EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL:
KLAUS KASCHDAILIS, alemão, engenheiro, portador da cédula de identidade RNE nº W090.728-A e sua esposa BARBEL ELLY GERTUD HELENE KASCHDAILIS, alemã, do lar, portadora da cédula de identidade RNE nº W119.291-J, ambos inscritos no CPF sob nº 642.951.688-15, residentes e domiciliados à rua Rodrigues Alves, nº 20, por seu advogado infra assinado (doc. 1) vêm a presença de V. Exa. para, com fulcro no art. 37, § 6º da Constituição Federal, combinado com os arts. 282 e seguintes do Código de Processo Civil, propor a presente ação ordinária de indenização por apossamento administrativo (desapropriação indireta) CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, com pedido urgente de tutela antecipada contra a MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, cujos procuradores, com poderes para receber citação, encontram-se à Av. Liberdade, nº 113 e contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, cujos procuradores, com poderes para receber citação, encontram-se à Av. São Luis, nº 99, 4º andar, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:
DOS FATOS
Os autores adquiriram a propriedade em que residem, sito à rua Rodrigues Alves, nº 20, através da escritura de compra e venda, quitação parcial, desligamento e mútuo com garantia hipotecária em data de 16 de maio de 1974, lavrada perante o 19º Cartório de Notas da Capital (doc. 2). Referida propriedade foi devidamente registrada no competente Registro de Imóveis em data de 23 de maio de 1974, sob o número de matrícula nº 249.329 (doc. 3).
A propriedade dos autores, na verdade, é uma grande chácara, sendo a área do terreno de 3.995,00 m2 e a área construída equivalente a 414,53 m2, consoante se observa na planta da propriedade (doc. 4). É decorrente de um parcelamento do solo regular denominado "Cantinho do Céu", e situa-se num braço da Represa Billings, área de manancial, conhecido como "Península do Cocaia", nesta Capital. Conforme pode-se observar pelas fotografias da propriedade dos autores (doc. 5), o local era bastante aprazível, onde os mesmos gozavam de contato constante com a natureza, vez que o parcelamento do solo ocorrido por volta de 1948 e concebido para preservar a vegetação original do local, do qual decorreu a propriedade em questão, integrou-se inteiramente na rigorosa e rígida legislação ambiental estadual que surgiu posteriormente, legislação essa que visa não apenas a preservação da área, constituída originalmente de Mata Atlântica, como também a não contaminação das águas da represa Billings, visto ser a mesma destinada a abastecer diversas regiões da Grande São Paulo.
O parcelamento do solo que contém a propriedade dos autores, denominado "Cantinho do Céu", ocupava uma pequena parte da área, e uma outra parte destinava-se ao reflorestamento através do plantio de eucaliptos, razão pela qual esse local passou a ser conhecido como "Parque dos Eucaliptos". Ressalte-se que as denominações "Cantinho do Céu" e "Parque dos Eucalíptos" ocorreram depois da invasão. Originalmente, grande parte da área do "Parque dos Eucalíptos" não era constituída apenas de Eucalíptos, mas contrinha orquídeas, bromélias, canela, ipês, etc.
Portanto, a "Península do Cocaia" era formada pelo "Cantinho do Céu", com cerca de 343.000 m2 e pelo "Parque dos Eucaliptos", com cerca de 729.500 m2.
No ano de 1988, em plena campanha eleitoral municipal, tem início um processo de ocupação desordenada do solo no local, com a invasão das duas áreas, a tal ponto que hoje em dia não há mais condições de distinguir o "Cantinho do Céu" do "Parque dos Eucaliptos". À partir daí até a presente data, a degradação foi gradativamente aumentando, o que pode ser observado através do levantamento aerofotogramétrico (doc. 5) e das fotografias em anexo (doc. 6).
