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Parecer sobre regime jurídico de servidores de autarquia municipal ante a EC 19/98

Agenda 01/09/2000 às 00:00

Diogenes Gasparini responde a consulta formulada por servidores públicos do Município de Guarulhos (SP), quanto à criação de um regime jurídico único em uma autarquia municipal, transformando os seus empregados em servidores públicos.

          SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - Desde a Emenda Constitucional n° 19, de 1998, o Município tem autonomia para escolher e instituir, por lei de iniciativa do Prefeito, o Regime Jurídico dos servidores municipais. Também cabe-lhe, no âmbito do Executivo, através de lei, criar, transformar e extinguir cargos, funções ou empregos públicos e por ato administrativo, nomear e exonerar seus titulares, observados, aqui e lá, os princípios constitucionais aplicáveis na espécie.

Alguns servidores municipais atentos e preocupados com os comentários, relacionados com a adoção, por lei, do Regime Jurídico Único Estatutário para o pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública do Município de Guarulhos, e, sobretudo, com a transformação dos empregos públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, em cargos públicos de provimento efetivo com o aproveitamento, nos cargos públicos assim criados, dos empregados que, realmente, ingressaram no serviço público guarulhense mediante concurso público, dando-lhes, ainda, opção para escolher o Regime Jurídico Estatutário ou o Celetista. Se o Município de Guarulhos optar pelo Regime Jurídico Estatutário, esclarecem os servidores-Consulentes, ditos empregados serão investidos nos cargos públicos assim criados, passando a desfrutar dos direitos e a cumprir os deveres inerentes a esse regime laboral.

Juntando a essas informações cópia da minuta do Projeto de Resolução n° 010/2000, de 29 de junho do corrente ano, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único Estatutário dos servidores do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos, a ser aprovada pelo Conselho Deliberativo dessa autarquia municipal, os servidores-Consulentes fazem a seguinte


CONSULTA

1.- Ao contrário do que se passava com a Constituição Federal de 1988, em sua redação original, os Municípios, como corolário da autonomia que lhes é assegurada pelo art. 18 dessa Lei Maior, podem escolher o Regime Jurídico para seu pessoal. Não mais se lhe exige que institua o Regime Jurídico Estatutário, nem que esse seja único, na medida em que o art. 39 da Lei Suprema que assim o prescrevia, por força da EC 19/98, teve alterada, por completo, sua redação ou, o que eqüivale afirmar, foi retirado da Constituição Federal. Nada do que esse dispositivo estabelecia foi mantido, desaparecendo, destarte, essa exigência para os entes federados. Ademais, nenhuma outra regra constitucional, mesmo veladamente, repetiu dita imposição. Portanto, é correto dizer-se que a Constituição Federal abandonou tal exigência e liberou, por conseqüência, os entes da Federação para escolherem, segundo seus respectivos interesses, o regime de pessoal mais adequado para o relacionamento laboral com seus servidores.

2.- Cabe, destarte, ao Município, segundo o interesse local e mediante lei, optar pelo Regime Estatutário ou Celetista, os únicos possíveis. Com efeito, ensinam, desse modo, entre outros, MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO (Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 423), CARLOS PINTO COELHO MOTTA - Coordenador - (Curso Prático de Direito Administrativo, Belo Horizonte, Del Rey, 1999, p. 208), DIOGENES GASPARINI (Direito Administrativo, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 175), HELY LOPES MEIRELLES (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo et alii, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 368), JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 670) e JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR (Da Reforma Administrativa Constitucional, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 197). Sobre essa possibilidade de escolha do regime de pessoal, esse monografista da reforma administrativa constitucional, assentou:

"O que se deve asserir, em última análise, acerca do regime jurídico desses servidores em face da Emenda 19, é que se, antes dela, era impossível exigir-se de Estados e Municípios que adotassem o regime laboral federal (trabalhista) para regular o vínculo regente de seu pessoal, porque o art. 39, com a redação derrogada, impunha a adoção de regime jurídico único para os servidores da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e esse regime somente podia ser o estatutário, agora caberá a cada Estado e Município escolher o regime jurídico que estabelecerá com seus respectivos servidores" (grifamos).

3.- Pode, pois, o Município, tanto quanto a União, o Estado-membro e o Distrito Federal, não só escolher o Regime Jurídico de pessoal para a sua Administração direta, autárquica e fundacional, como pode mesclar os dois regimes possíveis, vez que nada veda essa convivência que já se faz sentir na prática. Com efeito, em São Bernardo do Campo, a Lei municipal n° 4.172/94 instituiu o Regime Jurídico Estatutário e a Lei n° 6.184/99, editada na vigência da EC 19/98, ao criar a Guarda Municipal desse Município, adotou para o seu quadro de pessoal o Regime Jurídico Celetista. Essa convivência não é avessa à inteligência dos especialistas, a exemplo de, entre outros, MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO (ob. cit., p. 424), DIOGENES GASPARINI (ob. cit., p. 175), HELY LOPES MEIRELLES (ob. cit., p. 368), CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 2.000, p. 260), CARLOS PINTO COELHO MOTTA (ob. cit., p. 208) e ODETE MADAUAR (Direito Administrativo Moderno, 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 321).

4.- Em suma: cabe ao Município, como a qualquer outro ente federado, no exercício de sua autonomia, escolher um vínculo laboral para firmar com seus servidores, podendo a seleção recair no Regime Jurídico Único, estatutário ou contratual, ou, ainda, pode optar por um regime misto, onde parte de seus agentes será regida pelo primeiro e parte pelo segundo desses regimes. Na adoção do Regime Jurídico Único Celetista, a competência do Município para cuidar da organização dos servidores assim admitidos, é muito menor que a reconhecida em seu favor para a instituição do Regime Jurídico Único Estatutário. Cabe-lhe apenas, por lei, aditá-lo em alguns aspectos (concurso de ingresso, plano de carreira, concessão de algum benefício). Assim é, dado que legislar sobre Direito do Trabalho cabe privativamente, nos termos do art. 22, I, da Lei Suprema, à União. Daí a precisa lição de JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR (ob. cit., p. 197) proferida nos seguintes termos:

"Se optar pelo regime trabalhista, o Estado ou o Município terá de conformar-se à privatividade legiferante da União para editar normas de direito do trabalho (CF/88, art. 22.I). Vale dizer que, se o Estado ou Município escolher o regime trabalhista, estará a abrir mão de disciplinar, por normas próprias, o regime de seus servidores, porque somente a União legisla sobre direito do trabalho".

