DOS DIVERSOS DISPOSITIVOS LEGAIS
AFRONTADOS PELO LOTEAMENTO CLANDESTINO
A ação e a omissão dos Poderes públicos acima narradas são absolutamente ilegais, frente ao estabelecido em extensa legislação de ordem federal, estadual e municipal, e dessa legislação resulta claramente a obrigação dos réus em observar tais dispositivos legais, o que à toda evidência não ocorreu.
Por primeiro, é preciso mencionar que o Município e o Estado falharam com suas atribuições constitucionais. O Município falhou em não executar a Política de desenvolvimento urbano, conforme lhe compete (art. 182 e art. 30, VIII da CF). Além disso, os dois réus afrontaram os art 23, incisos VI, VII, IX, X e XI da Carta Magna.
No que tange à Legislação Federal infraconstitucional afrontada, temos a Lei 6.766/79, que institui a obrigação do Município de anuir previamente com a construção de qualquer parcelamento do solo (art. 12), e a obrigação do Estado em anuir previamente no caso de loteamentos localizados em áreas de mananciais (art. 13). Justamente a ausência de tais aprovações é que transforma o loteamento em clandestino. Nas palavras do eminente Diógenes Gasparini(2):
"O parcelamento, loteamento ou desemembramento é clandestino na medida em que o Poder Público competente (Município ou Distrito Federal) para examinar e, se for o caso, aprovar o plano, dele não tem, nesse sentido, qualquer conhecimento oficial."
Essa clandestinidade produz um grande número de dispositivos da lei 6.766/79 afrontados por parte dos responsáveis pelo loteamento candestino. Podemos citar os requisitos urbanísticos (art. 4º), as diretrizes do projeto (art. 6º) e, como consequência da ausência de aprovação, o descumprimento do disposto quanto a aprovação (arts. 12 a 17), registro (arts. 18 a 24) e elaboração de contratos de compra e venda (arts. 25 a 36).
No que concerne à legislação estadual, deve-se observar que a área em questão é definida como de proteção à mananciais, em decorrência de sua grande proximidade com a represa Billings (art. 2º, I da Lei Estadual 878/75 doc. 67). À partir daí, fácil notar que referida legislação também foi totalmente ignorada. Exige-se aprovação prévia da CETESB desses loteamentos quanto aos aspectos da proteção ambiental (art. 3º, parágrafo único); regras para coleta, tratamento e destinação final de resíduos, solução adequada para erosões, escoamento de águas (art. 6º); anuência da Secretaria de Negócios Metropolitanos (art. 7º); diversas normas e ocupação do solo visando o interesse ambiental, no que tange a formas de uso do solo, condições mínimas de arruamento, pavimentação e imepermeabilização do solo, condições de uso dos mananciais, desmatamento, emprego de fertilizantes, canalizações, coleta e transporte de esgoto, etc (art. 11). A Lei Estadual nº 1.172/76 (doc. 76) também traz diversas regras de ocupação do solo no local que foram completamente ignoradas. É justamente a afronta desses dispositivos legais que enseja a responsabilidade do Estado de São Paulo.
Finalmente, no que diz respeito à Legislação Municipal, foi afrontada a Lei 9.413/81 (doc. 77), que fixa diversas normas, de caráter urbanístico (art. 2º), técnico (arts. 3º ao 9º), competências para procedimentos administrativos (art. 15 e 16) e quanto aos tipos de loteamento permitidos (art. 17 à 22).
Além disso, foi completamente ignorada a legislação de zoneamento do Município. Com efeito, conforme se verifica no mapa em anexo (doc. 78), o local é definido pela Lei Municipal nº 8.769/78 (doc. 79) como uma Z15, zona de uso essa estritamente residencial, de densidade demográfica baixa, e com critérios de ocupação bastante rígidos definidos pelo art. 11 de referida lei e também pelo quadro nº 2C anexo à mesma lei municipal (doc. 80).
