Seja como Booker em “Os Mercenários 2”, seja como James Braddock, o ator Carlos Ray Norris, atualmente com 75 anos, que marcou uma geração de cinéfilos em filme de ação. Ex-militar, exímio lutador de artes marciais, Chuck Norris ficou famoso na década de 70 e 80 por interpretar heróis sem medo, que ora combatiam o crime, ora defendiam o Governo Americano contra forças estrangeiras (principalmente contra árabes e vietnamitas). O ator interpretou personagens que foram expoentes da definição do que seria o “mocinho” em filmes Hollywoodianos, trazendo no seu bojo de valores, a justiça, a coragem, a honra e a lealdade. Tais valores nunca desvinculados de uma boa metralhadora M60 ou um fuzil AR-15. Mas este texto não se reporta à vida deste autor, tampouco à listagem de seus filmes, mas a discussão aqui é, primordialmente, acerca de quais caminhos se inserem as políticas criminais e o instituto da Legítima Defesa.
O conceito de Legítima defesa, tomando a doutrina penalista da atualidade como referencial, expõe que “é a defesa necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiros, usando, para tanto, moderadamente, os meios necessários” (NUCCI, 2014). Este instituto visa eliminar qualquer tipo de vingança privada do seio de um Estado Democrático de Direito. Para tanto, Nucci (2014) considera em excesso doloso o agente que pratica um ato de defesa com maior lesão do que aquela estritamente necessária para se proteger de um ataque. Exposta no art. 23 do Código Penal, amparada pela própria Constituição quando se trata de ampla defesa dos cidadãos, jurisprudencialmente aliada aos Princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a legítima defesa está se fragilizando. Dos filmes à realidade o que se assiste são sessões de imoderados e excessivos atos de violência por parte dos heróis.
Não adentrarei nos estudos sobre a influência dos filmes de ação nas atitudes das pessoas em geral, mas garanto que a vontade de ser como Chuck Norris é uma realidade. Cito um exemplo: Projeto de Lei 7.104/2014 de outro ex-militar. Acresce inciso ao art. 23 do CP: “Não há crime quando o agente pratica o fato (...) IV – no interior do domicílio, urbano ou rural, onde habita contra pessoa nele não autorizada a entrar” (BRASIL, 2015). Na justificação de tal projeto lê-se:
Com a implementação dessa alteração legislativa, entendemos que iremos proporcionar mecanismo inibitório da criminalidade, deixando claro que quem adentrar em ambiente domiciliar, urbano ou rural, sem consentimento poderá ser morto por quem legitimamente o habita (BRASIL, 2015).
Exemplo recente da política penalista e da debilidade do sistema penal. Ao ler tal projeto, imaginei um cidadão de bem, em sua sacada, apontando um fuzil AR-15, típico dos filmes, para um indivíduo que acabara de pular o muro de sua residência para buscar uma bola perdida na “pelada” jogada na rua da frente. Mas esta é a imaginação do autor. No mundo dos fatos, tal exemplo jamais aconteceria.
Em conclusão, a violência perpetrada nas relações diárias está camuflando a defesa moderada. O Brasil não é a Arábia, muitos menos o Vietnã, mas a violência aqui dentro continua num ciclo sem fim. A injusta agressão se mantém dando brecha a espancamentos, torturas e mortes. O Projeto de Lei supracitado mostra que o direito à segurança e à proteção vale mais que o direito à dignidade humana de outrem. Garantir a legítima defesa não é uma forma de punição, mas de moderadamente repelir a agressão. E, diferente dos filmes, estes são os pilares que sustentam um Estado Democrático de Direito, onde a população deve almejar seus anseios.