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Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade

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7 ENTENDIMENTO SUPERADO DO STM QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DO STATUS DE MILITAR

 Observou-se ao longo deste trabalho, que o ponto crucial da grande controvérsia está instalado na região dos §1º, 2º e 3º do art. 457 do Código de Processo Penal Militar, os quais representam o início da fase processual do procedimento especial do crime de deserção praticado por praças sem estabilidade.

 Ao interpretar tais dispositivos pode-se indiscutível e categoricamente inferir que o legislador pátrio considera a qualidade de militar imprescindível para que alguém cometa o crime em comento, adjetivando esta característica como uma condição de procedibilidade, ou seja, somente pode cometer esta infração propriamente militar quem ostenta a condição de militar no ato da ação, de acordo com o princípio do tempus regit actum.

 Num outro giro, a questão da exigência da manutenção do status de militar, após ser submetido à inspeção de saúde e considerado apto, depois que se apresentou voluntariamente ou foi capturado, e reincluído, gerou e ainda gera, embora em menor proporção, grandes debates quanto a natureza jurídica, classificada por alguns como condição de procedibilidade e prosseguibilidade.

 Esta classificação permeava na jurisprudência do Superior Tribunal Militar. Entendia a corte, que o status de militar deveria estar presente não só por ocasião do recebimento e oferecimento da denúncia, mas sim em todas as fases do processo, inclusive na execução. Vejamos alguns julgados:

EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. INFORMAÇÃO SUPERVENIENTE DO LICENCIAMENTO DO MILITAR. PERDA DE OBJETO. ARQUIVAMENTO DO FEITO. Verificado o licenciamento de militar acusado em processo de deserção, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto por ausência da condição de prosseguibilidade. Decisão majoritária. (STM - AP: 92520087010401 RJ 0000009-25.2008.7.01.0401, Relator: William de Oliveira Barros, Data de Julgamento: 12/12/2012, Data de Publicação: 19/02/2013 Vol: Veículo: DJE)

EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. INFORMAÇÃO SUPERVENIENTE DO LICENCIAMENTO DO MILITAR . PERDA DE OBJETO. ARQUIVAMENTO DO FEITO. Verificado o licenciamento de militar acusado em processo de deserção, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto por ausência da condição de prosseguibilidade do recurso. Decisão unânime.

STM - HC - 00000138420157000000 (STM) - HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. TRÂNSFUGA. SOBRESTAMENTO. PLEITO DEFERIDO. O Paciente, já respondendo a primeiro processo como incurso no artigo 187 do CPM, consumou nova deserção e perdeu o status de militar por força de sua exclusão do serviço ativo. A exclusão do militar afeta casos como o dos autos, pois, nos termos do art. 457, §§ 2º e 3º, do CPPM, para que aja condições de o processo prosseguir, quando se trata de crime de deserção , o acusado necessita estar apto e reintegrado ao serviço militar. A qualidade de militar é condição de prosseguibilidade para a ação penal militar no crime de deserção . Precedentes. Ordem concedida para sobrestar o andamento do processo a que responde o Paciente até sua captura ou apresentação voluntária. Decisão proferida na forma do art. 67, parágrafo único, inciso I, do RISTM. Data da publicação 03/03/2015.

STM - HC - 00002153220137000000 RS (STM) - HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. 1. A condição de militar é requisito indispensável não só para a instauração da ação penal, como também para o prosseguimento da relação processual até a execução da penal. Precedentes do STM e do STF. 2. Com efeito, a ação penal deve ser sobrestada quando o acusado pelo crime de deserção comete nova deserção, tornando-se trânsfuga. 3. O sobrestamento do processo, nesse caso, coaduna-se com a finalidade da pena e do sistema processual penal castrense. 4. Ordem concedida por maioria.

