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Ética médica e publicidade enganosa

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Agenda 01/02/2000 às 01:00

Ação civil pública contra médico que se dizia especializado em cirurgias plásticas restauradoras, sem qualquer habilitação para tanto, abusando de sua imperícia e total negligência, bem como o Conselho Regional de Medicina, por falta de fiscalização da classe.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO CONSUMIDOR DA COMARCA DE CAMPO GRANDE

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da ___ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe as intimações pessoais na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no que prescreve o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal; o artigo 132, inciso III, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigo 25, inciso VI, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); o artigo 1º, II, 2º, 3º, 5º, "caput"; 11, 12 e 21 da Lei 7.347, de 24.07.85 (Lei de Ação Civil Pública); os artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I, II e III; 82, I; 83; 84, "caput", parágrafos 3º e 4º; 90; (Lei 7.347/85) e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90); o artigo 26, inciso IV, letra "a" da Lei Complementar Estadual n.o 072, de 18 de janeiro de 1994, e ancorado nos fatos apurados no inquérito civil n.o 010/99(doravante apenas denominados de IC 010/99) em anexo, propõe nesse Juízo a presente

ação civil pública,
Com Pedido de Liminar

e com preceito cominatório de obrigação de fazer (ressarcir as vítimas de erro médico e promover a contrapropaganda) e de não fazer (deixar de exercer a profissão de médico), visando a tutela dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos envolvidos, em face de Alberto Jorge Rondon de Oliveira, brasileiro, divorciado, médico, portador da Cédula de Identidade R.G. n.º 1031-CRM/MS e do Cadastro de Pessoa Física CIC n.º 403.295.937 – 49, domiciliado à Rua Rio Grande do Sul, n.º 576, Jd. dos Estados, nesta capital; e do Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul – CRM/MS, pessoa jurídica de direito privado, com sede à Rua Rio Turvo, n.º 305, Jardim Veraneiro, nesta capital, pelas razões fáticas e de direito a seguir articuladas:


I - DOS FATOS:

Através de matéria veiculada em jornais de grande circulação, chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça que o médico e ex-deputado Alberto Jorge Rondon de Oliveira no exercício de sua profissão (medicina), estaria prestando serviços de cirurgia plástica restauradora junto ao Instituto de Previdência do Mato Grosso do Sul e em sua clínica particular, sem qualquer habilitação para tanto, submetendo seus pacientes a avaliações falsas e tratamentos sem nenhuma concisão, abusando de sua imperícia e total negligência, proporcionando graves mutilações a uma série de mulheres que após se subjugarem às mencionadas cirurgias (nos seios e abdômen), contraíram cicatrizes enormes no corpo, em alguns casos com os movimentos dos braços e pernas restringidos.

Após efetivar seus serviços como cirurgião plástico, o réu não prestava nenhum acompanhamento a suas pacientes, ausentando-se da capital sem indicar qualquer outro profissional para substitui-lo, deixando suas clientes sem assistência capaz de reconfortá-las no seu doloroso estado pós-operatório, causando gravames irreversíveis danos em algumas.

Aos 12 dias do mês de abril do corrente ano, o PREVISUL registrou as primeiras denúncias de erro médico propostas por dez mulheres vítimas do requerido que além agir por imprecisão, prestava informações falsas ao órgão previdenciário, afirmando que as operações eram para retirar nódulos mamários, quando na verdade eram apenas estéticas. Hoje já são mais de 25 mulheres acometidas pelas lesões produzidas pelo malsinado médico, que entre março de 97 e março de 99, já efetuou 69 cirurgias plásticas de mama, 24 de abdômen, uma de correção de pálpebras e mais 832 atendimentos, conforme relatório do PREVISUL anexo aos autos.