Em face disso e como a situação foi se tornando cada vez mais insustentável, em data de 30 de julho de 1994 alguns moradores apresentaram representação à Promotoria de Habitação e Urbanismo do Estado de São Paulo (doc. 7), para que aquele prestigioso órgão tomasse providências para preservar a qualidade de vida dos moradores da região e para que evitasse a degradação ambiental com a qual certamente arca grande parte da população da cidade de São Paulo e de cidades próximas, dada a importância da represa Billings no abastecimento de água potável para essas regiões, abastecimento esse que inegavelmente fica comprometido com a ocupação ilegal e desordenada do solo nesses locais. Referida denúncia foi anônima, visto que os moradores possuíam justo receio de que houvessem represálias por parte dos habitantes da "favela".
Diante de tal representação, o insigne e diligente Promotor de Justiça encarregado do caso, Dr. Carlos Alberto Amim Filho, após realizar diversas diligências sem as quais seria bastante difícil, quiçá impossível, a propositura da presente, promoveu a competente ação civil pública visando a regularização do loteamento clandestino, dentre outras condenações (doc. 8). Referida ação tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, sob o número 336/97.
A ilegalidade da ocupação está demonstrada em diversos laudos que deram embasamento à ação supra mencionada. Passaremos a mencionar brevemente os mais significativos, mais do que suficientes para demonstrar a clandestinidade da ocupação do solo em questão.
Dentre as diligências requeridas pelo nobre Promotor de Justiça consta laudo do DUSM - Departamento do Uso do Solo Metropolitano, órgão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (doc. 9). Tal laudo, que é expresso em afirmar que a área em questão está abrangida pela legislação estadual de mananciais, descreve o processo de ocupação desordenada e realizado em contrariedade a tal legislação.
O laudo deixa explicitado o descumprimento de diversos dispositivos legais. Mostra, ainda, inclusive com fotografias, que o loteamento foi totalmente descaracterizado; que existem centenas de ligações clandestinas de energia elétrica e de água; que o esgoto está a céu aberto; que houve desmatamento; que houve invasão e venda indevida de lotes; que vêm sendo causadas consequências negativas aos mananciais; que há movimentação de terra em virtude da invasão; que há riscos de erosões e que os problemas maiores se referem à geração de esgotos e disposição inadequada do lixo.
Curioso notar que esse laudo sugeria, já em 1994, "o embargo judicial de toda área", sendo que isso jamais foi feito pelo Governo Estadual ou Municipal.
Outro laudo obtido através das minuciosas diligências realizadas por iniciativa do representante do "parquet" é o da SEHAB - Secretaria de Estado da Habitação (doc. 10), onde afirma que algumas apresentam dificuldades sérias de habitação (e estão ocupadas) e que o loteamento não está registrado na Prefeitura (ou seja, é clandestino).
A CETESB também elaborou relatório de inspeção (doc. 11), confirmando que o esgoto encontra-se à céu aberto, mostrando que as condições de tráfego são ruins, que há ocorrência de erosões e que há declividade das ruas, mencionando ter havido ocupação total desordenada e já consolidada.
O RESOLO (órgão da Secretaria Municipal de Habitação que visa regularização de parcelamentos do solo clandestinos), por sua vez, confirmou a irregularidade do parcelamento frente à legislação de uso e ocupação do solo do Município (doc. 12), mostrando que não houve qualquer critério técnico na abertura das ruas e afirmando expressamente que não há condições de regularizar o loteamento.
A SABESP, por sua vez, corrobora integralmente as informações prestadas pelos outros órgãos públicos (doc. 13), afirmando ter providenciado a colocação de água tratada no local. Diversas ligações clandestinas também foram constatadas, bem como risco de doenças e existência de esgoto a céu aberto. Além disso, a Sabesp menciona a contaminação dos poços de água, a irreversibilidade da ocupação e as ligações domiciliares que efetuou.
Também o SOS Mananciais, sistema de fiscalização integrado da Prefeitura Municipal e do Governo do Estado, corroborou a invasão e as irregularidades (doc. 14) O Incra também deixou explicitado não ter anuído com o loteamento em questão (doc. 15).
