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ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário

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Agenda 21/04/1998 às 00:00

C) DO DIREITO:

           O artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor traz o conceito de consumidor aplicável ao caso, merecendo ser transcrito:

           "Para os fins deste Capítulo e do seguinte equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

           A definição acima declinada visa, portanto, à proteção abstrata e preventiva daqueles consumidores que podem ser lesados pelas práticas comerciais abusivas, enquadrando-se o presente feito, perfeitamente, à hipótese legal.

           Sobre o artigo, assim comenta Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, na página 147 do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Editora Forense Universitária, 3ª edição, palavras que merecem transcrição:

           "Como já referido, no conceito do art. 29, basta a mera exposição da pessoa às práticas comerciais ou contratuais para que se esteja diante de um consumidor a merecer cobertura do Código."

           "Um tal conceito é importante, notadamente para fins de controle preventivo e abstrato dessas práticas. O implementador - aí se incluindo o Juiz e o Ministério Público - não deve esperar o exaurimento da relação de consumo, para, só então atuar. Exatamente por que estamos diante de atividades que trazem um enorme potencial danoso, de caráter coletivo ou difuso, é mais econômico e justo evitar que o gravame venha a se materializar."

           Fica fácil, com tais subsídios legais e doutrinários, vislumbrar o imenso espectro de dano a que ficarão submetidos os consumidores difusamente considerados, caso sejam mantidas as cláusulas abusivas do contrato incluso no inquérito civil público que acompanha a presente, bem como na hipótese de serem mantidas as práticas abusivas utilizadas pela demandada quando do fornecimento do serviço, na forma apontada no compartimento dos fatos, desta peça.

           Cabe salientar, igualmente, que os contratos impugnados caracterizam-se como de "adesão", obrigando, então, à utilização de novos e modernos critérios para interpretá-los.

           Sobre o tema comenta a Professora Cláudia Lima Marques, em artigo publicado na página 32 da Revista de Direito do Consumidor, volume 1, editora Revista dos Tribunais, 1993:

           "O contrato, negócio jurídico por excelência, continua a ser um ato de auto-regulamentação dos interesses das partes, e, portanto, um ato de autonomia privada, mas este ato só pode ser realizado nas condições agora permitidas pela lei. É uma nova concepção mais social do contrato, onde a vontade das partes não é a única fonte das obrigações contratuais, onde a posição dominante passa a ser a da lei, que dota, ou não, de eficácia jurídica aquele contrato de consumo."

           Ainda deve ser dito que é direito básico do consumidor a proteção preventiva contra cláusulas abusivas:

           "Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

           IV- a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos e desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

           V- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais

           VI- a efetiva PREVENÇÃO e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos;

           VII- o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;"

           Regras que buscam os mesmos resultados estão na "norma-objetivo" do artigo 4º do CDC e, especificamente, nos artigos 51 até 54 da Lei Protetiva.

           Resta induvidoso, desta forma, que as normas do CDC se aplicam diretamente ao contrato impugnado e às práticas comerciais abusivas apontadas, bem como que a prevenção é um dos mais importantes fundamentos da nova lei.

1) Significado das Expressões "de Ordem Pública" e "Interesse Social":

           No artigo 1º da Lei nº 8.078, de 11.09.90, é dito que as normas de proteção e defesa do consumidor estabelecidas pelo Código são:

           "de ordem pública e interesse social ..."

           Tal determinação, inserida no primeiro artigo do CDC, significa que suas regras devem ser aplicadas até mesmo de ofício pelo Magistrado, mitigando o princípio dispositivo existente no direito processual civil.

           Com efeito, na forma comentada acima por Antônio Herman Benjamin, não somente as cláusulas apontadas pelo autor como abusivas podem sofrer os efeitos da declaração de abusividade decorrente da prestação jurisdicional, mas qualquer outra que desrespeite as regras inclusas nos artigos 51 até 54 do CDC.

           Neste sentido é a lição de Nelson Nery Júnior, inclusa na Revista do Consumidor nº 1, editora Revista dos Tribunais, p. 201, palavras que merecem transcrição:

           "O art. 1º do CDC diz que suas disposições são de ordem pública e interesse social. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que toda a matéria constante do CDC deve ser examinada pelo juiz ex officio, independentemente de pedido da parte...".

