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Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20

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Agenda 31/05/2006 às 00:00

O parecer entende que a exclusão sumária do REFIS ofende aos princípios da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e motivação, bem como ao contraditório, à ampla defesa e à boa-fé.

C O N S U L T A

            A empresa Consulente, honra-nos com consulta relacionada à sua exclusão do Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, nos seguintes termos:

            "1- A Consulente formalizou opção pelo REFIS – Programa de Recuperação Fiscal, lançado pelo Governo Federal através da Lei nº 9.964, de 10 de abril nº 2000, seguindo as diretrizes do Decreto nº 3.431, de 24 de abril de 2000, isto em 30 de março de 2000.

            2. Quando da opção, providenciou as obrigações acessórias, dentre elas, a de informar a desistência de Processos Administrativos na Declaração REFIS através do site da Receita Federal e por meio de simples petição nos respectivos Processos.

            3. Durante 03 (três) anos e ½ (meio) a empresa manteve-se totalmente adimplente com suas obrigações para com o REFIS, recolhendo o percentual equivalente a 1,2% (um vírgula dois por cento) do seu faturamento, assim como, pagando todos os tributos no âmbito federal, inclusive, aumentou substancialmente o seu faturamento, decorrência do fomento na produção agrícola e industrial, de conseqüência, tendo significativa elevação nos volumes monetários recolhidos para o REFIS.

            4. Todavia, para surpresa da empresa em comento, foi abrupta e ilegalmente surpreendida com a informação de exclusão do REFIS por meio de publicação de Portaria do CG/REFIS, apontando como causa, unicamente, o descumprimento do artigo 5º, inciso III da Lei nº 9.964/2.000, sem especificar qual ou quais Processos deram causa à tal inobservância. Isto, obtido em consulta aleatória e informal no site da Receita Federal, ou seja, sem qualquer comunicação verbal ou por escrito, bem como, sem qualquer motivação e conseqüente chance de defesa para a empresa.

            5. Estando a Receita Federal, à ocasião, fechada, em razão da greve dos seus servidores, e vendo seu direito líquido e certo de ser devidamente informada sobre as razões de sua exclusão do REFIS inobservadas, impetrou Mandado de Segurança, antes do Manifesto de Inconformidade Administrativo, em favor da empresa, junto à Seção Judiciária de seu Estado, tendo o Juiz Federal declinado da competência, determinando a remessa do feito à Seção Judiciária do Distrito Federal, onde teve indeferida a liminar pleiteada.

            6. Com as informações prestadas pela Autoridade Coatora (Presidente do Comitê Gestor do Refis), só então, a empresa veio a saber que se tratava da não formalização de desistência de um de seus Processos Administrativos, tendo, assim, peticionado no feito, informando e demonstrando que havia nos autos de referido Processo, antes da exclusão, uma petição ratificando a desistência desse, em virtude da opção pelo REFIS e que, de mais a mais, eventual defeito formal jamais poderia penalizar a empresa com a medida drástica e extrema da exclusão, com se deu."

            Diante disso, indaga especificamente o seguinte:

            1ª questão

:

            Não seria inconstitucional a Portaria CG/REFIS que veiculou exclusão sumária da Consulente do REFIS, com efeitos a partir do dia seguinte ao de sua publicação, já que não cumpre os requisitos básicos do ato administrativo, como por exemplo, a motivação no real sentido da palavra, antes, apenas cita dispositivo legal, dentre outros?

            2ª questão:

            Não seria inconstitucional a exclusão da Consulente do REFIS, mesmo que admitida a ausência da desistência formal de Processo Administrativo, diante dos graves prejuízos à esta, para não mencionar o sério comprometimento de continuidade de suas atividades, geração e manutenção de empregos na ordem de 1.500 (hum mil e quinhentos) pessoas diretamente, aliado ao fato de que a empresa não apresentou nenhum problema de inadimplemento, seja do REFIS, seja dos tributos gerados em datas subseqüentes à formalização da opção pelo Programa de Recuperação Fiscal, ao contrário, vem aumentando paulatinamente os valores monetários recolhidos junto ao FISCO Federal?