5.- Se a escolha recair no Regime Jurídico Único Estatuário, cabe ao Município, tanto quanto às demais pessoas políticas, regular, a admissão, a promoção, os direitos, os deveres, o procedimento disciplinar, as penas cabíveis e a extinção do vínculo. Cada uma dessas entidades é, assim, autônoma para organizar seu pessoal, como, entre outros, lecionam HELY LOPES MEIRELLES (ob. cit., p. 369) e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Apontamentos Sobre os Agentes e Órgãos Públicos, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, p. 41). Nessa passagem, esse eminente administrativista assegurou que "cada uma dessas pessoas políticas legisla para si, fixando as regras que melhor lhes pareçam para a organização e disciplina de atividade funcional de seus agentes". Igual é manifestação do Min. CELSO DE MELLO, do Supremo Tribunal Federal, em relação à autonomia do Estado-membro, aplicável, no entanto, a todos os entes federados e, por conseguinte, ao Município (RT 711:235). Com efeito, em seu voto, acentuou:

"A autonomia dos Estados-membros constitui um dos fundamentos essenciais na configuração conceitual da organização federativa. Dessa autonomia político-jurídica das entidades regionais deriva seu poder de auto-organização, que lhes permite definir uma ordem constitucional própria" e, dizemos nós, com todas as vênias possíveis, escolher o regime jurídico, estatutário ou contratual, de seus servidores e organizar o vínculo que com eles manterá, instituindo o primeiro com grande liberdade e o segundo com bastante restrições.

6.- Não se está, evidentemente, negando a aplicabilidade das normas e princípios constitucionais, obrigatoriamente observáveis por ditas pessoas políticas, mas averbando que o Município, desde a EC 19/98, tem autonomia para escolher e instituir, por lei de iniciativa do Prefeito, o Regime Jurídico de seus servidores, assim como lhe cabe, na esfera do Executivo, criar, transformar e extinguir cargos, funções e empregos públicos, observados os princípios e regras constitucionais que regem tais comportamentos. Negamos, isto sim, qualquer ingerência de leis de entidade federada maior sobre pessoa política menor, na organização de seu pessoal. Nem mesmo a Constituição estadual pode, nessa área, prever regra obrigatória para o Município, por exemplo.

As regras federais, verbi gratia, não alcançam os servidores estaduais, distritais e municipais, salvo quando tratar-se de norma de caráter nacional (essa é a que vigora em todo o território brasileiro, submetendo todos aos seus termos e condições) como são, por exemplo, as que dispõem sobre crimes funcionais (arts. 312 a 327 do CP), requisição para o serviço eleitoral (art. 30, XIV, do CE), acidente do trabalho (Lei federal n. 6.338/76) e seguridade social (art. 22, XXIII, da CF). Em tais casos, a União não está dispondo sobre Regime Jurídico de servidor estadual, distrital ou municipal, mesmo que os servidores dessas entidades a elas estejam submetidos, mas disciplinando outras matérias de sua competência. Aliás, a subserviência do Município às mencionadas regras e princípios está determinada na própria Constituição Federal que, em relação ao Município, prescreve:

"Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: ..."(grifamos).

7.- O poder de escolher o Regime Jurídico Único do servidor público não é, vê-se, uma prerrogativa de caráter absoluto, mas, ao contrário, submetida no seu exercício a todas essas limitações jurídico-constitucionais. Destarte, não cabe ao Município ampliar benefício, (aposentadoria compulsória ao homem aos sessenta e cinco anos) ou estender direitos (estabilidade a celetista ou a titular de cargo de provimento em comissão), ainda que por lei, a quem não fora constitucionalmente alcançado, dado o caráter exaustivo do rol dos beneficiados por esses direitos. Essa também é a inteligência de ADILSON ABREU DALLARI (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª ed., rev. e atual. de acordo com a Constituição Federal de 1988, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 26) ao afirmar: "Com efeito, também nos parece que ampliar um direito concedido pela Constituição ou estendê-lo a quem não era por ele beneficiado, implica vulnerar um equilíbrio entre o servidor e a Administração, que a Constituição pretendeu estabelecer".

8.- Princípio basilar, cuja observação é obrigatória a todos os entes federados, onde inclui-se, por certo, o Município, está consubstanciado no inc. II do art. 37 da Lei Maior, que prescreve a indispensabilidade do concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo, função ou emprego público. Com efeito, estabelecem esses dispositivos que:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ................................

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração".

Afina-se com tal orientação a Constituição Paulista, podendo por tal razão ser proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei municipal que afronte essa Lei Maior estadual. Aliás, não é outra coisa o que estabelece o seu art. 90, ao mencionar as partes legítimas para propor essa ação com o fito de declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, contestado em face dessa Constituição. Assim ficou assentado na Inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo para retirar do ordenamento jurídico dispositivos da Lei municipal n° 4.172/94, de São Bernardo do Campo, incompatíveis com o princípio da obrigatoriedade do concurso público de provas ou de provas e títulos, para o ingresso de interessados no serviço público, acolhido pelo art. 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo. De fato, estabelecem ditos preceptivos que:

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: ............

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração".

9.- O Município encontra-se, pois, vinculado, em face dessas expressas previsões constitucionais, aos princípios que regem a Administração Pública direta e indireta do Legislativo, Executivo e Judiciário. Dentre os quais ressalta como limite da atividade estatal, a exigência de irrestrita atenção ao postulado do concurso público de provas ou de provas e títulos para ingresso no serviço público. Por não se referir mais à primeira investidura, a Constituição Federal acabou por impor a qualquer provimento de cargo público a prévia aprovação do interessado em concurso público de provas ou de provas e títulos. Essa inteligência é apoiada pelo Judiciário conforme infere-se da ementa de v. Acórdão do STF, relatado pelo Min. CELSO DE MELLO. De fato, aí restou decretado que: "A partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade de certame público não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas como regra geral de observância compulsória" (RT 711:235).

A indispensabilidade do concurso público para a titularização de cargo ou emprego do quadro de pessoal da Administração Pública direta e indireta, também é afirmada, nesses termos, em eloqüente e precisa lição de JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR (ob. cit., p. 68), proferida com a seguinte dicção:

"A Constituição de 1988 fez do concurso público via exclusiva de investidura em cargo ou emprego público. A ponto do Supremo Tribunal Federal haver decidido que a maioria dos modos derivados de investidura (mudança de cargo mediante procedimentos internos, tais como acesso, transposição, progressão) não foi recepcionada pelo novo regime, estando, pois, proibida. A exegese é peremptória: ‘não mais restrita a exigência constitucional à primeira investidura em cargo, tornou-se inviável toda forma de provimento derivado do servidor público em cargo diverso do que detém, com a única ressalva da promoção, que pressupõe cargo da mesma carreira; ...".

10.- Se adotado o regime jurídico estatutário, os eventuais empregos públicos existentes e sem ocupantes, criados por lei e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, poderão ser transformados em cargos públicos de provimento efetivo, fixando-se em lei essa transformação, com a indicação do número de empregos públicos transformados, que corresponderá à quantidade de cargos assim criados, o nome dos cargos resultantes da transformação, o vencimento, os requisitos de provimento e as funções dos cargos resultantes. Dita transformação não oferecerá preocupação de espécie alguma, pois não há qualquer direito a ser preservado. Com efeito, trata-se de emprego público sem ocupante, e o preenchimento do cargo originado dessa operação será feito mediante concurso de provas ou de provas e títulos, obedecendo, pois, a impositiva regra do inc. II do art. 37 da Constituição Federal, repetido no inc. II do art. 115 da Lei Maior Paulista e no inc. II do art. 79 da Lei Orgânica de Guarulhos. Como o emprego público está vago e o titular do cargo efetivo, que ingressou por concurso público de provas ou de provas e títulos deve ser considerado servidor que ingressa no serviço público pela primeira vez, ainda que tenha ocupado o emprego transformado em cargo, não cabe falar de opção. São duas situações que não se interligam, pois independentes. A opção seria indispensável se houvesse a transformação do emprego público em cargo efetivo e a automática investidura do empregado, ocupante desse emprego, no cargo público efetivo assim criado, dado o desrespeito que isso causaria ao direito adquirido do empregado.

