EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE CURITIBA
CONJUNTO RESIDENCIAL VALE VERDE II, pessoa jurídica de direito privado inscrito no CGC/MF nº 00.276.286/0001-32, sito nesta Capital na Rua Leonor Cardoso, 331, Fazendinha, por advogado e procurador subscrito, com escritório profissional abaixo impresso, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência para impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA
contra coação, constante e renovável, a cada fatura mensal, do DIRETOR - PRESIDENTE da COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR, o qual tem sede na Rua Engenheiro Rebouças nº 1.376 - Curitiba - PR, visando compeli-lo a abster-se imediatamente da cobrança da tarifa mínima, e seu equivalente em esgoto, bem como da multa de 10% sobre o valor das faturas em atraso e de cobrar a emissão de reaviso da interrupção do fornecimento do produto, conforme passa a expor e, ao final, requerer:
I. DO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA
SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME."(TJPR - Ac. 8295 - Ap. Cível nº 14.950-4 de Toledo, Rel. Des. Cordeiro Machado, julg. 12.11.91)
Desse modo, também é cabível o pedido para que seja concedida liminarmente, e ao final, a segurança, para determinar à autoridade coatora que proceda à cobrança das tarifas de água e esgoto devidas pelo impetrante, conforme a leitura do hidrômetro, como também, quanto à multa de mora e a cobrança pela emissão de reaviso da interrupção do fornecimento de água pela autoridade coatora, e a segurança para que o impetrado se abstenha de cobrar da impetrante, quando esta se encontrar em mora, o procentual de 10% relativo à multa de mora, bem como para que se abstenha de cobrar da impetrante pela emissão de reaviso da interrupção do fornecimento da água, passando a observar, quanto à multa moratória, o disposto no § 1º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor com a alteração determinada pela Lei Federal nº 9.298, de 1º de agosto de 1996.
II. DOS FATOS
O Código de Defesa do Consumidor, quando foi editado, trazia estabelecido no parágrafo 1º do art. 52 que: "As multas de mora decorrente do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a dez por cento do valor da prestação".
Esta porcentagem já era algo relativamente usual, em razão dos usos e costumes, nas práticas comerciais.
Aliás, todos os órgãos públicos fornecedores de serviços tinham por norma cobrar valores em tal patamar, no caso de atraso: multa de 10%. Assim agiam, a COPEL e a TELEPAR, bem como a autoridade coatora, que ainda persiste.
Porém, com o plano de estabilização econômica, tal valor ficou excessivo, tanto que a Lei Federal nº 9.298, de 1º de agosto de 1.996 veio alterar o § 1º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, diminuindo o percentual da multa de 10% para 2%, de acordo com o seguinte teor: "As multas de mora decorrente do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação" (grifamos).
Na seqüência, as estatais COPEL e TELEPAR adotaram providências para trazer a multa de mora para a realidade econômica e jurídico-consumerista do país, ou seja, de 10% para 2% ao mês. É de se consignar que a mesma prática ocorre nos contratos celebrados por fornecedores de serviços privados, dentre os quais destacamos, por exemplo, o segmento do ensino privado que na grande maioria tem observado o índice hoje vigente.
Apesar do contido acima, a autoridade coatora, em vez de alterar o percentual de 10% para 2%, como as demais e em consonância com a situação econômica e jurídica presente, entendeu por bem cobrar os mesmos 10%, fracionado, todavia à razão de 0,33% ao dia.
Atitude que, na via prática, acarretou por manter a mesma situação de fato, porque ao cabo de 30 dias, o índice alcançado é praticamente o mesmo que hoje não mais vige.
Tal situação, a toda evidência, não pode permanecer como está, posto que a autoridade coatora, com tal proceder, causa lesão patrimonial ao condomínio impetrante, como prestadora de serviços, na distribuição de água e coleta de esgoto, que é essencial, na forma do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor.
A autoridade coatora tem, ainda, praticado a "interrupção" do fornecimento da água perante o inadimplemento dos consumidores, apesar de propalar ser medida de ordem sanitária o consumo mínimo de 10m³ por economia, em média e, ao cessar o fornecimento do produto, cumula sanções pecuniárias aos inadimplentes, que extrapolam em muito os até 10%, ilegais, de multa, que vem cobrando.
Ademais, o consumidor inadimplente sofre "reaviso" do corte do fornecimento, pelo qual deverá pagar, indevidamente, o valor de R$ 0,76, além das demais taxas incidentes sobre o religamento, sem ter isenção da multa moratória (hoje, de 10%).