Há evidências de que situação é irreversível, sendo que o Ministério Público tenta, através de sua ação civil pública, apenas regularizar a situação. Mas os danos ao meio ambiente do local, que afetam os autores e que adiante serão demonstrados, realmente não são passíveis de reversão. Nesse sentido, além da Sabep ter feito diversas ligações de água para atender a população, conforme está mencionado no seu laudo, a Telesp também instalou linhas telefônicas particulares e públicas (doc. 16), a Secretaria Municipal de Transportes instalou linhas de ônibus para servir ao local (doc. 17) e a Eletropaulo realizou diversas ligações para fornecimento de energia elétrica (doc. 18). Tudo isso comprova a situação de irreversibilidade.
Como visto, tais laudos demonstram, de maneira inequívoca, a ilegalidade da ocupação do solo em questão. A propriedade dos autores fica localizada exatamente dentro do loteamento clandestino, o que acarretou e vem acarretando diversos transtornos, a ponto de tornar insuportável para os mesmos continuar residindo no local, além de esvaziar completamente o valor econômico da propriedade.
Tais transtornos e o esvaziamento econômico serão adiante abordados. Por ora, cumpre mencionar que, a fim de verem resguardados seus direitos, os autores iniciaram intensa peregrinação junto a diversos órgãos públicos para que providências legais de toda ordem fossem tomadas.
De fato, já em 20 de maio de 1992, os autoes enviaram carta ao Exmo. Sr. Governador do Estado de São Paulo (doc. 19), onde narravam todo o ocorrido e solicitavam providências. Em 2 de agosto de 1995, foi entregue pessoalmente pelos autores correnspondência ao Supervisor de Uso e Ocupação do Solo da Administração Regional da Capela do Socorro (doc. 20). Em 29 de janeiro de 1996, ofício foi enviado ao Sr. Administrador Regional (doc. 21).
Em 23 de junho de 1997, os autores procuraram o Vereador Antonio Goulart (aliás, procuraram parlamentares e autoridades de praticamente todos os partidos políticos, como adiante se verá), que se propôs a intervir favoravelmente no que fosse possível. Assim, aquele parlamentar enviou ofício ao Sr. Secretário Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano (doc. 22), ao Sr. Secretário de Governo Municipal (doc. 23), ao Sr. Secretário de Finanças (doc. 24), ao Sr. Secretário do Verde e do Meio Ambiente (doc. 25) e ao Sr. Prefeito do Município de São Paulo (doc. 26).
Na data de 9 de setembro de 1997, o verador Edivaldo Estima, a pedido dos autores, enviou novo ofício ao Sr. Secretário de Governo Municipal (doc. 27), que mereceu resposta lacônica (doc. 28). Na mesma data, o vereador encaminhou ofício ao Sr. Secretário do Verde e do Meio Ambiente (doc. 29). Prosseguindo em sua peregrinação, e aumentando o desespero dos autores, dado o agravamento constante da situação, os mesmo enviaram ofício por "fax" para o SOS Mananciais, para a Decon, para a Polícia Florestal e para o Dr. Carlos Alberto Amim Filho, Promotor de Justiça que propôs a ação supra citada (doc. 30).
Em 22 de setembro de 1997, novo ofício foi enviado à Administração Regional da Capela do Socorro (doc. 31), na esperança de que o novo adminstrador pudesse resolver a situação ou ao menos brecar a expansão ilegal do loteamento. Em 8 de desembro de 1997, fax foi enviado à Presidência da República (doc. 32), que mereceu resposta padronizada (doc. 33). Em 18 de março de 1998, insistiu o vereador Antonio Goulart com novo ofício ao Secretário de Governo Municipal, e os autores enviaram novo ofício de próprio punho ao Administrador Regional em data de 13 de outubro de 1998 (doc. 34).
Essa é uma pequena amostra dos ofícios que os autores enviaram a diversas autoridades públicas. Há, ainda, grande quantidade de contatos dos atutores com autoridades que não estão documentados, via telefone ou pessoalmente.
Ressalte-se que o processo de degradação da "Península do Cocaia" foi largamente noticiado pela imprensa ao longo do tempo (doc. 35), mostrando a conivência de agentes públicos, promessas demagógicas e ilegais de políticos, a ilegalidade da ocupação, a criminalidade constante na região, a resistência dos moradores quando se fala em desocupação das áreas ocupadas, etc.