 Era notória a posição da Corte castrense filiando-se à corrente que considera o status de militar, condição de procedibilidade e prosseguibilidade, aplicando uma interpretação extensiva ao seu próprio entendimento sumulado no verbete de nº 12. Para a Egrégia Corte Superior Militar, a falta do referido pressuposto acarretaria de plano o sobrestamento do feito e a extinção do processo, independentemente do momento em que se verificasse a ausência.


8 NOVO ENTENDIMENTO DO STM QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE

 Diante da emblemática extinção de diversos processos devido ao licenciamento de militares que respondiam pelo cometimento do crime de deserção, impedindo a efetividade da norma penal castrense na proteção dos bens jurídicos dever e serviço militares, bem como contribuindo para a impunidade dos agentes, a Corte militar mudou seu entendimento e majoritariamente vem formando precedentes importantíssimos no sentido de considerar o status de militar, como condição de procedibilidade, exigido apenas para a deflagração da ação penal, eventual perda desta qualidade não têm o condão de impedir o regular prosseguimento do feito, nem mesmo a execução de sentença penal condenatória transitada em julgado. Senão, vejamos:

STM - AP - 00000412120137030103 RS (STM). APELAÇÃO. DEFESA. DESERÇÃO. LICENCIAMENTO DO MILITAR. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL MILITAR. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO PELA OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. Em observância à Teoria da Atividade, adotada pelo código penal militar, licenciamento do agente das fileiras das Forças Armadas durante o curso da Ação Penal Militar em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime de deserção, devendo ser dado regular prosseguimento ao Recurso de Apelação . 2. A prescrição da pretensão punitiva do Estado passa a ser regulada pela pena imposta quando somente houver recurso da Defesa. 3. Decorrido o lapso temporal previsto para a prescrição entre a publicação da sentença condenatória e a data do julgamento do Recurso, esta deve ser declarada de ofício. Inteligência do art. 123, inciso IV, combinado com o art. 125, inciso VII e § 1º e 129, todos do CPM. Preliminar de ofício declarada, decisão por maioria." (Grifo nosso). Data da publicação: 05/12/2016.

STM - HC - 84-86.2015.7.00.0000/AM HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO E POSTERIORMENTE LICENCIADO DAS FILEIRAS DO EXÉRCITO. SÚMULA 12 DO STM. DENEGADA A ORDEM. MAIORIA. Paciente sentenciado pelo crime de deserção (art. 187 do CPM) que, diante do seu licenciamento das fileiras da força no curso da execução penal, pretende ver declarada extinta sua punibilidade por faltar-lhe a condição de militar para prosseguir cumprindo sua pena. Súmula STM nº 12. O entendimento majoritário desta Corte Castrense é no sentido de que o status de militar deve ser aferido tão somente no momento da propositura da Ação Penal e do Recebimento da Denúncia. Verifica-se, portanto, a presença de todas as condições de prosseguibilidade, in casu, ainda que tenha ocorrido o licenciamento do militar. A perda da qualidade do militar não obsta o prosseguimento da ação penal. Denegada a Ordem por falta de amparo legal. Maioria. Data da publicação: 28/05/2015.