A título de ilustração, o valor de R$ 0,76 corresponderia, em se aplicando a multa legal de 2%, a uma fatura de R$ 38,00, importância que atinge, em geral, condomínios constituídos de consumidores pessoas físicas de trabalhadores de classe pouco abastada, ou economias residenciais, ou seja, classe pouco privilegiada, o que não ocorreria com economias comerciais ou industriais, que muitas vezes utilizam-se do produto como insumo para suas atividades.
II.2 Da tarifa mínima
A par dos reclamos da sociedade, em virtude de racionamento, a SANEPAR cobra dos consumidores, no mínimo, o valor correspondente ao consumo de dez (10) m³ de água ou de gasto fictício, bem como o seu correspondente em esgoto, mensalmente.
Note-se que a primeira das consultas de leitura e de consumo anexa mostra que a média consumida pelo hidrômetro 1-000000786-5-4 de 1.030m2, mas o valor mínimo cobrado pela autoridade coatora foi de 1.200m2. No hidrômetro de final 737-5-4, o valor cobrado no mês de dezembro de 1995 foi de 1.120m2, mas o consumido foi de apenas 948 m2.
Segundo ainda o Decreto Estadual nº 3.926, de 17 de outubro de 1988, nos artigos 25 e 27, a autoridade coatora deveria, exclusivamente, instalar hidrômetros em todas as residências com a finalidade de medir o efetivo consumo do produto. No entanto, segundo a própria autoridade coatora, os consumidores que pagam tarifa mínima, tem seu consumo real restrito em média a 6m³ por mês, resultando, portanto, que a finalidade do hidrômetro para a autoridade coatora é o de medir e cobrar pelo consumo acima de 10m³/mês ou de gasto fictício.
Se o hidrômetro apontar um consumo menor que 10m³ ou do gasto fictício, o condomínio paga 10m³ por condômino ou o do gasto fictício, como o próprio nome indica. Se apontar mais de 10m³ ou acima do gasto fictício, o condomínio paga pelo consumo registrado.
Mas ocorre também que em alguns casos o condomínio não contam com o hidrômetro, quando então a autoridade coatora estima o consumo (parágrafo único do artigo 25 do Decreto Estadual nº 3.926/88), mas sempre estabelecendo o mínimo de 10m³/mês para faturamento ou o gasto fictício.
Em razão do estudo feito pela própria autoridade coatora, constou-se que os consumidores que se submetem à tarifação mínima têm um gasto médio de aproximadamente 6m³ por economia ou por unidade de condomínio, no caso de haver uma cobrança estimada, por ausência de medidor, o valor não deverá ser superior àquele consumo.
II.3. Da perversidade da cobrança da tarifa mínima
A cobrança de tarifa mínima de água na proporção de 10m³ ou 10.000 litros mensalmente (cerca de 333 litros/dia) ou de gasto fictício é perversa por várias razões, em especial porque na sua maioria os consumidores que não chegam a consumir o mínimo faturado pela autoridade coatora pertencem às classes sociais menos privilegiadas, como é o caso dos autos que, em geral, têm apartamentos com poucos pontos de distribuição de água e, na maioria das vezes, sequer possuem reservatórios domésticos para o seu armazenamento.
A pretexto, leia-se a ata anexa em que foi eleito o síndico, onde a preocupação dos moradores se é justamente quanto aos constantes cortes de fornecimento de água.
Como referido anteriormente, em muitos locais ainda ocorre a falta de distribuição da água e da coleta e tratamento de esgoto, bem como ocorreu e eventualmente pode acontecer o racionamento de água, quando o produto deixa de estar à disposição do condomínio. Mesmo assim, verifica-se o faturamento no mínimo ou do gasto fictício referido.
A perversidade da cobrança de tarifa mínima de água é maior ainda quando a autoridade coatora vem a público instar os consumidores a economizar água.
II.4. Do subsídio
Este serviço cobrado e muitas vezes não prestado, é subsidiado pelos consumidores cujo consumo é superior a 15 m³, ou seja, a SANEPAR aplica subsídio ao consumidor que se situa na faixa inferior a 10 m³ com a arrecadação do preço pago por quem consumir acima dos 15 m³. Pergunta-se: se o serviço oferecido até 10 m³ é subsidiado por quem consome mais de 15 m³, por que a SANEPAR não cobra pelo serviço realmente utilizado por aqueles?