           Tal posição é pacífica e dispensa maiores comentários, eis que o artigo é auto-explicativo.

           Não se olvide, também, a regra inclusa no artigo 47, quando é delimitada a maneira de interpretar as cláusulas contratuais modernamente.

           A presente ação visa impugnar as cláusulas específicas do contrato juntado ou de outros que venham a substituí-lo, mas que contenham os mesmos termos, conteúdo, objetivo e resultados abusivos ora apontados, bem como visa retirar e ajustar as cláusulas e práticas comerciais abusivas utilizadas no contrato ora examinado.

           Além destas cláusulas outras poderão ser reconhecidas como abusivas pelo Magistrado, já que as normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e de interesse social, na forma já ressaltada.

           Também deve ser destacado que o contrato impugnado deverá atender às exigências do artigo 54 e seus parágrafos, do C.D.C, pois suas disposições são de difícil leitura e não estão destacadas aquelas disposições que limitam direitos dos consumidores.

2) Das Conseqüências do Uso de Cláusulas Abusivas em contrato de adesão:

           Tanto no direito pátrio quanto no direito estrangeiro é proibido o uso de cláusulas abusivas em contratos de relação de consumo, em ambos os direitos a conseqüência do uso desse tipo de cláusulas é uma só: o reconhecimento de sua nulidade.

           Sobre o assunto, a doutrina lusitana dispõe:

           "O consumidor deve ter em atenção a possibilidade de serem inseridas, neste tipo de contratos (2), cláusulas abusivas, isto é, formuladas de tal forma que obriguem os consumidores contra a própria vontade, contra os seus interesses ou mesmo em violação de normas legais.

           As cláusulas proibidas são nulas, ou seja, não produzem qualquer efeito válido e qualquer interessado pode invocar essa nulidade, a todo o tempo, perante o fornecedor ou perante os tribunais. (....).

           Por outro lado, as cláusulas que normalmente passem despercebidas, ou pela epígrafe enganosa ou pela especial apresentação gráfica (por, exemplo, em caracteres reduzidos), não geram também quaisquer obrigações para o consumidor.

           Proibição de utilização das cláusulas abusivas:

           A lei oferece outro caminho, visando já não tanto o seu contrato em particular, mas a proibição da utilização de cláusulas abusivas em qualquer contrato.

           Assim, ao ter conhecimento da utilização de cláusulas proibidas, pode o consumidor comunicar a uma Associação de Consumidores, ao Provedor de Justiça ou ao Ministério Público, de forma a que o tribunal venha a proibir o seu uso." (Doutrina retirada do site da INFOCID, entidade portuguesa, no endereço: "http://www.infocid.pt/Infocid/1215_1.htm").

           No direito brasileiro, o Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são nulas de pleno direito, não produzindo qualquer efeito, as cláusulas abusivas e este mesmo artigo, em seu parágrafo 4o, estabelece que:

           "É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes."

           Inegável a ingerência do princípio da autonomia da vontade no direito contratual. Tal asserção, aliás, integra o próprio contexto evolutivo da livre iniciativa e da liberdade mercantil, cujo pressuposto vestibular é igualdade das partes.

           Se de um lado sazonaram os regulamentos acerca do "pacta sunt servanda", não menos certo é que estes devem ser analisados com extrema desconfiança, mormente quando a ferir interesses coletivos e homogêneos.

           Indubitavelmente, esta máxima cede diante do interesse público na subjugação do equilíbrio nas relações de consumo. Ausente este requisito, iníquo qualquer dispositivo pactuado.

           A maioria das transações imobiliárias opera-se através da assinatura de documentos nefastos, cujo conteúdo encerra patente agressão aos ditames legais, quer omitindo cláusulas essenciais, quer limitando direitos por lei assegurados. São os chamados contratos de adesão, ardil predileto dos gananciosos, onde não há vez para as exigências dos consumidores. Sua previsão legal encontra-se positivada em nosso CDC, no art. 54, "caput", in verbis:

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           "Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".

