Resumo: As pensões militares têm sua origem nas primeiras legislações que tratavam das especificidades da carreira militar, quando foi instituído o Plano de Montepio Militar dos Oficiais do Corpo da Marinha em 23 de setembro de 1795, como forma de criação de um sistema de proteção que garantisse o sustento das famílias dos militares mortos em combate. Algumas alterações legislativas foram realizadas, com relação a seus contribuintes, beneficiários, ordem de vocação e condições para a habilitação, especificamente com a Lei 3.756/1960, Lei n. 6.880/80 - Estatuto dos Militares e com a MP 2215-10/2001, que permanecem em vigor até o momento. Recentemente, com o advento da Lei 13.954/19, que instituiu o Sistema de Proteção Social do Militar, alterações profundas foram instituídas para os Militares e pensionistas, principalmente com a inclusão destes últimos no custeio da pensão militar. A Reforma dos Militares, entretanto, foi aprovada e sancionada rapidamente, justificada pela conjectura econômica do país e da necessidade de economia para os cofres públicos, sendo que diferentemente do RGPS e RPPS, não são aplicadas as regras de equilíbrio financeiro e atuarial aos Militares, pois compete ao Tesouro Nacional o pagamento da remuneração do militar ativo ou inativo, bem como dos proventos da pensão militar.
Palavras-chave: Forças Armadas. Proteção Social. Pensão Militar. Contribuição.
Sumário: Introdução. 1.Breve Histórico das Forças Armadas Brasileiras e a criação de Sistema de Proteção aos Dependentes do Militar. 2. Da Lei 3.765/60 que dispõe sobre as pensões militares. 3. Do Estatuto dos Militares Lei 6.880/80. 4. Das definições propostas pela Constituição Federal de 1988. 5. Da Primeira grande reforma legislativa nas pensões militares MP 2215-10/2001. 6. Da Reforma dos Militares instituída pela Lei 13.954/2019. Considerações Finais. Referências.
Introdução
Este artigo traz reflexões acerca das alterações legislativas decorrentes do advento da lei nº 13.954/19, que trouxe a nova sistemática de proteção social aos membros das Forças Armadas, como um conjunto de ações, direitos e serviços que visam amparar e assegurar a dignidade dos militares e de seus dependentes, levando em consideração, principalmente, as peculiaridades da profissão militar, suas atividades em tempos de paz, Garantia da Lei e da Ordem, bem como em missões, além de analisar os impactos econômicos decorrentes da instituição da contribuição dos pensionistas para o custeio da pensão militar, até então isentos, impondo-se assim, regras mais duras às famílias de militares.
1 Breve Histórico das Forças Armadas Brasileiras e a criação de Sistema de Proteção aos Dependentes do Militar
As Forças Armadas brasileiras têm seu histórico entrelaçado com a própria história do Brasil, marcando suas origens no início da colonização portuguesa pela atuação em combates travados contra invasores estrangeiros, em especial o ocorrido em 1648, quando holandeses tentavam invadir o Brasil, ocorrendo assim a união entre brasileiros e portugueses para lutar contra forças invasoras e defender o território, saindo vitoriosos na chamada Batalha dos Guararapes.
Oficialmente, as Forças Armadas do Brasil só foram criadas em 1822, ano em que o Brasil ficou independente de Portugal, em razão do início de campanhas militares, que tinham como objetivo derrotar a resistência de alguns grupos militares portugueses que residiam no Brasil e que eram contra a Independência (BRAZIL GRAPHICS, 2018).
As referidas campanhas foram bem-sucedidas e duraram até o ano de 1824, época em que as Forças Armadas do Brasil eram compostas pelo Exército Imperial Brasileiro e pela Marinha Imperial Brasileira.