A resposta negativa se impõe pelas vantagens do faturamento duplo (ou enriquecimento sem causa duplo), ou seja, incidente sobre um serviço não prestado para alguns que pagam mais, sob a "justificativa" de subsidiar outros que, por sua vez, pagam pelo que não consomem.
Não obstante as classes menos favorecidas sejam as mais penalizadas, não se pode deixar de consignar a injustiça praticada também contra o consumidor de maior renda. Embora normalmente consuma água acima da cota mínima, existem situações em que ele nada consome e paga. É o caso, por exemplo, dos consumidores proprietários de casas de veraneio, que durante pelo menos 10 (dez) meses do ano praticamente nada consomem e pagam tarifa mínima. Além do que a SANEPAR aplica a chamada "tarifa sazonal", para as economias situadas no litoral, onde adota preço diferenciado na chamada alta temporada, quando aumenta em 20% sobre o valor devido (meses de dezembro a março) e em uma sedizente compensação diminui do valor normal aplicado em 20% sobre o preço devido nos demais meses do ano (baixa temporada), todavia limitando ao mínimo de 10m³. Ou seja, o consumidor paga mais na alta temporada e menos na baixa temporada, mas só se consumir acima de 10m³, o que raramente ocorre. Conclui-se que não há tarifa menor na baixa temporada.
Acontece, ainda, a cobrança indevida do gasto fictício, com a grande maioria dos condomínios que possuem somente um hidrômetro para todo o prédio, onde também a SANEPAR estima um consumo mínimo individual ou por moradia (a qual denomina de "economia"), independentemente do fato do hidrômetro marcar consumo inferior à soma daqueles consumos mínimos.
Este é justamente o caso dos autos que, dentre os enumerados, de consumidores que normalmente consomem mais do que a cota mínima, mas que por estarem ausentes das residências não há utilização durante o mês, e que também terão de pagar a referida tarifa mínima, haja água ou não, quer seja medida por hidrômetro, quer seja estimada. A cobrança fictícia ocorre pelos 10m³.
Finalmente, ao vincular a cobrança de 80% do valor dispendido com o gasto de água, a título de tarifa de esgoto, o fato induz ao pagamento de uma "tarifa mínima de esgoto".
Assim sendo, os fatos estão a merecer a tutela jurisdicional, posto que a autoridade coatora, apesar dos insistentes apelos dos órgãos consumeristas, resiste em se adequar a realidade fática, econômica e jurídica.
III - DO DIREITO
Da observação dos fatos, apontados na documentação anexa, caracterizada e incontestável está a relação de consumo existente entre o condomínio usuário do serviço de água e saneamento e a autoridade coatora, que é Diretor Presidente da SANEPAR, nos termos dos artigos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, que visa preservar os interesses econômicos e de saúde do consumidor (art. 4º do CDC), objetivos nos quais se calca toda a política das relações de consumo.
A defesa do consumidor, portanto, faz-se necessária em duplo aspecto. Preliminarmente, no que se refere à imposição da cobrança da multa à categoria de utentes dos serviços de distribuição de água e no que se refere à imposição da cobrança de valores indevidos pela não utilização do produto no quantum mínimo.
Em segundo plano, pela lesão a direito individual, no tocante à reparação dos danos já causados ao condomínio impetrante, caracterizando-se como direito individual homogêneo, nos termos do art. 81, § único, III, "os decorrentes de origem comum", na medida em que a partir da edição da Lei nº 9.298/96 o índice praticado deixou de existir.
As lesões concretizadas e apontadas referem-se a 495 condomínios, atrelados por uma mesma relação jurídica que os une à SANEPAR através do ora impetrante, sujeitos em potencial à prática abusiva da autoridade coatora, ante uma situação de inadimplência.
III.2 Das disposições específicas aplicáveis ao caso
A Lei Federal nº 6.528/78 e o Decreto Federal nº 82.857/78, que a regulamentou, apenas estabelecem diretrizes tarifárias genéricas, deixando à discricionariedade das companhias de saneamento estaduais a fixação dos valores cobrados a título de multa moratória.
Dessa forma é que foi editado em data de 14 de novembro de 1.988, o Decreto Estadual nº 2.556, atualmente em vigor, estabelecendo multa à base de 10% ao mês.
