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Embriaguez ao volante: recusa a produzir prova não exclui o crime

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Agenda 31/07/2008 às 00:00

III.CONCLUSÃO

Espera-se, por conseguinte, que não prevaleçam argumentações doutrinárias de primeira hora, cujo acolhimento representará total descompasso não só com a mens legislatoris, mas também com a mens legis, compreendida em uma abordagem sistemática e teleológica, contrária à aplicação meramente literal da lei, descontextualizada, por completo, do cenário nacional.

A vingar a tese da impetração, teremos uma inédita situação de condicionamento das punições criminais à vontade do particular, o que representa um golpe fatal na idéia – que sempre se mostrou inquestionável – de que o ius puniendi traduz uma potestas do Estado, da qual se origina uma sujeição jurídica do indivíduo.

Além disso, a pretendida retroatividade da lei nova, para atingir situações pretéritas já consumadas sob o regime da redação anterior ao artigo 306 do CTB, produzirá um resultado no mínimo inusitado: aqueles que, antes da vigência da lei nova (20 de junho de 2008), foram flagrados conduzindo seus veículos automotores e que aquiesceram na realização do bafômetro terão suas penas integralmente preservadas; já os que, por algum motivo – inclusive por deliberada (e legítima) recusa em assoprar o tal instrumento – não produziram tal prova, terão suas penas integralmente desconstituídas.

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Que Direito é esse?

À vista do exposto, não demonstrada a ocorrência de bis in idem, oficia o Ministério Público para que o Habeas Corpus seja conhecido e DENEGADO.

Brasília, DF, 22 de julho de 2008

Rogério Schietti Machado Cruz

Procurador de Justiça


Notas

  1. QUESTÕES PROCESSUAIS PENAIS CONTROVERTIDAS, Sugestões Literárias, 1977, p. 235.
  2. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil, Madrid: Trotta, 1997, p. 122.
  3. PERELMAN, Chaïm.Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 422 - grifamos
  4. Segundo reportagem publicada na Revista Época, edição de 4 de julho último, no ano passado mais de 36 mil pessoas perderam a vida no trânsito brasileiro, número que supera três vezes e meia o número de mortes do trânsito nos EUA. Essa média de 98 mortos diários do asfalto brasileiro cresce em média 4,3% ao ano, com custos financeiros e sociais elevadíssimos. O semanário informa também que um estudo realizado em 2005 pela toxicologista Vilma Leyton, por quase três décadas perita criminal do IML de São Paulo, concluiu que dos 3.042 cadáveres examinados nesse ano no Estado de São Paulo, vítimas do trânsito, 44% deles acusava a presença de álcool no sangue.
  5. HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 6ª. Ed., v. V, Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 417.
  6. DE JESUS, Damásio. Embriaguez ao volante: notas à Lei n. 11.705/2008 (disponível no Blog.damasio.com.br desde 8 de julho de 2008)
  7. GOMES, Luiz Flávio. Lei seca: exageros, equívocos e abusos. Jornal Folha de São Paulo, edição de 2 de julho de 2008.
  8. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual. São Paulo: RT, 2003, p. 97.
  9. Oportuna a observação de Guilhermo YACOBUCCI (El sentido de los princípios penales. Ed. Ábaco de Rodolfo Depalma, Buenos Aires: 2002, p. 289), para quem, entre um direito penal que pretende proteger bens jurídicos e um novo direito penal que se destina à realização de programas de significação política, que busca assegurar a lealdade e obediência normativa [função integradora da norma], os interesses a proteger vão além da esfera individual. Na medida em que o novo direito penal se ocupa de bens jurídicos macro sociais (e o direito à segurança viária seria um, diríamos nós), de finalidades que não estão incluídas nos critérios tradicionais de prevenção geral negativa, senão que buscam integrar os comportamentos do cidadão "a programas de realización comunitária", resulta evidente que não pode considerar-se a lei estrita e certa com os mesmos critérios do Iluminismo.
  10. A mesma pergunta faz EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE (Álcool e Volante.Até quando será preciso provar o que é notório?. IN jus.com.br/revista/texto/11503"> http://jus.com.br/revista/texto/11503, disponível em 20/07/08): "Será que alguém ainda tem alguma dúvida de que dirigir sob efeito de álcool ou de substâncias psicoativas é perigoso".
  11. "El peligro es un concepto también normativo en la medida en que descansa en un juicio de probabilidad de que un determinado bien pueda ser lesionado por el comportamiento realizado, aunque después esa lesión de hecho no se produzca. El juicio de peligro es, pues, un juicio ex ante que se emite situándo-se el juzgador en el momento en que se realizó la acción. MUÑOZ CONDE, Francisco (co-autoria com Cezar Roberto Bitencourt. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 230).
  12. Na definição de CEZAR R. BITENCOURT (Teoria Geral do Delito, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 26), "permanente é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser".
Sobre o autor
Rogério Schietti Machado Cruz

Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP. Procurador de Justiça do Ministério Público do DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rogério Schietti Machado. Embriaguez ao volante: recusa a produzir prova não exclui o crime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1856, 31 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16861. Acesso em: 19 nov. 2024.

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