Diante das especificidades da atividade militar, segundo Luiz Marcelo Magalhães Cruz (2020, p. 3) demandou-se a criação de um sistema de proteção que garantisse o sustento das famílias dos militares mortos em combate, instituindo-se assim o Plano de Montepio Militar dos Oficiais do Corpo da Marinha em 23 de setembro de 1795, com o objetivo de constituir um legado aos dependentes do militar após sua morte.
Durante o Governo Imperial, em 6 de novembro de 1827, foi instituída a pensão meio-soldo, concedida aos herdeiros dos Oficiais transferidos para a inatividade, em função do posto por ele atingido e do seu tempo de serviço, podendo ser integral ou igual à metade do soldo para o posto do oficial.
Em agosto de 1890, por intermédio do Decreto 695, Marechal Deodoro estendeu-se o direito às famílias dos oficiais do Exército em iguais condições as famílias dos oficiais da Marinha, sendo-lhes garantida a pensão Montepio, que correspondia a quinze vezes a cota mensal de contribuição pagas aos beneficiários dos Oficiais e Praças das Forças Armadas.
Por intermédio do Decreto-Lei 8.794, em 23 de janeiro de 1946, foi criada a Pensão Especial, devida aos herdeiros dos militares falecidos em virtude de acidente em serviço ou moléstia adquirida, na defesa da ordem, das instituições e do regime, em campanha ou em consequência de agressão inimiga.
E assim, diante da necessidade de consolidar as legislações esparsas que tratavam das pensões militares, Getúlio Vargas sanciona o Decreto 32.389 em 09 de março de 1953, revogando assim, todos os decretos, regulamentos, instruções, avisos e demais atos executivos cuja matéria já se encontrava regulamentada pelo respectivo Decreto.
2 Da Lei 3.765/60 que dispõe sobre as pensões militares
Após uma série de evoluções legislativas, finalmente foi sancionada a Lei 3.765 em 04.05.1960, que dispõe sobre as pensões militares, em vigor até a presente data.
A referida lei elencava, como contribuintes obrigatórios da pensão militar, os militares da ativa, da reserva remunerada e reformados das Forças Armadas, do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar do Distrito Federal, elencando assim: Art. 1º. (...) a) os Oficiais, aspirantes a oficial, guardas-marinhas, suboficiais, subtenentes e sargentos; b) cabos, soldados, marinheiros, taifeiros e bombeiros, com mais de dois anos de efetivo serviço, se da ativa; ou com qualquer tempo de serviço, se reformados ou asilados. (BRASIL, 1960)
Justificava-se nessa premissa a necessidade de o militar realizar a contribuição durante toda a sua vida profissional, quer seja na ativa ou na inatividade, para que a seus dependentes pudesse ser concedida a pensão militar.
Ressalta-se que a própria lei em seu Art. 3º, § 5º, estabelecia a isenção da contribuição previdenciária aos beneficiários da pensão militar, em quaisquer modalidades, inclusive aqueles cujos instituidores já houverem falecido.
Quanto a fonte de custeio, estabelece a Lei 3.765/60 que a dotação necessária ao pagamento da pensão militar, será consignada anualmente no orçamento da República aos ministérios interessados.
Os beneficiários da pensão militar, conforme Art. 7º da Lei 3.765/60, seguiam originalmente a seguinte ordem:
Art. 7º. A pensão militar defere-se na seguinte ordem:
I - à viúva;
II - aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos;
III - aos netos, órfãos de pai e mãe, nas condições estipuladas para os filhos;
IV - à mãe viúva, solteira ou desquitada, e ao pai inválido ou interdito;
V - às irmãs germanas e consanguíneas, solteiras, viúvas ou desquitadas, bem como aos irmãos menores mantidos pelo contribuinte, ou maiores interditos ou inválidos;
VI - ao beneficiário instituído, desde que viva na dependência do militar e não seja do sexo masculino e maior de 21 (vinte e um) anos, salvo se for interdito ou inválido permanentemente. (BRASIL, 1960)
Assim, ocorrendo o falecimento do militar, seja este da ativa ou inatividade, inicia-se o processo de habilitação da pensão militar, em obediência a ordem de vocação estabelecida no Art. 7 º, estabelecendo que as filhas de qualquer condição faziam jus a pensão vitalícia.