Os instrumentos normativos acima citados, porém, não se coadunam mais com a realidade econômica e social do país. A cobrança de multa moratória no patamar de 10% sobre o valor da fatura em atraso, tem por fundamento uma legislação inadequada, para os dias presentes, cabendo à companhia estadual estabelecer parâmetros para a cobrança da multa, mais adequados à legislação federal e à realidade dos usuários do serviço, e que de forma justa recomponha o seu prejuízo ante o inadimplente, mas que não seja objeto de ganho ilícito.
As inovações trazidas pela Lei Federal nº 9.298/96, que reduziu a multa moratória de 10% para 2%, alterando o disposto no artigo 52, § 1º da Lei Federal nº 8.078 - Código de Defesa do Consumidor - tornaram o Decreto Estadual incompatível com as novas diretrizes econômicas do país, ao que já foram sensíveis a COPEL e a TELEPAR, e, bem assim, praticamente, todo o segmento da atividade privada.
Sendo assim, a SANEPAR, em 22 de agosto de 1997, editou o Decreto Estadual nº 3494, fracionando o índice de multa moratória de 10% ao mês, a razão de 0,33% ao dia, incorrendo nas mesmas irregularidades que a seguir apontamos (fls. 37 do P.I.P. em anexo).
O proceder da autoridade coatora atenta, no tocante à cobrança da multa de 10% e da tarifa mínima contra direito básico do consumidor, expresso no art. 6º, IV e X, in verbis:
"São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."
Ademais, caracteriza-se como prática comercial abusiva, nos termos do art. 39, V: "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;"
A exigência daautoridade coatora demonstra-se excessiva e injustificada, demonstrado que outras prestadoras de serviços, mormente as públicas, já vêm praticando a multa moratória no patamar de 2% ao mês e tal fato não implicou em nenhum prejuízo ou impossibilitou a prestação do serviço, conforme já referimos.
O Código de Defesa do Consumidor (art. 51, inciso XII), acrescente-se ainda, fulmina de nulidade absoluta a cláusula contratual que determinar a estipulação de custos da cobrança de sua dívida exclusivamente ao devedor, como ocorre com a requerida, ao lançar a débito do consumidor valores para reaviso e demais encargos de religamento, apesar do art. 22 do CDC, que determina o fornecimento contínuo de serviços essenciais, além da multa hoje praticada de 10%, sem que dê tal prerrogativa ao consumidor, vez que este, ao necessitar eventualmente reivindicar valores junto à empresa, deverá arcar com os seus custos.
Há verdadeira imposição aos usuários do serviços de cláusula abusiva, que nos termos do art. 51, IV e XV e § 1º, III:
"Art. 51 - São nulas de peno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou com a eqüidade;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso."
Assim, a requerida deve reduzir o percentual exigido a título de multa moratória, de forma a atender o disposto no art. 52, § 1º, cuja redação foi alterada pela lei 9.298/96:
"§ 1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação."
Por fim, é de ser lembrado que a conduta adotada pela autoridade coatora, desde 1º de agosto de 1996, em cobrar multa de mora em percentual acima dos 2% ao mês e de cobrar pelo reaviso de interrupção está a gerar obrigação de repetição do indébito na forma prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor: "Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."
Evidente a ilegalidade das cobranças de multa de mora em índice superior ao permitido legalmente, e da emissão do reaviso, que contrariam as diversas disposições legais apontadas e se manifestam contrárias aos princípios de eqüidade e justiça social, na medida em que, através das referidas cobranças, a autoridade coatora vem obtendo vantagem manifestamente excessiva em detrimento dos usuários do serviço.
Os serviços prestados pela autoridade coatora devem, ainda, atender à disposição do art. 22, do mesmo diploma legal, in verbis:
"Artigo 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros, e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."
Dessa forma não procedem as alegações da autoridade coatora, no sentido de que a cobrança da tarifa mínima tem por escopo viabilizar o sistema e mantê-lo à disposição do usuário 24 horas por dia. Pois tal fato é decorrência lógica da própria atividade desenvolvida pela companhia, além de ser corolário da concessão do serviço público.
O conceito de tarifa se contrapõe diretamente à exigência da Companhia. Tarifa se identifica como a "quantia que o usuário de determinado serviço paga ao Estado pela utilização concreta do serviço público prestado." (J. M. Othon Sidou, in "Dicionário Jurídico")
Segundo a definição de Plácido e Silva in "Vocabulário Jurídico": "tarifa não integra o gênero tributo, pois tem a significação de pauta ou tabela do que deve ser pago por alguma coisa, quando ocorrer o fato em que é devido." (grifos nossos)
Seguindo esta linha de raciocínio a autoridade coatora vem atuando de forma contrária à lei, pois está cobrando por algo que não foi consumido pelo condomínio usuário do serviço.
