Após um ano de sua publicação, o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) finalmente entra em vigor no dia 18 de março de 2016, transformando a rotina dos profissionais do Direito.
Para esclarecer algumas dúvidas, o Jus Navigandi entrevistou o Professor e Juiz Federal Salomão Viana, que vem estudando com afinco o novo CPC.
Salomão está ministrando o Curso Novo CPC: o que mudou?, apresentado em vídeos online, com mais de 12 módulos já disponíveis. Segundo os produtores, trata-se do mais completo curso existente no mercado sobre o assunto. O Jus Navigandi, em parceria com o Brasil Jurídico, disponibiliza o acesso ao curso aos seu leitores com uma promoção especial de 20% de desconto (mais informações).
Jus - O novo CPC aumenta o rigor com a fundamentação das decisões judiciais e a preocupação em não surpreender as partes com uma decisão inesperada. Em que medida essas mudanças favorecem ou prejudicam a agilidade e a efetividade processual?
Salomão Viana - Um dos equívocos mais comuns que percebo nas impressões que os operadores do Direito de um modo geral têm tido a respeito do novo CPC é o consistente no exame de aspectos isolados do código, como se se tratasse de um conjunto de textos normativos cuja interpretação pudesse ser feita sem levar em consideração o postulado da unidade. É preciso perceber que o novo CPC, que adota um modelo cooperativo de processo, estrutura um robusto sistema de precedentes judiciais obrigatórios e, ao mesmo tempo, é estruturado sobre esse mesmo sistema. Num sistema de precedentes judiciais obrigatórios, instalado num ambiente processual cooperativo, é impossível não dar atenção à fundamentação das decisões judiciais, uma vez que são exatamente os fundamentos determinantes da decisão que têm potencial para a universalização, para utilização em tantos casos similares quantos surjam. Ao lado disso, se os fundamentos determinantes das decisões judiciais têm esse potencial para a universalização, é preciso que eles sejam extraídos após um adequado debate, um debate responsável, e isso se dá por meio da abertura para que o princípio do contraditório incida na sua inteireza. Note-se que os órgãos julgadores continuarão podendo tomar conhecimento de ofício a respeito de diversas matérias. Mas não se pode confundir a possibilidade de se tomar conhecimento de ofício com a permissão para se decidir sem que o fundamento, de fato ou de direito, tenha sido previamente submetido ao contraditório. À vista disso, num primeiro momento, é inevitável que os processos, individualmente considerados, tenham a sua duração estendida, já que mais passos serão necessariamente dados antes que a decisão seja proferida. Todavia, na medida em que forem fixados precedentes obrigatórios em número significativo, a tendência natural – e esperada – é a de que ocorra uma redução no número de processos, já que o Poder Judiciário estará autorizado pelo sistema jurídico a rechaçar liminarmente as demandas que contrariarem precedentes obrigatórios. Com isso, num segundo momento após a entrada em vigor do novo código, com a diminuição do número de processos, serão colhidos os frutos da duração razoável e da efetividade processuais, com muito mais previsibilidade das decisões judiciais e, consequentemente, mais segurança jurídica.
Jus - Quais novos instrumentos o credor pode utilizar para aumentar a efetividade do processo judicial para o recebimento dos valores a que tem direito?
Salomão Viana - O novo CPC aumenta consideravelmente os instrumentos a serviço da efetividade processual. Para começar, o poder geral de efetivação das decisões judiciais passa a abranger o quanto necessário for para que sejam adequadamente cumpridas as obrigações de natureza pecuniária. No CPC-1973, esse poder geral de efetivação, que abrange a possibilidade de adoção medidas coercitivas atípicas – aquelas que não estão especificamente previstas na lei –, somente abrangia as obrigações de fazer, de não fazer e de entregar coisa distinta de dinheiro. O CPC-2015 o estende para as obrigações pecuniárias. Trata-se de uma expansão sem precedentes no sistema processual civil pátrio. Ao lado disso, a decisão judicial transitada em julgado e que não houver sido cumprida poderá ser levada a protesto, da mesma forma como se protesta um título de crédito, o que deixará em situação difícil o devedor resistente. Não bastasse, houve um significativo reforço do instituto da hipoteca judiciária, de modo que, se o débito for em dinheiro, poderá ser hipotecado bem imóvel do devedor, mesmo que a decisão ainda esteja submetida a recurso com efeito suspensivo. A hipoteca judiciária, portanto, passou a ser um efeito automático da sentença que impõe a obrigação de pagar dinheiro. Em acréscimo, as obrigações alimentícias vencidas e não pagas poderão ser descontadas, concomitantemente com as obrigações que forem se vencendo, diretamente dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, contanto que a soma das duas parcelas (a parte vencida e a atual) não ultrapasse cinquenta por cento de ganhos líquidos do devedor. São muitas as inovações. Se bem utilizadas pela parte credora, será sensível o aumento da efetividade processual nesse campo.