RESPOSTA

            CONSIDERAÇÕES GERAIS

            Antes de passarmos a responder especificamente as questões apresentadas, mister se faz proceder a breve analise da razão pela qual o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS foi criado e das normas por este veiculadas, nos seguintes termos:

            O Programa de Recuperação Fiscal – REFIS instituído pela Lei nº 9.964 de 10 de abril de 2000, tem como objetivo máximo à arrecadação de valores já considerados perdidos pelo Estado, tendo em vista a dimensão da crise econômica por que passa a maioria das empresas nacionais, que não tem recursos para cobrir a alta carga tributária imposta pelo Governo para manter a Federação de tamanho incompatível com o PIB nacional e, simultaneamente, manter suas atividades operacionais.

            Por outro lado, a opção pelo REFIS também permite àqueles contribuintes inadimplentes, bem como àqueles que possuem débitos com exigibilidade suspensa por força do art. 151 do CTN, que regularizem sua situação fiscal, sem nefastos prejuízos à sua produção.

            Para tanto, não há como negar que a adesão ao REFIS tornou-se muito vantajosa para as empresas com nítida intenção de permanência no mercado e cientes de suas obrigações fiscais, na medida em que o Programa de Recuperação conforma características de moratória e de anistia, previstas, respectivamente, nos artigos 151 e 175 do CTN, por reduzir a multa imposta pelo não pagamento efetuado tempestivamente e permitir, ainda, o parcelamento da dívida, então consolidada, com base em seu faturamento.

            Firmou-se, portanto, uma possibilidade de acerto entre fisco e contribuinte, no qual atribui-se a este, de forma impositiva, uma série de obrigações e deveres para fazer jus ao beneficio.

            Entretanto, por óbvio, não podem esses deveres e obrigações, repita-se, impostos aos optantes, excederem os limites traçados pela Constituição Federal, sob pena de manifesta insubsistência jurídica.

            Debruçando-se sobre este tema, ANDRÉ RAMOS TAVARES assevera:

            "O REFIS nada mais é do que um sistema complexo de concessão legal de anistia tributária, cumulada com um parcelamento de dívidas (este, com natureza jurídica de moratória). Como norma geral do sistema tributário, não há, como se sabe, a possibilidade de oferecer ou impor ao contribuinte qualquer situação que não esteja prevista em lei.

            A Administração, em particular no campo tributário, segue o princípio da estrita legalidade. Neste sentido, já se pronunciou Diva Malerbi, fundamentando-se em opiniões de renomados tributaristas: "O nosso conceito de tributo, diferentemente de outros países, vem pressuposto na própria Constituição. Ele gravita em torno dos dois grandes princípios: da legalidade e da igualdade (...) Todos eles (tributos) têm fonte imediata e exclusiva na lei".

            Não há, portanto, praticamente campo para discricionariedade, de forma que o agente tributário que realiza e implementa no mundo real a programação legal jamais poderia dela desviar-se para, v.g., impor condicionamentos não constantes da legislação, ou mesmo deixar de exigir aqueles ali indicados.

            A interpretação, quanto àquelas "garantias" exigidas pela Lei do REFIS, há de ser a mais restritiva possível, se é que aquelas condicionantes de ingresso ao sistema suportam uma análise mais acurado do ponto de vista de sua constitucionalidade.

            Nos dizeres de Ives Gandra da Silva Martins: "O que rege o direito de a fiscalização fiscalizar, respeitados todos os direitos e garantias fundamentais, não é a Constituição expressamente, mas a lei que não pode ferir qualquer dos demais comandos constitucionais."

            Aquele que ingressa no sistema proposto pelo REFIS o faz sem qualquer apuração de sua vontade no sentido tradicional, que implica em negociações e, assim, numa recíproca concordância. Não há liberdade ou autonomia de vontades, comumente invocada na apuração da validade de cláusulas pactuadas.

            A conclusão a ser extraída deste aspecto é a de que, em não havendo verdadeiramente liberdade contratual, não se poderia pretender fundamentar nesta qualquer eventual ato de disposição, por parte do contribuinte, de seus direitos individuais. A questão que se coloca para este é a seguinte: para inserir-se no contexto de uma lei de natureza fiscal, há de se submeter inteiramente aos seus condicionamentos. Se há previsão legal que oferece anistia ou parcelamento de débitos fiscais, ou qualquer outra medida beneficiadora, o máximo que se poderia exigir dos contribuintes seria o atendimento a requisitos objetivos (como a regularidade jurídica da empresa; a existência de patrimônio próprio; a não-agressão, pelo exercício de sua atividade, ao meio ambiente; etc). Jamais poder-se-ia exigir do contribuinte que abandonasse direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. É evidente que todos os contribuintes se sentiriam constrangidos a fazê-lo, sob pena de não participar daquilo que a lei oferece. É o Estado utilizando-se de todo o seu poder para impor-se e impor suas conveniências arrecadatórias."