Além da legislação federal, estadual e municipal quanto à ocupação do solo, foram feridas diversos outros diplomas legais, tais como: a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 195; falta de anuência da Secretaria do Meio Ambiente (art. 1º, parágrafo único do Decreto Estadual 34.542, de 09.01.92); a Lei Federal 6.938/81, que instituiu a política nacional do meio ambiente, especialmente em seu art 3º, onde fixa os objetivos de referida política, e a Lei Federal nº 4.771/63 (Código Florestal), em seu art. 2º, que considera de preservação permanente as florestas e demais cursos de água, e o art 3º, que considera de preservação peramente a vegetação natural que visa atenuar erosão de terras.
DA RESPONSABILIDADE DOS RÉUS E DO DEVER DE INDENIZAR
Assim sendo, uma vez comprovada a ação nefasta de agentes públicos responsáveis pela fiscalização da legislação acima citada para impedir loteamentos clandestinos, e uma vez comprovada a total irregularidade do loteamento, ao contrário da residência dos autores, plenamente regular frente às regras federais, estaduais e municipais de ocupação do solo e regularmente adquirida e registrada, dúvidas não pode haver acerca da responsabilidade dos dois órgãos estatais incluídos como réus da presente ensejadora da obrigação de indenizar.
Com efeito, diz o art. 37, §6º da Constituição Federal:
"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa"
Esse dispositivo serve de fundamentação legal para a propositura de ações de responsabilidade civil do Estado, muito embora, como assevera o Prof. Bandeira de Mello, ainda que tal responsabilidade não estivesse expressa em qualquer texto do ordenamento jurídico, a mesma estaria contemplada, pois é um princípio decorrente da própria noção de Estado de Direito.
No caso dos autos, conforme dito anteriormente, há mais gravidade do que uma simples omissão do Estado em seu dever de fiscalização. Com efeito, houve uma conduta comissiva ilícita de agentes estatais que incentivaram o descumprimento da lei, precisamente os Srs. Administradores Regionais, o que por si só ensejaria a responsabilidade do Poder Púbico. Nas palavras do Prof. Celso antonio Bandeira de Mello(3):
"É verdade que em muitos casos a conduta estatal geradora do dano não haverá sido legítima, mas, pelo contrário, ilegítima. Sem embargo, não haverá razão, ainda aqui, para variar as condições de engajamento da responsabilidade estatal. Deveras, se a conduta legítima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, "a fortiori" deverá ensejá-la a conduta ilegítima causadora de lesão injurídica. É que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como se evadir à ação estatal. Fica à sua merçê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava. Saber-se, pois, se o Estado agiu ou não culposamente (ou dolosamente) é questão irrelevante. Relevante é a perda da situação juridicamente protegida. Este só fato já é bastante para postular a reparação patrimonial"
Até mesmo em casos supostamente banais de ação danosa de agentes públicos, tais como condução de viaturas causadoras de acidentes, a responsabilidade do Estado configura-se, como preleciona o saudoso jurista Hely Lopes Meirelles(4):
"O abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a missão que lhe fora atribuída. Desde que a Administração defere ou possibilita ao seu servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a causar injustamente a terceiros"
Todavia, mesmo que não tivesse havido a ação ilegítima, ilegal e arbitrária de agentes públicos, houve clara omissão do Poder Público tanto Municipal quanto Estadual, e a simples omissão de tais poderes na aplicação dos dispositivos legais supra citados enseja o direito à indenização por parte dos autores.
Com efeito, no que concerne ao Estado de São Paulo, o descumprimento de seu dever legal decorre do não exercício do mesmo do seu dever de fiscalização, ou seja, da não aplicação do disposto no art. 13 da Lei Estadual 898/75. De acordo com tal dispositivo legal, o Poder Público Estadual possui competência para aplicar advertências, multa, interdição e embargo em defesa das áreas de mananciais.