           Assim, como bem salienta Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça do Distrito Federal,

           "é utópico falar-se nesta área em liberdade contratual e autonomia da vontade. Não há qualquer espaço para expressão da vontade do consumidor. O propalado ´pacta sunt servanda´ deve ser olhado com forte desconfiança. E, ainda, depois de ´celebrado´ o contrato, havendo divergência quanto à legalidade de alguma cláusula, caberá a ele o ´ônus´ de acionar a empresa, já que esta tem sempre a posse antecipada de parte do preço".

           Ora, como bem se explicitou, não há que se questionar o desequilíbrio existente no caso sub judice. Embaídas por uma lábia extremamente sedutora, várias pessoas confiaram suas reservas patrimoniais à administração das requeridas, na esperança de adquirir um imóvel residencial.

           Deste modo, estando repleto de cláusulas restritivas e ajustes leoninos, a reformulação do conteúdo contratual impõe-se de forma soberana.

           Na Apelação Cível n.º 213.070 - 1, onde foi Relator o Juiz Duarte de Paula, a 3a Terceira Câmara do TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS, analisando a existência de cláusulas abusivas em contratos de adesão, assim decidiu:

           "A lei veda a imposição destas cláusulas, mormente quando utilizadas em contratos de adesão, onde a superioridade econômica e jurídica de uma das partes leva a imposição de todas as cláusulas do negócio sem qualquer possibilidade de discussão da parte mais fraca. A esta cabe somente aderir ou não aderir ao contrato, como um todo, sem previsão alguma de negociação para efeito de acordo, já que o contrato lhe é apresentado pronto, estereotipado, alheio a qualquer restrição humana, fato que compromete sobremaneira o prestígio da autonomia da vontade". (Ac. Da 3a Câm. Civ. Do TAMG - ApCiv 213.070 - 1 - rel. Juiz Duarte de Paula - j. 15.05.1996 - v.u.)

           Na atual fase de globalização, bem assim da corrida tecnológica averiguada nos diversos métodos de produção, é o consumidor o alvo imediato das ávidas concentrações capitalistas. A peça mais frágil nesta execrável corrente de dominação econômica.

           Outrossim, a Constituição Federal e o Código do Consumidor, como instrumentos da Justiça que são, patrocinam arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus direitos, proporcionando o acesso àquilo que lhe é próprio. Altercando sobre sua hipossuficiência, reza o artigo 4o deste Códex:

           "Art. 4o - A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

           I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo".

           À Magistratura incumbe zelar por relações sociais harmônicas, bem assim propugnar pelo equilíbrio ora inexistente, expungindo do contrato todas as cláusulas abusivas. Nos termos da lei protetiva, principalmente no que dispõe seu artigo 51:

           "Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

           I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

           II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;

           (....);

           IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquias, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

           (....);

           VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

           (....);

           X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

           (....);

           XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

           XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

           (....);

           XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;

           XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

           § 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

           I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

           II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;

           III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

           § 2º - A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

           (....).

           § 4º - É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes."

           "Artigo 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

           I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

           II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

           III - acréscimos legalmente previstos;

           IV - número e periodicidade das prestações;

           V - soma total a pagar, com e sem financiamento.

           § 1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação. (Nova redação dada pelo Art. 1º da Lei n.º 9.298, de 1/08/96).

           Pontifica Nelson Nery Júnior que

           "Por sistema de proteção ao consumidor há de se entender não apenas o Código de Defesa do Consumidor, mas, também, aqueles diplomas legais, que, indiretamente, visem a proteção do consumidor, entre os quais pode-se citar a Lei de Economia Popular (Lei 1.521/51)".

           Em comentários a esta Lei, Nelson Hungria declara guerra aos dardanários, profiteurs e burlões, que não sabem acomodar seu próprio interesse com os do público, desconhecendo que direito algum pode ser exercido em contraste com o princípio da solidariedade social.