STM - AP - 70008452220207000000 - EMENTA: APELAÇÃO. MPM.DESERÇÃO. DECISÃO DO JUÍZO AQUO. FALTA DE CONDIÇÕES DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. LICENCIAMENTO DE DESERTOR APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ART. 457, § 2º, DO CPM. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. EXAME DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR PELO JUÍZO AD QUEM. IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL. MAIORIA. Militar que se ausenta da Organização Castrense, de forma desautorizada. Por período superior a 8 (oito) dias, comete o crime de deserção, tipificado no art. 187 do CPM. Nesse caminhar, a posterior exclusão de militar da Forças Armadas, em qualquer hipótese, quais sejam, por licenciamento, por término da prestação do serviço militar, ex offício , ou a bem da disciplina, não tem o condão de influir na prosseguibilidade da Ação Penal Militar no delito em questão, porquanto as condições de procedibilidade foram examinadas quando do recebimento da exordial. Ademais, o art. 457, § 2º, do CPPM é límpido ao consubstanciar que o desertor somente será isento do processo quando não puder ser reincluído ao serviço ativo por ser considerado incapaz após a devida inspeção de saúde. Na vertente quaestio, o agente delitivo ostentava a situação de militar da ativa, no momento do recebimento da denúncia, não podendo se aventar, por conseguinte, a extinção do processo sem a resolução do mérito fundamentada em ausência de condição de prosseguibilidade. Por arremate, no tocante a análise do pedido e da causa de pedir pugnada pelo Parquet neste grau Ad Quem, reputa-se inviável pela patente supressão de instância, eis que o Juízo de piso não se debruçou sobre o mérito da lide. Recurso, parcialmente provido. Decisão por maioria. Data da Publicação:14/06/2021.

 Esse novo entendimento, diga-se de passagem, digno de extremo louvor, só vem ratificar o que a súmula nº 12 do próprio STM, já menciona em seu teor, que sem a reinclusão, readquirindo a qualidade de militar, não poderá se ver processado o desertor, representando verdadeira condição de procedibilidade, se no transcurso processual houver a perda desta qualidade por algum motivo, de ordem administrativa ou não, em nada prejudicará o regular andamento processual, logo insustentável suscitar extinção do feito sem resolução de mérito por ausência de condição de prosseguibilidade, sob pena de criar uma causa extintiva de punibilidade não prevista no art. 123 do diploma penal castrense.


9 ENTENDIMENTO DO STJ QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE NO CRIME DE DESERÇÃO

 Comunga do mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a reinclusão do trânsfuga é a única exigência para tornar-se possível o oferecimento e recebimento da denúncia no crime de deserção, situação fatídicas superveniente a estes atos, não dão azo ao sobrestamento da ação penal militar sob alegação de ausência de condição de procedibilidade, conforme pode-se observar nos julgados abaixo:

STJ - DECISÃO MONOCRÁTICA - RECURSO ESPECIAL: REsp 1794417 RS 2019/0025841-8 - PROCESSO CRIMINAL MILITAR DE DESERÇÃO. TÉRMINO DO TEMPO DE SERVIÇO OBRIGATÓRIO. 1...que tal fato tem por objetivo evitar a privação da persecução penal pela falta da condição de procedibilidade e prosseguibilidade, previstas no ordenamento vigente (fl.266). Destaca-se que o fato de o autor estar respondendo pela prática de crime de deserção não impede o licenciamento quando já implementado o prazo legal de 12 meses."

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS POLICIAL MILITAR. DESERÇÃO. POSTERIOR EXCLUSÃO DAS FILEIRAS MILITARES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. Segundo o art. 187 do Código Penal Militar, comete o crime de deserção o militar que se ausentar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias. Na hipótese, quando da consumação do delito e do oferecimento da denúncia, o recorrente ostentava a condição de militar, podendo, assim, ser sujeito ativo do crime de deserção. A superveniente exclusão das fileiras militares, por fatos diversos, não dá azo ao trancamento da ação penal, sob a alegação de ausência de condição de procedibilidade. A exclusão do paciente das fileiras do Exército ocorreu quando já estava consumado o crime de deserção. (....) Não há irregularidade na Lavratura do Termo de Deserção, nem na exclusão do militar das fileiras do Exército, após a consumação do delito. (....) Não há a alegada falta de justa causa" (Precedente do Superior Tribunal Militar). Recurso a que se nega provimento. (Grifo nosso).

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR – PRAÇA. LICENCIAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PROCESSO CRIMINAL NA JURISDIÇÃO MILITAR. ART. 31, § 5º DA LEI Nº 4.375/64. INTERPRETAÇÃO. Da leitura do referido dispositivo não se extrai que o praça que tenha concluído seu tempo de serviço, mas esteja respondendo a um processo criminal junto ao Foro Militar, não possa licenciar-se. Interpretação equivocada da recorrente. Recurso desprovido.