No que tange à responsabilidade do Município, a mesma decorre, inclusive, do disposto no art. 182 da Constuição Federal, que fixa a competência exclusiva do Município para executar a política urbana e, em consonância com o mandamento constitucional, diversos outros dispositivos legais contidos na legislação de uso e ocupação do solo e na legislação edilícia. Os autores não irão citar, um a um, tais dispositivos, para que não se tornem exaustivos, mas poderão fazê-lo posteriormente caso os requeridos neguem possuir obrigação legal de coibir loteamentos clandestinos em São Paulo.
Para a responsabilidade por omissão, todavia, as regras são distintas do quanto prescrito para a responsabilidade por ação. Tais regras jurícias são explicitadas com clareza pelo insigne Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, a quem pedimos vênia para citar novamente(5):
"Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo".
Portanto, ainda que as regras para responsabilidade por omissão do Estado sejam distintas das regras da responsabilidade por ação, sendo aquela mais estrita do que essa, no magistério do Prof. Bandeira de Mello, no caso em tela ambas estão configuradas. Com efeito, é necessário que, para a configuração de responsabilidade por omissão, tenha havido culpa da administração, o que indubitavelmente ocorreu no caso dos autos. A responsabilidade em hipóteses desse jaez é concluída pelo próprio Prof. Bandeira de Mello(6):
"Em síntese: se o Estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por essa incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado quando, de dirieto, deveria sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos"
Ora, no caso dos autos, não há que se falar em qualquer normalidade na omissão, ou na ausência de culpa ou de dolo em referida omissão. O problema surgido no loteamento "Cantinho do Céu" foi largamente abordado pela imprensa. Além disso, um loteamento clandestino cresce à vista de todos, ainda mais nas proporções do loteamento no caso dos autos. A doutrina é farta em reconhecer tal responsabilidade, como na lição do Prof. José Afonso da Silva, tratando especificamente dos loteamentos clandestinos(7):
"Se não se havia de exculpar as Municipalidades pela existência desses loteamentos, agora à vista dos referidos textos legais menos ainda. Ora, o loteamento pode ser clandestino, mas nunca será oculto. Realiza-se à vista de todos. Um pouco de organização e fiscalização evitaria que proliferassem e prosperassem tantos loteamentos ilegais"
Como se não bastassem tais evidências, o fato do próprio Poder Público municipal ter aberto processo administrativo de desapropriação do imóvel dos autores (nº05-002.345-93*07, atualmente tramitando sob o nº 1993.000.1168-5) induz o conhecimento da situação dos mesmos, além das diversas comunicações dos autores e pedidos de providências aos Poderes Públicos competentes, conforme supra demonstrado. Mais do que isso, o fato do próprio Poder Público Municipal ter expedido Decreto liberatório de verba para tal desapropriação não deixa dúvidas da não razoabilidade da omissão ocorrida.
Ora, por tudo isso, a omissão dos requeridos é evidente. Se os mesmos nãos sabiam, deveriam saber da existência e formação de um imenso loteamento clandestino na região, e se tinham o dever legal de agir para impedir tal formação, é claro que houve negligência, para dizer o mínimo, no caso de nenhuma providência jurídica ter sido efetivamente adotada, como ocorreu.
Portanto, uma vez estabelecida a responsabilidade dos Poderes públicos réus, seja por ação, seja por omissão, resta cristalina a obrigação dos mesmos de indenizar os autores. Com efeito, o insigne Yussef Said Cahali(8), comentando as hipóteses em que há invasão de áreas públicas e omissão da Prefeitura, assim conclui:
"Em condições tais, omitindo-se abusivamente a autoridade municipal quanto ao exercício de seu poder de polícia, permitindo ou tolerando a ocupação, por favelados, de vias públicas, obstando, com isto, ao acesso a propriedade particular, daí resulta a responsabilidade indenizatória da entidade estatal".
A jurisprudência pátria preleciona no mesmo sentido, como o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro(9), que assim decidiu:
"No exercício do Poder de Polícia, o Município pode ser compelido a praticar atos que impeçam o mau uso dos bens de uso comum do povo. Em princípio, esse poder é discricionário. A oportunidade e a conveniência do exercício do poder de polícia são de livre escolha da Administração. Mas, se o Poder Público se omite abusivamente, prejudicando diretamente o particular, também nessa hipótese pode ocorrer lesão a direito, gerando o seu direito subjetivo. A hipótese de omissão é abusiva."