Jus - O juízo de admissibilidade de recursos pelos tribunais superiores foi objeto de modificações antes mesmo da entrada em vigor do novo CPC. O que mudou?
Salomão Viana - Na verdade a mudança foi para não haver mudança. Explico. É que o novo CPC, na sua versão original, quando foi publicado, suprimiu, generalizadamente, o juízo de admissibilidade recursal pelo órgão prolator da decisão recorrida. Essa linha foi adotada também quanto aos recursos especial e extraordinário, que passaram a não se submeter ao crivo de admissibilidade do tribunal prolator do acórdão recorrido. Esse quadro passou a preocupar sobremaneira os tribunais superiores, que, efetivamente, seriam repentinamente inundados por milhares de processos tão logo o código entrasse em vigor. Porém, antes da entrada em vigor, sobreveio a Lei n. 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, que, dentre outras coisas, reformou o código de modo a ficar prevista a realização do juízo de admissibilidade para tais recursos. Assim, quanto a esse assunto, fica, na essência, mantido o sistema do CPC-1973: os recursos especial e extraordinário serão submetidos a duplo juízo de admissibilidade, tanto pelo tribunal prolator do acórdão recorrido, como pelo tribunal superior respectivo.
Jus - O novo CPC aumenta a força normativa da jurisprudência como fonte do Direito, de forma a evitar a repetição de demandas semelhantes? De que forma?
Salomão Viana - Como realcei na resposta à primeira pergunta, o novo CPC estrutura um robusto sistema de precedentes judiciais obrigatórios e, ao mesmo tempo, é estruturado sobre esse mesmo sistema. No elenco de precedentes judiciais obrigatórios estão os julgamentos de casos repetitivos, que engloba os recursos especial e extraordinários repetitivos e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Fixada, por meio de tais instrumentos, a tese jurídica a ser empregada, o tribunal que fixou a tese, bem como todos os órgãos julgadores a ele vinculados, passa a dispor de um arsenal voltado para inibir o prosseguimento de processos em que o pleito seja contrário aos precedentes fixados. Com isso, o conjunto das decisões judiciais passa a ser dotado de uma desejada estabilidade e a população gozará de mais segurança jurídica. Um efeito colateral positivo disso, será a redução no número de processos, o que, de sua vez, possibilitará que os órgão julgadores possam atuar com mais qualidade. É que poderá haver maior dedicação ao julgamento de casos que, de fato, merecem atenção, já que os processos nascidos a partir da propositura de demandas inviáveis tenderão a ser resolvidos liminarmente, no seu início, sem que sequer seja citada a parte ré.
Jus - O processo eletrônico é uma realidade em implantação, que é o futuro do Direito. Contudo, em muitos aspectos, o CPC ainda permanece fazendo referências ao processo físico. O CPC avançou o suficiente nesse assunto?
Salomão Viana - Neste aspecto, a opção legislativa feita por ocasião da redação do novo CPC foi muito clara: os textos normativos foram produzidos de modo a resistir à constante ebulição do mundo informatizado. O regramento específico deverá se dar por meio de leis especiais e/ou atos administrativos, a depender da situação. Uma observação cuidadosa dos textos do novo código revelará que o regramento dos diversos assuntos se dá de modo a que a solução dos problemas possa ser encontrada tanto no âmbito de autos eletrônicos, como de autos físicos e, quanto à prática eletrônica de atos processuais, foram postas as coordenadas a serem seguidas pelos diversos órgãos integrantes do Poder Judiciário. É nessa linha que há dispositivo expresso no sentido de que os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, competindo ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais do código. Com isso, o código fica menos sujeito às oscilações resultantes da evolução da informática. De outro lado, não é desprezada a realidade resultante das dimensões continentais do país, que torna inevitável que ainda leve algum tempo para que todos os processos tramitem em autos eletrônicos.
Adquira já sua inscrição para o Curso Novo CPC: o que mudou, apresentado por Salomão Viana, com 20% de desconto (mais informações).