Nada obstante, o PREVISUL gastou em torno de R$ 1,7 mil entre honorários médicos e despesas hospitalares em cada operação, quando o valor médio para este procedimento era de apenas R$ 580,00, somente vindo a constatar que o profissional acoimado além de ser remunerado pelo órgão de previdência, percebia também de suas clientes mais R$ 500,00 para só então prestar seus serviços, induzindo posteriormente suas pacientes a confirmarem, perante o órgão previdenciário estadual, o diagnóstico da cirurgia como sendo a retirada de nódulo nos seios.

Outrossim, ao colocar em apreço a condição de cirurgião plástico especialista proclamada pelo malevolente médico, o Conselho Regional de Medicina assentou, conforme declaração juntada aos autos, que o mesmo não possui registro algum junto aquele órgão que o habilite ao exercício de suas atividades.

Outrora, parte das denúncias propostas já procedem de longa data, demonstrando assim que o profissional ora criticado, vem dando continuidade em suas atividades em total desrespeito aos seus pacientes, demais consumidores que estão sujeitos aos seus serviços e são vítimas de sua propaganda falaz.

Nos autos há a incontestável prova de sua prática abusiva, confirmada por fotografias da publicidade farta que ostenta à entrada de sua clínica ("Cirurgia Plástica e Emagrecimento") localizada na Rua Rio Grande do Sul, nº 576, nesta capital, enquanto o CRM/MS guarda o seu registro como especialista em Clínica Médica.

Segundo o Presidente do PREVISUL, Volney Ávila, novas denúncias não param de chegar, inclusive de pacientes do interior do Estado, e em outros casos, algumas cirurgias tardam de até dez anos.

Prestando seus esclarecimentos junto ao Conselho Regional de Medicina, o requerido buscou eximir-se de toda culpa alegando preliminarmente que parte do insucesso de suas cirurgias deve-se ao não atendimento dos pacientes as prescrições médicas, considerando absurdas as declarações postuladas em seu desfavor, por falta de qualquer amparo legal.

Tomando por base todos os fatos que deram ensejo às denúncias de erro médico, este órgão ministerial solicitou a manifestação do indigitado cirurgião sobre toda matéria apresentada, sendo informado a posteriori pelo mesmo que as providências requisitadas não poderiam ser atendidas, pois viola o sigilo profissional e poderia elucidar informações confidenciais, vedadas pelo Código de Ética Médica.

Além de credenciado junto ao PREVISUL, o requerido também é cooperado da UNIMED – Campo Grande, oferecendo seus serviços na mesma especialidade impugnada, proporcionando assim maior possibilidade de dano aos consumidores.

Por muito, infere-se que o CRM/MS, órgão responsável pela fiscalização da atividade médica no Estado, não está cumprindo o determinado pela lei regulamentadora da atividade médica no Brasil e, muito menos, as exigências previstas no Código de Ética Médica, não coibindo a publicidade enganosa feita por médicos e convênios que não apresentam provas das especialidades oferecidas.

          O CRM/MS jamais poderia permitir que um médico que não tivesse especialidade médica de cirurgião plástico pudesse estar agindo no mercado como tal, principalmente quando, com essa atividade, estivesse colocando em risco a vida e a integridade física de dezenas de pessoas. Esta é uma omissão que o Conselho Regional de Medicina deve responder por ela, juntamente com o réu Alberto Rondon.

As pacientes procuram os profissionais guiadas e enganadas pela propaganda, submetendo-se a uma avaliação de saúde imprecisa, por um médico desqualificado e despreparado para tratá-las, o que provoca atrasos de diagnósticos, tratamento indevido ou errado, com uso de drogas e medicamentos desnecessários e muitas vezes podendo causar reações adversas, prejuízo material pela repetição constante de consultas, exames e procedimentos, sobrecarregando o sistema, causando não só prejuízo às pessoas, mas a toda comunidade, com a evasão desnecessária de recursos, tempo e desgastes pessoais.

Mais de vinte mulheres, pacientes de Alberto Jorge Rondon, passaram por exame no Instituto Médico-Legal, os laudos emitidos até agora apontam que houveram lesões graves e gravíssimas nas mulheres que fizeram cirurgia plástica nos seios e abdômen.