 Destarte, pode-se extrair que nesse ponto as duas colendas cortes convergem. A incapacidade definitiva, idade de quarenta e cinco anos para praças e sessenta anos para oficiais, são as únicas hipóteses que o desertor se verá isento da reinclusão e do processo criminal, situações representativas de condições para o prosseguimento do feito.


10. ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE

 Ao discorrer sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à condição de procedibilidade e prosseguibilidade nos processos de deserção praticados por praças sem estabilidade, é imprescindível registrar dois pontos importantes.

Primeiramente, cumpre informar que a Excelso Pretório, ao enfrentar um caso no qual analisava, se deveria proceder com a execução da pena atinente a primeira deserção, após apresentação voluntariamente em decorrência da segunda deserção, sendo, o Autor, submetido à inspeção de saúde e isento da reinclusão por ser classificado incapaz definitivamente para o serviço ativo, a maioria dos ministros acompanhou o voto da relatora Ministra Ellen Gracie no RHC nº 83.030, no sentido de considerar a condição de militar um requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao delito de abandono, in verbis:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR. CAUSA PREEXISTENTE À CONDENAÇÃO. Com o reconhecimento da incapacidade definitiva preexistente a condenação, e tendo em vista que a condição de militar é requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao crime de deserção, nos termos do art. 457, § 2º do CPPM, não há justa causa para a execução. Recurso provido.

 Surgia assim, o início de uma corrente, a qual dava ao status de militar a denotação não só de condição de procedibilidade, mas também condição de prosseguibilidade, inclusive para que houvesse condenação no transcurso da persecução penal militar de deserção. Vale destacar que a questão central, naquele julgamento era a superveniente incapacidade definitiva para o serviço ativo, situação expressamente impeditiva de reinclusão no serviço ativo conforme inteligência do art. 457, §2º do CPPM, portanto, não se tratava de óbice por deixar de ser militar da ativa ou na inatividade, e sim por possuir incapacidade definitiva para a prestação do serviço ativo.

 Destarte, ainda que não unânime, firmou-se o entendimento de que a perda da qualidade de militar da ativa impediria o regular prosseguimento da execução penal militar por ausência de condição de prosseguibilidade.

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 Embora este seja o posicionamento atual majoritário do Supremo tribunal Federal, o qual considera que a perda da condição de militar, em qualquer fase, culmina com a extinção do processo, surgiram alguns precedentes considerando o status de militar como condição apenas de procedibilidade ou admissibilidade, necessários apenas para a deflagração da ação penal militar. Logo, não se mostra exacerbado inferir que há uma tendência de mudança de entendimento por parte da Corte Constitucional, aqui está o segundo ponto importante deste tópico.

Vejamos o entendimento da Primeira turma no julgado abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). STATUS DE MILITAR DA ATIVA. CONDIÇÃO PARA DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. SUPERVENIENTE EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS IRRELEVÂNCIA, PARA FINS DE PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. 1. A ação penal que trata de deserção (CPM, art. 187) somente poderá ser instaurada contra militar da ativa, constituindo, portanto, condição de procedibilidade; isto é, o status de militar é exigido somente na fase inicial do processo. Como pressuposto para deflagração da ação penal, sendo irrelevante, para fins de prosseguimento da instrução criminal ou do cumprimento da pena, a posterior exclusão do agente do serviço ativo das Forças Armadas. Inteligência do art. 456, §4º, e do art. 457, §1º e §2º, do CPPM. Precedentes. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento (1ª Turma A G. REG. no HABEAS CORPUS 168.390/SP. Relator Min. Alexandre de Moraes; j. 24.4.2019).

