DAS CLÁUSULAS RECONHECIDAMENTE LEGAIS
Reconheço como legais as cláusulas abaixo descritas, impugnadas pelo autor.
É certo que o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor* impõe que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, todavia, tal interpretação benéfica não pode chegar ao despropósito de as cláusulas estipuladas pelos pactuantes afastarem-se do sentido econômico e social do contrato, de modo a tornar-se sobremaneira pesado a apenas um dos pólos. Deve haver a correlação com o princípio do equilíbrio contratual.
Sendo assim, passo a expor os fundamentos de legalidade das seguintes cláusulas:
cláusula primeira do pré-contrato: "sinal"
1) O contrato particular de compromisso de compra e venda será assinado após o pagamento integral do sinal do negócio 3 (três) parcelas e da taxa de emolumentos, sendo vedada a transferência neste mesmo período se esta não for efetuada no escritório da NOVA CAP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA sito à Rua Oceano Atlântico, n. 73 – Chácara Cachoeira.
Não há abusividade na estipulação de sinal, pois neste caso constitui-se em arras confirmatórias da avença, significando um princípio de pagamento, abatidas do valor devido para amortização da dívida, segundo se comprova do pré-contrato juntado aos autos à fl. 84, item "condições de venda" e contrato de fls. 86-91, cláusula quarta, item "b".
Desta maneira é legal a contratação do sinal nos termos do art. 417 do Código Civil*, ressaltando-se que integra as quantias pagas pelo consumidor adquirente, portanto, deve-se observar o acima disposto em caso de rescisão contratual, sendo incabível a pretensão de retenção das arras separadamente.
Vejamos o entendimento jurisprudencial:
Ementa:CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. A cláusula contida em contrato de promessa de compra e venda de imóvel prevendo a perda total das prestações já pagas é nula nos termos do artigo 53 do Código de Defesa do CONSUMIDOR. Autoriza-se, todavia, a retenção pelo promitente-vendedor de um certo percentual que, pelas peculiaridades da espécie, fica estipulada no sinal que foi pago pelo promitente-comprador. Recurso conhecido e provido.(Processo RESP 139999 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1997/0048361-4 Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 11/05/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 21.06.1999 p. 160)
A vedação legal é disposta no art. 51, inciso II do Código de Defesa do Consumidor* que dispõe sobre a abusividade da cláusula que prevê a subtração da opção de reembolso pelo consumidor das quantias já pagas, combinada com o disposto no art. 47 da lei consumerista que impõe a interpretação das cláusulas contratuais da maneira mais favorável ao consumidor, portanto não seria razoável admitir a retenção do sinal como taxa de serviço de intermediação, comissão ou corretagem, pois se assim fosse haveria o aumento arbitrário de uma parcela no total de prestações contratadas e a consequente retenção indevida das quantias pagas como arras.
cláusula quinta
O COMPRADOR, poderá liquidar, no todo ou em parte, na ordem inversa a contar da última, o saldo devedor de sua cota.CLÁUSULA QUINTA:
Parágrafo Primeiro: O valor antecipado deverá corresponder em múltiplos de parcelas mensais em valor.
Parágrafo Segundo: As antecipações servirão para quitar as parcelas vincendas por ela cobertas, na ordem inversa a contar da última.
Quanto as alegações do autor de ser confusa a redação das cláusulas 5.1, e repetição na cláusula 5.2, tenho que não prosperam, pois o texto de todas elas apresentam-se claros e sem margem à dúvidas, tomando-se como base o raciocínio do homem médio.
cláusula sexta
CLÁUSULA SEXTA: Fica convencionado entre as partes, que a unidade descrita na cláusula segunda, faz parte integrante de um empreendimento que totaliza 240 (duzentos e quarenta) unidades, divididas em 04 (quatro) apartamentos por bloco, a serem entregues mediante as seguintes condições:
a) As obras serão iniciadas 120 (cento e vinte ) dias após pagamento da primeira prestação;
b) O primeiro bloco será entregue no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após o início das obras;
c) A cada 90 (noventa) dias, da primeira entrega, e assim sucessivamente, a VENDEDORA entregará um bloco;
(...)
Parágrao Segundo: O prazo de entrega das unidades será de no máximo 80 (oitenta) meses contados a partir do início das obras.
Parágrafo Terceiro: Se dentro do prazo de 120 (cento e vinte)dias de carência, a que se refere o artigo 34 da Lei 4.591/64, a VENDEDORA denunciar por escrito ao COMPRADOR, a intenção de desistir do empreendimento motiva por retratação do mercado, serão adotadas uma das seguintes providências:(...).