A Lei nº 6.528/78, que trata das "tarifas dos serviços públicos de saneamento básico", foi regulamentada pelo Decreto Federal 82.857/78 que, por sua vez, dispôs em seu artigo 11 o seguinte: "As tarifas deverão ser diferenciadas segundo as categorias de usuários e faixas de consumo, assegurando-se o subsídio dos usuários de maior para os de menor poder aquisitivo, assim como o dos grandes para os pequenos consumidores."
Porém, a contrario sensu, o § 2º, do artigo supra citado, determina que: "A conta mínima de água resultará do produto da tarifa mínima pelo consumo mínimo que será pelo menos 10m³ mensais, por economia da categoria residencial"
As disposições da Lei 6.528/78 e do Decreto 82.857/78 atualmente fornecem as diretrizes tarifárias genéricas a serem adotadas pelas companhias de saneamento estaduais, ficando à discricionariedade destas a fixação dos valores, de acordo com as características e as necessidades de cada Estado. Os instrumentos normativos acima apontados, porém, não se coadunam mais com a realidade econômica e social do país. A cobrança da tarifa mínima, portanto, tem por fundamento uma legislação anacrônica e inadequada. Dessa forma caberia ao legislador estadual estabelecer parâmetros mais adequados à realidade dos usuários dos serviços, de forma a atender os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e às novas diretrizes econômicas do país.
A exigência da tarifa mínima, caracteriza-se, ainda, como prática comercial abusiva, nos termos do art. 39, I e V do CDC:
"Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
I - condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;" (grifo nosso)
Na definição do próprio Código de Defesa do Consumidor, artigo 51, § 1º, incisos I, II e III, presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; restringe direitos e obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
A autoridade coatora está indiscutivelmente condicionando o fornecimento de água ao pagamento do limite mínimo de 10m³ ao mês, auferindo, dessa maneira, vantagem manifestamente excessiva dos usuários de menor poder aquisitivo, pois o usuário que se utiliza de volumes menores e não paga pelos 10m³ pode ter o serviço de água e saneamento suspenso. Isso porque onde tiver o consumidor o seu imóvel ligado à rede de esgoto pagará mais 80% do valor, mesmo sobre o mínimo não consumido, ainda em flagrante ofensa aos "princípios fundamentais do sistema jurídico", não só à que pertence (defesa do direito do consumidor) mas a toda ordem jurídica, enquanto tutelada pelo princípio do não enriquecimento ilícito, na medida em que há o auferimento de vantagem sem causa.
É o que preconiza o Código Civil no art. 964, estipulando que: "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir. ..."
Em se tratando de direito do consumidor, toda cobrança indevida importa em devolução em dobro, tal qual reza o art. 42, parágrafo único, nos seguintes termos: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
A Constituição Federal, em seu art. 5º, agasalha o princípio da igualdade. Porém, a exigência da autoridade coatora faz distinção entre os grandes consumidores e os pequenos usuários, exigindo destes vantagem excessiva em relação à sua posição econômica. A tarifa subsidiada na verdade encobre injustiça flagrante, pois se dá por um lado com uma das mãos, retira-se por outro com as duas.
O fato da autoridade coatora destinar o produto da cobrança da tarifa mínima para manter o seu equilíbrio econômico financeiro e viabilizar o sistema, não encontra justificativa e não lhe dá o direito de exigir, da parcela da população de menor poder aquisitivo, a tarifa mínima, referente a um fato gerador (para socorrer-se do instituto do direito tributário) que se não consumou. Para isso, a companhia dispõe de outros meios, como por exemplo os reajustes periódicos (anual, no mínimo) no valor das tarifas.
A exigência da "tarifa" tem por fundamento a existência de uma atividade específica e mensurável, o que não ocorre no caso. A companhia busca a cobrança de algo que sequer foi consumido e também ignora a necessidade de mensurar o que realmente foi utilizado.
Assim, é manifesta a ilegalidade da cobrança da tarifa mínima de água pela autoridade coatora, que contraria a lei e todos os princípios de eqüidade e justiça social, ao exigir da população, notadamente daquela de baixa renda, vantagem manifestamente indevida.