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Causas extralegais de exclusão da culpabilidade

Agenda 01/02/2001 às 00:00

Diante da expressão "qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime", constante do artigo 484, III, do CP(formulação de quesitos no julgamento pelo Júri), será admissível questionar-se alguma causa extralegal de exclusão da culpabilidade?

Preliminarmente algumas considerações são imprescindíveis para o estudo da questão apresentada, razão por que, discorrerei em breves linhas acerca dos elementos da culpabilidade normativa pura.

Segundo a concepção finalista, a imputabilidade, a possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato e a exigibilidade de obediência ao direito, constituem elementos da culpabilidade.

A imputabilidade encerra um conjunto de requisitos pessoais que dão ao sujeito capacidade para que juridicamente possa lhe ser atribuído um fato criminoso. Como se depreende do próprio Código Penal Pátrio, art. 26, imputável é o sujeito capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Podemos, então, definir a imputabilidade como a capacidade que tem o sujeito de compreender a ilicitude de seu ato e de ter querido praticá-lo livremente.

Será, por sua vez, responsável, o sujeito imputável. Daí extrair-se que a responsabilidade penal depende da imputabilidade do sujeito, porquanto não poderá ele sofrer as conseqüências do fato delituoso salvo se tinha a consciência da antijuridicidade e quis praticá-lo.

Nas palavras do Professor Ministro do STJ Dr. Francisco de Assis Toledo, ipis litteris: "Quando se diz que determinado fato é imputável a certa pessoa, está-se atribuindo a essa pessoa ter sido a causa eficiente e voluntária desse mesmo fato. Mais ainda: está-se afirmando ser essa pessoa, no plano jurídico, responsável pelo fato e, consequentemente, passível de sofrer os efeitos, decorrentes dessa responsabilidade, previstos pelo ordenamento vigente."

Para o professor Miguel Reale Jr., a imputabilidade é pressuposto da ação, enquanto esta compreendida como uma escolha entre valores, daí porque imputável é o homem que é livre, que possui liberdade de querer, definida como a capacidade de impor um sentido aos impulsos, o homem livre é, portanto, aquele que pode agir segundo sua autodeterminação racional.

Com efeito, para que uma ação contrária ao Direito possa ser reprovada, será necessário que o sujeito conheça ou possa conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e à ilicitude.

In terminis, a exigibilidade de obediência ao Direito, aqui, ainda que configuradas a imputabilidade e a possibilidade de conhecimento do injusto, o que caracterizará materialmente a culpabilidade, em algumas circunstâncias poderá não ocorrer a reprovação e, consequentemente, a exculpação e absolvição do sujeito. É que o conhecimento do injusto, por si só, não basta para se reprovar a resolução volitiva, podendo apenas ser aproveitado quando o sujeito, numa situação concreta, podia manifestar-se de acordo com esse conhecimento.

Um dos elementos, pois, mais importantes da reprovabilidade é a possibilidade que possui o sujeito de determinar-se intra legem.

Do sujeito imputável, é exigido, geralmente, a atuação conforme o ordenamento jurídico. Entretanto, seguindo o ensinamento de Welzel, existem situações em que não é exigida uma conduta adequada ao Direito, mesmo que se trate de sujeito imputável e que o mesmo realize essa conduta com a consciência da antijuridicidade. Daí, decorre a inexigibilidade de outra conduta, o que fará afastar o terceiro elemento da culpabilidade, ferindo-a de morte.

Não é outra, a posição do Professor Francisco Muñoz Conde, ipsis verbis: "El Derecho no puede exigir comportamientos heroicos; toda norma jurídica tiene un ámbito de exigencia, fuera del cual no puede exigirse responsabilidad alguna. Esta exigibilidad, aunque se rija por patrones objetivos, es, en última instancia, un problema individual: es el autor concreto, en el caso concreto, quien tiene que comportarse de un modo u outro. Cuando la obediencia de la norma pone al sujeito fuera de los limites de la exigibilidad faltará esse elemento y, com él, la culpabilidad."

Culpabilidade é, pois, um juízo de reprovação dirigida ao sujeito por não ter ele agido de acordo com o Direito, quando lhe era exigível.

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Destarte, conclui-se que não age culpavelmente e portanto é irresponsável penalmente pelo fato, o sujeito que no momento da ação ou omissão não teve escolha, ou seja, não poderia naquela circunstâncias ter agido de modo diverso, dentro do que nos é razoável.

Exsurge, assim, a inexigibilidade de outra conduta, como uma importante causa de exclusão da culpabilidade.

Feitas essas considerações doutrinárias, passaremos à análise da presente quaestio.

Poderá questionar-se (formulação de quesitos no julgamento pelo Júri) alguma causa extralegal de exclusão da culpabilidade, consoante prescrição do artigo 484, III, do CP?