3 Do Estatuto dos Militares Lei 6.880/80
Em 08 de dezembro de 1980 entrava em vigor o Estatuto dos Militares, instituído para regulamentar a situação, obrigações, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas.
A pensão militar tratada pelo Art. 71 do Estatuto, destina-se a amparar os beneficiários do militar falecido ou extraviado, sendo este último o desaparecido por mais de 30 dias, conforme dispõe o Art. 92.
O Art. 50, § 2º do Estatuto dos Militares elencava o rol de dependentes do militar:
Art. 50
(...)
§ 2° São considerados dependentes do militar:
I - a esposa;
II - o filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou interdito;
III - a filha solteira, desde que não receba remuneração;
IV - o filho estudante, menor de 24 (vinte e quatro) anos, desde que não receba remuneração;
V - a mãe viúva, desde que não receba remuneração;
VI - o enteado, o filho adotivo e o tutelado, nas mesmas condições dos itens II, III e IV;
VII - a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva;
VIII - a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio. (BRASIL, 1980)
Com relação a contribuição, foi estabelecido pelo Art. 71, § 2º, que Todos os militares são contribuintes obrigatórios da pensão militar correspondente ao seu posto ou graduação, com as exceções previstas em legislação específica. (BRASIL, 1980)
Ademais, o próprio Estatuto estabelece no Art. 50, I, que é direito dos militares o de constituir pensão, reforçando assim o conceito de que a contribuição descontada de seus proventos é destinada para pensionar a seus dependentes.
4 Das definições propostas pela Constituição Federal de 1988
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as Forças Armadas foram definidas conforme o Art. 142:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988)
Destaca-se do mencionado artigo os preceitos de hierarquia e disciplina que vão orientar toda a carreira do militar, trazendo a definição de suas atividades precípuas de defensores da Pátria, com o propósito de Garantia dos Poderes Constitucionais e do cumprimento da Lei e da Ordem.
E a partir das alterações promulgadas pela Emenda Constitucional n. 18, de 5.2.1998, foi instituído o regime constitucional dos militares, passando a não serem mais considerados servidores públicos, sendo criado tratamento diferenciado em relação aos membros das Forças Armadas em vários aspectos, diferenciando-os das situações previstas pelo texto original da Constituição dos servidores civis.
Alessandra Wanderley (2020, p. 1), considera que os militares são tratados em situação especial quando comparados aos trabalhadores vinculados aos Regimes Próprio e Regime Geral de Previdência, conforme explica: é possível dizer que o histórico destinado à proteção social dos militares das Forças Armadas sempre esteve dissociado do RGPS e RPPS, já que a pensão militar antecede ao movimento previdenciário cuja origem é atribuída à Lei Eloy Chaves.
Acerca das especificidades trazidas pela Constituição, Luiz Marcelo Magalhães Cruz (2020, p. 4) dispõe que:
O disposto no Art. 142, § 3º, inciso X da Carta Magna,
caracteriza uma autorização constitucional para a existência de um regime previdenciário próprio destinado aos militares das Forças Armadas, por dispor sobre o ingresso, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
Embora a organização das Forças Armadas esteja disciplinada pelo Estatuto dos Militares de 1980, a referida lei foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, de modo que os dispositivos que não entram em conflito com os da Constituição permanecem válidos após a promulgação da nova Constituição.
Assim, as Pensões Militares permaneciam reguladas pela Lei 3.765, de 04 de maio de 1960, a qual dispõe sobre os seus contribuintes, beneficiários, ordem de vocação e condições para a habilitação, utilizando também como fonte normativa o Estatuto dos Militares de 1980.