E prossegue o V. Acórdão:
"Em torno do muro de proteção da propriedade do autor, na calçada, em logradouro público, iniciou-se a construção de barracos, sem que o Município tomasse qualquer providência para coibir o mau uso do bem de uso comum do povo. Sustenta o Município que a oportunidade e a conveniência de sua ação são de sua escolha. Isto não se contesta, mas, se o uso abusivo tolhe o direito de utilização do bem comum, a tolerância do Poder Público passa a ser abusiva ou arbitrária, podendo o particular socorrer-se do Judiciário para compelir a Administração a cumprir seu dever de desobstruir o logradouro público. É claro que tal direito não pode ser exercido por qualquer cidadão, mas apenas por aqueles a quem afeta diretamente a omissão, pois o direito subjetivo decorre de uma lesão àquele que é diretamente prejudicado".
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento idêntico(10):
"Ainda que se admita que tivessem os autores legitimidade para intentar ação reintegratória contra os ocupantes das vias públicas, de uso comum, visando à desobstrução das mesmas, claramente, a circunstância não os inibiria de ajuizar a presente ação de indenização contra a Municipalidade, imputando-lhe culpa ou responsabilidade administrativa. Uma coisa não exlcui a outra. Os autores têm seu loteamento devidamente registrado e pagam os impostos municipais. É dever do Município manter em condições de uso as vias públicas e, para tanto, arrecada seus tributos. Claramente, se a obstrução de uma via pública impede o acesso aos lotes de propriedade dos autores, a circunstância guarda nexo de causalidade e acarreta inegável prejuízo aos proprietários, que, dessa forma, vêem suas propriedades obstruídas e sem acesso normal, capaz de acarretar-lhes dano. E este deve ser indenizado. Houve omissão do Poder Público. O problema social é gravíssimo. Mas os autores não podem, por si, suportar um ônus que deve ser socializado, isto é, dividido entre os munícipes. O particular, quando satisfaz seus tributos, tem o direito de exigir as obras primárias e necessárias e as providências elementares para a utilização do bem público de uso comum. Os lotes são servidos, como acesso, pelas vias públicas. Estas foram invadidas por favelados. A Municipalidade aceitou o fato e os invasores ali permanecem ocupando o bem público, com real prejuízo para os autores. Cuida-se de responsabilidade administrativa. Houve omissão do Poder Público e, pela omissão, a ré deverá responder. Claramente, a impossiblidade de acesso aos lotes compromete seu valor, tornando-os inviáveis. O dano deve ser indenizado. O Município tem, inclusive, poder de polícia para a desocupação da via pública indevidamente apossada pelos favelados. Se não tomou nenhuma providência, omitiu-se em um de seus primários deveres de bem administrar. Daí concluir-se que os autores sofreram danos e estes devem ser ressarcidos pelo Poder Público"
Em outra oportunidade, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou esse entendimento(11):
"A ação foi julgada procedente em parte para condenar a Municipalidade a promover todas as medidas necessárias à desobstrução da rua no prazo de noventa dias do trãnsito em julgado, sob pena de responder por perdas e danos caso os autores o requeiram na fase de execução, ma forma dos arts. 632 e 633 do Código de Processo Civil. Apela a Prefeitura, confessando a existência da favela obstruindo a rua, arguindo também o fato de não ter sido constituída em mora. A prova dos autos revela que os autores não puderam levar adiante a construçao de seus prédios, com plantas devidamente aprovadas, eis que a ré permitiu a invasão por parte dos favelados, que simplesmente bloquearam a rua, ali erguendo barracos de alvenaria. A responsabilidade por essa ocupação é da Prefeitura de São Paulo, que jamais poderia permitir a invasão gradual que ocorreu. Não é com favelas que se vai resolver os problemas de moradia de pessoas de baixa renda. A rua tem de ser desobstruída e o pedido nesse ponto foi bem atendido, não havendo necessidade de constituição em mora. Como pena alguma foi cominada para a inércia da ré, a aplicação dos arts. 632 e ss., aventada pelo juiz, não representa qualquer julgamento "ultra petita", senão o encaminhamento correto da pretensão à indenização"
