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Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20

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Agenda 31/05/2006 às 00:00

IV - DA RAZOBILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.

            A Instrução Normativa nº 43, de 25/04/00, ao prever em seu art. 5º a necessidade de formalização do pedido de desistência em processo administrativo ou judicial dos débitos informados no Termo de Adesão, criou uma obrigação inexistente na lei.

            Assim, mesmo que tal ato fosse possível - o que se admite apenas a guisa de argumentação – a interpretação que a Fazenda dá à norma em tela, conduz, no caso em análise, ao ferimento do princípio da razoabilidade e proporcionalidade, consagrados nos art. 5º, inc. L da CF.

            Com efeito a razoabilidade no ordenamento pátrio destaca-se como princípio geral vinculado a interpretação do Direito, por meio do qual busca-se valorar os conceitos atinentes à justiça quanto aos atos governamentais e legislativos.

            Nas palavras de Maria Paula Dallari Bucci, trata-se a razoabilidade de uma forma de interpretação das normas, cujo objetivo maior é "um chamado à razão para o legislativo e executivo não desviem os valores e interesses maiores protegidos pela Constituição Federal, quando estejam agindo na legalidade".

            De fato, trata-se a razoabilidade de um dos princípios jurídicos implícitos no Texto Constitucional, cujo objetivo maior é a busca da justiça na elaboração e na execução das normas jurídicas, ou seja, é um dos meios que deve ser utilizado para limitar a produção de normas, bem como a execução de atos eminentemente arbitrários, injustos ou irrazoáveis decorrentes dos Poderes Públicos.

            Considera-se razoável aquele ato conforme a razão e aceito como justo dentro de um contexto social. Pensar em algo razoável é pensar em algo aceitável segundo o entendimento de um homem comum, em outras palavras: justo para a sociedade em geral.

            O apelo à razoabilidade sempre foi mais intenso no tocante ao direito penal e ao administrativo, todavia, já é comum sua utilização no âmbito do direito tributário, como critério de aferição da constitucionalidade de norma impositiva em face de tributos notoriamente injustos e eivados de irrazoabilidade, como bem aponta o trecho de acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 18.331 pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal:

            "O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável ainda, a doutrina fecunda do "détournement de pouvoir". Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito dispositivo invocado". (Ministro Relator Orozimbo Nonato. DJ 21.09.1951 - RF 145/164)

            Assim, o princípio da razoabilidade nada mais é do que a valoração dos atos administrativos, diretamente vinculado ao controle da discricionariedade administrativa, como ensina o Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, nas seguintes palavras:

            "Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas as finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente, invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada."

            Ademais, ainda esclarece esse autor, ser a razoabilidade pressuposto lógico dos atos administrativos pois "um ato que exceder ao necessário para satisfazer um escopo legal não é razoável".

            Ao discorrer sobre as normas de imposição tributária, um dos autores deste parecer é enfático ao explicar que o sistema de tributação deve-se vincular à teoria tridimensional do fenômeno jurídico, ou seja, fato-valor-norma, acrescido, ainda, de um quarto elemento: o valorar bem. Dessa forma assevera que:

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            "valorar bem é valorar justo, ofertando equilíbrio inicial capaz de permitir longa duração à norma, último momento do processo de juridicização da realidade social".

            Assim somente será considerado ato razoável aquele que apresentar uma relação proporcional entre os motivos, os meios e os fins da norma (razoabilidade interna), bem como se adequar aos meios e fins constitucionalmente previstos (razoabilidade externa).

            A razoabilidade já foi abordada, outrossim, pelo então Min. Gilmar Mendes quando tratou da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nas seguintes palavras:

            "Um juizo definitivo sobre a proporcionalidade ou a razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito)".

            Resta patente, portanto, que a razoabilidade, assim como a proporcionalidade configuram-se em verdadeiros princípios norteadores do próprio Estado Democrático de Direito, por assegurar a melhor medida possível frente aos direitos constitucionalmente assegurados.

            Ora, trata-se a Consulente de pessoa jurídica que cumpre devidamente suas obrigações atinentes ao REFIS, principalmente, no tocante ao pagamento pontual, há mais de 03 (três) anos, das parcelas mensais e sucessivas correspondentes a 1,2% da receita bruta para quitação do débito consolidado.

            Assim, demonstra-se patente a falta de razoabilidade na exclusão dessa empresa pautada em mero erro formal, atinente a não apresentação tempestiva do requerimento de desistência de processo administrativo, apesar de, frise-se, ter atendido tal requisito por força de lei.

            Para um ato ser considerado razoável, é de fundamental importância a avaliação econômica, política e social elaborada pelos Poderes Públicos quando de sua normatização, devendo ser buscada sempre a solução que gere menor impacto negativo para sociedade.