5 Da primeira grande reforma legislativa nas pensões militares MP 2215-10/2001:
A primeira grande alteração legislativa no que concerne a instituição da contribuição sobre as pensões militares foi trazida pela MP 2.215/2001, trazendo regras de transição acerca da concessão da pensão para as filhas maiores em qualquer condição, entre outras inovações, conforme ensina Luiz Marcelo Magalhães Cruz (2020, p. 6):
a)alteração da ordem de vocação de beneficiários à pensão militar, equiparando cônjuge, companheiro, ex-cônjuge e ex-companheiros pensionados, filhos e menor sob guarda até 21 anos ou 24anos, se estudantes, ou inválidos, enquanto durar a invalidez, todos na primeira ordem de vocação;
b) repartição do benefício em partes iguais entre cônjuge ou companheiro e ex-cônjuge ou ex-companheiro, e existindo filhos, repartição de metade para estes e metade para cônjuge ou companheiroe ex-cônjuge ou ex-companheiro;
c) a manutenção dos benefícios da Lei 3.765/60 para aqueles militares que optarem por contribuir com 1,5% da remuneração bruta mensalmente até 29 de dezembro de 2000.
Destaca-se que, muitas foram as restrições de direitos trazidos pela Medida Provisória 2215-10/2001, tais como: o adicional de tempo de serviço, o auxílio-moradia, a licença especial, e a tão polêmica pensão para as filhas em qualquer condição.
No entanto, foi trazida pelo Art. 31 da MP 2215/2001, a possibilidade de o militar contribuir com o adicional de 1,5% sobre a sua remuneração para que possa manter as filhas como beneficiária da pensão, nos moldes da Lei 3.765/60, sendo que para os não contribuintes, as filhas só seriam beneficiárias da pensão até 21 anos, ou se estudante universitária, até 24 anos, conforme Art. 7º, I, alínea b.
Assim, os militares que não autorizassem o desconto de 1,5%, deveriam expressar sua vontade mediante assinatura do Termo de Renúncia constante do Anexo da Portaria do Exército n. 139 de 27 de março de 2001.
6 Da Reforma dos Militares instituída pela Lei 13.954/2019
A Lei 13.954/2019 entrou em vigor em 16 de dezembro de 2019, após um mês e três dias da entrada em vigor da EC 103/19 que instituiu a Nova Previdência do Regime Geral da Previdência Social e Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, advindo para alterar dispositivos da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), Lei 4375/64 (Lei do Serviço Militar), e as Leis 5.821/72, 12.705/2012 e Decreto-Lei 667/69, para reestruturar a carreira militar, além de dispor sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares, revogando dispositivos e anexos da MP 2.215/2001 e da Lei 11.784/2008.
A nova lei trata da instituição de um Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, sendo definido pelo Art. 50-A, como um conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência, nos termos desta Lei e das regulamentações específicas. (BRASIL, 2019).
Originada do projeto de lei n. 1.645/19, de autoria do Ministro de Estado e Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e do Ministro de Estado da Economia, Paulo Guedes, foi apresentado à Câmara dos Deputados, aprovado e sancionado com mínimas alterações, privilegiando os aspectos econômicos em detrimento dos sociais pelas diversas restrições impostas.
Na exposição de motivos apresentada pelos autores do referido projeto de lei enunciam a atual conjuntura econômica e social do país, e assim, como o objetivo de universalizar a contribuição para custeio da pensão militar incluindo os pensionistas em seu financiamento, adequando as alíquotas de contribuição.
De outro norte, enfatizam ainda a necessidade de valorização da carreira dos militares, sempre externada pelo atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, propondo medidas de reformulação do Adicional de Habilitação, adequação da Ajuda de Custo e estabelecimento do Adicional de Disponibilidade Militar.