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            Além do exposto, também cabe ressaltar o tema à luz do princípio da legalidade em face do poder regulamentador do Executivo.

            De rigor, o princípio da legalidade, esculpido no art. 5º, inc. II da C.F., é princípio pertinente a todo o ordenamento jurídico nacional. Não há ramo de direito que não seja informado pelo princípio da legalidade, sendo que a ordem jurídica só existe à luz desse, sob pena de não haver o Estado de Direito.

            Os mecanismos que garantem a lei e seu cumprimento nos Estados de Direito obrigam a todos os que a ela se submetem, ofertando a segurança de que, sem exceção, todos a devem obedecer, o que – diga-se - não ocorre nos Estados totalitários.

            E a lei, sendo o bem maior da ordem jurídica, serve ao mesmo tempo de escudo e de espada para o cidadão contra quaisquer abusos praticados pela sociedade ou pelo Estado contra seus alicerces.

            Nos sistemas jurídicos em que o Direito, que conforma a ordem legal, tem sua origem nos Poderes Constituídos por representantes da sociedade, a lei emana fundamentalmente do Poder Legislativo.

            Na célebre tripartição de poderes conformada, em sua dinâmica moderna, por Montesquieu, cabe ao Poder Legislativo legislar, ao Executivo executar as determinações legais e ao Poder Judiciário manter a ordem jurídica e solucionar seus conflitos, de forma que em um Estado de Direito, é inadmissível que um Poder invada a área de atuação de outro poder, sob o risco de se ter a quebra da harmonia e independência de seu exercício, que é a característica maior da teoria dos pesos e contra-pesos e do equilíbrio do poder.

            No Brasil, sua Constituição hospedou a tripartição dos poderes, permitindo, todavia, campos pré-determinados de atuação de um poder em área do outro.

            O artigo 49 inciso V da C.F. permite, por exemplo, que o Poder Legislativo controle e anule atos do Poder Executivo, estando assim redigido:

            "Art. 49 - É de competência exclusiva do Congresso Nacional:

            .......

            V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa".

            O processo legislativo a que faz menção a Constituição Federal, em seu artigo 59, está assim redigido:

            "Art. 59 - O processo legislativo compreende a elaboração de:

            I. emendas à Constituição;

            II. leis complementares;

            III. leis ordinárias;

            IV. leis delegadas;

            V. medidas provisórias;

            VI. decretos legislativos;

            VII. resoluções".

            Como se percebe, o poder de legislar ofertado pelo constituinte, isto é, de criar hipóteses de imposição legal, pode ocorrer através dos sete veículos mencionados, apenas dois deles delegados constitucionalmente ao Poder Executivo.

            Ao Poder Judiciário, por ser um poder técnico e não político, cabe a função de julgar os demais. Funciona como autêntico legislador negativo, o que vale dizer, não cria direito, mas nega seguimento ao "direito mal formado", que, ao violar o ordenamento legal do país, deve ter sua aplicação sustada pelo controle concentrado ou pelo controle difuso.

            O certo é que, fora das hipóteses constitucionais, não há possibilidade alguma de um Poder invadir o campo de atuação de outro, muito menos sendo permitido, ao Poder Executivo, legislar -principalmente por atos administrativos regulamentares, que apenas explicitam a lei, mas não a substituem - criando hipóteses novas, alterando as existentes ou puramente suprimindo-as.

            Os Decretos são autênticos regulamentos das leis. Explicitam o que está na lei, em sua versão de maior densidade. Prevalece sobre todos os outros atos regulamentadores de leis do Poder Executivo. Os Decretos são, pois, o exercício máximo do poder regulamentador, sem, todavia, possuir qualquer poder modificador do que disposto foi na lei. É singelo ato administrativo e só pode estender sua ação além do poder de explicitar quando a própria Constituição oferta-lhe poder legislativo, como ocorre com os decretos que alteram alíquotas do IPI, IOF, II e IE, conforme determinado pelo § 1º do artigo 153.