            Sobre o tema, a terceira subscritora deste parecer escreveu:

            "...para se detectar a razoabilidade ou, como muitos preferem, a racionalidade de uma norma, é necessário constatar sua relativa aceitabilidade social por intermédio de um raciocínio lógico, no qual se correlacione perfeitamente a necessidade (motivação), o meio utilizado, o fim perseguido, bem como todas as possíveis conseqüências decorrentes de tal medida, para que, ao final, se opte pela melhor solução possível para o bem estar social.

            Compete aos Poderes Públicos (legislativo, executivo e judiciário) tornar válido e eficaz o conteúdo implícito e explícito da Constituição Federal, o que somente é possível quando a razoabilidade é entendida como critério de aferição de valores, que acabam impondo limites a qualquer atuação injusta ou arbitrária desses órgãos, o que, por óbvio, não é raro de acontecer, a medida que o homem ao ocupar o poder, muitas vezes com este se confunde."

            Assim o princípio da razoabilidade é abstraído da interpretação lógico-sistemática da Constituição, verdadeiro fundamento constitucional a ser observado para tanto, bem como, de modo geral, na estruturação de qualquer conduta humana pelos Poderes Públicos.

            Ratifique-se, que a Consulente tem cumprido fielmente as disposições veiculadas pela Lei nº 9.964/00, principalmente no que diz respeito ao pagamento tempestivo, há mais de 03 (três) anos, das parcelas mensais e sucessivas correspondentes a 1,2% da receita bruta para quitação do débito consolidado, o que demonstra a falta de razoabilidade na exclusão desta em virtude da ausência de petição de desistência, tempestivamente protocolada, nos autos de certo Processo Administrativo.

            Ora, se o espírito da Lei nº 9.964/00 é a recomposição amigável da dívida, não se pode dizer que há razoabilidade e proporcionalidade na decisão que excluiu a Consulente sob a alegação de que esta não teria desistido efetivamente de processo administrativo, como bem posiciona o E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

            "TRIBUTÁRIO. REFIS. EXCLUSÃO SUMÁRIA DO PROGRAMA. LEI EM TESE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. COMUNICAÇÃO DEFICIENTE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA. LEI Nº 9.964/2000. ESCOPO PRETENDIDO. INTERESSE PÚBLICO.

            1. Não se trata de mandado de segurança contra lei em tese, mas contra efeitos concretos e imediatos de ato administrativo praticado pela autoridade eleita coatora.

            2. Possuindo a Autarquia Federal autonomia administrativo-financeira, a autoridade indigitada coatora é competente para praticar o ato e tem poderes para desfazê-lo. Preliminares rejeitadas.

            3. Afronta os princípios do contraditório e da ampla defesa a exclusão, de forma impositiva, do programa recuperatório, sem averiguação do descumprimento efetivo das regras previstas na Lei nº 9.964/2000, que o instituiu, nem tampouco a adequada comunicação, à impetrante, do fato.

            4. Contrariado o espírito de composição amigável da Lei nº 9.964/2000, o próprio interesse público é atingido, na medida em que a empresa excluída fica praticamente impossibilitada de honrar os pagamentos avençados. No caso, impende salientar haver a impetrante trazido prova, não impugnada, dos pagamentos das prestações no período.

            5. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento. (4ª T do TRF da 1ª Região, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 34000031949. Processo: 200234000031949/DF Relator Des. Fed. HILTON QUEIROZ, VU, DJ 18/06/2003, p. 127). (grifo nossos)

            Ora, não há dúvidas de que razoabilidade de certo ato administrativo vincula-se a observação da finalidade da norma pela Administração.

            Por outro lado, é preciso esclarecer que, mesmo considerando que fosse obrigatório à Consulente apresentar requerimento de desistência para comprovar a falta de interesse no prosseguimento do Processo Administrativo em questão, ela sanou tal irregularidade quando notificada para tanto nos autos deste mesmo processo, por intermédio da missiva de resposta à Receita Federal.

            Mister neste ponto frisar, inclusive, que esta notificação, expedida por Agência da Receita Federal, em nenhum momento informa que se trata, de fato, de um processo de representação, até porque, este somente foi protocolado três meses após a aduzida notificação, como consta no site oficial de andamento processual da própria Receita Federal.

            Por óbvio, é de se concluir que os contribuintes que aderem ao REFIS tem como objetivo maior regularizar sua situação fiscal e manter suas atividades, razão pela qual buscam cumprir todas as normas do programa. Entretanto, se há o não cumprimento de algum requisito previsto em norma hierarquicamente inferior à lei, tal falha somente pode ter ocorrido por equivoco.

            Logo, apesar de não ser obrigatória, vale dizer, prevista em lei, a necessidade de requerimento de desistência, a Consulente ratificou nos autos do processo administrativo mencionado a desistência já informada no termo de adesão.

            Ademais, por absurdo, em total incongruência com os fatos até aqui narrados, é de se ressaltar que o processo administrativo que originou a exclusão em análise por falta de pedido de expresso de desistência do feito, foi julgado improcedente pelo Conselho de Contribuintes sob o fundamento de que a Consulente teria dele desistido por força do disposto no parágrafo único da Lei nº 6.830/80, que apresenta a seguinte dicção:

            "Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto."

            Ora, não pode a administração ter opiniões distintas sobre um mesmo fato, interpretando-o da maneira que melhor lhe convier, de forma a apenar o contribuinte, em notória afronta ao princípio da moralidade que deve reger os atos administrativos.

            Melhor explicando: não pode a Administração julgar improcedente processo administrativo por entender que a Consulente desse tinha desistido, ao mesmo tempo em que a exclui do REFIS por entender que não houve a desistência desse mesmo processo.

            Como alegar que não houve desistência expressa do processo em tela, se a própria decisão administrativa reconheceu que a Consulente tinha, sim, deste desistido por força de lei, na medida em que levou a mesma questão para discussão no âmbito judicial.

            Neste sentido, cumpre ainda esclarecer que referido processo judicial também foi julgado improcedente pelo E. TRF da 1º Região, cujo acórdão transitou em julgado em 08/03/02, em virtude da não apresentação de Recurso Especial ou Extraordinário pela Consulente, o que comprova, mais uma vez, a perda de interesse desta na manutenção do litígio judicial diante da opção pelo ingresso REFIS.

            Diante disso, é evidente que o não protocolo de requerimento de desistência, nos termos como informado pela Fazenda, configura-se em mero erro formal, que não acarretou qualquer dano aos cofres públicos, razão pela qual não merece prosperar a exclusão em questão, diante do correto comportamento da Consulente, considerado desde a sua adesão até a presente data, do qual, inclusive, afere-se a real intenção desta.

            Nesse sentido merece destaque a recente decisão proferida pelo E. TRF da 4ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2004.04.01.005923-9/RS, de relatoria do i. Des. Federal Wellington M. de Almeida, que, em situação semelhante à presente, assim se manifestou:

            "REFIS – EXCLUSÃO – INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE DESISTÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO – DECORRÊNCIA DA PRÓPRIA LEI Nº 9.964

            Decisão

            Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação ordinária nº 2003.71.08.018953-7, em trâmite junto à 2ª Vara Federal de Novo Hamburgo/RS, indeferitória de pedido antecipatório postulado para suspender os efeitos de ato administrativo que excluiu a agravante do Refis ao argumento da inexistência do requerimento de desistência do contencioso movido na seara administrativa, na qual discutia débitos inscritos no referido programa.

            (....)

            Decido.

            De início, de se salientar que o ato excludente combatido tem escoras no quanto alinhavado no artigo 5º, inciso III, da Lei 9.964, que,como bem refere a Fazenda em sua contestação (fls. 51), exige três requisitos, quais sejam, existência de lançamento de ofício, inclusão do débito no Refis (não incluído em confissão) e não pagamento em trinta dias da ciência do lançamento. Nesse contexto, quando disserta acerca do segundo requisito, sustenta o órgão fazendário que o pedido de desistência do recurso apresentado na esfera não-contenciosa deveria ser erigido até fevereiro de 2001.

            Desse ângulo, verifico a relevância da fundamentação, porquanto a desistência de eventuais pendengas administrativas decorre da própria Lei 9.964/2000, de modo a restar desinfluente qualquer recurso no âmbito da administração pública que tenha por escopo discutir a dívida inserta no Refis. Nesse toar, ao que penso, desarrazoado querer obstar a fruição da benesse fiscal pela autora tão-só ao fundamento da inobservância da formalização da desistência, esta que ínsita ao ato implementado pelo aderente de declarar no Refis o débito encartado no processo administrativo nº 11065.001040/96-19, motivador da exclusão combatida, mormente considerado o documento de fl. 96/97, onde expressamente consta a intenção a ser coligida ao processo administrativo mencionado.

            Aliás, se a finalidade do refis é debelas um crônico déficit existente nas contas nacionais, internas e externas, incentivando o pagamento a destempo de tributos, mediante uma série de benefícios, não há porque privilegiar a forma em detrimento da efetiva vontade do contribuinte, devendo prevalecer a incompatibilidade superveniente entre o recurso administrativo e a opção pelo plano fiscal, sob pena de, ante detalhe de menor importância, não se declarar o objetivo traçado. Considere-se que grande parte da dívida foi adimplida via Refis.

            Desta forma, defiro o pretendido efeito suspensivo". (DJU 2 de 25.2.2004, p. 189)" (grifos nossos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1064, 31 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16689. Acesso em: 23 dez. 2024.

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