Mas a "via crucis" não para por aí. Além dos ofícios acima mencionados, de diversas visitas a gabinetes de diversos órgãos governamentais, de diversos telefonemas e de contatos com ONGs e ambientalistas que procuravam auxiliar na empreitada dos autores, há toda uma correspondência paralela à supra mencionada decorrente dos transtornos experimentados.
Referida correspondência teve início com um ofício enviado ao Sr. Administrador Regional em 25 de setembro de 1992 (doc. 36), em que os autores narravam mais uma vez os infortúnios a que estavam injustamente submetidos. Solicitavam, também, que o imóvel fosse comprado pela Municipalidade, em virtude do esvaziamento econômico que o mesmo sofreu. Como resposta a esse ofício, receberam resposta do RESOLO, órgão da Prefeitura do Município de São Paulo, após a realização de uma vistoria para estudar a compra do imóvel (doc. 37). No dia 12 de abril de 1993, os requerentes eviaram carta ao Departamento Patrimonial da Prefeitura do Município de São Paulo sugerindo novamente a compra do imóvel (doc. 38), uma vez que aquele órgão solicitou "manifestação por escrito das intenções" dos autores.
No dia 2 de junho de 1993, os autores receberam corresponência da Secretaria de Negócios Extraordinários da Prefeitura, onde se lê expressamente (doc. 39):
"Nesse sentido, estamos solicitando a SNJ DESAP, avaliação do imóvel em questão, para que possamos analisar a possibilidade de adquirirmos a propriedade para o fim descrito, conforme pleito de Vossa Senhoria."
Portanto, a própria Municipalidade considerou a possibilidade de promover a desapropriação do imóvel dos autores, num reconhecimento tácito da razoabilidade e da procedência do pleito, ante aos problemas enfrentados. Deu abertura ao processo administrativo 05-002.345-93*07 que atualmente possui o número 1993.000.1168-5.
No dia 5 de julho de 1994, a Prefeitura enviou novo ofício (doc. 40) afirmando que o imóvel havia sido avaliado em Cr$ 178.737.000,00 Todavia, havia a informação de que o processo estava retido na Secretaria do Verde aguardando viabilização financeira.
No dia 11 de agosto de 1995, o Sr. Secretário do Verde e do Meio Ambiente enviou ofício ao Sr. Secretário das Finanças, com cópia para os autores, pedindo a liberação da verba necessária (doc. 41). No dia 20 de setembro de 1995, foi publicado no Diário Oficial do Município o Decreto Municipal nº 35.495, determinando a abertura de crédito suplementar no orçamento no valor de R$ 170.629,48 (cento e setenta mil, seiscentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos). (doc. 42)
Todavia, a situação não se resolvia. No dia 18 de dezembro de 1996, os autores enviaram carta ao Sr. Prefeito (doc. 43) versando sobre o processo de desapropriação, e novamente assim fizeram em data de 17 de abril de 1997 (doc. 44) e 18 de agosto de 1997 (doc. 45). No dia 15 de setembro de 1997, novo ofício foi enviado ao Sr. Secretário do Verde e do Meio Ambiente (doc. 46), bem como em 14 de janeiro de 1998 (doc. 47).
Sempre procurando resolver a situação, os requerentes contaram com o decidido apoio de líderes comunitários da região de sua residência, também solicitando providências de várias autoridades (doc. 48/49), pois esses líderes comunitários vislumbraram o inegável benefício social e a possibilidade de início da recuperação ambiental do lotemaneto clandestino se o imóvel fosse utilizado para criar um parque ou uma escola, já que no bairro praticamente não há espaços de lazer e equipamentos públicos comunitários, como nas demais favelas da cidade. Pelo mesmo motivo, também houve apoio do Movimento Voto Consciente (doc. 50) e da Escola de Prevenção Criminal (doc. 51), bem como de diversas outras entidades da sociedade civil (doc. 52).