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Se os empregos públicos sem os respectivos ocupantes forem transformados em cargos de provimento em comissão, procede-se como na transformação de empregos públicos em cargos de provimento efetivo e faz-se o seu preenchimento segundo a característica desses cargos públicos, sem concurso, portanto. Deve, no entanto, ser observado que nos termos do art. 37, V, da Lei Suprema, esses cargos destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Assim, é possível que nem todos os empregos públicos possam ser transformados em cargos de provimento em comissão, ou seja, em cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração, pois pode inexistir necessidade de tantos cargos de direção, chefia e assessoramento. Quanto à opção, veja o que dissemos no fim do parágrafo anterior, cujas considerações valem para esta hipótese.

11.- Se os empregos públicos criados por lei estão ocupados, isto é, têm, cada um, seu respectivo empregado para desempenhar suas funções, há que, antes, ser regularizada tal situação mediante o rompimento do vínculo celetista que mantêm com a Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública, pagando-se todas as verbas rescisórias e indenizatórias, inclusive a multa de quarenta por cento relativa ao FGTS, pois trata-se de rescisão sem justa causa. De fato, esses servidores não cometeram qualquer ato ilícito ou violação contratual, explícito ou implícito, que pudesse caracterizar justa causa para o despedimento e, por conseguinte, para a rescisão contratual. Em nenhuma das causas indicadas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho esses empregados incidiram, de sorte que fazem jus às mencionadas verbas, deve-se, no entanto, distinguir para efeito dos respectivos pagamentos se a rescisão ocorreu antes ou depois de um ano de serviço. Por ser assim, é desnecessária qualquer opção, valendo, aqui, as razões expendidas no n° 10 deste parecer.

Para evitar o pagamento de verbas indenizatórias e tornar o despedimento menos traumático social e politicamente, o Município pode, por lei, implantar e executar um plano em que o empregado público é motivado a solicitar a rescisão de seu contrato de trabalho. Após estas ou aquelas medidas, por lei, procede-se a transformação dos empregos públicos, agora sem ocupantes, em cargos públicos de provimento efetivo ou em comissão, consoante as regras que anteriormente foram referidas no número 10 deste parecer.

O provimento dos cargos efetivos assim originados será através de concurso público de provas ou de provas e títulos, no qual os interessados, por óbvio, deverão lograr aprovação e classificação de acordo com o número deles colocados em concurso, e os de provimento em comissão por alguém da confiança da autoridade competente para nomear, observado, repita-se, que ditos cargos destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (art. 37, V, da CF). Nesses casos, a escolha do futuro ocupante do cargo de provimento em comissão poderá, eventualmente, recair na pessoa do então ocupante do emprego público, transformado nessa espécie de cargo público.

12.- O que não se permite, nem à lei, é a determinação para que os ocupantes de empregos públicos, transformados em cargos públicos de provimento efetivo, sejam, sem maiores exigências, os respectivos titulares dos cargos públicos assim criados. Com efeito, se isto fosse autorizado haveria uma burla ao princípio da obrigatoriedade do concurso público para o provimento de cargos efetivos. Via de regra, o ingresso no serviço público sob o Regime Jurídico Celetista, quando muito, era feito por um processo de escolha chamado seleção pública, que não observava a rigidez, os prazos, a seriedade, a publicidade e as formalidades dos concursos públicos, requisitos impostos pelos princípios e regras constitucionais. Nesse particular, é o alerta de CARLOS ARI SUNDFELD em parecer onde discutiu a efetivação de empregado municipal, quando seu emprego público foi transformado em cargo efetivo (RTDP 4:179). Por ser assim, a seleção pública não substitui o concurso público e, portanto, não satisfaz a exigência do inc. II do art. 37 da Constituição Federal, nem a do inc. II do art. 115 da Constituição Paulista ou a do inc. II da Lei Orgânica de Guarulhos. Ser aprovado em concurso público específico, regular e formalmente realizado e classificado dentro do número de vagas oferecido são dois requisitos para que alguém possa ser investido em cargo de provimento efetivo.

12.1.- Ainda que se comprovasse, no caso, que o concurso público realizado para ocupar emprego público foi regular e formalmente realizado, não estaria satisfeita a exigência do concurso público de provas ou de provas e títulos prescrita no inc. II do art. 37 da Lei Maior. O concurso público de provas ou de provas e título, previsto nesse inciso, é próprio para o preenchimento de um cargo efetivo certo, determinado, não servindo, por essa razão, para o concursado titularizar outro cargo, salvo nos casos de promoção. Para titularizar outro cargo efetivo há necessidade de novo concurso público de provas ou de provas e títulos. Daí a precisa e bem lançada ensinança de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Regime dos Servidores da Administração Direta e Indireta - Direitos e Deveres -, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1995, p. 55) ao afirmar:

"Claro está, entretanto, que a existência de formas de provimento derivadas de modo algum significa abertura para costear-se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico para um dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e elevados" (grifamos).

12.2.- Se ao provido em certo cargo não se admite, dada a especificidade do concurso público, seu deslocamento para outro de natureza diversa ou integrante de carreira melhor remunerada ou de atribuições mais expressivas sem novo concurso público, como imaginar-se constitucional a lei que pretende aproveitar concurso realizado sob o figurino e fins do Regime Jurídico Celetista, para o provimento de cargo público submetido ao Regime Jurídico Estatutário? Se o concurso público foi utilizado por certo interessado para sua nomeação em cargo público, não pode ser aproveitado quando de sua nomeação em outro cargo público, ambos disciplinados pelo Regime Jurídico Estatutário, como pretender que, legitimamente, o concurso público realizado para dar um ocupante a determinado emprego público, criado e regulado nos moldes do Regime Jurídico Celetista, possa ser aproveitado para a sua nomeação em cargo público, instituído e disciplinado para os fins do Regime Jurídico Estatutário? Se lá, a lei que a tanto permitisse esse comportamento da Administração Pública já seria de gritante inconstitucionalidade, o que dizer da lei que autorizasse o aproveitamento do concurso celetista para validar nomeação estatutária?