           Assevera, ainda, o jurisconsulto:

           "As ávidas concentrações capitalistas, o arbítrio dos interesses individuais coligados, a opressão econômica, a artificial desnormalização dos preços, os lucros onzenários, o indevido enriquecimento de alguns em prejuízo do maior número, as arapucas para a captação do dinheiro do povo, as cláusulas leoninas nas vendas a prestações, o viciamento dos pesos e medidas, e, em geral, as burlas empregadas em detrimento da bolsa popular já não poderão vingar impunemente".

           Neste sentido torna-se imprescindível a atuação jurisdicional a fim de repelir as cláusulas abusivas, retificar as imperfeições contratuais, bem como suprir as omissões verificadas, restabelecendo o equilíbrio nas relações de consumo.

3) Da Propaganda Enganosa:

           A respeito do tema a doutrina portuguesa se manifesta no seguinte teor:

           "A publicidade, que consiste na acção dirigida ao público com o objectivo de promover, directa ou indirectamente, produtos e serviços ou uma actividade económica, procurando persuadir os seus destinatários sobre a excelência dos seus objectos publicitados, poderia ser, em princípio, útil aos consumidores, mas transforma-se em muitos casos num obstáculo a uma livre escolha, utilizando em favor das empresas a ignorância e a vulnerabilidade dos consumidores.

           A publicidade está sujeita legalmente a um conjunto de princípios, estabelecendo-se paralelamente um número apreciável de proibições.

           Vejamos mais de perto essas regras.

           (....).

           A veracidade

           a publicidade deve ser verdadeira não deformando os factos.

           Todas as informações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados, devem ser exactas e comprováveis, isto é passíveis de prova, a todo o momento.

           É assim proibida a publicidade enganosa, aquela que por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, induza ou seja susceptível de induzir em erro os seus destinatários ou possa prejudicar um concorrente." ("Informação da responsabilidade do Instituto do Consumidor. Retirado do site da INFOCID, no endereço: http://www.infocid.pt/Infocid/1218_1.htm - Doutrina Portuguesa).

           A inflacionar o semblante admoestatório desta empáfia, estão as campanhas publicitárias que, entre outras quimeras, propalam negócio único e irrecusável, incutindo no espírito do comprador vantagens promissoras, atitude própria da lábia dos corretores.

           Necessária a alusão de que a percepção de valores residuais é já um truísmo. Inúmeras são as pessoas ludibriadas. Ávido e cúpido, o engenho humano tende a consubstanciar em convenções escritas os mais sórdidos embustes. As cláusulas abusivas encontram hoje campo fértil para proliferarem, assegurando a volúpia dos novos césares do mercado imobiliário.

           Não há que se discutir o seu teor prejudicial. Ao comprar o imóvel, não fora o contratante cientificado acerca da existência do débito residual, o que basta para epitetar de infausta a medida.

           Como mencionada na doutrina portuguesa, a publicidade não pode ser enganosa, mas deve espelhar a verdade dos fatos. Engana-se até por omissão. Claro está que, no caso vertente, muitos consumidores deixariam de adquirir a unidade habitacional se soubesse da existências de inúmeros resíduos. Numerosos e exorbitantes o suficiente até para inviabilizar sua quitação.

           Explícito restou o dolo empregado na propaganda enganosa levada a efeito pelas reclamadas, objetivando induzir em erro os ofendidos. Dolo e erro nada mais são que vícios de vontade existentes no ato jurídico. É sabido, também, que todo negócio jurídico eivado de qualquer vício de consentimento é anulável, em conformidade com o que dispõem os artigos. 86 e 92 do Código Civil:

           "Art. 86 - São anuláveis os atos jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial".

           "Art. 92 - Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa".

           Nesse sentido merece transcrição o magistério de Arruda Alvim:

           "A publicidade enganosa constitui-se em figura jurídica autônoma, se bem que esta se aproxima do dolo daquele que anuncia, objetivando induzir em erro o consumidor ".

           E acrescenta:

           "Quando o Código de Proteção e Defesa do Consumidor qualifica como enganosa a publicidade que possa induzir em erro o consumidor, também se está referindo a erro substancial, erro este, sem o qual inexistiria o ato de consumo, pois relativo às qualidades essenciais, que elenca sobre produtos e serviços".