É exatamente neste ponto, a possibilidade de ocorrência de um dano maior aos consumidores e pacientes lesadas, que se pretende coibir, em virtude da conduta anti-ética e da propaganda enganosa, oferecida pelo requerido que busca auferindo, entre outras, vantagens profissionais ilícitas com a publicidade ilegal, em detrimento dos interesses comuns dos profissionais da medicina e também das pacientes.

Instado a falar sobre a questão, o Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Dr. Farid Hakme, disse:

Na minha opinião ele deveria voltar à faculdade e estudar Medicina de novo’, (....). Segundo ele, o que aconteceu no Mato Grosso do Sul nunca ocorreu, pela quantidade de vítimas, ‘em nenhum lugar do mundo.’" (Jornal Folha do Povo, veiculada no dia 16 de outubro de 1999, pág. 9).

Segundo o mesmo Jornal, o réu deverá ser indiciado na Delegacia da Mulher por prática de crime de lesão corporal em 41 mulheres, o que, por si só, demonstra a gravidade dos fatos e a necessidade de se tomar uma medida urgente para outras situações semelhantes não venham a ocorrer.


II - DO DIREITO:

          A) Da Legitimidade do Ministério Público:

Entre as funções institucionais do Ministério Público, também se insere a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (Constituição Federal, art. 129, II), portanto, legitimado a ajuizar Ação Civil Pública para pleitear a defesa de direitos difusos e coletivos(art. 129, III, CF/88) e, também, na defesa de outros direitos individuais (art. 129, IX, CF/88).

Como expressa Nélson Nery Jr., comentando sobre o tema:

"O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos direitos difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, art. 129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis(CF, art. 127, "caput").

O texto constitucional normatiza, portanto, a função institucional do Ministério Público, sendo o "Parquet" parte legítima para promover ação civil pública na defesa de interesses difusos e coletivos.

Encontra-se ainda o amparo a legitimidade do Ministério Público, para tutelar os direitos dos consumidores no artigo 81, parágrafo único, III, do CDC, "in verbis":

"Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

Ensina Nélson Nery Jr. em comentários ao referido artigo do CDC:

"(....) a defesa do direito individual puro não pode ser feita pelo Ministério Público, exceto se for indisponível e houver autorização legal para tanto. No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos, dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo. Essa ação coletiva é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada(CDC, art. 103, III), evitando-se decisões conflitantes. Por essa razão está o Ministério Público legitimado a propor em juízo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos(Constituição Federal, art. 129, IX; CDC, art. 82, I)".

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No tocante à enorme massa de consumidores assegurados do PREVISUL e associados da UNIMED, lesados pelas aludidas especialidade médica do requerido, pode-se falar na defesa de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que é titular um grupo ou categoria de pessoas, que o Código de Defesa do Consumidor denomina de interesses ou direitos coletivos (artigo 81, parágrafo único, inciso II).

Por outro lado, no que tange ao universo de possíveis consumidores que poderão ser lesados pelo médico dito especialista, pode-se falar na tutela de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que serão titulares pessoas indeterminadas e ligadas pela circunstância fática de consumo. O CDC os denomina de interesses ou direitos difusos (artigo 81, parágrafo único, inciso I).

Por fim, quanto à reparação dos danos físicos e psicológicos causados pelo requerido no exercício ilegal da profissão, a ação se dirige à tutela coletiva dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos assim entendidos os decorrentes de origem comum, nos termos do artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a Lei n.º 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos causados ao consumidor, em decorrência de violação de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (v. artigos 1º, 3º, 5º, caput, e 21 do CDC).

Acerca de interesses difusos, muito antes da definição legal do Código de Defesa do Consumidor (artigo 81, § 1º, I), este já era objeto de conceito doutrinário, como estabelecia Péricles Prade:

"Interesses difusos são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas, ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares, de forma pouco circunscrita e num quadro de abrangente conflituosidade".

