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Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20

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Agenda 31/05/2006 às 00:00

DA OFENSA AOS ARTS. 170 E 174 DA C.F.

            Cumpre lembrar que exclusão da Consulente do REFIS fere ainda os princípios norteadores da ordem econômica, previstos nos artigos 170 e 174 da C.F., na medida em que a exclusão implica, de fato, na impossibilidade dessa desenvolver plenamente todas as suas atividades, o que, por óbvio repercutirá de forma negativa sobre a sociedade.

            A adesão ao REFIS foi opção de empresas que visavam a manutenção de sua atividade operacional, sendo um verdadeiro incentivo a estas, na medida em que viram a oportunidade de regularizar e legalizar sua situação fiscal.

            A alegação da Administração de que a Consulente não teria desistido de processo administrativo, cujo débito foi informado no termo de opção, por falta de requerimento de desistência tempestivo no feito, viola não só a finalidade da norma instituidora do REFIS, bem como os princípios que devem reger ordem econômica nacional, elencados pelo legislador constituinte nos arts. 170 e 174, tendo em vista que a exclusão em questão pode acarretar o encerramento das atividades da empresa, com grande prejuízo para o setor em que atua e aumento significativo da taxa de desemprego do Estado.

            Reza o art. 170 da C.F.:

            "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

            (...)

            III – função social da propriedade;

            (...)

            VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

            VIII – busca do pleno emprego;

            (...)"

            Da mesma forma, assevera o art. 174 da C.F.:

            "Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."

            Com o REFIS, a Consulente não só cumpriu fielmente com suas obrigações, pagando pontualmente as parcelas para saldar o valor consolidado, bem como aumentou significativamente sua produção industrial, gerando maior arrecadação para os cofres públicos.

            A economia de certa região não pode ser interpretada de forma isolada, mas, sim, como um todo, uma série de atuações que em conjunto geram o desenvolvimento do mercado.

            Assim, quando uma empresa encerra suas atividades não se trata de uma ato isolado, restrito apenas a essa, mas de um ato que terá repercussão sobre a economia de toda uma região, o que deve ser sopesado pela Administração quando da tomada de decisões, como a exclusão da Consulente, baseada um mero erro formal, sob pena de referida medida ser considerada inconstitucional.


DA BOA-FÉ DA CONSULENTE

            Por derradeiro, a exclusão do REFIS pautada em uma única irregularidade e em interpretações meramente literais, divorciadas não só do espírito da lei, mas da relação contratual que se firmou com o Estado, configura afronta, ademais, ao princípio da boa-fé, veiculado no Código Civil de 2002.

            Referido princípio - que estabelece a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade, e, principalmente, na consideração para com os interesses do "alter" visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado – vem encontrando cada vez maior guarida na legislação dos diversos países, constando, por exemplo, § 242 do Código Civil alemão.

            Na "common law", esse princípio é visto como "standard" jurídico segundo o qual "cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta, levam-se em consideração os fatos concretos do caso, tais como o status pessoal e cultura dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo".

            Entre nós, esse princípio foi consagrado do pela Lei 10.406 de 10, de janeiro de 2002, novo Código Civil, que entrou em vigor em 11.01.03, sendo que a doutrina fala em boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva.

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            Miguel Reale, um dos autores do projeto que veio a transformar-se na referida lei, em palestra ministrada, a convite de um dos autores deste parecer, no Conselho de Economia Sociologia e Política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, no dia 13 de junho de 2002, enunciou os vetores que nortearam a sua elaboração, nos termos seguintes:

            "O que distingue essencialmente o novo código daquele que vai substituir são três valores fundamentais: o da ética, o da socialidade e o da operabilidade.

             ............................................................................

            O princípio ético é quase que ausente do Código Civil atual, bastando, por exemplo, fazer referência ao conceito de boa-fé. Os que estudaram direito ou têm conhecimento dele, ainda que lateral, sabem que a boa-fé praticamente só é lembrada no código atual no capítulo relativo à posse, de boa ou má-fe. Nos dois mil e tantos artigos restantes não aparece mais. Ao contrário do código atual, a boa-fé vem desempenhar um papel fundamental, por assim dizer, básico, na nova codificação, como veremos a respeito dos artigos-chave, pois sem eles não se compreende seu espírito.

            Em primeiro lugar, lembro o art. 113: "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração" . Eis aí duas condicionantes fundamentais – o direito só vale e deve ser aplicado em razão da boa –fé e dos usos e costumes do lugar em que a questão deva ser considerada".