           Seduzidos pelas artimanhas ventiladas pelas rés, inúmeras foram as pessoas lesadas. Nos diversos anúncios realizados, registram-se propostas tentadoras, capazes de induzir em erro tanto o incauto quanto o astuto.

           Ora, em momento algum fora noticiada a existência de qualquer quantia além daquelas cem parcelas iniciais, no valor de um salário mínimo e meio, como asseveram os próprios consumidores mediante contato telefônico.

           O montante residual somente fora consignado no contrato de adesão, porquanto, por única e exclusiva iniciativa do fornecedor. Tolhido em sua autonomia volitiva, ao consumidor restou resignar-se aos ajustes leoninos.

           Cabe acrescentar que o consumidor só recebe após tê-lo assinado e só o assina após ter pago o predito sinal, sem tempo algum para reflexão, sendo certo que esta restrição ao direito do consumidor não vem com destaque no instrumento.

           Assim, independentemente, de qualquer propaganda enganosa praticada, a cláusula que prevê outras parcelas além das 100 iniciais já é nula de pleno direito, por se constituir em cláusula surpresa, dado que nem os próprios réus, representantes da requeridas, sabem qual o desdobramento danoso que tal disposição trará para o mutuário no final do contrato. Não resolve a questão a afirmação do representante da Nova Cap no sentido de que a empresa fará qualquer negócio para resolver o problema do consumidor.

           Destrate, através de sua conduta incidiram as rés nas proibições constantes do art. 37 do CDC, in verbis:

           "Art. 37 - É proibida toda a publicidade enganosa ou abusiva.

           Parágrafo primeiro - é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços."

           In casu, bem preleciona Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, ao dizer que

           "Não se imagine que, em marketing, só a publicidade pode ser contaminada por enganosidade ou abusividade. Todas as técnicas mercadológicas dão azo a tais desvios. Por conseguinte, as promoções de venda também podem ser enganosas ou abusivas".

           O consumidor é isento de encargos excessivos que extrapolem a esfera do justo, máxime quando dissimulado o escopo do fornecedor. Assim, não há como lhe atribuir o ônus do montante residual ou quaisquer outras obrigações exorbitantes, posto que a celebração do negócio jurídico não se deu nestas condições.

           Outrossim, caracterizado o dolo empregado na propaganda enganosa, patente é a nulidade da cláusula, porquanto, imprescindível a atuação jurisdicional.

           A oferta propalada através de massiva campanha publicitária, nos moldes do CDC, vincula fornecedor ao seu cumprimento integral. Tal obrigação tem origem na veiculação da propaganda, quando o adquirente manifesta sua aceitação. Este não é senão o axioma contido no art. 30 do CDC, in verbis:

           "Art. 30 - Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer, veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

           O preceito em epígrafe nada mais representa que uma tautologia do art. 1.080 do Código Civil, onde se encontra disciplinada a progênie contratual. Ao regrá-la estabelece a responsabilidade do proponente em relação às obrigações assumidas, vejamos:

           "Art. 1.080 - A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso".

           Não obstante, o art. 31 do CDC determina expressamente que

           "a oferta e apresentação dos produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos, que apresentam à saúde e segurança dos consumidores".

           Após a análise do conteúdo publicitário em seus tópicos principais, infere-se como irrefragável a violação aos ditames legais. Pecou a propaganda por falta de informações essenciais. Se a requerida, entre outros absurdos, almejava a percepção do montante residual, tal restrição deveria constar expressamente do anúncio, sob pena de nulidade do negócio jurídico.

           Em tempos hodiernos, a subjetividade do marketing comercial é cerne de interpretações dúbias, que fogem à inteligência mediana. Imprescindível pois a clareza de idéias para que o consumidor não seja induzido ao erro.

           Nesse vértice, trazemos à colação alguns julgados que melhor exemplificam a matéria:

           "Consumidor. Propaganda enganosa. Induzimento do consumidor, através da embalagem visível, à aquisição de produto, o que daria direito à participação de sorteio de prêmios, àquela altura, segundo o regulamento oculto no interior da embalagem, já realizado. Responsabilidade do fabricante". (Ac. Da 5a Câm. Cív. Do TJRS - ApCiv 596.126.037 rel. Des. Araken de Assis - j. 22.08.1996 - v.u.)