 De fato, uma tendência que precisa torna-se realidade absoluta. Esta evolução jurisprudencial se amolda ao entendimento atinente a outros crimes propriamente militares, como por exemplo, o crime de abandono de posto, sobre o qual, a Suprema Corte firmou entendimento no HC nº 136.006, de relatoria do eminente Ministro Celso de Mello, em 14 de dezembro de 2016, que é irrelevante para o prosseguimento da ação penal a desintegração do paciente das fileiras das Força Armadas, visto que ao tempo do crime era militar da ativa. Reforça, o magistrado, que se assim não fosse, ensejaria no surgimento de uma nova modalidade, não prevista no processo adjetivo militar, de extinção da punibilidade, pela prática de um crime tipicamente próprio pela perda superveniente da condição de militar, algo inaceitável. Ora se esta conclusão é direcionada a outros delitos propriamente militares, sem dúvidas deve ser propensa para o considerado mais militar dos crimes, qual seja o delito de deserção.

 Sem dúvida alguma, o legislador ordinário deseja a efetividade dos preceitos primário e secundário do artigo 187 do CPM, aplicando este último, mediante um devido processo legal, aos sujeitos ativos do delito de deserção, seja ainda ostentando a condição de militar ao ser reincluído pra se ver processar, seja após perdê-la no curso regular do processo, devido a ação discricionária da administração militar, a qual não importe em casos que isente o infrator de prestar o serviço castrense, ou seja, excluído totalmente da reserva mobilizável, ocasião em que não mais poderá ser eventualmente convocado.

 Assim sendo, estarão preservados os valores incomensuráveis às FFAA, quais sejam: a honra, serviço, dever, disciplina e hierarquia militares, necessários para que estas instituições se mantenham prontas e focadas na precípua missão constitucional de defesa da nossa soberania, da lei e da ordem.

 Não se pode condicionar a aplicação da lei penal militar a uma ação estritamente de cunho administrativo, uma seara não se confunde com a outra, para exemplificação, vale comentar sobre a aplicação do instituto do acostamento, que viabiliza a manutenção do desertor na Organização Militar para fins declarados no ato e sem percepção de remuneração, conforme §8º do art. 31 da Lei do serviço militar, incluído pela Lei 13.964/2019.

 Segundo o inciso VIII do art. 82 da lei 6.880/80, o militar desertor ficará afastado temporariamente do serviço ativo e após sua reinclusão para se ver processar, será agregado, conjugando este dispositivo com o da Lei de serviço militar supramencionado, pode-se inferir que o legislador exige o vínculo do infrator novamente com a FFAA, no entanto, permite mantê-lo encostado sem remuneração e para fins exclusivos de responder ao processo criminal militar, seja no serviço ativo ou na inatividade. Vejam que a discricionariedade administrativa não interfere na possibilidade de um regular e efetivo processo adjetivo castrense.

 De fato necessita-se urgentemente da unificação jurisprudencial das Cortes Superiores, a fim de evitar que as decisões exaradas nos Conselhos de Justiça, órgão de primeiro grau da Justiça Militar, atinente à prescindibilidade da manutenção da qualidade de militar para o desertor se ver processado e julgado, em eventual recurso, sejam mantidas pela corte castrense e ao serem analisadas pela Corte Constitucional sejam reformadas ou até mesmo mantidas, promovendo inúmeros julgados díspares relacionados a mesma situação jurídica, tendo em vista que nem as suas turmas possuem entendimentos convergentes, gerando indesejável instabilidade e insegurança jurídica, bem como, ofensas ao princípio da isonomia.

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Sobre o autor
Neilton Jacinto Bulcão Mathias

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Augusto Motta do Rio de Janeiro (2015). Pós-Graduado em Direito Militar pela Faculdade Verbo Educacional (2022). Assessor Adjunto de Justiça. Militar da Marinha do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATHIAS, Neilton Jacinto Bulcão. Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7006, 6 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99882. Acesso em: 25 jun. 2024.

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