Finalmente, o Des. Yussef Said Cahali cita outro V. Aresto do TJSP, do seguinte teor(12):
"Reforça esse entendimento a afirmação incidente de que, em caso de obstrução de vias públicas ocupadas por favela, o Poder Público Municipal "tem manifesto interesse de garantir o bem por obra da atuação concreta dos órgãos jurisdicionais; tem legitimidade e interesse na persecução da tutela jurisdicional reclamada" (2ª C., Rel. Vasconcelos Pereira, 25.5.93, maioria, JTJ 148/23), visando a desobstrução; para concluir-se pela sua legitimidade para figurar no pólo passivo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, visando a compeli-lo a desobstruir vias públicas ocupadas por favela"
Em hipótese muito semlelhante à dos presentes autos, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proferiu recentíssimo V. Acórdão contundente e que não deixa magem a qualquer espécie de dúvidas, condenando o Estado do Rio de Janeiro a indenizar proprietários de um prédio invadido, não apenas em razão da invasão ocorrida, mas também em razão da descaractrização da vizinhança. A ementa é do seguinte teor (RT 764/337):
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Indenização Administração Pública que, alertada de invasões e depredações por populares de propriedade particular, se abstém de praticar atos ou providências que a lei lhe impõe, propiciando, com sua inércia, danos e prejuízos ao empreendimento imobiliário do administrado Verba devida, pois não se pode conceber um Estado que não tenha como função precípua a garantia da ordem e a tutela jurídica.
Ementa da Redação: Omissa, portanto, tem dever de indenizar a Administração Pública que, alertada de invasões e depredações por populares de propriedade particular, se se abstém de praticar atos ou providências que a lei lhe impõe, propiciando, com sua inércia, danos e prejuízos ao empreendimento imobiliário do administrado, pois não se pode conceber a existência de um Estado que não tenha como função precípua a garantia da ordem e a tutela jurídica. (Ap 3.800/98 9.ª Câm. j. 06.08.1998 rel. Des. Marcus Tullius Alves DORJ 25.02.1999).-
Consta do corpo desse V. Acórdão:
"No presente caso, não se pode afastar a idéia de que o empreendimento da autora, quando irretorquível e reconhecidamente concluído, viu-se sujeito a uma turba invasora, não impedida legalmente pela autoridade constituída, que o fez depredar, impossibilitando sua venda a terceiros, de molde a privar a primeira apelante do lucro iminente que auferiria com a regular negociação das unidades edificadas, isso sem falar que toda a área vizinha foi e está hoje demagogicamente invadida, transformada em favela, onde prolifera a ilegalidade e o crime organizado, também motivado pelo descaso e omissão proposital, talvez, da autoridade competente."
Mais adiante, assim conclui o nobre Relator, Des. Marcus Marcus Tullius Alves:
"Omissa é autoridade delegada e o próprio Estado, que alertados a tempo de saques e invasões comandadas por interesses políticos, se faz esconder no manto da hierarquia, da burocracia, da alegação pueril da falta de recursos, da submissão a interesses eleitoreiros ou outras formas de subterfúgios, que não o cumprimento de sua real e atual missão, ensejando que a turba se arremesse contra a propriedade privada regular, assumindo ares de que age por direito que lhes estaria sendo negado pelo próprio ente estatal."
Muito embora a jurisprudência acima colacionada diga respeito apenas à Prefeitura do Município de São Paulo, a mesma aplica-se ao Estado de São Paulo no caso dos autos, uma vez que, ao contrário dos loteamentos comuns, onde o interesse é exclusivo do Município, o "sub examine" diz respeito à lotemento localizado em área de mananciais, onde a obrigação de fiscalizar do Estado está expressa na legislação pertinente, supra citada.