Cabe averbar, ainda a esse propósito, a irrelevância, para o Judiciário, do concurso público prestado pelo empregado para ocupar um emprego regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, transformado em cargo efetivo regulado pelo Regime Jurídico Estatutário, provido, sem concurso de provas ou de provas e título, com esse empregado público. É o que se infere da inteligência desse Poder ao decretar a inconstitucionalide de dispositivos da Lei Municipal de Santo André n° 6.686. Com efeito, no v. Acórdão n° 27.655-0/6 do Tribunal de Justiça de São Paulo não se fez qualquer alusão ao fato do art. 1° dessa lei mencionar que tais empregados haviam sido contratados mediante concurso público. Assim, quer a contratação tenha sido ou não mediante concurso público, a titularização do cargo resultante da transformação desse emprego em cargo efetivo exige, sempre, concurso público e provas ou de provas e título.

12.3.- Não se pode esquecer que o concurso público foi realizado com o fito de escolher um ocupante para certo emprego público, não para selecionar alguém vocacionado a titularizar um cargo de provimento efetivo. O concurso público observou as regras do Regime Jurídico Celetista de pessoal e o provimento atenderá a disciplina do Regime Jurídico Estatutário. As duas situações, portanto, são inequivocamente, desiguais e pretender que o concurso público para preencher emprego público, diferente pelos seus objetivos, possa prestar-se ao provimento de cargo efetivo, é violar o princípio igualdade, de observância obrigatória ex vi do art. 5°, caput, da Lei Maior. Como retirar de situações diversas, iguais conseqüências jurídicas, senão ignorando a regra segundo a qual os casos idênticos regem-se por disposições idênticas e devem ter idênticas sentenças?

12.4.- Ademais, a transformação do emprego público em cargo estatutário, com o aproveitamento do empregado público como titular do cargo público assim criado, sem novo concurso, ofende o princípio da competitividade, jacente no princípio da isonomia. De fato, inúmeros pretendentes ao ingresso no quadro de pessoal da Administração Pública, desinteressaram-se do certame para ocupar um emprego público porque seu regime era celetista e não lhe oferecia maiores atrativos. Esses, certamente, dele teriam participado se soubessem que mais tarde seus vencedores poderiam, sem outras exigências, portanto, sem novo concurso público, titularizar um cargo de provimento efetivo, que lhes permitisse ingressar e obter as vantagens da carreira. Se não acudiram ao referido concurso por essa razão, é evidente que tal motivo frustrou a competição e o concurso foi, desse modo, fraudado. Com efeito, teve menos candidatos do que teria se todos soubessem que a Administração Pública, mais tarde, transformaria os empregos públicos em cargos de provimento efetivo, diminuindo, destarte, a possibilidade de melhor seleção dos concursandos. Essa também é a inteligência de CARLOS ARI SUNDFELD ao afirmar

"Quando uma vantagem é oferecida pela Administração aos particulares, os possíveis interessados se decidem por pleiteá-la ou não, dependendo de suas características. Ao abrir as citadas ‘provas seletivas’, o Município de Taubaté acenou aos aprovados com a contratação como empregados, não com a admissão como funcionários efetivos, muito mais vantajosa, inclusive por conferir direito à estabilidade e à aposentadoria especial. Assim, os pretendentes a cargos efetivos não se inscreveram, já que não havia cargos em disputa. Por isso mesmo, a transformação, agora, dos empregados em estatutários implica evidente fraude ao certame realizado" (RTDP 4:179).

12.5.- Esse comportamento da Administração Pública também desrespeitou o princípio da boa-fé, segundo o qual, na precisa lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso cit., p. 90), a "Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos". No caso consultado, a Administração Municipal de Guarulhos, se concretizar o projeto relativo ao seu pessoal e que preocupa os diligentes servidores-Consulentes, estará agindo sem sinceridade e lhaneza, comportando-se, pois, astuciosa e maliciosamente, confundindo os administrados. Com efeito, se essa Administração Pública realiza dito concurso público com o objetivo de selecionar ocupantes para empregos públicos e posteriormente transforma esses empregos públicos em cargos efetivos e os titulariza com ditos ocupantes, sem que todos os interessados, a um só tempo, tivessem conhecimento de tal possibilidade, não há dúvida que ignorou, por completo, o princípio da boa-fé.

Muitos creditaram nessa orientação que indicava ser firme e franca, mas alterada, ao depois, com prejuízo dos não participantes, para permitir aos vencedores do concurso e ocupantes dos empregos públicos mais direitos, a exemplo da estabilidade e das vantagens da carreira, decorrentes da transformação desses empregos públicos em cargos efetivos. Foram ludibriados. Destarte, também por essa razão não se teria como validar essas operações se efetivadas pelo Município de Guarulhos. Não se diga, em contradita, que tal princípio não esta abrigado no Ordenamento Jurídico Brasileiro, dado que esforço inoperante, inócuo, já que albergado no princípio da moralidade administrativa. Com efeito, ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso cit., p. 89), ao versar sobre este princípio, que "compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa".

13.- A doutrina tem considerado inconstitucionais preceptivos legais, a exemplo do art. 243 da Lei federal n° 8.112, de 11.12.90, que transformou empregos públicos em cargos de provimento efetivo, dando-lhes, como titulares, os então empregados públicos, por afrontarem, às escâncaras, o art. 37, II, da Constituição Federal e o art. 19 e § 1° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Com essa inteligência, são os ensinamentos de, dentre outros, LUCIA VALLE FIGUEIREDO (Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 538), CARLOS ARI SUNDFELD (RTDP 4:179), IVAN BARBOSA RIGOLIN (Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 369) e WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA (Comentários ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, 2ª ed., Bauru, Edipro, 1993, p. 245).

Esse também é o magistério de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso cit., p. 262, nota nº 23) ao averbar:

"Aliás, a sobredita lei não apenas instituiu tal regime como o geral, aplicável a quaisquer servidores públicos titulares de cargo público na órbita da União, mas, também, conforme dantes se disse, inconstitucionalmente, colocou sob sua égide servidores não concursados que haviam sido admitidos pela legislação trabalhista e transformou seus empregos em cargos públicos, independentemente do tempo de serviço que tivessem (art. 243 e § 1°). Nisto afrontou, à generala, tanto o art. 37, II, da Constituição, que exige concurso público de provas ou provas e títulos para acesso a cargos públicos, quanto ofendeu ostensivamente o art. 19 e § 1° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

14.- Ademais, não pode essa lei, nesse particular inconstitucional, servir de exemplo, como realça CARLOS ARI SUNDFELD no seguinte escólio de seu parecer: "Mas, obviamente, a inconstitucionalidade e a imoralidade, por melhor postados que sejam seus autores, não servem de exemplo" (RTDP 4:179). Essa inteligência, que condena qualquer amparo, para justificar disposições legais semelhantes, no art. 243 da Lei federal n° 8.112/90, também foi manifestada pelo d. Des. ÁLVARO LAZARINI, Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 27.655-0/6. Com efeito, ao proferir seu voto, rebateu o argumento da similitude, nesse particular, da Lei de Santo André n° 6.686/90 com essa lei federal, levantado pelo Prefeito andreense em defessa dessa lei municipal. Nesse voto restou afirmado que "Tudo isso desconheceu o Município de Santo André, ou seja, não lhe podia servir de paradigma o referido art. 243 da Lei Federal n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que aliás lhe é posterior, ... ". Resumidamente, pode-se afirmar, que não cabe a ninguém, nem mesmo à Administração Pública, pautar seus atos por medidas, ilegais ou inconstitucionais, ainda que de maior hierarquia, e pretender a legalidade e constitucionalidade de seu comportamento.

