CONCLUSÃO
Diante do exposto, cabe ressaltar que às Forças Armadas são imprescindíveis para a proteção da soberania do Estado Brasileiro, não só no que tange a defesa do seu território, mas também para a manutenção harmoniosa dos poderes constituídos, da lei e da ordem. O cumprimento exitoso desta missão conferida pela Carta Magna, se dá, caso necessário, dentre outros mecanismos, pela efetiva aplicação da pena prevista no preceito secundário dos tipos penais castrenses e na legislação penal, responsáveis pela tutela dos bens jurídicos militares.
Para que seja possível e efetiva a missão de defesa do Estado e da democracia é imprescindível a existência permanente das instituições militares constituídas pelo poder originário para este fim. Para tanto, o Brasil adotou o princípio da nação em armas, consignado expressamente no art. 143 da CRFB/88, o qual dispõem que a prestação do serviço militar será obrigatória.
O serviço militar compulsório consiste no exercício de atividades específicas desempenhadas pelos integrantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, regidos, principalmente, pela Lei do serviço militar nº 4.375/64 e seu regulamento nº 57.654/66, as quais nortearão a administração militar no trato para com os membros das Forças Armadas, com regras específicas, não só nos assuntos voltados ao poder regulamentar, mas, sobretudo, aos inerentes ao poder disciplinar. Somando-se a este último, entra em cena a legislação penal castrense, a qual tipifica como crime condutas incompatíveis com a hierarquia e disciplina militares, base institucional das Forças Armas, tudo em prol do regular funcionamento institucional e da tutela dos bens jurídico castrenses.
Desse modo, para que haja o pronto emprego das forças militares, faz-se necessário a incorporação dos integrantes, seja de forma compulsória ou voluntária, permanecendo aptos para eventual convocação decorrente de uma instabilidade institucional, ainda que na reserva mobilizável.
Esta garantia de cidadãos preparados para atuarem em defesa da pátria se dará não só com a simples integralização, mas com a fiel observância da missão constitucional da Forças Armadas, consubstanciada pelo comprometimento e responsabilidade de seus membros, caso contrário será necessário a aplicação de sanções a fim de restabelecer a ordem militar.
Nesse diapasão, no intuito de tutelar os bens jurídicos, serviço e dever militares, a Constituição recepcionou o Código Penal Militar, o qual veda expressamente em seu artigo 187 a ausência, sem a devida autorização, por mais de oito dias, do militar da unidade onde serve ou do lugar que deveria permanecer. E como instrumento capaz de viabilizar a efetiva punição para àquele que incorre no chamado crime de deserção, considerado o delito mais militar dos crimes castrenses, o legislador ordinário estabeleceu no Código de Processo Penal Militar, dentre outros, procedimentos especiais, um para tratar do abandono praticado pelo Oficial e outro para crime praticado por praças sem estabilidade.
No que tange ao procedimento para praças especiais ou sem estabilidade, as fases administrativas e a fase processual precisam caminhar bem concatenadas, cada qual com suas especificidades, sob pena de promover a ineficácia do direito material e processual penal militar.
Nessa esteira, surge a questão central deste artigo, qual seja a controvérsia do licenciamento do militar sem estabilidade que responde à processo pela prática do crime de deserção. Não se pode confundir o instituto do licenciamento com o instituto de interrupção do serviço militar, este possui como espécie a deserção, destinados àqueles que estão prestando o serviço inicial obrigatório ou aos convocados de aceitação voluntária ou de prorrogação de tempo de serviço, cuja consequência, em tese, será a isenção do serviço militar, já o instituto do licenciamento é um ato administrativo que ocorre após a conclusão do período inicial obrigatório, pelo qual o militar passa a fazer parte da reserva mobilizável, após exclusão do serviço ativo.
Portanto, se faz imperioso dizer que não há o que se falar em impedimento para licenciar o desertor que, após reinclusão, responde ao devido processo legal, sob pena de sobrestamento do regular andamento processual, visto que a exigência do status de militar é condição apenas de procedibilidade, necessária somente para a deflagração da ação penal militar. De fato, a necessária qualidade de militar guarda relação direta com a teoria da atividade, pela qual considera-se praticado o crime de deserção no momento da ação, e não com a Lei de Serviço militar e seu regulamento.
Nesse sentido, importante destacar que é necessária a adequação do instituto da reinclusão, com o que é preconizado nos §§1º e 2º do art. 2º do CPPM, segundo o qual as expressões da lei processual penal devem ser interpretadas no seu sentido literal. Portanto, ao analisar o art. 457 §1º da legislação adjetiva penal, infere-se que a exigência recai apenas no retorno do vínculo do trânsfuga à instituição que abandonou, para que se veja processar, se for considerado apto em inspeção de saúde. Pensar diferente configuraria uma ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que os dispositivos supracitados, vedam categoricamente a interpretação extensiva pela qual poderá prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvirtuar a natureza.
Certamente a ideia de que o status de militar possui natureza jurídica de condição de prosseguibilidade, em qualquer fase processual, ocasionando a extinção do feito, sem resolução do mérito, não merece prosperar. Sem dúvidas, incentiva a reiteração da prática criminosa, gerando prejuízos na seara administrativa e processual penal militar, bem como, contribui para sensação de impunidade.
Até mesmo a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal Militar reconheceu o equívoco, e, atualmente, ao contrário do que entendia até mesmo quando editou a súmula nº 12, vem se posicionando no sentido de que o status de militar apresenta-se como condição de procedibilidade. Não há nenhum óbice para o prosseguimento do feito, o superveniente licenciamento do militar, tendo em vista que tal exigência só é devida para dar início a ação penal, sob pena de criar uma causa extintiva de punibilidade não prevista no diploma penal castrense.
Por fim, em busca de um efetivo processo penal militar e segurança jurídica, urge-se por uma unificação da jurisprudência do Superior Tribunal Militar com a da Corte Constitucional, pois embora existam precedentes alinhados com a nova posição da Corte Castrense, vigora ainda, majoritariamente no STF, o entendimento de que a condição de militar, deve estar presente em todos os momentos processuais, inclusive na fase executória.
REFERÊNCIAS
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