O tema não é pacífico.

Para se ter uma idéia, em 6.8.90, a 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo Relator o Des. Dante Busana, afastou a inexigibilidade de outra conduta como excludente da culpabilidade, por entender não ser reconhecível "lacunas na lei em matéria de dirimentes a impor integração ou extensão do respectivo rol com socorro da analogia in bonan partem".

"Júri - Quesitos - Vício do questionário - Ocorrência - Inexigibilidade de conduta diversa - Quesito não autorizado por lei - Inexigibilidade que só exclui a culpabilidade quando se identifica com a coação irresistível ou com a obediência hierárquica, sendo que essas dirimentes é que devem ser questionadas - Nulidade absoluta - Recurso provido" (TJSP, AC, rel. Dante Busana, RJTJSP 129/494).

Completamente contrária foi a manifestação da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sendo Relator o Min. Francisco de Assis Toledo, quando acolheu a inexigibilidade de outra conduta por ser causa legal e supra legal de exclusão da culpabilidade, cuja admissibilidade no direito brasileiro já não pode ser negada, sendo apresentados ao Júri quesitos sobre fatos e circunstâncias, não mero conceito jurídico.

"A expressão "por lei", situada no Código de Processo Penal de 1941, não pode significar restrição à posterior Reforma Penal de 1984, que, como se viu, adotou o princípio da culpabilidade sem restrições. Antes, deve a ela ajustar-se, tanto mais que saber se existe crime ou não, se está excluída ou não a culpabilidade, é questão exclusiva de Direito Penal Material, não de Direito Processual. Leio, pois, presentemente, o inciso III do art. 484 assim: "qualquer fato ou circunstância que, em nosso ordenamento jurídico-penal, exclua a culpabilidade ou a ilicitude".

Parece-me ser mais correta a segunda posição, de sorte que, ao meu ver, não se pode excluir a hipótese de inexigibilidade de outra conduta, como causa supra legal de exclusão da culpabilidade e tampouco negar a formulação de quesitos ao Tribunal do Júri.

Ainda, no meu sentir, pensar de outra forma, é colidir frontalmente com todo o sistema penal em vigor, é contrariar o princípio da culpabilidade aceito em nosso Direito Penal, sem restrições e, mais, é ferir de morte o Princípio Constitucional da ampla defesa.

Certo é, que a inexigibilidade de outra conduta não pode, obviamente, ser apresentada em único quesito, pois, se correria o risco de propor ao Conselho de Sentença a aferição de um conceito jurídico, sendo que devem os jurados manifestar-se sobre fatos. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, in verbis:

"Nulidade - Defeito do questionário - Quesito único sobre inexigibilidade de outra conduta respondido afirmativamente e que resultou em absolvição - Ilegalidade - Novo julgamento ordenado: "Independentemente da discussão sobre a possibilidade ou não de se constituir a inexigibilidade de outra conduta em causa supralegal de ilicitude ou de inculpabilidade, é impossível validar julgamento baseado em quesito único sobre assunto divorciado dos princípios norteadores das causas legais" (TJMG, AC, rel. José Rizkallah, RT 595/406).

Sobre essa parte, o Professor José Henrique Pierangelli, in Livro dos Estudos Jurídicos, apresentou um desdobramento em três quesitos, que permite visualizar de forma bastante clara, a situação fática, de modo que o Conselho de Sentença terá condições de verificar se os fatos e as circunstancias que cercaram a realização do crime, guardaram ou não normalidade e se de acordo com esse entendimento, era exigível ou não, do sujeito, um comportamento intra legem.

"(...)

"3º) A ré era submetida a seguidas agressões físicas pela vítima que a ameaçava, com freqüência de morte?

"4º) Essas agressões e ameaças de morte criaram, para a ré, uma situação anormal e insuportável?

"5º) Em face dessa situação anormal e insuportável, foi a ré levada, diante de atitudes agressivas e de novas ameaças de morte, por não dispor de outra alternativa, a agir como agiu? (...)"

Por todo o exposto, é que respondo positivamente à questão proposta.


Bibliografia

Ap. Crim. 76.681-3 - SP

BITENCOURT, Cezar Roberto. / MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria Geral do Delito. São Paulo, Saraiva, 2000.

MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal. São Paulo, Saraiva, v.I, 1995.

PIERANGELLI, José Henrique. Livro de Estudos Jurídicos, v. 2º, Rio de Janeiro, 1991.

REALE Jr., Miguel. Teoria do Delito. São Paulo, Saraiva, 2000.

Resp. n. 2.492 - RS

RT 595/406.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo, Saraiva, 1994.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Cláudio Márcio. Causas extralegais de exclusão da culpabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/993. Acesso em: 23 dez. 2024.

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