           "Incorre nas penas do art. 66, caput, da Lei 8.078/90, a agente que, na qualidade de vendedora, faz afirmações falsas para conseguir vender livros, tanto em relação aos autores quanto a respeito da qualidade da mercadoria vendida, vez que tal procedimento não se trata de mera técnica comercial de venda, mas de comportamento falso e mentiroso, com o intuito de enganar as vítimas, que de boa-fé acabam por adquirir os produtos". (Ac. Da 2a Câm. Do TACrimSP - Ap. 888.013-0 - rel. Juiz Rulli Júnior - j. 20.10.1994 - v.u.)

           "OFERTA PUBLICITÁRIA - Passagem aérea com desconto - Não concessão ao consumidor - Violação ao dever de boa-fé - Restituição devida.

           Pecou a propaganda pela falta de informação essencial.

           Se pretendia a requerida colocar em promoção somente as passagens que não tivessem preço reduzido, porque protecional, a exceção deveria constar expressamente do anúncio.

           Não foi sem razão que o Código de Defesa do Consumidor chegou às raias de especificar a oferta de produtos e serviços no mercado.

           A oferta vincula, obriga e integra o contrato que vier a ser vinculado." (Processo 359/96 - Juizado Central II - Juiz José Ernesto de Mattos Lourenço - São Paulo, in Revista de Direito do Consumidor, vol. 20, págs. 239 a 243).

           No caso em questão, se as rés anunciaram as unidades habitacionais por um número x de salários mínimo, deverão agora ser condenadas a dar por quitado o imóvel quando o mutuário tiver pago a quantidade anunciada.

           Para finalizar, é bom lembrar que cabe ao fornecedor provar que sua publicidade não é enganosa, ficando a cargo da autoridade competente aplicar ao infrator as sanções cabíveis, com o fim de proteger os consumidores.

           Ao consumidor basta apenas denunciar as autoridades que foi enganado, sendo que se a partir daí se aplica a inversão do ônus da prova. Tal não é só entendido em nosso direito, como também na doutrina aplicada aos países da União Européia (3).

4) Aspectos Formais do Contrato:

           A Lei no 8.078/90 realçou o aspecto formal dos contratos. Com efeito, passaram a ser repelidas as letras miúdas, linguagens prolixas e quaisquer técnicas que dificultem a leitura do consumidor. É o que disciplina o art. 54, parágrafos terceiro e quarto, do CDC:

           "Art. 54 - (...)

           § 3o - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

           § 4o - As cláusulas que implicarem em limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão".

           No mesmo sentido é a lei e a doutrina portuguesa, como já citado acima (4), que prescrevem que cláusulas assim redigidas não geram qualquer obrigação para o consumidor.

           No caso vertente, bem se percebe a afronta à legislação especial, posto que destaque algum é reservado às convenções mais prejudiciais.

           Por força do artigo 46 do CDC, o consumidor deve ter prévio acesso ao contrato, a fim de inteirar-se acerca das condições de celebração do negócio jurídico:

           Art. 46 - "Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".

           Ora, não foi isto que se averiguou nos autos de Procedimento Administrativo. Consoante se infere dos fatos aduzidos, os contratantes, apostando na idoneidade das rés, celebram o negócio nas condições veiculadas pela mídia. Sequer imaginam as inúmeras disposições draconianas, mesmo porque disto não lhes foi dado ciência.

           Destarte, não pode prosperar tão ignóbil acordo, pois como diz Leonardo Roscoe Bessa,

           "A inobservância destes preceitos acarreta a nulidade de cláusulas, de acordo com o disposto no artigo 51, XV da Lei no 8.078/90, vez que se trata de normas de ordem pública e interesse social que integram o sistema de proteção ao consumidor".

5) Do Dever de Restituir o que Cobrou ou Reteve Indevidamente:

           Em seu artigo 964, reza o Código Civil:

           "Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir".

