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O direito de fugir

Agenda 04/06/2022 às 15:50

O "direito de fugir"

Um foragido com mandado de prisão em aberto de São Paulo, requereu a sua participação em uma audiência virtual, o juiz indefere a sua participação afirmando que é incompatível sua situação de foragido com o direito de participar da audiência. Vejamos:

 

Assim, a audiência virtual já designada não pode ser utilizada para privilegiar o menosprezo do réu com a aplicação da lei penal e com a atividade jurisdicional, permitindo-lhe exercer a sua autodefesa e acompanhar a colheita das provas orais sem que cumpra a prisão processual há muito tempo decretada. Processo nº: 1500891-13.2021.8.26.0615 Juiz(a) de Direito: Dr(a). Kerla Karen Ramalho de Castilho Magrin. g.n.

 

Decisão essa que ao nosso ver não pode prosperar, haja vista, que sua situação de foragido não impede que ele possa exercer em toda sua amplitude o direito da ampla defesa e contraditório.

 

O fato de existir um mandado de prisão em desfavor do acusado, não modifica a natureza do ato, o qual é essencialmente, sendo que a condição retro mencionada não afasta do réu o direito em questão que advém da lei e do próprio texto constitucional. Tal direito apenas poderia lhe ser tolhido, somente se a audiência em questão fosse exclusivamente presencial, momento em que, ao entrar na audiência, a ordem de prisão ali existente seria cumprida, o que reforça que o fato em questão não tem a ver com a natureza do ato em si, mas com as possibilidades fáticas, as quais foram modificadas substancialmente com a adoção da audiência por videoconferência.

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Nem a lei nem a Constituição Federal traz como condição para exercício do contraditório e da ampla defesa que o réu esteja encarcerado.

 

Tempos sábios dos antigos artigos 594 c/c 595, Código Processo Penal, que era para nós advogados um terror, trazia como condição de apelar o recolhimento à prisão ou prestar fiança se de bons antecedentes e assim reconhecido na sentença.

 

Oportunamente, e ainda falar sobre a natureza do interrogatório, destacando as colocações desenvolvidas pelo Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.825.622 SP, sua explicação acerca da importância do interrogatório é essencial para a análise do pleito aqui desenvolvido. É ler:

 

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. MAIOR EFETIVIDADE A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Por ocasião do julgamento do HC 1. 127.900/AM, ocorrido em 3/3/2016 (DJe 3/8/2016), o Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o rito processual para o interrogatório, previsto no art. 400 do Código de Processo Penal, deve ser aplicado a todos os procedimentos regidos por leis especiais. Isso porque a Lei n. 11.719/2008 (que deu nova redação ao referido art. 400) prepondera sobre as disposições em sentido contrário previstas em legislação especial, por se tratar de lei posterior mais benéfica ao acusado (lex mitior). 2. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica dos feitos já sentenciados (CR, art. 5, XXXI 1), houve modulação dos efeitos da decisão: a Corte Suprema estabelece que essa norma somente deve ser aplicada aos processos cuja instrução ainda não se tenha encerrado. 3. Se nem a doutrina nem a jurisprudência ignoram a importância de que se reveste o interrogatório judicial cuja natureza jurídica permite qualificá-lo como ato essencialmente de defesa, não é necessária para o reconhecimento da nulidade processual, nos casos em que o interrogatório do réu tenha sido realizado no início da instrução, a comprovação de efetivo prejuízo à defesa, se do processo resultou condenação. Precedente. 4. O interrogatório é, em verdade, o momento ótimo do acusado, 0 seu "dia na Corte" (day in Court), a única oportunidade, ao longo de todo o processo, em que ele tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, dar sua versão dos fatos, rebater os argumentos, as narrativas e as provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes, dizer, enfim, tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo livre, desimpedido e voluntário. (Processo n. 0000079 90.2016.8.26.0592, da Vara Criminal da Comarca de Tupã - SP). g.n.

 

Acresça-se ser que a doutrina e a jurisprudência abonam a tese de ser corolário do direito individual à liberdade, direito natural do ser humano, o direito à FUGA. Com efeito, não constitui infração penal, por exemplo, a fuga do estabelecimento penitenciário, se dissociada de violência ou danos a terceiros.

 

Diante do exposto, vê-se que não há razão plausível em penalizar o réu foragido a não participação das audiências virtuais para um exercício constitucional do direito à autodefesa.

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