            Fora das expressas hipóteses constitucionais, apesar de ser o veículo de maior dignidade regulamentadora do Executivo, não tem forças modificativas da lei.

            Não se admite, portanto, que o tipo escolhido pelo legislador seja alterado, estendido, interpretado além das fronteiras, integrando analogicamente, sempre que tal procedimento represente imposição ao sujeito mais fraco da relação, que tem, na lei, sua única e expressa proteção.

            Nessa medida, os regulamentos e demais atos do Executivo que extravasem os balizamentos da lei devem ser considerados ilegais.

            Tampouco pode a lei delegar ao Executivo poderes para inovar no campo jurídico, salvo as exceções previstas no texto Constitucional. De outra forma, violado estaria o princípio da indelegabilidade de funções que, na Carta de 69, estava esculpido no art. 6º, § único, verbis:

            "Art. 6º - São Poderes da União independentes e harmônicos o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

            Parágrafo único: Salvo as exceções previstas nesta constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições, quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro".

            É certo que o princípio da indelegabilidade de funções não se reveste, nos dias que correm, do vigor inerente às teorias clássicas da reparação de poderes, tal como concebido por Locke e Montesquieu. Em matéria tributária – por exemplo, no campo da extra fiscalidade, em que o tributo assume contornos de importante intervenção na vida econômica social – é incompreensível que o Executivo assuma algumas funções legislativas, por reunir melhores condições de agir prontamente em setores como serviços públicos, economia e finanças.

            Na atualidade, o principio da indelegabilidade de funções assume nova formulação que, preservando seus postulados fundamentais, consiste em traçar limites à ação normativa desenvolvida pelo Executivo.

            Inegável, portanto, que à lei é facultado deferir ao Executivo certa margem dentro da qual pode atuar discricionariamente, editando regras e atos concretos adequados à situação de fato que necessita ser enfrentada.

            Porém, nesta situação, não é dado a esse Poder inovar campo jurídico, extravasando o contido tanto na lei, como na Constituição. Por outras palavras: a lei, ao delegar funções ao Executivo, há de preservar o princípio da legalidade, cercando o individuo de garantias efetivas contra possíveis arbitrariedade da Administração.

            Tal explicação é de relevância para que possamos responder às questões formuladas, não só à luz do principio da legalidade (C.F., art. 5º, inc. II), mas daqueles que devem reger a Administração Pública, previstos na Constituição Federal nos seguintes termos:

            "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"


I – DA ADESÃO INCONDICIONAL ÀS NORMAS DO REFIS E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS PELA PORTARIA CG/REFIS.

            Primeiramente, é preciso enfatizar que adesão ao programa, nos termos da Lei nº 9.964/00, não implica na abdicação de direitos fundamentais do cidadão, principalmente àqueles colacionados no art. 5º da Carta de 88 pelo legislador constituinte.

            Os direitos fundamentais são indisponíveis, de forma que a adesão ao REFIS, apesar de ser uma opção, não acarreta a perda desses direitos, até porque assim não poderia. Por exemplo, trata-se o direito à vida de direito fundamental protegido pelo Texto Maior, que não permite que o cidadão possa dela dispor, mesmo se assim o quiser.

            Assim, a Lei nº 9.964/00, e em particular seu art. 5º, que cuida do procedimento de exclusão da pessoa jurídica do REFIS, não coloca como condição de adesão a este, que o optante abra mão de seus direitos fundamentais relativos ao devido processo legal e à ampla defesa.

            Também não prevê que o poder conferido ao Comitê Gestor para implementar os procedimentos necessários à execução do programa seja arbitrário, a ponto de ultrapassar diversos princípios constitucionais, como os do art. 37 da C.F., até porque, se assim fosse, não haveriam adesões ao REFIS.

            O art. 37 da C.F. é claro:

            "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:"

            Em artigo sobre a inconstitucionalidade do REFIS, André Ramos Tavares apresenta como conclusão, o seguinte entendimento:

            "(...)