No dia 10 de julho de 1998, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente enviou ofício ao Sr. Prefeito (doc. 53) informando que a verba necessária para a desapropriação do imóvel seria de R$ 170.629,48 (cento e setenta mil, seiscentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos), e solicitando o descongelamento da mesma, uma vez que já havia sido disponibilizada de acordo com o Decreto Municipal supra mencionado. Tal valor evidentemente sub-avalia o imóvel dos autores mas naquele momento, dado o desespero, os mesmos estavam dispostos a aceitar, não descartando, todavia, a hipótese de discutir o preço no âmbito judicial em processo de desapropriação regular. No dia 21 de setembro de 1998, novamente os autores enviaram carta ao Sr. Prefeito solicitando a liberação da verba para a desapropriação (doc. 54). Igualmente, no dia 28 de abril do corrente (doc. 55), os autores apontavam novamente as irrgularidades existentes, assim como em data de 24 de maio de 1999. (doc. 56).
Aliás, deve-se esclarecer que o imóvel não está cadastrado para pagamento de IPTU, por estar fora da área urbana (doc. 57), e também não é enquadrado como imóvel rural (doc. 58).
Até a presente data, todavia, decorridos mais de seis anos do início do processo administrativo, a desapropriação não foi iniciada, sob a alegação de "falta de verba", apesar de já ter havido Decreto Municipal disponibilizando tal verba. A situação suportada pelos autores que será adiante detalhada, todavia, vem piorando cada vez mais, o que torna a situação urgente e obriga os autores a propor a presente lide.
DA AÇÃO E OMISSÃO DOS AGENTES PÚBLICOS
Por conta da ação civil pública que propôs, o Dr. Carlos Alberto Amim Filho procurou averiguar quais os responsáveis pela invasão do local que resultaram na formação da favela. Assim, os autores foram ouvidos pelo Ministério Público, na qualidade de testemunhas, em data de 22 de fevereiro de 1995 (doc. 59). Naquela ocasião, narraram detalhadamente o processo de degradação da área.
Com efeito, naquele depoimento narraram que as ligações de água e luz que abasteciam o loteamento de início eram clandestinas, mas que posteriormente foram oficializadas pela Sabesp e pela Eletropaulo, como dito acima. A Telesp também instalou orelhões para atender os invasores e a Prefeitura Municipal regularizou o recolhimento do lixo (embora apenas formalmente), bem como instalou linhas de ônibus e oficializou as ruas. Por fim, os ora autores narraram, na ocasião, que conversaram com o Sr. Leonilde Pedro Tatto, que era adminstrador regional da Administração Regional da Capela do Socorro (que possui jurisdição sobre a área) durante gestão da Prefeitura Municipal da Sra. Luiza Erundina e também com o Sr. Enoque Leocádio dos Santos, que sucedeu o primeiro no mesmo cargo durante a gestão do Sr. Paulo Maluf. Ambos agiram e incentivaram abertamente o loteamenteo clandestino, fornecendo inclusive máquinas da própria prefeitura para abrir ruas no local.
Prosseguindo em suas diligências, o nobre Promotor de Justiça obteve depoimentos estarrecedores (docs. 60/67). Nessas oitivas, colhidas tanto junto a moradores que possuíam chácaras no local quanto junto a invasores, impressiona a coincidência unânime de informações prestadas. Segundo tais testemunhos, que confirmam o depoimento dos autores, o administrador Sr. Leonilde Tatto diretamente ordenou que ruas fossem abertas, estabelecendo inclusive o traçado de tais vias e mandando ao local dos fatos funcionários e máquinas municipais. Dessa ação ilegal e criminosa resultaram cerca de trinta ruas abertas.
Ainda segundo tais depoimentos, o Sr. Enoque dos Santos também não agiu de acordo com o interesse público, à exemplo do primeiro administrador. Esse senhor, quando foi abordado pelos moradores da área invadida, realizaou reunião com os mesmos e disse que nada poderia fazer em favor deles, em face da legislação ambiental, e informou que os mesmos estavam sujetos à retirada do local. Todavia, teve o despudor de afirmar que poderia "ajudar" tais moradores por "debaixo dos panos" desde que os mesmos "auxiliassem" na campanha de outros candidatos de seu partido. Tudo isso está comprovado nos depoimentos acima mencionados e anexados aos autos.