Não prosperam igualmente as alegações do autor de ilegalidade nas estipulações de contagem do prazo de carência para o início das obras, desistência do incorporador e entrega dos imóveis.
O art. 34, caput, da Lei n. 4.591/64* prevê ao incorporador a possibilidade de fixar o prazo para efetivação da incorporação, ou seja, dar início às obras ou no mesmo prazo desistir do empreendimento, dentro do limite de até cento e vinte (120) dias, desde que esteja previsto no contrato, como de fato está e dentro dos limites legais.
Quanto ao prazo de entrega dos imóveis, este igualmente depende das estipulações contratuais, pois a lei dá margem de liberdade ao incorporador para que faça as projeções necessárias e fixe os prazos dentro dos quais julgue capaz de cumprir a avença, desde que previamente fixado.
Não se pode pretender que o consumidor fixe tais prazos, pois só quem administra e executa a obra o pode dizer, e segundo se extrai da análise da cláusula sexta do contrato elaborado, com base no princípio do equilíbrio contratual, previstos dentro de prazo razoável o tempo de início das obras, da entrega do primeiro bloco, dos demais sucessivamente e, por fim, o prazo de conclusão.
Contudo, fica assegurado ao consumidor o direito de pleitear seus direitos caso haja descumprimento dos prazos estipulados no contrato por parte do fornecedor-incorporador sem motivo justo.
cláusula nona
O COMPRADOR, poderá ceder ou transferir os direitos e obrigações decorrentes deste contrato, desde que esteja em dia com suas obrigações e mediante prévia anuência, por escrito, da VENDEDORA.CLÁUSULA NONA:
Parágrafo Primeiro: A transferência será efetuada através da VENDEDORA, mediante o pagamento da taxa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato, correndo por conta do COMPRADOR, as demais despesas desta transferência
É igualmente legal estipulação de requisito de pagamento em dia e anuência prévia da vendedora como condição para cessão ou transferência de direitos e obrigações contratadas, pois trata-se de instituto denominado pela doutrina como cessão de contrato, assim reconhecido por reunir cessão de crédito e débito acoplados na substituição de uma das partes da relação jurídica originária.
A Lei n. 4.591/64, em seu art. 4º prevê que a alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua aquisição e a constituição de direitos reais sobre ela independerão do consentimento dos condôminos, todavia em seu parágrafo único, alterado pela Lei nº 7.182, de 27 de março de 1984, dispõe que a alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.
Na brilhante conclusão PABLO STOLZE e RODOLFO PAMPLONA acerca do instituto mencionado:
"Diferentemente do que ocorre na cessão de crédito ou de débito, neste caso, o cedente transfere a sua própria posição contratual (compreendendo créditos e débitos) a um terceiro (cessionário), que passará a substituí-lo na relação jurídica originária." [25]
Assim, a anuência expressa da outra parte, é requisito para aperfeiçoamento tanto da cessão de débitos, quanto da cessão de créditos, nos termos dos arts. 286 e 299, ambos do Código Civil*.
Ademais a exigência de estar o cedente das obrigações em dia com o pagamento assegura o bem-estar da relação jurídica tanto para o cedido, para o cessionário e para o terceiro de boa-fé.
cláusula décima terceira
O COMPRADOR poderá tomar posse em estado precário do imóvel transacionado, se após a concessão do "habite-se" e antes da outorga da escritura definitiva estiver em dia com suas obrigações contratuais, nas seguintes condições:CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA:
a) A posse será exercida em caráter precário e temporário, sempre em nome da VENDEDORA;
b) A posse cessará de pleno direito, no caso de descumprimento de qualquer condição prevista neste contrato, se obrigando a desocupar o imóvel nas condições definidas na cláusula décima quarta e seu parágrafo, sob pena de caracterizar-se como possuidor de má-fé, dando direito a VENDEDORA, de obter liminar, em ação possessória
Não há ilegalidade na estipulação de posse precária ao consumidor e previsão de ação possessória de retomada do imóvel em favor dos requeridos em caso de descumprimento contratual por parte dos consumidores aderentes, conforme previsto na citada cláusula, pois trata-se de contrato de compromisso de compra e venda, cuja natureza precípua é a transferência dos poderes inerentes ao domínio ao compromissário comprador e não a propriedade em si, de forma que a posse até a resolução da propriedade é efetivamente precária.
