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Justiça do Trabalho julga improcedente ação civil pública sobre pejotização em hospital

Agenda 31/12/2019 às 14:28

A contratação por empresa interposta é vedada. Todavia, a fraude deve ser comprovada, não cabendo a condenação com base em argumentos genéricos, mais ainda quando a própria coletividade e os médicos possuem interesse na prestação do serviços por PJ.

S  E  N  T  E  N  Ç  A

I – DO RELATÓRIO                                                   

SINDICATO DOS MÉDICOS DE PERNAMBUCO – SIMEPE, já qualificado, ajuizou a presente ação civil pública em face da SANTA CASA MISERICÓRDIA DO RECIFE, também já qualificada, aduzindo a ocorrência de fraude na contratação dos médicos do Hospital Regional Fernando Bezerra, tendo em vista a “pejotização” promovida pela ré para possibilitar o desempenho de sua atividade-fim. Requereu, com base nos argumentos deduzidos no feito, a condenação da demandada em obrigações de fazer (registrar os médicos), de não fazer (abster-se de terceirizar a atividade-fim) e de pagar (indenização por danos morais coletivos), inclusive com antecipação dos efeitos da tutela. No mais, pugnou pela concessão dos benefícios da justiça gratuita e pela condenação da ré em honorários advocatícios.

A inicial foi aditada pela petição de ID df45bbc, que colacionou a relação dos médicos substituídos pelo ente sindical, bem assim pelo requerimento formulado na ata de ID 05d508c, onde foi fixado o valor da causa em R$ 100.000,00.

Por meio da liminar de ID df4df8c, foi indeferido o requerimento antecipatório e, pela decisão de ID 05d508c, foi determinada a observância do rito ordinário com a intimação do Estado de Pernambuco e do Ministério Público do Trabalho.

A parte ré apresentou defesa, oportunidade em que suscitou preliminares, invocou a prescrição e impugnou especificadamente os pleitos iniciais, asseverando a validade da contratação realizada no âmbito do Hospital Fernando Bezerra, do qual informou ser a mera gestora. No mais, requereu a improcedência da ação, sustentou a litigância de má-fé do sindicato autor e juntou documentos.

Após notificados os interessados supra descritos, foi realizada a audiência inaugural, na qual compareceram o requerente, a requerida e o Parquet, que opinou oralmente pela procedência dos pedidos. Em seguida, com a concordância das partes, foi dispensada a produção de prova oral e designado prazo para a complementação dos documentos, restando desde marcada data para o encerramento da instrução (ID 094b248).

Por meio da decisão de ID 0397adc, a MM. Dra. Juíza titular se declarou suspeita para prosseguir atuando no feito, razão pela qual foi designado este magistrado para concluir e julgar a causa (ID 5daf439).

Em audiência do dia 24.11.2016, a ré solicitou a concessão de prazo para a juntada de documento novo, o que foi deferido pelo Juízo, após sua visualização, com a observância ao contraditório, sendo imediatamente designado o julgamento, em homenagem à garantia de duração razoável do processo (ID 286ff00).

A requerida apresentou razões finais escritas (ID 7702b20), devidamente acompanhada do documento que havia sido mostrado ao Juízo em audiência, agora na forma digitalizada (ID 096ec3f). O requerente apresentou manifestação e memoriais por meio dos documentos de ID 415df74 e 9e069a0, respectivamente.

Sem mais provas ou requerimentos adicionais tempestivos.

É o relatório. Por inconciliados, passo aos fundamentos.


II – DOS FUNDAMENTOS

1.PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PETIÇÃO INICIAL

De início, destaco estarem presentes os pressupostos processuais necessários ao julgamento do feito, não sendo o caso de extinção da ação sem resolução do seu mérito.

De fato, revela-se configurada a competência da Justiça Especializada, já que a demanda versa sobre questões afetas ao direito do trabalho, em hipótese que se amolda no art. 114 da Lei Maior, bem assim nos arts. 651 da CLT c/c art. 2º da Lei 7.347/85, dado que a suposta lesão vem ocorrendo em território abrangido pela Vara de Araripina.

Por sua vez, a petição inicial se mostrou apta a veicular a pretensão autoral, pois escrita de forma lógica, clara e coerente, trazendo requerimentos harmônicos com a causa de pedir. Os pleitos, outrossim, se encontram em tese devidamente escorados na ordem jurídica vigente, sendo atendido o comando legal do art. 840, § 1º, da CLT c/c art. 319 do NCPC/15.