            E, ainda observa o eminente jurista ao abordar o art. 422:

            "A ética tem por obrigação levar em conta os valores fundamentais que dirigem a conduta humana em sociedade, razão pela qual nessa estrutura, ao tratar dos contratos e das obrigações o código novo declara: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como na sua execução os princípios de probidade e boa-fé". Não tivemos nenhuma vacilação em repetir tantas vezes quantas necessárias os princípios da eticidade e da boa-fé, dos quais resultam outros como aquele que os italianos chamam la correttezza, a correção, de tal maneira que uma pessoa não poderia propor uma ação para desfazer um ato próprio do qual tirou antes proveito" .

            Na verdade, mesmo antes da nova lei, as lacunas do Código Civil de 1939 foram preenchidas pela doutrina, segundo a qual a boa-fé é princípio norteador dos contratos, como desdobramento do princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa, consagrado no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

            Com o advento da Constituição de 1988 - que teve o mérito de dar realce aos princípios informadores do ordenamento - diversos autores passaram a sustentar que o princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual "as partes, no contrato ou na relação obrigacional, devem agir com lealdade e correção", como explicitado por Francisco Amaral, tem sua base constitucional na dignidade pessoa humana, reconhecida no art. 1º, III, da CF.

            É, ainda, Miguel Reale, na magnífica palestra acima mencionada, quem ressalta a necessidade de o direito ser exercido em função de três valores que se integram numa unidade cogente: o fim econômico, o fim social, a boa-fé e os bons costumes:

            "É, portanto, uma tomada de posição bem clara, que corresponde, aliás, à diretriz da Constituição de 1988, cujo artigo 1º, de caráter eminentemente preambular, estabelece entre os fundamentos do Estado democrático de direito a dignidade da pessoa humana. Ora, a dignidade da pessoa humana não é senão o embasamento da ética".

            Trata-se, ademais, de instrumento pelo qual se assegura que o contrato cumpra a sua função social, funcionando ora como limitador do princípio da autonomia da vontade, ora como instrumento exegético capaz de revelar, em toda plenitude, a intenção das partes contratantes.

            Maria Helena Diniz , ao comentar os princípios que regem as obrigações contratuais, - inclusive em face do então Projeto de lei nº 634-B/75, que viria a transformar-se no novo Código Civil) -, também sublinha que a boa-fé é princípio :

            " intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, isto é proceder com boa-fé. A esse respeito, o Projeto de Código Civil, no art. 422, reza que ‘os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como na sua execução, os princípios da probidade e boa-fé" , impondo que haja entre as partes uma colaboração no sentido de mútuo auxílio na formação e execução do contrato, impedindo que uma dificulte a ação da outra" .

            Por sua vez, ao comentar acerca dos atos ilícitos segundo as normas do Novo Código Civil, Francisco Amaral esclarece:

            "Boa-fé entende-se sob o ponto de vista psicológico ou subjetivo. Psicologicamente a boa-fé é um estado de consciência, é a convicção de que se procede com lealdade, com certeza da existência do próprio direito, donde a convicção da licitude do ato ou da situação jurídica. Objetivamente, a boa fé significa a consideração, pelo agente, dos interesses alheios, ou a ‘imposição de consideração pelos interesses legítimos da contraparte’ como dever de comportamnento."

            Na mesma linha da doutrina, a jurisprudência considera a boa-fé princípio implícito na lei civil atual, como reconhecido em julgados do seguinte teor:

            "...para o reconhecimento de efeitos jurídicos a situações aparentes é de aplicar-se o princípio geral que protege a boa-fé nos contratos e a lealdade nas relações sociais".

            Especificamente no caso em análise, constata-se a boa-fé, objetiva e subjetiva, da Consulente, tendo em vista que essa, por mais de 3 anos, estava convicta de ter cumprido devidamente todas as obrigações atinentes ao ingresso no REFIS, principalmente, no que tange ao pagamento das parcelas acordadas e à renúncia expressa ao direito sobre os débitos informados.

            Mesmo sendo o princípio da boa-fé, como exposto, princípio de ordem privada, o cerne de sua composição é encampado pelos princípios contidos no art. 37 da C.F..

            Isto posto, em face de todas as considerações expendidas, passamos a responder, sucintamente as questões levantadas nos seguintes termos:

            Sim, a Portaria CG/REFIS que excluiu sumariamente a Consulente do REFIS, não cumpriu os requisitos básicos do ato administrativo, com efeitos de ilegalidade e inconstitucionalidade e, é inconstitucional a exclusão da Consulente do REFIS, mesmo que admitida a ausência da desistência formal de Processo Administrativo.

            S.M.J.

            IVES GANDRA SILVA MARTINS

            JOSÉ RUBEN MARONE

            SORAYA DAVID MONTEIRO LOCATELLI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Exclusão sumária do REFIS por ausência de cumprimento de requisito formal. Inconstitucionalidade da resolução CG/REFIS nº 9 e nº 20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1064, 31 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16689. Acesso em: 23 dez. 2024.

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