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Crime organizado x Caso Petrobras: a sociedade é a principal vítima

Agenda 06/04/2015 às 08:28

O criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro "As Raízes do Crime Organizado", mostra como as organizações criminosas atingem direta e indiretamente a sociedade, sua principal vítima.

Quando o trabalhador brasileiro vê nos noticiários esquemas de corrupção milionários e até bilionários, mantidos pelo Crime Organizado, não consegue imaginar a dimensão do caso que, geralmente, envolve “gente poderosa” do governo e da iniciativa privada como grandes empresas. Cabe aqui uma indagação: como um cidadão comum pode ser vítima de uma organização criminosa? Estas e outras perguntas foram respondidas pelo especialista em fraudes, corrupção e advogado criminalista J. Haroldo dos Anjos, autor do livro “As Raízes do Crime Organizado”. Confira:

1) Como a Lei nº 12.850, criada no ano passado, ajuda no combate ao Crime Organizado?

A Lei que tratava deste assunto antigamente era a de nº 9.034/95, criada em um momento em que havia muito sequestro de empresários no Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 90. Mas havia muita discussão sobre os instrumentos legais de combate a esse tipo de criminalidade organizada. Por esta lei, um grupo de quatro ou mais ladrões que se juntassem para roubar botijões de gás ou galinhas, na periferia ou subúrbio da cidade, seria considerado uma organização criminosa. Esta questão veio ser corrigida a partir da nova legislação. Com a revogação da Lei nº 9.034, de 1995, e a criação da Lei nº 12.850, no ano passado, ficou mais claro o entendimento do assunto. Com base na doutrina existente, o legislador resolveu traçar alguns mecanismos operacionais, com origem nas leis italianas e americanas, que permitem a investigação criminal para obtenção de provas e os procedimentos adotados. E por que? Porque quando se fala em Organização Criminosa, geralmente temos o envolvimento da figura do agente público, do fiscal, da polícia, do político, etc. Ou seja, existe o poder como ferramenta de trabalho e o dinheiro como principal mercadoria.

2) Por que é difícil a investigação desses crimes?

É muito difícil investigar o crime de poder, porque a primeira coisa que o criminoso do poder quer é exterminar o inimigo, como, por exemplo: a testemunha, a vítima, as pessoas que podem incriminá-lo. E isto inclui até os próprios amigos, como na máfia. Uma organização criminosa que elimina até os amigos próximos para ocultar suas práticas criminosas. Trata-se de crimes coletivos com extremo poder e agentes que fazem disso uma profissão. Sendo assim, o Estado precisa se organizar e ter instrumentos legais para combatê-los e possibilitar a investigação deste fenômeno criminoso. Foi aí que surgiu esta norma editada, que define os meios operacionais de investigação contra as organizações criminosas, que não deixam de ser instituições com ordenamento próprio, que funcionam dentro do Estado.

3) O Crime organizado é capaz de atingir a população, o cidadão comum, ou está restrito à esfera do poder?

Qualquer que seja o cidadão, ele é a vítima principal e refém do crime organizado. Normalmente, uma organização criminosa pratica crimes que devastam toda a sociedade em qualquer lugar do mundo.

4) Como esses crimes podem atingir um cidadão?

Você não se sente vítima do dinheiro que foi desviado da Petrobras? Todos nós somos vítimas, porque se trata de dinheiro público. Você não se sente um pouco vítima do tráfico de drogas que coloca nossos jovens a mercê do vício? Todos nós somos vítimas. Então, quando temos uma organização criminosa operando, normalmente ela está agindo em comunhão de ações e desígnios com o poder público, para desviar dinheiro ou obter outras vantagens, como troca de favores. E, normalmente, este dinheiro não é da iniciativa privada, mas dinheiro público. No caso da Petrobras, o dinheiro ali desviado não foi da iniciativa privada. Era dinheiro público de propina para fomentar o financiamento de campanhas eleitoras milionárias. No caso do "Mensalão", os envolvidos recebiam dinheiro de empresários para aprovar projetos de leis de seus interesses.

Perceba, então, que uma Organização Criminosa tem como principal sujeito passivo o cidadão e a sociedade civil, como um todo. É lamentável, mas o fator político é o elemento principal do Crime Organizado. E, depois, vem a corrupção de agentes públicos, quebrando a espinha dorsal do Estado legalmente constituído. Esse é o grande problema, porque contra corrupção não há lei ou argumento de jurista que resista. É como se fosse a volta ao estado da natureza, onde prevalece a lei do mais forte e o povo inteiro fica oprimido, refém de uma organização criminosa.

E, para concluir a resposto, vou dizer algo que vai assustar as pessoas, mas que, infelizmente, somos reféns de uma organização criminosa, como vem sendo mostrado pela mídia. De outra forma, a mobilização do povo nas ruas contra a corrupção é prova cabal da revolta popular. Sem dúvida, somos vítimas de um sistema perverso e altamente controlador quando se trata de crime organizado, onde o cidadão não tem a menor chance de resistência. Só fica bem quem faz parte do esquema. E quem acaba se ferrando é o cidadão honesto, porque o sistema somente lhe empurra para vala da corrupção. Por isso que o cidadão está muito revoltado, principalmente os mais jovens sem qualquer esperança.

5) Mas a Lei não está aí para proteger o cidadão de bem?

É como deveria ser. Mas aqui no Brasil as coisas funcionam ao contrário. O certo passa a ser errado e quem tem direito perde a razão, em um sistema corrupto, ou seja, no submundo da corrupção. Aqui no “país da impunidade”, quem vira corrupto tem privilégios e o sistema a seu favor. Mas se você, cidadão comum, cometer um crime, “será considerado culpado até que se prove o contrário”. Essa história de presunção de inocência (previsto na Constituição Federal), que preceitua que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", aqui no Brasil, só funciona para corruptos, diferentemente do que acontece nos EUA e na Europa.

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Mônica Marinho

Jornalista e assessora de imprensa. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Informações sobre o texto

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