E assim, dentre as alterações trazida pela Lei 13.954/19, a que gerou maior impacto financeiro nas folhas de pagamento das Forças Armadas foi a inclusão do desconto da pensão militar para os pensionistas, até então isentos:
Art. 1º São contribuintes obrigatórios da pensão militar, mediante desconto mensal em folha de pagamento, os militares das Forças Armadas e os seus pensionistas.
Parágrafo único. O desconto mensal da pensão militar de que trata o caput deste artigo será aplicado, a partir de 1º de janeiro de 2020, para:
(...)
III pensionistas.
Art. 3º-A. A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade e sobre o valor integral da quota-parte percebida a título de pensão militar.
(...)
§ 2º A alíquota referida no § 1º deste artigo será:
I - de 9,5% (nove e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2020;
II - de 10,5% (dez e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2021.
§ 3º A partir de 1º de janeiro de 2020, além da alíquota prevista no § 1º e dos acréscimos de que trata o § 2º deste artigo, contribuirão extraordinariamente para a pensão militar os seguintes pensionistas, conforme estas alíquotas:
I - 3% (três por cento), as filhas não inválidas pensionistas vitalícias; (...) (BRASIL, 2019)
A incidência das contribuições passou a ocorrer a partir de março de 2020, tendo em vista a obediência ao princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida pelo Constituição Federal em seu Art. 150, III, Inciso a.
Sendo assim, a forma de custeio das pensões militares foi alterada, passando a ser financiada por três fontes, segundo o Art. 71, § 2º da nova Lei: Art. 71, (...) § 2º. Pela contribuição dos militares das Forças Armadas, pelos pensionistas de militares e ainda pelo Tesouro Nacional.
Segundo Rodrigo de Moura Guimarães (2020, p.12), ao instituir a contribuição sobre as pensões a lei veio a corrigir uma particularidade onde os pensionistas tinham vencimentos superiores aos instituidores da pensão uma vez que não percebiam em seus pagamentos os descontos relativos à pensão militar.
No entanto, acaba por tornar a categoria dos pensionistas a mais onerada com o maior percentual de desconto em folha, em que a alíquota pode chegar a 13,5% (treze e meio por cento) no ano de 2021, considerando os casos das filhas não inválidas pensionistas vitalícias.
Conforme tabela divulgada pela SIAPPES/SIPPES Sistema de Pagamento de Pessoal do Exército Brasileiro e análise efetuada por Rodrigo de Moura Guimarães (2020, p. 10) a arrecadação no primeiro semestre de 2020 com o segmento dos pensionistas foi de quase 50%, levando a um incremento de receitas com relação ao mesmo período do ano de 2019:
Ocorre que de acordo com o caput do Art. 40 e do Art. 201 da Constituição Federal, tanto o RPPS quanto o RGPS devem observar o equilíbrio financeiro e atuarial, razão pela qual diversas reformas previdenciárias já foram experimentadas por estes regimes após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo a última a EC 103 de 13 de novembro de 2019.
Todavia, as mesmas regras de equilíbrio financeiro e atuarial não são aplicadas ao Sistema de Proteção Social dos Militares, pois compete ao Tesouro, o pagamento da remuneração do militar ativo ou inativo, bem como dos proventos da pensão militar, diante do enquadramento dos mesmos como servidores da Pátria, conforme estabelece o Art. 3º do Estatuto dos Militares.
Diante disso, a contribuição no âmbito do atual Sistema de Proteção Social dos Militares, instituída pela Lei 13.954/19, possui natureza diversa da contribuição previdenciária do RGPS e dos RPPS, não se tratando de um sistema contributivo e retributivo ou ainda, capitalizado.
Destaca-se ainda, que a contribuição do militar também não é requisito para o implemento das condições para passar à inatividade, tendo em vista que o critério legal é o de tempo de serviço militar, nos termos do Art. 201, § 9º-A, incluído pela EC 103/19.