15.- Ao que se tem notícia, tentativas iguais à que se propõe o Município de Guarulhos, transformando empregos públicos em cargos efetivos, dando-lhes, como titulares, os ocupantes dos empregos transformados, sem o cumprimento da exigência do concurso público e sem Estágio Probatório, têm sido consideradas pelo Poder Judiciário como inconstitucionais.

15.1.- Assim ocorreu com os arts. 4°, §§ 1°, 2°, 3°, 5°, 6°, 7° e 8° e 5° parágrafo único, da Lei municipal de São Bernardo do Campo n° 4.172 de 17.3.94, que instituiu o "Regime Jurídico Único para os servidores públicos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional Pública do Município, cria o Fundo de Aposentadoria e Pensão, dispõe sobre a Assistência Médica e ...". Esses dispositivos dispunham:

"Art. 4°. As funções, vagas ou ocupadas, constantes dos quadros da Lei municipal n° 2.240, de 13 de agosto de 1976, e suas alterações, e as constantes do Quadro Suplementar de Funções e do Quadro Suplementar de Funções Braçais e Artífices, ficam transformadas em cargos de provimento efetivo correspondentes, que passam a fazer parte dos quadros de pessoal estatutário.

§ 1°. As funções, vagas ou ocupadas, constantes dos quadros de pessoal das Autarquias e Fundações Públicas, ficam, igualmente, transformadas em cargos de provimento efetivo.

§ 2°. Os servidores mencionados no inciso III do artigo 3°, terão suas funções transformadas em cargos de provimento efetivo correspondentes, em extinção na vacância, cujas referências guardarão similitude com as dos cargos criados pela lei municipal n° 3.508, de 20 de junho de 1990.

§ 3°. Em decorrência do disposto no parágrafo anterior e, em havendo diferença entre o valor do salário da função e o valor da referência do cargo, fica assegurada a percepção da mesma, a título de vantagem pessoal.

................................

§ 5°. Na hipótese da existência de funções ocupadas por estrangeiros e servidores que percebam benefício de aposentadoria pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), a transformação dessas funções em cargos dar-se-á, respectivamente, após a naturalização ou o desligamento do ocupante.

§ 6°. A transformação prevista neste artigo dar-se-á em cargos isolados ou de carreira, correspondentes, com a mesma nomenclatura, atribuições e vencimentos das funções transformadas, respeitados, inclusive, as vantagens pessoais e os graus a qualquer título obtidos.

§ 7°. Consideram-se investidos nos respectivos cargos de provimento efetivo os servidores que tiveram suas funções transformadas em conformidade com o disposto neste artigo.

§ 8º. Em decorrência do disposto neste artigo, os órgãos mencionados no artigo 1° farão publicar seus quadros de pessoal devidamente consolidados, no prazo de 90 (noventa) dias contados a partir da vigência desta Lei.

...............................

Art. 5°. O estágio probatório dos servidores mencionados nos incisos do art. 3°, será processado na forma da Lei municipal n° 1.729, de 30 de dezembro de 1968, dispensando-se esta exigência, desde que já cumprido o período de 730 (setecentos e trinta) dias de efetivo exercício.

Parágrafo único. Na transformação em cargo será considerado como de efetivo exercício o tempo anterior na função exercida".

Todos esses dispositivos foram considerados inconstitucionais, por votação unânime, em Sessão Plenária do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consoante v. Acórdão, pendente de recurso perante o Supremo Tribunal Federal, que julgou procedente o pedido do d. Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo (ADIn. n° 27.138-0/7), em cujo texto restou decretado:

"Resumindo, desde que o art. 4°, §§ 1°, 2°, 3°, 5°, 6°, 7°, 8° e art. 5°, parágrafo único da Lei Municipal n° 4.172, ofenderam o princípio constitucional da indispensabilidade do concurso público para acesso a cargo público, sem dúvida ficou ofendido o art. 115, II da Constituição Estadual. Por estes motivos, julga-se procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos mencionados dispositivos da Lei 4.172 de 17.3.94 do Município de São Bernardo do Campo, confirmando-se a liminar".

15.2.- A Lei Complementar municipal de Santos n° 22/91, que dispõe sobre direitos do servidor público municipal, estabeleceu:

"Art. 5° - Os servidores enquadrados nas situações mencionadas no artigo 3°, serão investidos em cargos de provimento efetivo desde que aceitem expressamente sua investidura.

Parágrafo 1° - Esse enquadramento dar-se-á, através da transformação automática do emprego em cargos reagrupados conforme o Anexo I desta lei e tomando-se como referência o efetivo de pessoal existente em 1° de março de 1991.

Parágrafo 2° - Após realizado o enquadramento acima descrito, considerando ainda a criação de cargos necessários à implementação de serviços e atividades a serem ampliados e implantados, além da adequação da nomenclatura de outros cargos, o Quadro de Professores e Especialistas da Prefeitura Municipal de Santos é o constante do Anexo II desta lei. Independentemente da opção do servidor pela permanência no seu Regime de origem, conforme o artigo 6° da presente lei, o Quadro de Pessoal terá o limite por cargo conforme o mesmo Anexo II, continuando esses servidores a ocuparem o emprego atual".

Por ter prescrito dessa forma, esses dispositivos foram declarados inconstitucionais na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 20.598-0/4, proposta pelo ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, em Sessão Plenária do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo v. Acórdão decretou:

"16. Ante todo o exposto, julga-se procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 5°, §§ 1° e 2°, da Lei Complementar n° 22/91, do Município de Santos, como acima constou, ficando determinada a comunicação do teor desta decisão à Câmara Municipal de Santos para que suspenda a execução da lei, nos termos do art. 90, § 3°, da Constituição do Estado de São Paulo".

15.3.- O mesmo se deu com o art. 5° e parágrafos da Lei n° 6.686, de 18.9.90, do Município de Santo André, que dispôs sobre direitos dos servidores públicos municipais, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 27.655-0/6 proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Ditos dispositivos portavam a seguinte dicção:

"Art. 5° - Os servidores celetistas contratados mediante concurso público de provas, ou de provas e título, realizado no período compreendido entre o início da vigência da Constituição Federal e 6 (seis) meses da promulgação desta lei, poderão optar pelo regime jurídico único.

§ 1° - Aqueles que optarem pela alteração do regime terão suas funções, automaticamente, transformadas em cargos efetivos nos quais serão investidos.

§ 2° - A opção a que se refere o ‘caput’ deste artigo deverá se dar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados a partir da promulgação desta lei, ou por ocasião de sua admissão no caso de servidores contratados após a vigência da presente lei.

