinculante para os Estados. Para tanto, foi preciso esperar até a entrada em vigor dos Pactos Internacionales de 1966.

            A Declaração de Viena de 1993 "reconhece, em documento consensualmente adotado por 171 Governos, em seu Artigo 4, a legitimidade da preocupação internacional com a promoção e a proteção dos direitos humanos. Entende-se, com isso, que a matéria extrapola o domínio reservado dos Estados, as atenções internacionais não configuram ingerência e o conceito hobbesiano de soberania é inválido."

            Por fim, "ahora disponemos de parámetros de acción para los Estados y para los individuos: los preceptos internacionales acerca de los direitos humanos imponen unas líneas de conducta, exigen a los gobiernos que obren de cierta forma y al mismo tiempo legitiman a los individuos para que eleven bien alto su voz si aquellos direitos y libertades no son respetados." Mas o edificio dos direitos humanos deve seguir em construção.

            Apesar de ter sido fundamental na "preparação do terreno", a Igreja Católica adere tardia (Concílio Vaticano II, 1962-65) e parcialmente (não aceita a igualdade entre homens e mulheres) a esse discurso que, em realidade, eram vários discursos, unificados pelo direito internacional. Esse é o único discurso axiológico da sociedade internacional; sem ele, estamos condenados a recorrer à força.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rodrigo Wanderley Lima

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Rodrigo Wanderley. Considerações históricas e jurídicas sobre o direito humano (e da humanidade) ao desenvolvimento.: A necessária solidariedade diante da crise ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1405, 7 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9800. Acesso em: 23 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos