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A regulamentação do cão comunitário em Pelotas/RS

Resposta às seguintes questões, diante de reclamação de vizinho por latidos de cão comunitário: 1- O cão acolhido pode permanecer no local? 2- O sistema jurídico brasileiro permite que alguém retire ou destrua a “casinha” que serve de abrigo ao cão?

RELATÓRIO

Trata-se de reclamação de vizinho em razão dos latidos de um cão acolhido pelos residentes nos imóveis de uma mesma rua, na cidade de Pelotas/RS. O animal é alimentado pelos moradores e usa como abrigo uma “casinha”, móvel, disponibilizada por um dos moradores em passeio de pedestres em frente a residência do mesmo.

Assim, a irresignação do vizinho consiste tão somente nos latidos do cão, razão pela qual o consulente questiona:

1- Se o cão acolhido pode permanecer no local.

2- Se o sistema jurídico brasileiro permite que alguém retire e destrua a “casinha” que serve de abrigo ao cão.


FUNDAMENTO NORMATIVO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CERFB/1988), lei suprema no Estado de Direito Brasileiro, prevê:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL, 1988) (grifos das pareceristas).

No Brasil não se reconhece os animais como sujeitos de direitos, em razão de não poderem expressar sua vontade. Entretanto, isso não significa que a eles não seja destinada proteção, na realidade, é o contrário que se verifica, partindo da própria CRFB/1988, acima citada, que proíbe a crueldade e os coloca como bens do meio ambiente a ser protegido.

A CRFB/1988 atribui à União e aos Estados-Membros a competência para legislar sobre meio ambiente (art. 24, VI); e aos Municípios a competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, II).

Assim, a proteção aos animais não se limita a CRFB/1988.

Nível federal

Para o caso relatado, em nível federal, tem-se a Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei de Crimes Ambientais, as quais fazem previsões expressas:

Política Nacional do Meio Ambiente. Lei 6938/1981. Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

[...]

X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; (BRASIL, 1981) (grifos da pareceristas).

Lei de Crimes Ambientais.

Lei 9605/1998. Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

[...]

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 1998) (grifos das pareceristas).

Nível estadual-RS

Em nível estadual, no Rio Grande do Sul (RS), tem-se a Lei nº 11.915, de 21 de maio de 2003, que institui o Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul; e a Lei nº 13.193, de 30 de junho 2009, conhecida como a Lei do Cão Comunitário, que dispõe sobre o controle da reprodução de cães e gatos de rua no Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências, veja-se:

Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul. Lei nº 11.915/2003.

Art. 2º - É vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; (RIO GRANDE DO SUL, 2003) (grifos das pareceristas).

Lei do Cão Comunitário, que dispõe sobre o controle da reprodução de cães e gatos de rua no Estado do Rio Grande do Sul. Lei nº 13.193/2009.

Art. 4º - O recolhimento de animais observará procedimentos protetores de manejo, de transporte e de averiguação da existência de proprietário, de responsável ou de cuidador em sua comunidade.

§ 1º - O animal reconhecido como comunitário será esterilizado, identificado, registrado e devolvido à comunidade de origem, salvo nas situações já previstas na presente Lei.

§ 2º - Para efeitos desta Lei, considera-se animal comunitário aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção, ainda que não possua responsável único e definido.

Art. 6º - Para efetivação desta Lei, o Poder Público poderá viabilizar as seguintes medidas:

II - campanhas que conscientizem o público da necessidade de esterilização, de vacinação periódica e de que maus tratos e abandono, pelo padecimento infligido ao animal, configuram, em tese, práticas de crime ambiental;

III - orientação técnica aos adotantes e ao público em geral para os princípios da tutela responsável de animais, visando atender às necessidades físicas, psicológicas e ambientais. (RIO GRANDE DO SUL, 2009) (grifos das pareceristas).

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Nível municipal-Pelotas

Em nível municipal, nessa cidade de Pelotas/RS, várias legislações tratam dos animais, sendo a maioria direcionada aos animais domésticos que possuem proprietário definido ou nenhum responsável, o que não é o caso do cão comunitário.

Quanto aos cães comunitários, tem-se a Lei nº 6.321, de 14 de janeiro de 2016, que institui o Programa de Proteção Animal no Município de Pelotas e dá outras providências, destacando-se:

Programa de Proteção Animal no Município de Pelotas. Lei nº 6.321, de 14 de janeiro de 2016.

Art. 2º Para efeito desta lei, entende-se por:

[...]

VIII – ANIMAIS DE COMUNIDADE: todos aqueles animais domesticados sem domicílio definido ou responsável identificado, que encontram o seu bem estar em uma determinada comunidade de uma determinada região/local;

[...]

XII– MAUS TRATOS: toda e qualquer ação voltada contra os animais, e que implique em crueldade, especialmente na ausência de abrigo, cuidados veterinários, alimentação necessária, excesso de peso de carga; tortura, uso de animais feridos, submissão a experiências pseudo-cientificas e o que mais dispõe o Decreto Federal no 24.645, de 10 de Julho de 1934, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 27 de Janeiro de 1978, a Lei de Crimes Ambientais 9605 de Fevereiro de 1998 e o Art. 225. do Capítulo VI de Meio Ambiente da Constituição Federal;

[...]

XVII – BEM-ESTAR ANIMAL: garantia de atendimento às necessidades físicas (controle endo e ectoparasitário), naturais, mantendo um manejo etológico de qualidade onde todas as necessidades fisiológicas sejam atendidas de forma coerente e respeitosa lhes garantido qualidade mínima de vida;

a) manejo de animais: considerando suas necessidades físicas e naturais;

b) necessidades fisiológicas: referem-se às funções, processos e/ou atividades vitais para manutenção da vida;

Art. 6º É proibida a prática de ato de abuso e/ou crueldade a animais de qualquer espécie. (grifos das pareceristas). (PELOTAS, 2016) (grifos das pareceristas).

Quanto à casinha que serve de abrigo ao cão comunitário, deve-se observar, apenas que, se estiver em passeio para pedestres (calçada), caso seja feita por meio de edificação imóvel, deve respeitar a medida estabelecida para pavimentação do passeio de pedestres, na Lei nº 5.528, de 30 de dezembro de 2008, que institui o Código de Obras para Edificações do Município de Pelotas, e dá outras providências, reservando 1,20m para passagem dos pedestres.

Código de Obras para Edificações do Município de Pelotas. Lei nº 5.528, de 30 de dezembro de 2008.

DOS PASSEIOS PARA PEDESTRES

Art. 91. - A largura mínima pavimentada do passeio, destinada ao trânsito de pedestres e quando não houver exigência de rota acessível, deverá ser de 1,20m (um metro e vinte centímetros) para qualquer caso, descontados canteiros junto ao meio-fio e área destinada à colocação de tampas de caixas, sendo que, nos passeios das vias arteriais do sistema viário urbano, deverão ser previstas rotas acessíveis com largura útil mínima de 1,50m (um metro e cinqüenta centímetros); (PELOTAS, 2008) (grifos das pareceristas).

Observe-se que, o dispositivo é aplicado para o caso de edificação imóvel, não se aplicando se a casinha oferecer mobilidade, ou seja, não for fixa ao solo.


DISPOSITIVO

Diante da legislação apresentada, as perguntas do consulente restam assim respondidas:

  1. Se o cão acolhido pode permanecer no local. Sim

  2. Se o sistema jurídico brasileiro permite que alguém retire e destrua a “casinha” que serve de abrigo ao cão. Não.

É O PARECER.


REFERÊNCIAS

Sobre as autoras
Débora Alessandra Peter

Docente do Curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Pelotas. Doutoranda em Direitos Sociais e Políticas Públicas junto ao PPGD-UNISC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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