§ 3° - Os servidores da Guarda Municipal poderão optar pelo regime único no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da promulgação de seu estatuto próprio".

Sobre tais normas o d. Des. ÁLVARO LAZZARINI, em relatório e voto que integram o v. Acórdão n° 27.655-0/6, proferido, por unanimidade de votos, em Sessão Plenária do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afirmou eloqüente e precisamente, que:

"Note-se que o art. 5° e seus parágrafos da Lei n. 6.686, de 18 de setembro de 1990, do Município de Santo André, ao permitir a servidores celetistas a investidura em cargos de provimento efetivo do Quadro de Pessoal do Regime Estatutário sem concurso público, bastando que optem nesse sentido, violou, portanto, o princípio da acessibilidade, como focalizado e, assim, também o princípio da legalidade, porque o da acessibilidade tem previsão constitucional estadual, de observância obrigatória por parte do Município de Santo André. Violou também o princípio da moralidade administrativa, dado que concurso público, como é cediço, entre outros objetivos, tem o de manter a moralidade administrativa, dando igual oportunidade a todos que atendam as exigências da lei".

......................

Daí julgar-se procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 5° e seus parágrafos da Lei n. 6.686, de 18 de setembro de 1990, do Município de Santo André, devendo esta decisão ser comunicada à Câmara Municipal e ao Prefeito do Município de Santo André, nos termos do art. 676 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo" (destaque do autor do voto).

Por força desse pronunciamento restou decretado, no v. Acórdão decisório da ADIn. n. 27.655-0/6, que:

"ACORDAM, em Sessão Plenária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, indeferir o pedido formulado pela Procuradoria Geral do Estado e julgar procedente a ação, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado".

15.4.- O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 982-6-Piauí, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, referendou, por seu Tribunal Pleno e unanimidade de votos, o r. despacho do d. Min. ILMAR GALVÃO que deferiu o pedido de medida liminar, para suspender, até decisão final dessa ação, a eficácia do inc. IV do art. 5° da Lei Estadual do Piauí n° 4.546, de 29.12.92, dado que em tese esses dispositivos afrontavam o inc. II do art. 37 da Constituição Federal, cujo v. Acórdão está assim ementado:

EMENTA: ESTADO DO PIAUÍ. LEI N° 4546/92, ART. 5°, INC. IV, QUE ENQUADRA NO REGIME ÚNICO, DE NATUREZA ESTATUTÁRIA, SERVIDORES ADMITIDOS SEM CONCURSO PÚBLICO APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM AS NORMAS DOS ARTs. 37, II, E 39 DO TEXTO PERMANENTE DA REFERIDA CARTA E COM O ART. 19 DO ADCT. Plausibilidade da tese. O provimento de cargos públicos tem sua disciplina traçada, com rigor vinculante, pelo constituinte originário, não havendo que se falar, nesse âmbito, em autonomia organizacional dos entes federados. Dispositivo destoante dessa orientação. Conveniência da pronta suspensão de sua eficácia. Cautela deferida (STF - Consulta Jurisprudência, visualização de documentos - Internet).

16.- A estabilidade, via de regra, somente é alcançada pelo nomeado para ocupar cargo público titularizável mediante concurso público de provas ou de provas e títulos e após três anos de efetivo exercício, conforme estabelece o art. 41 da Constituição Federal, salvo os que já estagiavam antes da EC 19/98, para os quais esse prazo é de dois anos. Esse período, sempre continuado, é chamado de Estágio Probatório. Nele se apura, conforme regulado em lei, a capacidade do servidor (aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação, idoneidade moral, eficiência) para a permanência no serviço público, desempenhando as funções do cargo público que titulariza. Dadas essas finalidades, não entendemos possível, ainda que lei a regulamente, a designação ou nomeação do servidor em Estágio Probatório para exercer outro cargo, e muito menos entendemos viável seu comissionamento em outra entidade e a concessão de licença para tratar de interesse particular. O afastamento do servidor do exercício do cargo efetivo em qualquer dessas hipóteses, durante o Estágio Probatório, impede a necessária verificação de suas condições para o exercício das atribuições do cargo para o qual foi nomeado.

Também não aceitamos, mesmo que disciplinada por lei, a contagem de qualquer tempo de serviço prestado a outra entidade ou de tempo anterior dedicado à mesma pessoa onde o servidor deve estagiar, como ocupante de cargo ou emprego público, ainda que no exercício de idêntica função. Assim, os ocupantes de empregos públicos, desligados regularmente do quadro de pessoal, ao prestarem concurso público para a titularização dos cargos públicos originados da transformação dos empregos públicos e vagos, deverão cumprir o Estágio Probatório de três anos, não valendo, destarte, a experiência anterior. No desempenho do cargo para o qual foi nomeado, sob o Regime Jurídico Estatutário, é que o seu titular deve ser avaliado. Por essa razão, a então Instrução Normativa n° 10 de 14.9.94, da antiga Secretaria da Administração Federal, estabelecia que o servidor em Estágio Probatório não podia afastar-se do exercício do cargo. Ao ressalvar dita vedação, referia-se a casos excepcionais previstos em normas específicas cuja determinação era compulsória. Em tais casos, pensamos que há suspensão do Estágio Probatório que volta a contar com o retorno do estagiário. Destarte, só após completar esse prazo é que se conclui pela permanência ou não do estagiando no cargo efetivo. Essa é a inteligência que deve prevalecer.

17.- A extinção de cargos e empregos públicos é sempre possível, vindo de encontro à filosofia de contenção de despesas, introduzida na Constituição Federal pela EC 19/98 e reafirmada pela Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal n° 101 de 4.5.2000, conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, daí as restrições com a realização de despesas com pessoal. A transformação de empregos públicos vagos em cargos públicos de provimento efetivo ou em comissão, por caracterizar, na verdade, criação de cargos públicos e por trazer, como conseqüência, a nomeação de seu titular através de concurso público de provas ou de provas e títulos, acaba por aumentar a despesa com pessoal, devendo, pois, estar dentro do limite fixado por essa lei. Esse limite é, em relação ao Executivo municipal, de 54 % (cinqüenta e quatro por cento), consoante estabelecido no art. 20, III, "b", da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse percentual incide sobre a receita corrente (art. 19 da LRF). Assim, se forem transformados em cargos públicos os empregos públicos, antes da nomeação dos aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, deve ser procedida a apuração da despesa total de pessoal para confrontá-la com o limite antes mencionado, sendo possíveis as nomeações se o total encontrado (art. 18 c/c seu § 2°, da LRF) for menor que 95% (noventa e cinco por cento) desse limite, salvo alguma proibição. Ultrapassado esse teto de 95% (noventa e cinco por cento), são vedadas ao Município as operações indicadas nos incisos do parágrafo único do art. 22, também dessa lei, que estabelecem:

"I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

II - criação de cargo, emprego ou função;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6° do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias".