No particular, atente a ré que não foi formulado pedido algum de desconsideração da personalidade jurídica, inexistindo inépcia por tal motivo. A peça vestibular, tal como redigida, possibilitou a plena instauração da demanda com o necessário respeito ao contraditório, não havendo qualquer vício que obste a apreciação da matéria de fundo ali descrita.

 Assim, rejeito a preliminar suscitada.

2.CHAMAMENTO AO PROCESSO

A requerida pugnou pelo chamamento do Estado de Pernambuco, aduzindo que este é o verdadeiro titular dos bens que guarnecem o Hospital Fernando Bezerra, sendo também o responsável pelos repasses financeiros que possibilitam a manutenção do serviço de saúde na localidade.

Na hipótese, contudo, não se verifica a presença de quaisquer das situações previstas pelo art. 130 do NCPC, pois ausente a relação de solidariedade ou mesmo de efetiva fiança entre a requerida e o Estado. Em verdade, o fundamento invocado pela defesa é estranho ao processo principal e provocaria verdadeira lide paralela, servindo apenas para tumultuar o processo.

Como se não bastasse, as cláusulas 3ª e 8ª o contrato de gestão juntado com a defesa atesta que cabe exclusivamente à Santa Casa o dever de assegurar a administração, organização e gerenciamento do Hospital Regional Fernando Bezerra, respondendo pelas obrigações, despesas e encargos trabalhistas (ID 550dbfc).

De todo modo, verifico que já houve a notificação do Estado de Pernambuco (ID 149fff8 - Pág. 3), o qual, entretanto, não demonstrou interesse algum em participar do feito, nem mesmo como litisconsorte.

Destarte, rejeito o requerimento.

3.CONDIÇÕES DA AÇÃO

Por força do art. 8º, III, da Constituição Federal, o sindicato se encontra legitimado para atuar como substituto processual da categoria que repreenta, podendo inclusive veicular direitos de natureza individual homogêneo (art. 5º, V, da LACP c/c art. 81, III, do CDC). Por corolário, tenho por presente a pertinência subjetiva da ação nos dois polos, porquanto o autor dirige suas pretensões diretamente à requerida, apontando-a como a devedora do direito material controvertido.

Cabe consignar que a relação jurídica processual é analisada sob o prisma da teoria da asserção, dispensando a exata coincidência com a material que lhe é correspondente. Eventuais vícios ou incongruências na tese inicial deverão ser objeto de análise no mérito, e não em sede prefacial.

Por fim, ao contrário do que sustenta a parte ré, o interesse de agir é manifesto, já que o SIMEPE postula a aplicação do direito ao caso concreto, invocando a atuação do Judiciário como meio útil à satisfação de sua pretensão, que não foi resolvida na esfera extrajudicial.

Importante salientar que a demanda instaurada possui natureza repressiva, mas também preventiva, voltando-se para o futuro. Assim sendo, não há que falar em perda do objeto no caso de eventual mudança no estado das coisas ao longo do trâmite processual.

Desse modo, por presente a legitimidade “ad causam” e o interesse de agir, rejeito a preliminar de carência de ação.

4.IMPUGNAÇÃO AOS DOCUMENTOS E ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL

Nos termos da Resolução n.º 136/2014 do CSJT, mostra-se desnecessária a declaração de autenticidade dos documentos constantes no PJe, uma vez que a própria lei já confere a tais meios de prova a mesma força probante que os originais.

Demais a mais, é evidente que a mera impugnação aos documentos trazidos pelo adverso não tem o condão de, por si só, infirmar a sua validade, cabendo ao interessado trazer elementos convincentes que despontem para sua inutilidade, o que não ocorre quando se limita a questionar a numeração ou qualquer outro vício formal e secundário, que não prejudica o conteúdo da prova.

No caso, entendo terem sido observados os princípios processuais ligados à matéria, já que as partes tiveram ampla oportunidade de participar da formação da convicção judicial, produzindo a prova efetivamente útil para o deslinde da causa, não havendo qualquer vício que prejudique a validade dos elementos probatórios constantes nos autos e tampouco argumento válido que justifique a reabertura da instrução (art. 370, parágrafo único, do NCPC).

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Dito isso, reputo ultrapassada a barreira do parágrafo 5º do artigo 337 do NCPC/15, razão pela qual passo a apreciar as matérias ligadas ao mérito da causa.

