II - DA INCONSTITUCIONALIDADE E DO PROCEDIMENTO DE EXCLUSÃO.
Por outro lado, há ainda que ser ressaltado que a exclusão da Consulente do modo como se processou ofendeu ao princípio da publicidade, veiculado no art. 37 da CF, na medida em que ela tomou conhecimento da exclusão, por acaso, no site da Secretaria da Receita Federal.
Tratando-se o processo de exclusão de processo administrativo, deveria a Consulente ter sido devidamente intimada da decisão, nos termos do art. 26 e 28 da Lei nº 9.789/99, que dispõe acerca dos processos administrativos.
Reza o art. 26 da Lei nº 9.789/99:
"Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
§ 1º A intimação deverá conter:
I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;
II - finalidade da intimação;
III - data, hora e local em que deve comparecer;
IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;
V - informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;
VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.
§ 2º A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.
§ 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§ 4º No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§ 5º As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade."
E, assim determina o art. 28 desse mesmo diploma legal:
"Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse."
É absurda a situação na qual se impõe ao cidadão verificar diariamente a sua possível exclusão do REFIS, sem ainda conferir-lhe a possibilidade de defesa, uma vez que sua manifestação somente ocorrerá após a notificação da decisão, como acima comentado.
A necessidade de intimação das decisões administrativas no âmbito do REFIS, já foi objeto de discussão nos Tribunais Superiores, merecendo destaque o acórdão proferido pelo E. STJ, nos autos do Recurso Especial interposto pela Fazenda Nacional, assim ementado:
"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXCLUSÃO DE CONTRIBUINTE DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL - REFIS. INTIMAÇÃO DA DECISÃO ATRAVÉS DE ÓRGÃO OFICIAL DE IMPRENSA. PRETERIÇÃO DAS FORMAS ORDINÁRIAS DE INTIMAÇÃO. DESCABIMENTO.
I - O art. 23, do Decreto 70.235/72, prevê, em seus incisos, a forma de intimação das decisões tomadas em sede de processo administrativo fiscal. Os incisos I e II prevêem, como formas ordinárias, a intimação pessoal ou via postal ou telegráfica, com aviso de recebimento; o inciso III prevê que, em não sendo possível nenhuma das formas de intimação previstas nos incisos I e II, a citação será realizada por edital. Extrai-se daí que a intimação por edital é meio alternativo, excepcional, admitido somente quando frustradas a intimação pessoal ou por carta.
II - O § 3º, do art. 23, do Decreto 70.235/72, dispõe que não existe ordem de preferência entre as formas de intimação previstas nos incisos I e II do art. 23, sem se referir ao inc. III do mesmo artigo, em reforço à idéia de que a intimação por edital é exceção.
III - Somente é cabível a intimação por edital, de decisão tomada em sede de processo administrativo fiscal, após frustradas as tentativas de intimação pessoal ou por carta.
IV - O art. 69, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ressalva a aplicação da norma própria quando se tratar de processo administrativo específico.
V - Recurso especial improvido. (RESP 506675 / PR)"
Sob esse prisma, também resta patente a impropriedade da exclusão na forma como procedida.
III – DA FALTA DE DESISTENCIA EXPRESSA. ATO ACESSÓRIO.
O REFIS estendeu seu beneficio fiscal aos contribuintes que possuíam débitos suspensos por força de medida liminar em Mandado de Segurança, ou por intermédio de qualquer outro instrumento processual, desde de que atendidos os requisitos do § 6º do art. 2º da Lei nº 9.964/00, a seguir transcrito:
"Art. 2º - O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1º.
(...)
§ 6º Na hipótese de crédito com exigibilidade suspensa por força do disposto no inciso IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996, a inclusão, no Refis, dos respectivos débitos, implicará dispensa dos juros de mora incidentes até a data de opção, condicionada ao encerramento do feito por desistência expressa e irrevogável da respectiva ação judicial e de qualquer outra, bem assim à renúncia do direito, sobre os mesmos débitos, sobre o qual se funda a ação." (grifo nossos)
Por sua vez, o art. 3º da Lei nº 9.964/00 foi expresso quanto às conseqüências imediatas da opção pelo REFIS:
"Art. 3º A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a:
I - confissão irrevogável e irretratável dos débitos referidos no art. 2º;
II - autorização de acesso irrestrito, pela Secretaria da Receita Federal, às informações relativas à sua movimentação financeira, ocorrida a partir da data de opção pelo Refis;
III - acompanhamento fiscal específico, com fornecimento periódico, em meio magnético, de dados, inclusive os indiciários de receitas;
IV - aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas;
V - cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e para com o ITR;
VI - pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos tributos e das contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000.
(....)" (grifo nossos)
Complementarmente, este mesmo diploma legal veiculou as hipótese de exclusão do REFIS, nos seguintes termos:
"Art. 5º A pessoa jurídica optante pelo Refis será dele excluída nas seguintes hipóteses, mediante ato do Comitê Gestor:
(...)
III - constatação, caracterizada por lançamento de ofício, de débito correspondente a tributo ou contribuição abrangidos pelo Refis e não incluídos na confissão a que se refere o inciso I do caput do art. 3º, salvo se integralmente pago no prazo de trinta dias, contado da ciência do lançamento ou da decisão definitiva na esfera administrativa ou judicial;
(...)
§ 1º A exclusão da pessoa jurídica do Refis implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores.
§ 2º A exclusão, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, produzirá efeitos a partir do mês subseqüente àquele em que for cientificado o contribuinte.
§ 3º Na hipótese do inciso III, e observado o disposto no § 2º, a exclusão dar-se-á, na data da decisão definitiva, na esfera administrativa ou judicial, quando houver sido contestado o lançamento."
Da leitura dos dispositivos supra transcritos, afere-se que a opção pelo REFIS acarreta ao contribuinte uma série de obrigações e requisitos que devem ser cumpridos, sob pena de exclusão do programa.
Por óbvio, tal opção implica automaticamente na confissão irrevogável e irretratável dos débitos relacionados pelo contribuinte no respectivo termo de adesão, bem como na renuncia expressa do direito sob qual se funda eventual ação, na qual esses mesmos débitos estejam sendo questionados.
Em outras palavras, por força de lei, vale dizer, inciso I do art. 3º da Lei nº 9.964/00, a formalização da opção ao REFIS traz como conseqüência lógica a desistência de eventuais medidas judiciais ou administrativas, tendo em vista que tal ato representa, pelo menos em sede administrativa, a renuncia ao direito no qual se funda tais ações.
Assim, a partir do momento em que a lei impõe como condição para ingresso no REFIS a confissão dos débitos relacionados pelo contribuinte no momento da formalização de sua intenção, e a renuncia do direito sobre estes, não há como prevalecer a exclusão da Consulente por descumprimento do disposto no inc. III do art. 5º da Lei nº 9.964/00, na medida em este requisito foi cumprido.
A exclusão em análise, baseia-se, de fato, na ausência de requerimento expresso de desistência em processo judicial ou administrativo em que se discutia débito relacionado no termo de adesão, como previsto na Instrução Normativa nr. 43 de 25 de abril de 2000, cujo art. 5º apresenta o seguinte teor:
"Art. 5º A informação de desistência de ações judiciais, impugnações e recursos administrativos na Declaração Refis terá apenas efeito indicativo, não eximindo o contribuinte de formalizar o pedido de desistência da ação judicial ou do contencioso administrativo, no prazo a que se refere o art.2º desta Instrução Normativa.
§1º A desistência de impugnação ou recurso, no âmbito administrativo, será formalizada em requerimento que deverá ser apresentado à unidade da SRF com jurisdição sobre o domicílio fiscal da pessoa jurídica optante.
§2º A desistência da ação judicial deve ser peticionada perante a autoridade judicial, na forma da legislação vigente e das instruções editadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional."
Não obstante, trata-se referida previsão de ato meramente acessório que não prevalece sob a correta interpretação que deve ser dada à lei, para apenar de forma desmesuradamente gravosa e a pessoa jurídica optante que cumpre de forma correta suas obrigações há mais de três anos, sob pena da C.F. e da lei serem interpretadas sob a ótica do ato administrativo, e não o inverso.
A Lei nº 9.964/00 é clara ao informar que inclusão de débitos neste programa corresponde à confissão irrevogável e irretratável destes, o que, por conseqüência, implica na automática desistência de eventuais processos administrativos nos quais referidos tributos estejam sendo questionados.
Se o termo de adesão corresponde, de fato, a confissão dos débitos então relacionados, bem como à renuncia expressa do direito sobre estes, resta evidente o desinteresse da optante na manutenção de quaisquer processos judiciais ou administrativos vinculados a tais tributos, sendo o interesse de agir, segundo o Código Processual pátrio, uma das condições necessárias da ação, sob pena de extinção do feito sem julgamento de mérito.
Desta forma, é patente que a exclusão em tela, baseada em descumprimento de mero ato acessório veiculado por instrumento normativo inferior a lei, não pode prevalecer pela simples e boa razão de que tal regra não consta na lei, e de que um ato administrativo não tem força de inovar no mundo jurídico de molde a limitar o direito a que a lei conferiu a um contribuinte em maior extensão, bem como ferir princípios constitucionais, como por exemplo, da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé, entre outros que serão abordados posteriormente.
Com efeito, cabe ressaltar, que por intermédio do ato de opção ao REFIS e da interpretação lógico-sistemática da legislação, não há dúvida de que a partir do momento em que se apresentam os débitos que serão consolidados se está abrindo mão voluntariamente do direito que assiste ao contribuinte de questioná-los.
A relação dos tributos que integrarão o REFIS, apresentada pelo contribuinte no momento da formalização de sua opção, é a confissão deste acerca dos débitos até então existentes, ato este que, por sua força e especificidade supre qualquer ato acessório relativo à desistência de eventuais ações judiciais ou administrativas em trâmite sobre a matéria, como já decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, cuja ementa segue abaixo:
"TRIBUTÁRIO. REFIS. EXCLUSÃO. REQUISITOS INEXISTENTES. IMPOSSIBILIDADE. TERMO DE ADESÃO. CONFISSÃO. SUPRIMENTO.
1. O ART. 5º DA LEI Nº 9.964/2000, ESTABELECE DIVERSAS HIPÓTESES QUE AUTORIZAM A EXCLUSÃO DA PESSOA JURÍDICA DO REFIS, NÃO HAVENDO MENÇÃO DE QUE O CONTRIBUINTE DEVA EXPRESSAMENTE COMUNICAR A DESISTÊNCIA EM PROCESSOS JUDICIAIS E/OU ADMINISTRATIVOS COMO CONDIÇÃO PARA PERMANECER INTEGRADO AO PROGRAMA.
2. O TERMO DE ADESÃO AO BENEFÍCIO FISCAL CORRESPONDE, NOS TERMOS DA LEI, A UMA CONFISSÃO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL DO DÉBITO, CAPAZ DE SUPRIR A FALTA DA COMUNICAÇÃO RECLAMADA.
3. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO E REGIMENTAL PREJUDICADO. (4ª T do TRF da 5ª Região, AG 45285/CE, Processo: 200205000245287.Relator Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria. VU, DJ 18/02/03, p. 989)."