A propósito da legitimidade, escreveu Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra "A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo":

"Tratando-se da defesa de interesses difusos, pela abrangência dos interesses, a atuação do Ministério Público sempre será exigível. Já em matéria de interesses coletivos e de interesses individuais homogêneos, o Ministério Público atuará sempre que:

a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano (mesmo o dano potencial);

b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido;

c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico."

Assim, se a defesa de um interesse, ainda que apenas coletivo ou individual homogêneo, convier direta ou indiretamente à coletividade como um todo, não se há de recusar o Ministério Público de assumir sua tutela.

A própria realidade forense encarregou-se de demonstrar o grande proveito social que adveio quando, par a par de outros legitimados, também se cometeu ao Ministério Público a iniciativa da ação civil pública em defesa de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, porque, nesses anos todos de vigências dos novos diplomas legais, das milhares de ações já movidas, praticamente todas o foram por iniciativa ministerial.

Outrossim, a Constituição da República atribuiu um papel importantíssimo ao Ministério Público, afirmando tratar-se de uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, competindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF/88).

Prescreve ainda a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a)para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos". (grifo do autor).


B) Do Exercício Ilegal da Medicina:

O princípio Constitucional do livre exercício profissional não contempla a liberdade absoluta, nem é uma garantia para que qualquer pessoa possa entregar-se livremente a sua atividade, mas o direito de exercê-la desde que legalmente habilitado, observando as prerrogativas e limites. Exige de quem a exerce, autorização do poder público, idoneidade e competência, sujeito a fiscalização do Estado, pois mesmo em caráter privado, há interesses individuais indisponíveis e coletivos que necessitam amparo e proteção.

Toda lei na criação de requisitos para o exercício da profissão há de ater-se exclusivamente às qualificações profissionais. A lide em sua essência trata-se, portanto, de um problema de capacitação técnica, científica e moral que o médico deve possuir para prestar seus serviços e promover seus anúncios publicitários investidos de legalidade.

A medicina por ser uma profissão que, de maneira alguma, pode ser exercida sem o cumprimento das, exigências legais e regulamentares, constitui-se em prática criminosa o exercício sem preencher as condições a que por lei está subordinado seu ofício.

Cabe salientar que para configurar-se o crime, basta apenas o perigo, não exigindo a lei que venham a consumar-se quaisquer lesão ou malefício, sendo necessária unicamente a possibilidade de dano.

No particular aspecto da saúde pública, busca-se tutelar a incolumidade pública, ora violada pela prática ilegal da medicina por profissionais desabilitados que colocam em manifesto perigo a coletividade.

Colaciona o mestre Damásio E. de Jesus, em sua obra "Direito Penal", que:

"Não basta ao médico, dentista ou farmacêutico a habilitação profissional, sendo necessário registro do título, diploma ou licença, ou seja, a habilitação legal."(JESUS, Damásio Evangelista, "Direito Penal", vol. 3 – Parte Especial, 5a ed., Ed. Saraiva, 1988, São Paulo)

Conforme os fatos narrados, o requerido ao declarar sua irregular especialidade excedem os limites do exercício da profissão, objetivando na maioria dos casos o lucro, configurando um crime próprio de perigo, tipificado no Código Penal Brasileiro, artigo 282, segunda parte e parágrafo único.

"A antijuridicidade, em relação ao crime do art. 282 do CP – exercício ilegal da medicina – caracteriza-se quando o agente transpõe os limites da profissão médica para qual está habilitado, isto é, quando transgride os limites estabelecidos na lei, nas normas regulamentares e na utilização de métodos e práticas não condenadas "(TACRIM-SP – RO 493.581-1 – Rel. Celso Limongi – RT 628/333 e RJDTACRIM 4/204)

          C) Da Ética Médica:

Por ser uma profissão a serviço da saúde humana e da coletividade, a medicina está revestida de normas éticas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de suas funções, independente de suas especialidades ou o cargo que ocupe, com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade.