5.PRESCRIÇÃO TRABALHISTA

A presente ação versa sobre suposta lesão de caráter continuativo, cujos efeitos se prolongam no tempo sem que seja possível delimitar um termo inicial ou mesmo final. Em virtude disso, descabe falar em prescrição, mormente quando não transcorridos os prazos descritos pelo art. 7º, XXIX, da Carta Magna.

Rejeito a prejudicial invocada.

6.DA SUPOSTA FRAUDE TRABALHISTA. OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E PAGAR POSTULADAS

O sindicato autor (SIMEPE) alegou ter recebido denúncia de que a requerida vem se valendo de negócios jurídicos fraudulentos para contratar os médicos que atuam Hospital Fernando Bezerra. Disse ainda que, após vistoria no local e deliberação dos associados, entendeu por bem ajuizar a presente ação requerendo as seguintes obrigações da Santa Casa:

  1. Abster-se de terceirizar serviços ligados a sua atividade-fim;
  2. Registrar e manter registrados como empregados todos os médicos, profissionais de saúde que lhe presta serviços com subordinação, pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade;
  3. Pagar indenização pelo dano moral coletivo causado, em valor não inferior a R$ 50.000,00.

A parte ré, de seu turno, contestou a validade da assembleia que supostamente autorizou o ajuizamento da demanda pelo ente sindical e defendeu a regularidade das contratações havidas em seus quadros, inclusive no tocante às cooperativas e clínicas médicas que operam no estabelecimento. Em razão disso, aduziu inexistir ilicitude apta a justificar a procedência de quaisquer dos pedidos iniciais.

Pois bem. De início, destaco ser correta a premissa defensiva no tocante à ausência de prova cabal a respeito da regular assembleia autorizando o ajuizamento da presente demanda.

Realmente, em momento algum foi demonstrada a existência de efetiva deliberação conferindo poderes para que o SIMEPE pleiteasse o vínculo empregatício dos médicos que laboram no local. A ata de ID 0763154 não serve para este fim, dado que não expressa tal pretensão por escrito e tampouco faz alusão à eventual atuação de ordem judicial. Em complemento, verifico que muitos dos sujeitos que a assinaram a aludida ata nem mesmo atuam do Hospital Fernando Bezerra, conforme informação constante nos ID 4f8e97c - Pág. 2 e ID 7702b20 - Pág. 3, que não foram rebatidas nos autos.

Tais aspectos, contudo, não obstam o Sindicato de postular os direitos ligados à categoria que representa. Outrossim, não impedem o Poder Judiciário de analisar o mérito da discussão, dada a legitimidade já mencionada em sede preliminar, somada ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (arts. 5º, XXXV e 8º, III, da CF). Destarte, ainda que a premissa defensiva seja verdadeira, não enseja, por si só, a improcedência da demanda.

A discussão central, isto sim, é se pode ou não o Hospital se valer de clínicas, cooperativas e demais pessoas jurídicas para desenvolver determinadas atividades ou se deveria obrigatoriamente contratar como empregado todo e qualquer médico que se ativa no local. E, com relação a este ponto, divergem por completo as teses, asseverando o requerente a nulidade por terceirização na atividade-fim e, a requerida, a validade da contratação para serviços de natureza especializada.

No tocante aos argumentos lançados pelo autor, não há dúvidas de que a legislação pátria, escorada nos princípios da OIT, busca proteger a dignidade da pessoa humana e reforçar o valor social da empresa, vedando a mercantilização do trabalho como produto desvinculado do ser que lhe origina (art. 1º, III e IV, 7º, 170 e 193 da CF). É certo, ainda, que o C. Tribunal Superior do Trabalho já firmou o posicionamento de que é proibida a terceirização na atividade nuclear do empregador, sendo ilícita a “pejotização” e a contratação fraudulenta por empresa interposta (art. 9º da CLT c/c Súmula 331 do TST).

Entretanto, considerando-se que a requerida não possui única e exclusivamente funcionários terceirizados (vide ID d40b456), cabe analisar se os contratos debatidos nestes autos efetivamente se enquadram nos argumentos iniciais. E, no particular, reputo salutar lembrar a clássica definição dada pelo doutrinador e ministro Dr. Maurício Godinho Delgado, para quem a terceirização corresponde a um “fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” (Curso de Direito do Trabalho, 2011, p. 426). Noutras palavras, trata-se de um modelo de verticalização do sistema de produção, que distancia o ser humano trabalhador de sua própria atividade produtiva ao colocar um ente intermediando o negócio jurídico laboral.