           Outrossim, o Código de defesa do Consumidor determina, no parágrafo único do artigo 42, que os valores correspondentes à devolução devem ser corrigidos, em dobro e acrescidos dos juros legais:

           "Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

           Neste diapasão, cumpre esclarecer que inexistem adminículos justificadores da cobrança promovida pelas rés. Ao contrário, os indicativos de sua ilegalidade são sobejos. Assim, tem-se por excluída a exceção de "engano justificável´, mormente quando dissimuladas suas intenções através de folders falaciosos, isto quanto aos valores recebidos a mais do que a quantidade de salários mínimos veiculada. Quanto ao resíduos e as multas cobradas a maior, resta evidente que os réus tinham pleno conhecimento de sua ilegalidade, mesmo porque a ninguém é dado desconhecer a lei.

           Caso propugne a defesa pela aplicação do Código Civil, só fará ratificar as verdades preditas neste venábulo, máxime porque ausentes as exceções contempladas nos artigos 969, 970 e 971 daquele Códex.

           Jurídico e moral é também o dever de indenizar e a proibição de enriquecimento ilícito. Assim, o que as empresas rés retiveram indevidamente, em razão da rescisão contratual, devem elas restituir, devidamente corrigido e acrescido de multa e juros legais, sob pena de caracterização da prática do crime de apropriação indébita.

6) Da Desconsideração da Personalidade Jurídica das rés:

           Ante o exposto, tem-se como certa a lesão a uma congérie de pessoas, que, ludibriadas, despenderam o capital necessário à aquisição de futuras unidades habitacionais.

           Para que as requeridas não se eximam das responsabilidades que lhes são próprias, para tanto abrigando-se sob a colgadura da personalidade jurídica, mister se faz sua desconsideração. É o que expressamente dispõe o artigo 28 e seu parágrafo quinto do CDC.

           É nesse sentido a lição do ilustre Prof. Arruda Alvim, em seu "Código do Consumidor Comentado", pág. 76:

           "Inocorrendo suporte da pessoa jurídica para arcar com as conseqüências, o juiz pode desconsiderá-la e responsabilizar o verdadeiro autor da prática do ilícito. Por isso mesmo, e principalmente, se a empresa não tiver meios para pagar, poderá o juiz, aplicando o artigo 28, em questão, desconsiderá-la, condenando o próprio fornecedor".

           A posição idêntica é a dos Tribunais brasileiros:

           "Apelação Cível. Embargos de Terceiro. Sócios de Sociedade Irregular. Falta de bens. Penhora em bens dos sócios. Possibilidade. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provido.

           (...)

           Não encontrados bens de propriedade da sociedade irregular, é cabível a penhora e bens dos sócios. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ajusta-se a casos em que a fraude é praticada através daquela personalidade.

           Provida. (AC, q, 890. Dourados. Rel. Des. José C. C. Castro Alvim. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 12.02.88. DJ-MS, 18.03.88, pág. 07)".

7) Da Legitimidade "Ad Causam" do Ministério Público:

           A presente "actio" tem como cerne a proteção dos consumidores que estão ou que poderão vir a ser lesados em seus direitos, em razão das abusividades e ilegalidades inseridas no Instrumento Particular de Compra e Venda elaborado, em conjunto, pela Nova Cap e Progemix.

           Inúmeros foram e serão os contratantes burlados, o que impossibilita determinar de antemão tal universo.

           Portanto, indiscutível a natureza transindividual e indivisível da maioria dos direitos pleiteados, constituindo-se alguns deles em direitos e interesses difusos, outros coletivos e outros ainda individuais homogêneos, cuja titularidade está difusa pela sociedade ou pertence a um grupo, categoria ou classe de pessoas, que o legislador tratou de amparar, através de alguns legitimados específicos.

           Tanto a Constituição da República Federativa do Brasil (5) quanto as leis que tratam da matéria (6) asseguram ao Ministério Público a legitimidade acima referida, sendo certo que a doutrina (7) e a jurisprudência (8) tem entendimento pacífico a respeito da questão.

           Assim, em sendo as pretensões contidas na exordial de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, legitimado está o Ministério Público para figurar no pólo ativo da presente ação.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. ACP sobre cláusulas abusivas em contrato imobiliário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16022. Acesso em: 20 nov. 2024.

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