Segundo o entendimento de Alessandra Wanderley (2020, p. 02), nas discussões envolvendo a PEC 06/2019 que veio a aprovar a Reforma da Previdência para o Regime Geral e Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais (EC 103/2019), e da PL 1645/2019 (atual Lei 13.954/2019), que aprovou a Reforma dos Militares, muito se debateu acerca das diferenças entre as regras existentes para uma e outra categoria, criando-se entre parte da população uma narrativa de que a atividade militar também deveria passar pelos reflexos trazidos pelo Regime Próprio e Regime Geral, devendo ter regras mais rígidas em seus benefícios.
Esta questão é levantada por parte da sociedade que, em razão do desconhecimento das funções e atividades relativas a carreira militar, concluem se tratar de uma classe de trabalhadores privilegiada.
Contudo, é necessário destacar que as atividades militares diferem das demais atividades profissionais, seja por sua exigência física e psicológica para o seu acesso e permanência nas Forças Armadas, além das peculiaridades com relação as suas permissões e impedimentos.
Inicialmente, para ingresso nas Forças Armadas segundo Allan Giovani Ferreira Roque (2020, p. 03) devem ser cumpridos requisitos rígidos dentre eles os exames físicos, psicológicos e avaliações médicas:
Na atividade militar, para ser considerado apto para o serviço, o indivíduo deve ter plena capacidade física para o desempenho de toda e qualquer atribuição que lhe for exigida, desde situações básicas a exemplo de corrida, natação, flexões de braço, flexões em barra fixa, manuseio e uso de armamentos, dentre outros, até situações mais intensas, como salto de paraquedas.
As características que separaram os militares dos servidores públicos foram introduzidas pela Emenda Constitucional nº 18/98, que dispõe sobre o Regime Constitucional dos Militares, constante do § 3º do Art. 142 da Constituição Federal.
Importante mencionar que não há um regime previdenciário específico para os militares, mas um Regime Constitucional de Proteção Social, acentuado pelas alterações trazidas Lei 13.954/19, abrangendo a remuneração, a saúde e a assistência social, argumentado pelo Governo como uma forma de reconhecimento e compensação pelas diversas restrições impostas pela carreira militar.
Destaca-se que dentre as atividades executadas pelo militar estão: Adestramento em Campanha, sendo basicamente os treinamentos para combate e capacitações; as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), conforme previsto no Art. 142, caput da Constituição Federal, autorizado pelo Presidente da República, em situações internas, como em questões de segurança pública ou situações em que somente a utilização da força polícial não é suficiente; e em Operações de Missões de Paz, sendo utilizada como instrumento para criar condições para que a paz seja alcançada em algum local ou mesmo para auxiliar países devastados por conflitos ou catástrofes naturais.
É importante observar que a situação de guerra é considerada uma exceção no Brasil, desde a segunda guerra mundial, bem como as operações de GLO são necessárias de forma esporádica, limitando-se a curtos períodos de tempo.
É possível citar alguns exemplos recentes, de atividades realizadas pelos militares que foram amplamente divulgados, conforme relatado na cartilha Ideias-Força do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (2020, página 08):
(...) situações emergenciais e de crise, como o socorro de vítimas em acidentes e calamidades públicas; o apoio ao combate de endemias/epidemias, como do Aedes Aegypti, e pandemias; as missões de paz no exterior, como no Haiti; e as ações de segurança dentro do próprio País, como as dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016; as operações de Garantia da Lei e da Ordem, como a pacificação das comunidades da Penha, Alemão e Maré; e de apoio à segurança pública, como a do Estado do Rio Grande do Norte, só para citar exemplos mais recentes.
Ademais, há ainda atividades do cotidiano militar em condições de paz, tais como relata Allan Giovani Ferreira Roque (2020, p. 06): (...) os treinamentos físicos, treinamentos com armamentos, explosivos, saltos de paraquedas, corridas, natação, lutas, funções administrativas, deslocamento de veículos e tudo mais que se possa imaginar quando em tempo de paz, (...).