18.- Ademais, é nulo de pleno direito, prescreve o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, o ato que provocar aumento de despesa com pessoal, e a nomeação, como regra, é exemplo disso, se não atender:

"I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inc. XIII do art. 37 e no § 1° do art. 169 da Constituição Federal;

II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.

Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal, expedido nos 180 dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20".

A conclusão, portanto, é simples: o pretendido pelo Município de Guarulhos com a transformação dos empregos públicos vagos em cargos públicos de provimento efetivo ou em comissão e a nomeação dos seus titulares, observadas as exigências legais, propiciará um aumento da despesa com pessoal. Como esse aumento, no caso, ocorrerá dentro dos 180 dias anteriores ao fim do mandado do Chefe do Executivo municipal, as nomeações serão nulas de pleno direito. Essa nulidade, por ser de direito, é automática, dispensável, portanto a intervenção da parte ou do Judiciário. Não se diga que não há aumento de despesa porque os novos servidores apenas substituíram os antigos empregados, dado que seria uma rematado engano. Com efeito, se os empregos públicos estavam vagos nenhuma despesa deles decorria e o seu montante era, por exemplo "X". Com as nomeações, é evidente, surgem despesas e seu novo montante, induvidosamente, será "X+1". Há, portanto, aumento de despesa com pessoal, realizado em período proibido, o que ensancha as correspondentes sanções.

19.- Por outro lado, a transformação dos empregos públicos vagos em cargos públicos de provimento efetivo ou em comissão e a nomeação dos seus titulares, observadas as exigências legais, leva, indubitavelmente, a uma despesa e esta, nos termos do inc. II do art. 167 da Constituição Federal, não pode exceder os créditos orçamentários existentes. Ainda cabe alertar, consoante a dicção do § 1º do art. 169 da Constituição Federal, que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreira, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da Administração Pública direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas se: I - houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e os acréscimos dela decorrentes; II - houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Logo, se a despesa decorrente dessas nomeações ultrapassar os créditos orçamentários alocados para tal fim no Orçamento vigente ou, ainda que não ultrapasse, se não estiver prevista expressa autorização para tais nomeações na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a realização da despesa correspondente será inconstitucional.

20.- O descumprimento de qualquer das mencionadas disposições, independentemente das sanções que trazem em seu bojo, pode corresponder às hipóteses dos crimes de responsabilidade previstos no incisos V ("ordenar ou efetuar despesas ... , ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes") e XIV ("negar execução a lei federal, estadual ou municipal") do art. 1° do Dec.-lei federal n° 201 de 24.2.67, que "Dispõe sobre a Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores e ...". As nomeações para os cargos públicos, criados com a transformação de empregos públicos vagos, sem concurso, sem previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ultrapassando os créditos orçamentários e em época eleitoral onde estão vedadas, são razões que podem ensejar o enquadramento do Prefeito Municipal nessa espécie de delito e se configurada a infração sujeitá-lo à pena de detenção que varia de três meses a três anos, consoante prescreve o § 1° do art. 1° desse Decreto-lei. Se condenado, transitada em julgado a respectiva sentença, perderá o cargo e será inabilitado, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular, conforme prescreve esse artigo em seu § 2°.

21.- E se isso ainda for pouco, não se pode esquecer que o ingresso de servidores no serviço público sem observância das regras legais pertinentes pode ensejar a propositura de competente ação popular, cujos dispositivos concernentes da Lei federal n° 4.717, de 29.6.65, prescrevem:

"Art. 4° São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1° :

I - a admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de habilitação das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais";

Tal possibilidade é assim lembrada por MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO (ob. cit., p. 428): "Cabe, ainda, assinalar que o ingresso de servidor com inobservância das normas legais pertinentes dá margem a ação popular, nos termos do artigo 4°, I, da Lei n° 4.717, de 29.6.65".

22.- Estabelece a Constituição Federal no art. 61, § 1°, II, "a" e "c", que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; c) servidores públicos da União e territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. Por sua vez, repetindo essas regras, o art. 39 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos prescreve:

"Art. 39 - São da iniciativa privativa do Prefeito os projetos de lei que disponham sobre:

I - criação e extinção de cargos, funções ou empregados públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

II - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

22.1.- Dessas regras retira-se, sem a menor dificuldade, o entendimento, segundo o qual, para a normatização das matérias elencadas nos incisos, seja qual for, exige lei. Essa assertiva é óbvia, pois a Carta Magna e o Diploma Maior do Município de Guarulhos, na sua esteira, ao indicarem nos artigos transcritos o detentor da iniciativa legislativa, fixaram ser da competência do Chefe do Executivo o desencadear do processo de instituição das leis reguladoras das matérias mencionadas em seus incisos, acabando, desse modo, por impor a indispensabilidade dessa espécie normativa para dita providência. São matérias cuja disciplina foi reservada à lei, vedado, portanto, qualquer outro veículo normativo, como o decreto regulamentar, a instrução ou a resolução. Mas, se isso não bastar, deve-se ter presente que o art. 48 da Constituição Federal prescreve que cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, ressalvado o contido nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União. De modo semelhante é o que também estabelece o art. 11 da Lei Orgânica de Guarulhos. Vê-se que não há, em tese, matéria, assunto, que não seja disciplinável mediante lei.

Em suma: para instituir o regime laboral dos servidores da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública de Guarulhos, assim como para criar, extinguir e transformar empregos celetistas em cargos públicos, efetivos ou em comissão, é, absolutamente, necessário lei. Portanto, a minuta do Projeto de Resolução nº 010/2000, de 29.6.2000, a ser editada, ao que parece, pelo Conselho Deliberativo do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos - SAAE, autarquia municipal, dispondo sobre essas matérias, não pode, a toda força, prosperar. É inconstitucional por não se revestir da formalidade indicada no art. 61 da Constituição Federal, tanto quanto é ilegal, por igual razão, frente à Lei Orgânica de Guarulhos (art. 39).

22.2.- Sequer é possível imaginar que o desejado pelo Conselho Deliberativo do SAAE, ao elaborar essa minuta de Projeto de Resolução, é sua apresentação à Câmara Municipal de Guarulhos, dando, com essa providência, início ao respectivo processo legislativo de criação da indispensável lei. Com efeito, para a disciplina das matérias que essa minuta de Projeto de Resolução intenta regular é exigida uma lei e essa deve ser da iniciativa do Chefe do Executivo municipal. Por ser hipótese de iniciativa privativa, não pode ser apresentada à Câmara Municipal de Guarulhos, sequer, por Vereador. Desse modo, com mais razão não pode ser apresentada pelo Superintendente dessa autarquia. Tal é o magistério de CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS (Comentários cit., 1995, 4° vol., tomo I, p. 385), quando escrevem sobre a iniciativa privativa do Presidente da República e no tocante às matérias indicadas nos vários incisos do § 1° do art. 61 da Lei Magna, mas de todo válido ao caso examinando. Com efeito, averbam:

"O § 1° cuida das leis cuja iniciativa privativa pertence ao Chefe do Poder Executivo Federal. Sobre estas matérias não têm direito a apresentar projetos nem mesmo os membros do Poder Legislativo, que, no máximo, poderão aprová-lo ou não".