            Não se pode admitir que o legislador afaste-se dos parâmetros constitucionais. A legislação, a pretexto de implementar um suposto "saneamento" nos débitos fiscais, promove o distanciamento quanto aos princípios constitucionalmente assegurados. Toda e qualquer lei, ainda que aparentemente benéfica, deve estar calcada nas normas de cunho constitucional. Falecendo-lhe esta peanha, impõe-se, incontinenti, a decretação da inconstitucionalidade. A ordem jurídica só adquire eficácia quando se respeitam suas regras estruturais. Neste sentido, a lei infringe e mutila diversas normas de ordem constitucional.

            Quanto à natureza jurídica da Lei instituidora do REFIS, constatou-se que, pelo fato de ter caráter tributário, não poderia tolerar-se qualquer liberdade contratual no âmbito de suas cláusulas. Desta forma, tanto o Fisco como os inadimplentes que viessem a ingressar no sistema estariam sujeitos ao princípio da estrita legalidade e, assim, não se pode falar em "negociação". A idéia de liberdade de aceitação das cláusulas assumidas pelo referido programa não pode vingar. Os contribuintes que aceitam o programa não o fazem consoante os termos tradicionais da "liberdade de contratar" e da conseqüente responsabilidade pelos atos assim praticados. Não já que se falar em livre disponibilidade."

            Desta forma, a exclusão da pessoa jurídica optante pode ocorrer, desde que respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e dos descritos no art. 37 da C.F., o que, por óbvio, não ocorreu, na medida em que a Consulente somente pode se manifestar acerca da sua exclusão, após a publicação da decisão administrativa.

            A Portaria CG/REFIS que a excluiu, expedida nos termos da Resolução CG/Refis nº 9, 12 de janeiro de 2001, cuja redação foi alterada pela Resolução CC/REFIS nº 20, de 27 de setembro de 2001, veiculou como causa da exclusão em apreço, somente o dispositivo legal violado, sem apontar expressamente quais os motivos determinantes da cassação do beneficio, o que violou os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

            Ora, como se defender de uma acusação da qual não se sabe exatamente o motivo determinante de sua existência?

            Melhor explicando: o fato da Portaria CG/REFIS que veiculou a exclusão da Consulente, publicada no D.O.U., apenas informar o dispositivo legal violado, não lhe permitiu valer-se de seu direito constitucional à ampla defesa, que, inclusive, em virtude da greve dos funcionários da Receita Federal, teve que se socorrer do poder judiciário para ter acesso aos motivos determinantes de sua exclusão.

            Resta absurdo o fato da Consulente, somente por intermédio do Mandado de Segurança, ter tomado conhecimento de que sua exclusão devia-se ao fato de não ter protocolado tempestivamente uma petição de desistência nos autos de certo Processo Administrativo, cujo débito havia sido formalizado no termo de adesão ao REFIS.

            Nesse sentido, já decidiu diversas vezes a E. 4º Turma do TRF da 1º Região:

            "TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REFIS. LEI 9.964/2000. EXCLUSÃO DO PROGRAMA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

            1. O impetrado atribui à impetrante débitos concernentes ao REFIS, PIS e COFINS, sem indicar as respectivas competências.

2. A impetrante, por sua vez, fez prova, não impugnada, de pagamentos concernentes aos débitos tributários.

            3. O cerceamento de defesa de que se queixa a impetrante se encontra configurado, à medida que foi excluída do REFIS sem prévia ciência dos motivos determinantes de tal providência.

            4. Assegurada à impetrante sua permanência no REFIS. Eventual processo de exclusão deverá respeitar o princípio do contraditório.

            5. Apelo provido. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 34000069250, Processo: 200234000069250/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 23/05/2003, p. 161)." (grifo nosso)

            "TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REFIS. LEI 9.964/2000. EXCLUSÃO DO PROGRAMA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE.

            1. Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese, mas contra efeitos concretos e imediatos de ato administrativo praticado pela autoridade eleita coatora.

            2. O impetrado atribui à impetrante débitos concernentes ao REFIS, PIS e COFINS, nas competências de novembro e dezembro/2000 e janeiro a outubro/2001.

            3. A impetrante, por sua vez, fez prova, não impugnada, de pagamentos concernentes aos débitos tributários nas competências apontadas pela autoridade coatora.

            4. O cerceamento de defesa de que se queixa a impetrante se encontra configurado, à medida que foi excluída do REFIS sem prévia ciência dos motivos determinantes de tal providência.