Conforme estudos realizados pelas Forças Armadas em 2003 e revisados em 2016, informado pela cartilha Ideias-Força do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, página 07:
(...) além dos serviços de escala de 24 horas, que ao final da carreira de 30 anos, equivaleriam, aproximadamente, a 45 anos do tempo de efetivo serviço, se comparado com o tempo de um servidor civil. Em média, o militar cumpre uma carga de 66 horas semanais.
(...)
O Exército conduz, em média, oitenta (80) operações/dia em todos os campos de atuação de sua missão constitucional (Art. 142). Esse fato denota a PRONTIDÃO da Instituição.
Não há dúvidas de que a profissão militar envolva o risco de vida, além de se sujeitarem a rígidas normas de disciplina e hierarquia.
Há ainda duas especificidades que norteiam a carreira militar que garantem a defesa da Nação em toda a extensão territorial, águas e espaço aéreo, sendo elas: Dedicação Exclusiva e Disponibilidade Permanente, permitindo que estejam sempre de prontidão para os chamados da sociedade e do Estado Brasileiro.
Diante disso, não é correto dizer que os militares se aposentam, mas sim são transferidos para a inatividade, mantendo o vínculo com a profissão, pois continuam sujeitando-se às regras previstas pelo Código Penal Militar e aos regulamentos disciplinares, podendo, inclusive, serem convocado para o serviço ativo em caso de Estado de Sítio, Guerra, Emergência ou Comoção Nacional, nos termos do Art. 137, CF) e Art. 3º, § 1º, b, da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares).
A carreira militar é considerada uma carreira contínua e inteiramente devotada às finalidades das Forças Armadas, conforme estabelece o Art. 5º da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), não sendo permitido o desempenho de qualquer ofício ou profissão além das atividades militares, enquanto no serviço ativo da função, estabelecendo o Art. 142, §3º, II, que no caso do militar tomar posse em cargo ou emprego público será transferido para a reserva.
Além disso, aos militares há a expressa proibição de sindicalização, greve e filiação a partidos políticos (Art. 142, § 3º, IV e V), não usufruindo de direitos trabalhistas, assegurados às outras classes de trabalhadores, não sendo-lhe devido horas extras, jornada de trabalho limitada a oito horas diárias e 44 horas semanais, o repouso semanal remunerado, o adicional de periculosidade, o adicional noturno, FGTS, seguro-desemprego e aviso prévio, em razão da não previsão expressa pela Constituição Federal de 1988.
Esta diferenciação de direitos aos militares resulta em economia aos cofres públicos, levantado pela cartilha Ideias-Força do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (2020, p. 08):
Caso o militar recebesse hora extra e adicional noturno sua remuneração seria, aproximadamente, 115% maior. Se o militar recebesse FGTS, ao final de trinta (30) anos de serviço, isso corresponderia, atualmente, a quatrocentos (400) mil reais para as praças. A economia atual do Governo somente por deixar de pagar horas extra e FGTS é da ordem de vinte e um e meio (21,5) bilhões de reais.
Por todas as especificidades que envolvem a profissão militar, há a garantia de direitos que funcionam como uma compensação a uma vida de sacrifícios em prol da Nação e da sua própria vida, diante das rígidas condições de hierarquia e disciplina na qual são submetidos, levando-os a aprendendo a sobreviver em condições extremas, aos longos dias distantes da família quando isolados em alto-mar ou em missões em locais longínquos sob o risco de doenças e ainda nos casos em que há mudança de cidade, impedindo-os e a sua família de fixar raízes, muitas vezes obrigando suas esposas a renunciar a projetos pessoais e carreiras profissionais, podendo causar rupturas entre os membros da família.
Conforme estimado pela cartilha Ideias-Força do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (2020, p. 11), o militar contribui por um período aproximado de 62 anos, até o seu falecimento, sendo que as esposas recebem a pensão em média por nove anos, encontrando-se os gastos com as pensões equilibrados com relação a arrecadação.