Os moradores concordaram com tal proposta indecorosa, movidos certamente pelo desespero natural de quem não tem opções de moradia digna, e cartazes de políticos do partido político do Sr. Enoque foram espalhados por toda a área invadida, e à partir daí estranhamente o loteamento clandestino passou a contar com diversos "melhoramentos" no sistema viário, com a limpeza e o aplainamento das ruas, posteriormente cascalhadas pela Municipalidade, etc.
Nesses depoimentos chama a atenção, também, o fato de todos os depoentes, sem qualquer exceção, terem afirmado que jamais houve qualquer tipo de fiscalização ou atuação legal para coibir o loteamento clandestino da área, seja por parte do Poder Público Municipal, seja por parte do Poder Público Estadual. Fica claro, inclusive, que muitos dos invasores pagaram quantias em dinheiro pelos lotes que ocupavam e estavam totalmente de boa fé, não tendo qualquer notícia acerca da clandestinidade do loteamento.
Dessa forma, é bastante evidente, de acordo com a prova colhida pelo Ministério Público, que pessoas inescrupulosas ludibriaram pessoas com dificuldades de moradia e de pouco instrução. Chegou-se a distribuir panfletos no bairro prometendo facilitar a obtenção de escritura definitiva dos terrenos, através de uma "advogada" (doc. 68).
Ora, evidentemente essa ação clandestina de parte dos agentes públicos acima citados, e que por essas graves razões respondem a ação proposta pelo Ministério Público e também Inquérito Policial (doc. 69) que foi instaurado após representação do Ministério Público (doc. 70), onde foram colhidos novos depoimentos (doc. 71/72), criaram uma situação de difícil reversibilidade. Evidente também que, em caso de procedência da presente demanda (o que "data maxima venia", se impõe) estarão sujeitos a responder ação popular.
Os depoimentos colhidos, inclusive o dos autores, e os laudos supra mencionados demonstram que órgãos do Governo do Estado tais como a Sabesp, a Eletropaulo, os correios e a Telesp tratam a área como qualquer outro bairro regularmente erigido na cidade de São Paulo, fornecendo água, luz, telefone, ônibus, serviço de correio, etc.
Mas não é só.
Em suas diversas diligências, os autores ouviram verdadeiros absurdos dos agentes públicos que deveriam zelar pela ordenação urbanística e ambiental do local. Foram proferidas frases pelo Sr. Leonilde Tatto dirigidas aos autores como: "Isso pode me mandar até para a cadeia" ou "Sabemos do problema, mas nada podemos fazer. E digo mais, se o cólera chegar a São Paulo, vai entrar, com certeza, por ali".
O Sr. Enoque dos Santos, por sua vez, também proferiu pérolas do tipo: "Nós estamos no Brasil e não na Alemanha, temos que resolver um problema social". Ao receber denúncia dos autores da existência no local de um matadouro de porcos clandestino, disse sem qualquer rubor: "O que aconteceria se eu criasse galinhas no meu quintal, não posso?". Também acerca de denúncias dos autores de risco de desabamento, disse: "Não se preocupe, não vai cair na cabeça de vocês".
Embora tais frases não possam ser comprovadas (mas podem ser confirmadas em eventual depoimento pessoal dos autores no curso da instrução porbatória da presente), permanecem vivas na lembrança dos autores que tiveram que escutá-las de maneira nitidamente ofensiva e desrespeitosa. A maneira debochada com que tais agentes públicos trataram os problemas dos autores, que, desesperados, pediam apenas que os mesmos aplicassem a lei e cumprissem sua função, induz sem a menor sombra de dúvida a responsabilidade dos agentes públicos na descaracterização da área decorrente da invasão.
Tudo isso obviamente é um grande absurdo. Segundo os depoimentos, o primeiro Administrador Regional, que ocupou o cargo durante a gestão na Prefeitura Municipal da Sra. Luiza Erundina, alega que procurou solucionar o "problema social", como se incentivar a população a morar em favelas fosse uma maneira minimamente decente de tratar o grave problema social que vivemos, como se permitir o desmatamento de uma grande área de inegável importância ambiental e comprometer e encarecer o abastecimento de água na cidade não gerasse problemas sociais intensos. Basta consultar os índices de criminalidade do local, basta ver as condições de moradia da população do local para que se perceba a absoluta irresponsabilidade de se tratar a "questão social" de forma tão irresponsável.