A nominação de exercício precário atribuída à posse na cláusula em análise, consiste no caráter de revogabilidade da autorização concedida pelo fornecedor-incorporador da posse natural sobre a coisa em favor do consumidor-adquirente, ou nas palavras de DE PLÁCIDO E SILVA, "O caráter do precário, pois, está na ausência de efetividade ou estabilidade da posse concedida e na obrigação de restituir a coisa ao dono ou ao legítimo possuidor, quando este revogue a concessão." [26]
Com efeito, descumprida a obrigação por parte do promissário-adquirente, sem culpa do promitente-vendedor, pode este tomar um de dois caminhos jurídicos: a-) utilizar-se de interdito possessório face a posse injusta por parte do então promissário adquirente, a partir da constituição em mora; b-) preenchidos os pressupostos processuais e condições da ação no que se refere ao instituto civil do domínio, reivindicar a titularidade desse domínio com relação ao imóvel que fora objeto do contrato de compromisso de compra e venda.
Recorde-se do citado Decreto-lei n. 58, de 10.12.1937*, que dispunha sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, derrogado pela Lei n. 6.766/79*, que previa expressamente no seu art.11, alínea "g", a exigência de constar do contrato de compromisso de compra e venda a declaração da existência de quaisquer restrições ao direito de propriedade.
Também a lei derrogadora no caput do seu art. 26 dispõe elenco exemplificativo das indicações que devem constar dos contratos de compromissos de compra e venda, desta maneira possibilitando a previsão de restrições ao direito de propriedade, estabelecendo o exercício precário da posse, condicionando, como já dito, o exercício pleno, decorrente da propriedade, ao pagamento de todas as prestações.
O fato é que no contrato de compromisso de compra e venda a propriedade é resolúvel, ou seja, está subordinada a uma condição resolutiva ou ao advento de um termo, qual seja, o pagamento integral acordado.
O adquirente possui a propriedade limitada, consequentemente, não é que a posse seja precária, mas, sim, o exercício da posse, que está amparada por justo título e boa fé, enquanto as prestações são pagas em dia, entretanto, perde essas características a partir do inadimplemento.
cláusula décima sétima
Correrão por conta da COMPRADOR, todas as despesas e os encargos fiscais relativos a unidade imobiliária a partir da data de concessão do "habite-se", tais como: impostos, taxas, escritura, registro e transferência do imóvel, seguro, emolumentos, taxa de autorização de escritura junto à Administradora, e outros encargos que incidam, na data da entrega das chaves, ou que venham a incidir, ainda que lançados em nome da VENDEDORA, e os acessórios que não estejam relacionados expressamente no memorial descritivo.CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA:
Parágrafo Único: A taxa de autorização de escritura será paga no valor de 01 (uma) prestação atualizada, somente se o COMPRADOR, após o decurso do prazo de 15 (quinze) dias de sua notificação via carta registrada, não comparecer ao escritório da Administradora com toda a documentação em dia para a efetiva escrituração.
Não se verifica abusividade na imputação ao pagamento de "taxa de autorização de escritura junto à administradora" equivalente a uma prestação, pois o consumidor somente estará obrigado ao pagamento se não apresentar os documentos necessários para escrituração no prazo estipulado (quinze dias) a contar da data da de sua notificação via carta registrada.
É viável que a fornecedora-incorporadora fixe prazo para apresentação dos documentos para que haja toda a programação administrativa para transferência da propriedade plena do imóvel para o consumidor-adquirente, afinal são várias as transcrições a serem providenciadas dos diversos contratos firmados pelo fornecedor, não sendo plausível que se o obrigue ficar aguardando por prazo indeterminado ao bel-prazer de consumidores menos preocupados.
Trata-se de cláusula penal pelo descumprimento do prazo entabulado no contrato, o que é plenamente admissível por guardar consonância com o princípio do equilíbrio contratual, pois concluída a obra é dever do incorporador promover os procedimentos necessários para a individualização e discriminação das unidades.
Ao contrário do que pretende o autor há disposição da obrigatoriedade de notificação aos beneficiários na cláusula analisada, conforme acima transcrito no trecho: (...) após o decurso do prazo de 15 (quinze) dias de sua notificação via carta registrada (...) (sem grifo no original)
Todavia o prazo fixado de quinze (15) dias é exíguo, tendo em vista que também ao consumidor deve-se assegurar período de tempo razoável de organização para o comparecimento com os documentos necessários para efetivação da transcrição junto ao fornecedor.