Ora, os contratos trazidos ao presente feito não permitem, de per si, concluir pela existência de tal dissociação ou mesmo pela ocorrência de flagrante fraude na legislação trabalhista (vide ID e12efcc a 5ea9b5f; 16914f4 a 926e7d5; e 0a384ac a 0d6f142). Em verdade, os referidos contratos tão somente espelham o exercício da atividade médica pelos próprios profissionais da área, que, voluntaria e consensualmente, escolheram a forma que lhes parecia mais conveniente no tocante à remuneração, horário de trabalho e recolhimento de impostos. Tais aspectos traduzem o exercício da autonomia privada, a qual foi efetivada por pessoas capazes e altamente instruídas, sem que haja defeito formal ou material aparente.

De mais a mais, não coaduno com a tese exposta na prefacial com relação à “atividade-fim” da ré. Em verdade, os serviços hospitalares consistem precipuamente no fornecimento dos instrumentos e do aparato necessário ao atendimento da saúde, o que engloba uma gama variada de atividades, muitas das quais empregadas por profissionais diversos daqueles representados pelo SIMEPE. Tanto é assim que se mostra claramente possível o recebimento de atendimento hospitalar sem que haja a participação concreta de médico (imagine-se um sujeito que comparece ao Hospital simplesmente para receber um curativo ou tomar uma vacina, atividades que podem ser exercidas por enfermeiros, por exemplo).

Insta mencionar que era do demandante o ônus da prova a respeito de eventual vício de consentimento dos sócios, cooperados e demais pessoas que optaram por laborar sem vínculo empregatício, não bastando a mera alegação neste sentido, dado que a fraude não se presume (arts. 818 da CLT e 373, I, do NCPC). Além disso, se por um lado o legislador protege o hipossuficiente, por outro prestigia a autonomia e a livre iniciativa dos sujeitos, que são livres para fazer tudo aquilo que a ordem jurídica não veda (art. 5º, II, da CF). Neste cenário, é evidente que o princípio da primazia da realidade deve ser apreciado como um postulado de mão dupla, merecendo ser respeitada a real intenção das partes no negócio jurídico.

Dito isso, verifico que, na prática, somente a reclamada logrou demonstrar sua tese, o que foi realizado ao juntar os documentos de ID 9f2c5db e ID 096ec3f, que atestam, ao menos na teoria, o cabal desinteresse dos médicos ali descritos em ver reconhecida a relação empregatícia com o Hospital, havendo inclusive oposição expressa à continuidade da presente ação coletiva, bem assim à própria denúncia de irregularidade mencionada na vestibular (vide ID fee8d02).

Em resposta a tais argumentos, o requerente asseverou a tese da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, bem como lembrou o parecer ministerial no tocante à Resolução RDC 50 da ANVISA, que enquadra a atividade dos médicos como “funções diretamente ligadas a assistência e a atenção a saúde” (ID 9e069a0). Porém, a aludida resolução não trata de matéria trabalhista, limitando-se a prever o “Regulamento Técnico destinado ao planejamento, programação, elaboração, avaliação e aprovação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde” (art. 1º). Como se não bastasse, tanto o Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.481/97) quanto o Ministério da Saúde (Portaria 134/2011) reconhecem a possibilidade de trabalho autônomo pelo profissional desta área, não havendo imposição administrativa alguma para o labor necessariamente como empregado (vide ID 8647315).

 A legislação juslaboral, por sua vez, não veda a contratação de empresas especializadas ou mesmo de cooperativas médicas, como se extrai do art. 1º, IV, da Lei 12.690/12, por exemplo. A jurisprudência, na mesma linha, vem sendo sensível à análise concreta e pontual dos casos, não reconhecendo a proibição geral e abstrata de os hospitais se valerem de expediente variados para possibilitar o atendimento médico. Nesta toada, cito as seguintes ementas, apenas para melhor ilustrar a matéria:

TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE FIM. HOSPITAL. A ré possui médicos empregados que dão suporte à atividade fim do hospital, e também médicos autônomos, que assim se qualificam e que optaram em prestar seus serviços nessa condição, sem qualquer alegação de coação. Diante disso, não há como se concluir pela ilicitude da ré na contratação de empresas prestadoras de serviços médicos. E não cabe a esta Justiça Especializada determinar o registro de vínculo empregatício de pessoas (físicas ou jurídicas) que não reconhecem a violação de seus direitos, tampouco possuem interesse em alguma reparação. Recurso do ente público a que se nega provimento”. (TRT/02, RO: 00009606020155020062 SP, Relatora Des. Odette Silveira Moraes, 11ª Turma, Data de Publicação: 12/07/2016).

MÉDICOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A PESSOA JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. O Regional consignou que, no caso específico dos médicos, “estes se utilizam das instalações físicas da parte autora MED IMAGEM para atender seus clientes, como uma extensão de seus

consultórios, uma vez que buscam o serviço do profissional, e não a instituição em si, o que afasta o elemento alteridade, ou seja, o trabalhador não representa a Instituição, e exerce suas funções por sua conta e risco, e não por conta do empreendimento”. Portanto, não se trata a situação de contratação de empregado por meio de empresa interposta, mas de contratos de prestação de serviços firmados entre a empresa e os médicos, profissionais liberais, o que, por si só, afasta a alegada contrariedade ao disposto na Súmula nº 331, itens I e III, do TST. Dessa forma, diante das circunstâncias registradas pelo Tribunal a quo, que, com base na prova dos autos, não reconheceu a existência de subordinação jurídica na prestação de serviços pelos médicos à empresa reclamada, não se pode adentrar na discussão dos aspectos fáticos, em face do disposto na Súmula nº 126 do TST. Assim, não se pode entender pela existência de afronta ao disposto nos artigos 2º, 3º e 9º da CLT. Recurso de revista não conhecido.” (TST, Processo: RR - 59200-80.2009.5.22.0002, Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: 19/10/2012).

O que se veda, isso sim, é a contratação dissimulada de verdadeiro empregado sem o devido registro na CTPS. E, como se sabe, a palavra “empregado” é reservada tão somente para àquele que presta um serviço de natureza pessoal, onerosa, não eventual e com subordinação ao tomador dos serviços, tal como descrito nos arts. 2º e 3º da CLT. Na hipótese, o ente sindical falhou por completo em demonstrar a presença de tais pressupostos fático-jurídicos com relação a qualquer trabalhador (além daqueles já registrados), preferindo tão somente jogar sua tese de modo genérico nos autos, aduzindo a suposta precarização das condições de trabalho havida no Hospital.

No entanto, como bem dito pela ré (ID 4f8e97c - Pág. 3), a precariedade constatada na vistoria de ID 20ece35 não decorre essencialmente do vínculo contratual adotado, até porque não foi constatada distinção entre a jornada do empregado e do cooperado, por exemplo. E, como se não bastasse, há manifesta dificuldade em se conseguir recursos humanos para o desempenho de determinados serviços médicos. Isso porque, em algumas áreas especializadas, os próprios profissionais da saúde não pretendem laborar com vínculo fixo e direto, preferindo mecanismos que lhes traga maior liberdade e autonomia para organizar escalas de trabalho compatíveis com seus próprios anseios, sem que haja a subordinação ao empregador ou quem quer que seja.

É bem verdade que se mostra preocupante o rumo que a sociedade contemporânea vem direcionando à flexibilização do trabalho, havendo uma verdadeira sublimação de garantias que outrora traziam segurança para vínculos sólidos e duradouros.

É bem verdade, outrossim, que é justa a preocupação do sindicato com a melhoria das condições de trabalho da categoria que representa, mais ainda quando esta é composta de médicos, ou seja, de profissionais que notoriamente laboram em condições desgastantes em prol de todos nós, juízes, advogados, promotores e demais servidores, sempre preocupados em propiciar a pronta cura das mais diversas mazelas que atingem os pacientes.

Entretanto, com a devida vênia aos posicionamentos em sentido contrário, não se afigura razoável que o Judiciário desconsidere as peculiaridades do caso concreto e releve o encargo probatório de cada parte para impor, por puro viés ideológico, uma condenação embasada em meros truísmos, a exemplo de que “o trabalho não é uma mercadoria”.

No presente feito, a pretensão inicial não encontra amparo no estuário probatório consolidado nestes autos. Assim sendo, imputar à requerida a obrigação de converter, de modo genérico e absoluto, todos os contratos de natureza civil em trabalhista implicaria não só ofensa à ordem jurídica, mas também à ordem social e econômica, gerando manifesto e injusto prejuízo à requerida, aos médicos que nela atuam e à própria população que depende dos serviços prestados pelo Hospital Fernando Bezerra.