Diante das análises realizadas por Rodrigo de Moura Guimarães (2020, p. 18), nos primeiros meses da entrada em vigor da Lei 13.954/19 houve substancial aumento da arrecadação proveniente dos incrementos das alíquotas de contribuição para a pensão militar e redução dos efetivos do Exército, portanto das despesas gerais com pessoal.
O que explica a instituição da contribuição sobre as pensões militares introduzidos pela Lei 13.954/19 seria uma forma de composição aos gastos do Tesouro, já que, nos dizeres de Alessandra Wanderley (2020, p. 06): a partir da lei 3.765/1960 que, ao fazer referência à verba destinada ao pagamento das pensões militares, diz que esta será anualmente consignada no orçamento da República, aos referidos ministérios interessados.
Na mesma linha entende Rodrigo de Moura Guimarães (2020, p. 18), que foi instituída devido ao gradual aumento das despesas oriundas do Adicional de Habilitação Militar, que deverão reverter o quadro positivo das receitas até 2023, em que pese também haver a redução das despesas resultante da diminuição dos efetivos com ações trazidas pela própria Lei 13.954/19.
Segundo Roger Pereira (2019, p. 1), as ações de redução de despesas trazidas pela Reforma dos Militares são, dentre elas: O ingresso do menor número de alunos nas escolas de formação das Forças Armadas e a diminuição da quantidade de militares de carreira, substituindo-os por temporários, que permanecem nas Forças Armadas por cerca de nove anos.
Em entrevista concedida ao Jornal Gazeta do Povo (2019, p. 2), o então Ministro de Estado e Defesa, Fernando Azevedo e Silva, menciona acerca da diminuição do efetivo das Forças Armadas, considerada de grande impacto econômico:
A redução de efetivo é um processo iniciado em 2016 exaustivamente estudado para que não haja impacto nas atividades desempenhadas pelas Forças e com intuito de racionalizar a operabilidade das Forças Armadas. Envolve planejamento complexo, passando por substituição de militares de carreira por militares temporários, racionalização de processos, capacitação de militares em sistemas de informação, redução das entradas tanto para praças, quanto para oficiais. (PEREIRA, 2019)
Como visto, a conjuntura econômica do país tem sido muito sopesada a fim de incluir ações de contenção de gastos pelo Governo Federal, refletindo também na família militar ao serem incluídos no custeio das pensões.
Conforme previsto pelo Relatório de Acompanhamento Fiscal (2019, p. 38):
Os militares continuam não participando do custeio dos proventos da inatividade. Como visto, a contribuição previdenciária dos militares se destina apenas ao custeio das pensões. Na proposta, essa distinção fica mais clara: o Estatuto dos Militares passa a dispor de forma explícita que a remuneração dos ativos e inativos é encargo financeiro do Tesouro Nacional, ao passo que as pensões militares são custeadas com recursos provenientes da contribuição dos militares, de seus pensionistas e do Tesouro Nacional. Para os servidores civis, a previsão de que eles devem participar do custeio de suas aposentadorias e pensões existe desde 1993.
Há que se refletir acerca das finalidades da Reforma dos Militares de 2019 com a entrada em vigor da Lei 13.954, diante da necessidade de reestruturação da carreira dos militares, valorizando-a de acordo com as funções do Estado, levando em consideração a sua importância na defesa da pátria, nos termos do estabelecido pelas legislações aplicáveis e principalmente pela Carta Magna de 1988, mas também enfrentando as adequações necessárias do ponto de vista orçamentário diante da situação econômica que enfrenta o País nos últimos anos, que exigiu até mesmo a participação das pensionistas no custeio das pensões, após os longos tempos de isenção, ainda que haja a contrapartida do Tesouro Nacional, eis que financiado por toda a sociedade.