Desta feita, o prazo deve ser alongado para no mínimo trinta (30) dias contados da data da notificação via carta registrada, para melhor atender às necessidades pessoais de cada um dos aderentes.
cláusula vigésima
Em garantia do pagamento total da dívida constituída neste instrumento, inclusive atualização monetária e demais encargos pactuados, valor este que o COMPRADOR confessa dever a VENDEDORA, aquele dará a esta, em primeira, única e especial hipoteca, o imóvel objeto deste contrato, ciente, desde já, de que se incorporarão à garantia, todos os melhoramentos, construções, acessões e instalações que se acrescerem ao imóvel.CLÁUSULA VIGÉSIMA:
Parágrafo Primeiro: A hipoteca ora constituída permanecerá em vigor o tempo necessário ao completo pagamento e cumprimento de todas as obrigações aqui assumidas.
Igualmente legal é a previsão contratual de garantia hipotecária do imóvel em favor das empresas rés, pois os imóveis construídos são entregues como garantia ao credor caso o consumidor-adquirente descumpra a obrigação, possibilitando a revenda do bem, como maneira de garantir-se que outros consumidores aderentes ao empreendimento não saiam prejudicados na hipótese de várias desistências, capazes de ocasionar a impossibilidade de continuação das obras.
Ao consumidor é dada a garantia de receber o que pagou com as demais cominações legais decorrentes do descumprimento contratual, mas ao fornecedor, dada a responsabilidade que possui perante os demais adquirentes é lícito salvaguardar o imóvel construído ou em fase de construção como garantia de cumprimento da obrigação, dada a função social do contrato que tem a cumprir.
É que a função social do contrato emerge, como já dito, de princípios constitucionais, entre os quais o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da Constituição Federal*), o mútuo habitacional cumpre com a referida função social, quando concretiza direitos fundamentais que perfazem a dignidade do indivíduo, entre os quais pode-se suscitar o direito à habitação, que, no caso, deve ser garantido a toda a coletividade aderente, sendo imperiosa a manutenção da cláusula analisada em detrimento do bem social.
Além do mais, a garantia hipotecária não causa nenhum prejuízo ao consumidor-adquirente, tendo em vista que pelas suas próprias características o devedor continua na posse do imóvel hipotecado, de modo que se houver a alienação do bem gravado, o ônus é transferido para o terceiro; em contrapartida, não havendo alienação, o consumidor não lhe sofre os efeitos.
Ante o exposto e por motivos semelhantes, razão não há para exclusão do parágrafo segundo da comentada cláusula vigésima, que dispõe sobre o não alcance da impenhorabilidade do imóvel como bem de família, pois referido dispositivo pode ser interpretado até mesmo como de caráter informativo ao consumidor que não detenha conhecimentos técnicos que lhe permita discernir os efeitos da garantia hipotecária que paira sobre o imóvel, em que pese saber ele (consumidor) que não é proprietário do imóvel se não houver pago o preço integral.
Citado dispositivo não prejudica o consumidor, pelo contrário soma informações, portanto, deve ser mantido.
cláusula vigésima primeira
O COMPRADOR não poderá intervir, direta ou indiretamente no andamento normal da obra, quer mantendo entendimento com seu encarregado, ou operários, que permanecem no local, sem autorização da VENDEDORA,igualmente, não poderá introduzir à obra, operários ou material, antes da efetiva entrega das chaves.CLÁUSULA VIGÉSIMA PRIMEIRA:
Ante referida estipulação contratual não se pode pretender haja ausência de dispositivo que ressalve ao comprador o direito de fiscalização do andamento das obras, pois há a possibilidade, desde que autorizado pela vendedora, e a justificativa para a condição autorizatória é a segurança dos próprios adquirentes, pois todos os riscos do empreendimento são assumidos pelo fornecedor na construção, sendo justo que lhe seja permitida a verificação das melhores e mais seguras condições para visitação do empreendimento.
Como é sabido numa construção diversos são os riscos à integridade física das pessoas, tanto que há normas de segurança a serem seguidas pelos operários das obras, de modo que a condição, no modo como está lançada é plenamente válida e assegura a saúde física do próprio consumidor adquirente.
Por obvio não pode é ser o adquirente tolhido de seu direito de acompanhar o andamento das obras com o objetivo de fiscalizar o regular cumprimento dos prazos que lhe foram estipulados pelo fornecedor; a autorização obrigatoriamente deve ser concedida, mas nos dias e horários estipulados pelo incorporador, devidamente comunicado ao consumidor.