Explico: haveria injusto prejuízo à parte ré, porque se transformaria, numa simples canetada, em “empregadora” de profissionais que manifestaram expressamente o desinteresse pelo vínculo empregatício, tendo que arcar instantaneamente com valores muito superiores aos repasses que possui para dar conta do contrato de gestão que firmou com o Estado. Haveria lesão aos médicos, pois perderiam a autonomia e demais benefícios que lhes motivaram a criar pessoas jurídicas justamente para atuar no local com mais liberdade e menos encargos. Por fim, haveria prejuízo à população, porquanto correria o risco de ficar sem diversos serviços de saúde que hoje somente são concretizados graças às pessoas jurídicas que se vinculam à Santa Casa por meio dos expedientes acima descritos.

Em síntese, portanto, restou constatado acima que: I) o SIMPE não logrou demonstrar o real interesse democrático da categoria em ingressar com a presente ação coletiva, mas tal premissa não obsta o sindicato de formular os pedidos iniciais; II) a requerida, em tese, já vem registrando os médicos estatutários e celetistas, tendo firmado contratos de prestação de serviços que, em princípio, não se confundem com o conceito de terceirização ilícita; III) o requerente não provou a existência de efetiva fraude ou mesmo a existência de vício de consentimento nos contratos firmados pelos médicos, cooperativas e clínicas analisados nestes autos, descurando para o ônus probatório sobre a matéria; IV) a procedência da presente ação poderia trazer efeitos nefastos à comunidade local que depende dos serviços fornecidos pelo Hospital Fernando Bezerra. Afinal, se os profissionais que assinaram os documentos de ID 9f2c5db e ID 096ec3f são teoricamente contrários ao reconhecimento da relação empregatícia, quem sobraria para laborar em prol dos enfermos em caso de procedência desta ação?

Diante de todos esses argumentos, rejeito a tese inicial sobre a matéria e julgo improcedentes os pedidos “a”, “b” e “c” acima descritos.

7.EFEITOS DA IMPROCEDÊNCIA ACIMA DECLARADA

A improcedência dos pleitos iniciais, por óbvio, não implica a autorização para que a ré precarize as condições de trabalho dos médicos e, muito menos, para que viole qualquer norma juslaboral. Além disso, a presente ação não serve para tornar indiscutíveis os contratos firmados com as pessoas jurídicas que atuam no Hospital Fernando Bezerra, haja vista os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada (arts. 503, 504 e 506 do NCPC).

Sem embargo, apenas para que não pairem dúvidas, reputo necessário mencionar que os eventuais trabalhadores ou grupo de trabalhadores que se entenderem efetivamente lesados poderão se valer do direito de ação para postular eventual vínculo empregatício, não servindo a presente sentença como óbice para tal fim (art. 5º, XXXV, da CF, c/c art. 103 e §§ do CDC).

Registro, no particular, que até mesmo os médicos que assinaram os documentos de ID 9f2c5db e ID 096ec3f podem vir ao Judiciário formular as pretensões que entenderem cabíveis, as quais serão apreciadas conforme o caso concreto de cada um, sem que a ré possa alegar coisa julgada.

8.LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Em que pesem as assertivas veiculadas pelas partes, não vislumbro a existência de qualquer conduta processual efetivamente maliciosa, de modo que inviável a aplicação da sanção prevista pelo artigo 81 do Código de Processo Civil vigente.

Em verdade, entendo que as manifestações e peças processuais apresentadas nos autos buscaram tão somente a defesa dos interesses de cada litigante, tudo de acordo com o que vaticina o princípio do devido processo legal (art. 5º, XXXV, da Constituição da República).

Nesta quadra, ao menos por enquanto, não há multa alguma a ser aplicada.

9.BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA

Os benefícios da Lei 1.060/50 foram idealizados com o escopo de possibilitar o acesso à Justiça dos trabalhadores que auferem baixo padrão remuneratório e que, por isso mesmo, não podem dispor de qualquer gasto processual.

O Sindicato obreiro não cumpre com o requisito acima descrito, pois nem sequer é pessoa natural (art. 99, § 2º, do CPC), não possuindo família para sustentar. Ademais, angaria contribuições compulsórias de todos os médicos de sua extensa área de atuação, inclusive daqueles com vínculo estatutário, conforme confessado na ata de ID 286ff00.