23.- Sob o aspecto penal, se aprovada essa minuta de Projeto de Resolução por dito colegiado do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos, poderá restar caracterizado o crime de usurpação de função pública, previsto no art. 328 do Código Penal, cuja pena de detenção vai de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Se do fato, prescreve o parágrafo único desse artigo, o agente aufere vantagem, a pena será de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

24.- O mérito das normas estabelecidas por essa minuta de Projeto de Resolução fica, pelas razões expostas ao longo deste parecer, inteiramente prejudicado. Não obstante, para que não se produza uma lei inconstitucional com o aproveitamento dos diversos artigos dessa minuta de Projeto de Resolução, mencionamos as mais gritantes ofensas ao ordenamento jurídico. Assim: a) os arts. 1º, 3° e 8° não podem submeter os servidores celetistas do SAAE ao Regime Jurídico Estatutário do Município de forma automática, sem a prestação de concurso público de provas ou de provas e títulos; as regras constantes dos parágrafos do art. 3° dizem o óbvio e só valeriam se fosse possível o pretendido por essa minuta de Projeto de Resolução; b) o art. 4°, de forma irregular, permite a contagem do tempo de celetista para fins de Estágio Probatório; o Estágio Probatório deve ser cumprido no exercício do cargo para o qual o servidor foi nomeado; c) o art. 6° é desnecessário, pois a submissão dos servidores do SAAE à Lei municipal n° 1.429/68 já esta determinada em outros artigos; d) o art. 7° prevê contagem do tempo de serviço para fins de aposentadoria e disponibilidade, mas contraria o disposto no § 9° do art. 40 da Lei Suprema, que somente permite a contagem do tempo de contribuição federal, estadual ou municipal para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.

25.- Examinada a Consulta em face da minuta do Projeto de Resolução a ela acostada e das informações prestadas verbalmente pelos servidores-Consulentes, à vista da legislação, da doutrina e da jurisprudência aplicáveis à espécie passamos a responder, objetivamente, aos quesitos formulados do seguinte modo:

25.1.- Não à primeira parte dessa indagação. Com efeito, o Regime Jurídico Único de pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional publica, de natureza estatutária, como previa, em termos obrigatórios, o art. 39 da Constituição Federal, não mais existe. Com a promulgação da EC 19/98 que deu outra dicção a esse preceptivo constitucional, a doutrina tem entendido que pode ser instituído um ou outro dos dois possíveis regimes laborais para os servidores da Administração Pública, como pode também mesclar esses regimes. Sim à segunda parte do quesito, pois nada impede que o Município, no exercício de sua autonomia institua, para vincular-se aos seus servidores, o Regime Jurídico Único de natureza estatutária e o estenda às suas autarquias e fundações públicas.

25.2.- Sim. A lei pode transformar empregos públicos em cargos públicos, de provimento efetivo ou em comissão, desde que estejam vagos. Se a Constituição Federal exige lei para a criação de empregos públicos, é natural, pelo princípio do paralelismo de forma e hierarquia dos atos jurídicos, que se exija lei para sua extinção ou transformação em cargos públicos. A transformação de emprego público em cargo público, na verdade, é uma operação simultânea de extinção do emprego público e criação de cargo público.

25.3.- Não. A investidura nos cargos efetivos resultantes da transformação de empregos públicos vagos, como qualquer outro cargo dessa natureza, salvo os casos de promoção, deve ser precedida do competente concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme exigem o art. 37, II, da Constituição Federal, o inc. II do art. 115 da Constituição Paulista e o inc. II do art. 79 da Lei Orgânica de Guarulhos. Eventual concurso público a que se tenha submetido o servidor para ocupar certo emprego público, não substitui o concurso exigido para o provimento de cargo efetivo. O concurso público, nos termos do art. 37, II, da Lei Maior, é inerente ao cargo efetivo e nada o substitui. Não cabe, então, falar em opção, pois o emprego público está vago e o relacionamento com seu antigo ocupante já foi resolvido. Portanto, se for aprovado no concurso público para titularizar cargo de provimento efetivo, originado da transformação do emprego que antes ocupava, deve ser nomeado sem qualquer necessidade de opção.

25.4.- Ainda que negativa a resposta anterior, deve-se responder sim a este quesito, para uma eventual e futura operação dessa natureza. De fato, se as transformações só podem objetivar empregos vagos, é certo dizer-se que, previamente a elas deve a Administração Pública rescindir os contratos celetistas quando os empregos públicos estiverem ocupados. Por tratar-se de rescisão sem justa causa, todas as verbas rescisória e indenizatórias devem ser satisfeitas pela Administração Pública, inclusive a multa relativa ao FGTS, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial.

25.5.- A resposta ao quesito n° 3 foi negativa, mas por questão didática, é oferecida não uma resposta, pois esse redundou prejudicado, mas um esclarecimento. Assim, provido o cargo efetivo, resultante da transformação de certo emprego público vago, é indispensável o cumprimento do Estágio Probatório, ainda que o nomeado tenha sido o ocupante, por longo tempo, do emprego público transformado. O prazo do Estágio Probatório, por ocorrer o provimento do cargo efetivo depois da EC 19/98, será, sempre, de três anos, conforme estabelece o art. 41, caput. O tempo anterior à nomeação só poderá ser contado para disponibilidade e o tempo de contribuição para aposentadoria, conforme prevê o § 9° do art. 40 da Constituição Federal.

25.6.- Sim, especialmente a regra consignada no § único do art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a prática de ato que aumenta a despesa com pessoal, expedido dentro dos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao término do mandato, no caso, do Prefeito. A transformação de emprego público vago, portanto, de emprego público que não está gerando qualquer despesa, em cargo público com o devido provimento, logo com geração de despesa, infringe essa regra e nulifica de pleno direito a nomeação. Ademais, pode caracterizar crime de responsabilidade previsto no Dec.-lei n° 201/67 (art. 1°, V e XIV), que poderá alcançar o Superintendente do SAAE se co-autor de algum ato praticado pelo Prefeito Municipal.

25.7.- Os comentários sobre a minuta do Projeto de Resolução n° 010/2000, de 29.6.00, que se pretende ver editada pelo Conselho Deliberativo do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos, que dispõe sobre Regime Jurídico Único para os servidores dessa autarquia municipal, estão nos números 21 a 24 deste parecer, para onde, respeitosamente, remetemos o leitor, evitando, desse modo, a repetição do que foi apresentado.

É, s. m. j., o PARECER.

São Bernardo do Campo, 27 de Julho de 2000

DIOGENES GASPARINI
Prof. Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - SP.
OAB-SP n° 14.969

Sobre o autor
Diogenes Gasparini

Falecido em 23 de janeiro de 2009. Foi advogado em São Paulo, mestre e doutor pela PUC/SP, professor titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASPARINI, Diogenes. Parecer sobre regime jurídico de servidores de autarquia municipal ante a EC 19/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16259. Acesso em: 23 dez. 2024.

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