Além disso, essa "visão social" capenga e eleitoreira ignora que os adquirentes dos lotes, geralmente de pouco poder aquisitivo e de instrução modesta, são enganados pelos que promovem tais ações, julgando ser legal algo que é ilegal, muitas vezes comprometendo nesse estelionato economias de muitos anos ou de uma vida inteira.
O Adminstrador Regional que ocupou o cargo durante a gestão do Sr. Paulo Maluf agiu tão mal quanto o primeiro. Comprometeu área fundamental para serviço público essencial (fornecimento de água), em troca de votos para seus amigos e correligionários, segundo os depoimentos colhidos. Comportou-se de maneira pouco séria e contribuiu para a destruição da natureza em troca de votos.
Aliás, documento enviado ao Ministério Público pela própria Administração Regional da Capela do Socorro constata a irregularidade e admite expressamente que nenhuma fiscalização foi realizada (doc. 73). Apenas uma única vez, após o Ministério Público já ter efetuado diversas diligências e cinco anos após a invasão, a Municipalidade expediu uma única multa a um dos responsáveis (doc. 74), o que evidentemente não tem qualquer serventia para escusar a responsabilidade dos agentes públicos por ação e por omissão.
O Governo do Estado de São Paulo, por sua vez, dominado por uma agremiação política distinta dos dois governos municipais citados, omitiu-se total e vergonhosamente em seu dever de fiscalização e de exercício de seu poder de polícia na área. Pior do que isso, foi conivente com a situação. Ao invés de esforços para regularizar a situação ou para oferecer condições mais dignas e menos maléficas para a cidade aos moradores, ignorou a irregularidade e, através de suas empresas prestadoras de serviço público, acabou por consolidar ainda mais a ilegalidade do loteamento clandestino e agravar o dano ambiental do local.
Apenas para que seja repelida qualquer tentativa de classificar o criminoso loteamento clandestino como "resolução de problemas sociais", transcrevemos lição do Prof. José Afonso da Silva(1):
"O loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. Loteadores parcelam terrenos, de que, não raro, não têm título de domínio, por isso não conseguem aprovação de plano, quando se dignam a apresentá-lo à Prefeitura, pois, o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas dos logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento, nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente por pessoas de rendas modestas, que, de uma ora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a licença para edificar no lote".
Praticam-se dois crimes de uma só vez: um, aos adquirentes de lotes, e outro, aos princípios urbanísticos, porque tais loteamentos não recebem o mínimo de urbanificação que convenha ao traçado geral da cidade. Tais loteadores não são urbanificadores, mas especuladores inescrupulosos, que carecem de corretivos drásticos. Eles criam áreas habitadas, praticamente sem serem habitáveis, por falta de condicionamento urbanístico, as quais se transformam num quisto urbano de difícil solução, dada a questão social que geralmente envolvem"
Os depoimentos colhidos comprovam, ainda, que os autores foram punidos com a perda de sua propriedade por insistir em cumprir a legislação. De fato, de acordo com tais depoimentos, os outros proprietários de chácaras no local ou tiveram suas chácaras invadidas, e negociaram com os invasores a venda por preços praticamente simbólicos, ou passaram a agir ilegalmente parcelando as áreas ou ainda simplesmente abandonaram o local.
Evidente que a responsabilidade dos réus está comprovada tanto por ação quanto por omissão, uma vez que há provas contundentes de que houve incentivo de constituição de loteamento clandestino, e a omissão está caracterizada pela não aplicação de diversos dispositivos legais inibidores de práticas como essa que não foram observados pelos réus.
Ressalte-se, apenas, que não é razoável qualquer alegação dos réus de que "não sabiam" dos fatos objeto dessa ação, com o fim de afastar a responsabilidade dos mesmos por omissão, não apenas pela dimensão da área invadida, mas também porque os fatos foram largamente comunicados pelos autores a diversas autoridades competentes, como acima narrados, além de farto noticiário da imprensa (doc. 75), dentre outras evidências de referida omissão.