Desse modo, era imperiosa a comprovação da efetiva impossibilidade de arcar com os encargos processuais, na forma da Súmula 481 do C. STJ, que não é afastada pelo simples fato de o sindicato não possuir finalidade lucrativa. Nos autos, contudo, nada há que ampare a tese autoral, razão pela qual rejeito o benefício vindicado (art. 818 da CLT e 373, I, do NCPC).

10.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS

Ante a natureza coletiva da presente demanda, resta aplicável o princípio da sucumbência, que impõe ao perdedor o dever de arcar os honorários advocatícios do adverso (Súmula 219, III, e art. 5º da IN n.º 27/2005 do C. TST),

Dito isso, e sendo a parte autora a sucumbente na lide, condeno-a a pagar a verba honorária do patrono da ré, que ora fixo no importe de 15% do valor atualizado da causa, com amparo no art. 85, § 2º, do NCPC, haja vista o considerável grau de zelo do profissional, o local da prestação dos serviços, a importância da causa, bem assim o bom trabalho realizado pelo advogado ao longo do processo.

Defiro, nestes termos.

11.DEMAIS REQUERIMENTOS E ESCLARECIMENTOS FINAIS

Apenas para evitar a oposição de embargos protelatórios, deixo expresso que a intimação deverá observar os requerimentos de notificação exclusiva deduzido nos autos, na forma da Súmula 427 do C. TST c/c art. 16 da IN n.º 39/2016.

De resto, deixo expresso que todos os demais protestos e requerimentos formulados pelas partes no curso da lide ficam expressamente indeferidos, ante a ausência de amparo legal e probatório que lhes deem suporte. Cabe lembrar que o Juízo não se encontra obrigado a rebater os argumentos meramente contingenciais e tampouco as alegações subsidiárias, que, por sua própria natureza, são incapazes de atingir a conclusão adotada nos capítulos acima descritos (art. 489, § 1º, IV, do CPC c/c art. 15 e incisos da IN 39/16, do TST).

Por fim, atentem as partes que os embargos declaratórios não servem para discutir o conteúdo das provas e tampouco para obter a reforma do julgado, pretensão que deve ser dirigida por meio do recurso próprio. Ademais, é certo que, em caso de eventual omissão ou mesmo vício de nulidade, o Tribunal é competente para complementar ou sanear o feito de modo imediato, sem necessidade de baixa dos autos à esta instância (art. 1.013, § 3º, do NCPC c/c Súmula 393 do C. TST), que inclusive já encerrou sua função jurisdicional na fase cognitiva, sem qualquer necessidade de pré-questionamentos adicionais.

São essas, portanto, as razões de decidir.


III – DA CONCLUSÃO

Diante do exposto, rejeito as preliminares suscitadas e julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo SINDICATO DOS MÉDICOS DE PERNAMBUCO em face de SANTA CASA MISERICÓRDIA DO RECIFE, tudo nos termos dos arts 487, I, do NCPC e 832 da CLT, bem assim das razões de decidir acima descrita, que integra este dispositivo para todos os efeitos legais.

O sindicato autor arcará com os honorários advocatícios sucumbenciais do patrono do adverso (15% do valor atualizado da causa), bem assim com as custas processuais, estas fixadas no importe de R$ 2.000,00, tendo em vista o valor dado à causa (R$ 100.000,00).

Sentença proferida antecipadamente à data indicada em audiência, devendo ser intimado MPT e notificadas as partes, respeitando-se as prerrogativas legais e os requerimentos de intimação exclusiva deduzidos nos autos.

Araripina/PE, 12.01.2017.

MATHEUS DE LIMA SAMPAIO

Juiz do Trabalho Substituto

Sobre o autor
Matheus de Lima Sampaio

Formado em direito pelo Largo de São Francisco (USP). Pós graduado em direito penal e processo penal pela UCDB; pós-graduando em direito do trabalho e processo do trabalho pela EPD e em compliance trabalhista pelo IEPREV. Atualmente é juiz substituto da 3ª Vara do Trabalho de Mogi das Cruzes - SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Matheus Lima. Justiça do Trabalho julga improcedente ação civil pública sobre pejotização em hospital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6026, 31 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/68887. Acesso em: 22 nov. 2024.

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