            5. Apelo e remessa oficial improvidos. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 34000060432, Processo: 200234000060432/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 18/06/2003 p.127)."

            Em flagrante ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como aos da publicidade e da motivação que devem revestir a atividade administrativa, foi editada a Portaria de exclusão, obrigando a Consulente, que, por acaso, tomou conhecimento de referido ato, a impetrar Mandado de Segurança para assegurar seu direito liquido e certo de não ser excluída do REFIS sem o devido processo legal.

            E, não é só isso.

            O artigo 5º da Resolução CG/Refis nº 9, 12 de janeiro de 2001, na redação dada pela Resolução CC/REFIS nº 20, de 27 de setembro de 2001, em total desrespeito aos princípios que informam o processo administrativo e a sua validade, somente permite a manifestação da pessoa jurídica após a noticia de sua exclusão.

            Esta a redação do art. 5º da Resolução CG/Refis nº 09/01, conferida pela Resolução CG/Refis nº 20/01:

            "Art. 5o O ato de exclusão será publicado no Diário Oficial da União, indicando o número do respectivo processo administrativo.

            § 1o A identificação da pessoa jurídica excluída e o motivo da exclusão serão disponibilizados na Internet, nas páginas da SRF, PGFN ou INSS, nos endereços <http://www.receita.fazenda.gov.br>, <http://www.pgfn.fazenda.gov.br> ou <http://www.mpas.gov.br>.

            § 2o A pessoa jurídica poderá, no prazo de quinze dias, contado da data de publicação do respectivo ato, manifestar-se quanto aos motivos que ensejaram a sua exclusão.

            § 3o A manifestação a que se refere o § 2o deste artigo será apreciada, em instância única, pela autoridade competente para propor a exclusão, sem efeito suspensivo.

            § 4o A decisão favorável ao sujeito passivo implica o restabelecimento do parcelamento a partir do mês subseqüente ao de sua ciência."

            À evidencia, neste procedimento há uma total inversão das etapas do denominado devido processo legal, afetando por óbvio o contraditório e ampla defesa, tendo em vista que primeiro o cidadão é excluído, para depois apresentar sua defesa.

            Com efeito, o Estado de Direito caracteriza-se pela existência de um sistema cercado de garantias previamente estabelecidas cujo objetivo‚ assegurar que a aplicação do direito se faça de maneira formalmente igual para todos, garante o império da lei e não da vontade do detentor do poder, que a ela também se submete.

            O instrumento que garante esse "desideratum" é o processo. Através dele, sempre que se verifique um litígio, o julgador aplica as regras preexistentes no ordenamento pondo termo ao conflito, estando ele próprio – julgador - vinculado a um sistema de garantias que atua contra todos, inclusive contra o juiz.

            Uma dessas regras está inserta nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF, que dispõem:

            "Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

            ...

            LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

            LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

            Trata-se, na verdade, de uma norma que deriva do princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei e consagrado no caput do mesmo artigo, sendo, entretanto, bastante salutar que o legislador constituinte tenha explicitado na dicção do inciso LV a garantia da ampla defesa e do contraditório.

            Como ensina Celso Ribeiro Bastos, por ampla defesa deve-se entender o asseguramento ao réu de condições que lhe possibilitam trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. Isso implica que ao acusado se possibilite a colocação da questão debatida sob um prisma conveniente evidenciando sua versão, motivo pelo qual a ampla defesa assume um caráter necessariamente contraditório: nada pode ter valor inquestionável ou irrebatível. A tudo tem de ser assegurado o direito da outra parte de contraditar, contradizer, enfim, contra-agir processualmente.

            Afirma, com razão, o eminente constitucionalista, que o contraditório‚ a exteriorização da própria defesa, assegurando que a todo ato produzido cabe igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a verão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pela outra parte.

            Sublinhando a relevância dessa garantia constitucional, Vicente Greco alerta: "A efetividade do contraditório, portanto, não pode ser postergada. Autor e réu devem ser intimados de todos os atos do processo, devendo-lhes ser facultado pronunciamento sobre os documentos e provas produzidos pela parte contrária, bem como os recursos contra a decisão que tenha causado gravame".

