Palavras chaves: ICMS. Seletividade de alíquotas. Derivados de petróleo. PIS/CONFINS. Política de preços.
Uma vez mais o Congresso Nacional, como medida paliativa para tentar conter a escalada de preços de combustíveis derivados de petróleo, encontrou um mecanismo legislativo representado pelo PLP nº 18/2022 já aprovado na Câmara dos Deputados.
O projeto legislativo sob exame prevê a alíquota máxima de 17% e 18% a título de ICMS incidente sobre mercadorias e serviços essenciais.
Prevê ainda um gatilho temporário, até 31-12-2022, segundo o qual a União ressarcirá os Estados em casos de queda de arrecadação do ICMS em percentual igual ou superior a 5% em função da implementação das alíquotas uniformes.
Esse ressarcimento dar-se-á por meio da compensação de dívidas dos Estados junto ao Tesouro Nacional. Estados que não têm dívida nada receberão.
Examinemos.
As atribuições da lei complementar estão enumeradas no art. 146 da Constituição.
I –dispor sobre conflitos de competência tributária entre os entes federados;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (imunidade);
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição a dos respectivos fatos gerados, base de cálculo e contribuintes.
Como se verifica, a atuação da lei complementar não pode implicar interferência na autonomia das entidades políticas na mensuração do aspecto quantitativo dos impostos de suas respectivas competências.
A lei complementar só pode dispor sobre alíquotas do ICMS nas hipóteses e nos limites expressamente autorizados pela Constituição.
Aparentemente o PLP nº 18/2022 sob exame fundamenta-se no inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF que faculta aos Estados a fixação de alíquotas seletivas em função da essencialidade das mercadorias e serviços:
“III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”
Note-se que a faculdade é dos Estados e não do legislador nacional.
Alguns autores de renome enxergam no referido inciso III, do § 2º uma norma de estrutura, para sustentar que o legislador ordinário deve, necessariamente, observar a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e serviços. A seletividade, assim, integraria o próprio processo legislativo.
Não concordamos com esse posicionamento, pois, o “poderá” que está consignado em relação ao ICMS não pode ser confundido com o “deverá” que consta em relação ao IPI (art. 153, § 3º, I da CF).
A seletividade é impositiva para o IPI, e facultativa para o ICMS.
Entretanto, a facultatividade de alíquota seletiva não quer dizer permissão de legislar em sentido contrário, exacerbando as alíquotas em relação às mercadorias e aos serviços essenciais, como fizeram os Estados, tributando mais onde é mais fácil e a arrecadação é mais rendosa, resultando na tributação de combustíveis, energia elétrica e comunicação com alíquotas que variam de 25% a 30% conforme o Estado.
A implementação da seletividade ao inverso é de manifesta inconstitucionalidade.
Por isso, o STF declarou a inconstitucionalidade da alíquota de 25% incidente sobre o fornecimento de energia elétrica prevista na legislação estadual do ICMS de Santa Catariana, que adota como alíquota básica geral 17%.
O STF reduziu essa alíquota para os 17% previsto na Lei Estadual de nº 10.297/1996 daquele Estado. Só deixou de fixar alíquota menor por implicar atividade legislativa do Judiciário.
Só que atendendo a pressões do Estado de Santa Catarina a Corte Suprema modulou os efeitos da decisão para surtir efeitos somente a partir de 2024, ressalvadas as ações ajuizadas até o início do julgamento do mérito (5-2-2021), nos termos do voto reajustado do Ministro Dias Toffoli (RE nº 714139-SC/RG, DJe19-3-2022). No nosso modo de entender não cabe ao STF condicionar a vigência de sua decisão a fatores extrajurídicos. Cabe-lhe, como guardião da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de preceitos legais desconformes com os textos constitucionais para sua fiel observância tão logo transite em julgado a decisão proferida. Preocupação com o nível de arrecadação tributária não é de alçada do Judiciário. Ao STF cabe somente zelar pela observância dos preceitos constitucionais no ato de tributar sendo-lhe vedado agir politicamente.
Discutível a possibilidade jurídica de o legislador nacional de exercer uma faculdade conferida ao legislador estadual.
É certo, contudo, que a proposta legislativa limita-se a levar a tributação de mercadorias e serviços essenciais ao mesmo patamar de tributação das mercadorias e serviços em geral, ou seja, 17% e 18%, conforme legislação de cada Estado, hipótese em que não estaria promovendo a seletividade de que cuida o texto constitucional. O Estado de São Paulo adota a alíquota básica de 18%, ao passo que Santa Catarina e outros Estados adotam a alíquota básica de 17%. Seletividade pressupõe alíquotas menores para mercadorias e serviços essenciais e não igualar às alíquotas básicas para mercadorias e serviços em geral adotadas pelos Estados. Essa igualdade de alíquotas acaba com a distinção entre mercadoria ou serviço essencial e mercadoria ou serviço não essencial, atuando na contramão da determinação constitucional que determina fazer essa distinção.
Outrossim, o PLP nº 18/2022 não deixa de representar uma atividade cabente ao Judiciário para inibir a legislação que viole o preceito constitucional concernente a seletividade de alíquotas.
O defeito maior da proposta legislativa em discussão reside na quebra do princípio da isonomia, à medida que prevê o ressarcimento pela União na hipótese de queda de arrecadação tributária apenas em relação aos Estados endividados junto à União. Os Estados que nada devem à União nada receberiam para compensar a queda de sua arrecadação em função da aplicação da legislação nacional projetada. Patente a quebra do princípio da isonomia.
Enfim, essa proposta legislativa, a exemplo da Lei Complementar nº 192/2022 suspensa por liminar do Ministro Alexandre de Moraes, contém vícios de inconstitucionalidade, além de não resolver o problema da elevação de preços dos combustíveis do petróleo. Por isso, tudo indica que o Senado Federal não dará prioridade na votação desse PLP nº 18/2022.
A Lei Complementar nº 192/2022 provou um tiro que saiu pela culatra, à medida que os Estados, por meio do CONFAZ, fixaram a alíquota uniforme ad rem em valores elevados que conduz ao aumento de preços da gasolina e do diesel em patamar superior aqueles vigentes em novembro de 2021, quando se interrompeu o ciclo de reajustes periódicos.
Sem atacar a causa que é a política de preços da Petrobras atrelada à paridade cambial e à variação de preço do barril do petróleo no mercado internacional, tudo o mais só servirá para conturbar a ordem jurídica.
Tanto isso é verdade que, apesar da redução a ZERO das alíquotas do PIS/COFINS incidentes sobre os combustíveis derivados do petróleo importados e aqueles aqui produzidos, não houve a esperada queda dos preços da gasolina e do diesel.
A solução correta para obter o resultado pretendido pela proposta legislativa consiste na impetração de ADIs pelas pessoas legitimadas, previstas no art. 103 da Constituição, para obrigar os Estados a se absterem de fixar alíquotas superiores a 17% ou a 18% conforme o Estado, para mercadorias e serviços considerados essências. Para gerar efeitos imediatos que venham favorecer os consumidores o julgamento dessas ADIs deveria ser precedido da concessão de medida liminar à vista da patente e manifesta inconstitucionalidade das legislações estaduais e do precedente jurisprudencial representado pelo RE nº 714139-SC/RG, DJe19-3-2022.
No que se refere à tributação da energia elétrica à razão de 25% ou 30%, os Estados já deveriam estar cumprindo a decisão do STF proferida sob a égide de repercussão geral.