            De observar que o Constituinte não circunscreveu tais garantias no plano do processo judicial. Estendeu-as, também, ao contencioso administrativo, instrumento pelo qual a Administração procede ao controle da legalidade de seus próprios atos.

            As supressões de garantias mínimas, como a do contraditório, portanto, implicam a fulminar o próprio direito de defesa, eivando de vício profundo o processo administrativo e comprometendo a sua validade por afronta direta ao texto constitucional.

            E precisamente no que se de na espécie relatada pela Consulente, resta evidente a ofensa ao contraditório e ampla defesa, na medida em que ela somente pôde se manifestar acerca de sua exclusão, quando já dado o verecdito, ou seja, somente após publicada decisão a favor de sua exclusão, é que foi dada ciência à Consulente para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias, sendo certo, entretanto, que referido recurso não possui efeito suspensivo.

            Como sustentar a legalidade de um ato que não permite à pessoa jurídica optante ter conhecimento do motivo determinante de sua exclusão, para, desta forma, defender-se prontamente, demonstrando não só a legalidade de sua conduta, bem como a sua boa-fé.

            Ressalte-se ainda que, visando a proteção dos interesses dos cidadãos e melhor desempenho das funções administrativas, todos os processo administrativos devem atender aos princípios gerais fixados pela Lei nº 9.789, de 29/01/04, cujo art. 2º dispõe:

            "Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

            Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

            I - atuação conforme a lei e o Direito;

            II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

            III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

            IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

            V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

            VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

            VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

            VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

            IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

            X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

            XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

            XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

            XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação."

            Da leitura de referido dispositivo, e como será demonstrado, nenhum destes requisitos foram observados no caso em análise.

            Celso Antonio Bandeira de Mello, ao discorrer sobre os objetivos que devem pautar os processo administrativos explica:

            "Com acerto, os especialistas observam que o procedimento administrativo atende a um duplo objetivo: a) resguardar os administrados; e b) concorre para uma atuação mais clarividente.

            a) Quanto ao primeiro objetivo, salienta-se que enseja ao administrado a possibilidade de que sua voz seja ouvida antes da decisão que irá afetá-lo.

            Tomás-Ramón Fernandez, precitado, anota que o procedimento administrativo complementa a garantia de defesa em sede jurisdicional por dois ângulos: de um lado porque – uma vez disciplinada a conduta administrativa desde o primeiro ato propulsivo até o ato final – impede que os interesses do administrado sejam considerados apenas ex post facto, vale dizer, depois de atingidos, pois oferece oportunidade ao interessado de exibir suas razões antes de ser afetado.

            Trata-se de estabelecer controles "desde dentro", ou seja, incidentes na própria intimidade da Administração, ao longo da formação de sua vontade, ao invés de contentar-se com controles operados de fora, pelo Judiciário, e, portanto, geralmente só utilizáveis ex post facto.

            De outro lado, o procedimento ou processo administrativo revela-se de grande utilidade para complementar a garantia de defesa jurisdicional, porquanto, em seu curso, aspectos de conveniência e oportunidade passíveis de serem levantados pelos interessado podem conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu de em seu interesse. Ora, tais aspectos não poderiam ser objeto de apreciação na via jurisdicional, que irá topar com o ato sem poder levar em conta senão a dimensão da legalidade.

            (....)

            É, de resto, esta faceta a que se acaba de aludir que põe em pauta o segundo objetivo a que o procedimento serve. A saber:

            b) Concorre para uma decisão mais bem informada, mais conseqüente, mais responsável, auxiliando, assim, a eleição da melhor solução para os interesses públicos em causa, pois a Administração não se faz de costas para os interessados, mas, pelo contrário, toma em conta aspectos por ele salientados e que, de outro modo, não seriam, talvez, sequer vislumbrados."

            Assim, é forçoso concluir que as Resoluções CG/REFIS nº 09, de 12/01/01 e nº 20, de 27/09/01, que veiculam as regras relativas ao processo de exclusão do REFIS, padecem de notória inconstitucionalidade.

            De plano, portanto, entendemos ser inquestionável a nulidade da decisão do Conselho Gestor, por violação aos incisos LIV e LV do art.5º da CF e bem assim aos princípios fixados pelo art. 37 C.F., segundo os quais deve pautar-se a Administração Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1064, 31 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16689. Acesso em: 23 dez. 2024.

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