Todo médico deve ter por objetivo guardar absoluto respeito pela vida, atuando sempre em benefício do paciente, considerando-se inadmissível a conduta do requerido ao utilizar de seus conhecimentos para causar o sofrimento moral e físico, não controlando os riscos inerentes de suas atividades, atribuindo seu insucesso a terceiros e a circunstâncias ocasionais.

Institui o Código de Ética Médica, em seu artigo 14 que: "o médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos e assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde."

Ante os gastos que o PREVISUL teve com honorários médicos e despesas hospitalares em cada operação, constatou-se que o requerido além de ser remunerado pelo órgão previdenciário, percebia de suas clientes valores "extras" antes da execução de seus serviços, opondo-se ao dispositivo contido no artigo 95 do Código de Ética Médica que veda ao médico cobrar complementos salariais ou honorários suplementares de seus pacientes.

          D) Da Responsabilidade Civil:

          "Domina, na esfera doutrinária, a tese de que o profissional liberal é aquele que exerce seu ofício com independência, sem qualquer vinculação hierárquica, caracterizando-se seu trabalho por sua natureza preponderantemente intelectual ou técnica."(SAAD, Eduardo Gabriel, "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", 3a ed., Editora LTr, São Paulo, 1998)

Na condição de profissional liberal, o requerido no exercício de suas atividades buscou somente obter vantagens pecuniárias, colocando em detrimento o bem estar de suas pacientes, que movidas pela boa-fé contrataram seus serviços.

          "Há um salutar princípio jurídico geral que, objetivando resguardar os interesses, os direitos e as obrigações do homem no seio da sociedade, estabelece a todo indivíduo mentalmente sadio e capaz a obrigação de responder por prejuízos cometidos a outrem, por meio do dolo ou da atuação negligente, imperita ou imprudente, obrigação esta que será calculada, sob a perspectiva civilista, exclusivamente sobre a extensão do dano e não pelo grau de culpa, seja ela grave, seja leve ou mesmo levíssima." (CROCE, Delton e JÚNIOR, Delton Croce, "Erro Médico", 1a ed., Editora Oliveira Mendes, São Paulo, 1997)

Consoante o disposto do artigo 14, § 4o, do Código de Defesa de Consumidor, "a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa", todavia posto todos os fatos já apurados, inclusive pela perícia médica realizada pelo Instituto Médico Legal em mais de 20 (vinte) das mulheres ofendidas, comprovada está a responsabilidade do profissional, não havendo razão para maiores delongas, devendo este repara os danos causados às suas pacientes.

No que tange às cirurgias estéticas, a responsabilidade do médico depende apenas da demonstração de que ele não atingiu o resultado a que se propôs, ou além disso ainda deixou o cliente com um aspecto pior do que quando entrou para a sala de cirurgia.

Pelo Código Civil, artigos 1.518, 1.525 e 1.538 a 1.545, a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade, regulam-se nas seguinte condições:

"Art. 1518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

Art. 1525. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime.

Art. 1538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

§ 1º. Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.

§ 2º. Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.

Art. 1539. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação, que ele sofreu.

Art. 1540. As disposições precedentes aplicam-se ainda ao caso em que a morte, ou lesão, resulte de ato considerado crime justificável, se não foi perpetrado pelo ofensor em repulsa de agressão do ofendido.

Art. 1545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.

          E) Do Dever de Reparar os Danos:

Salutar é a responsabilidade do requerido, pois provada é sua incúria que comprometeu a vida de suas pacientes, não sendo concebível, no estágio atual da medicina, o descuido e a incompetência médica do mesmo.

Passível está a melhor jurisprudência, frente ao dever de indenizar, conforme o seguinte julgado de apelação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO – Cirurgia reparadora malsucedida – Indenização – Cirurgia das mamas. Tanto faz tratar-se de obrigação de meio ou de obrigação de resultado; se as mamas continuam precisando de reparos é porque foram mal reparadas. Daí responder o cirurgião por perdas e danos, diante de sua responsabilidade contratual, embora limitada."

Não sendo a obrigação do cirurgião plástico de meio, mais de resultado, todavia, nos moldes jurídicos tradicionais não se chegue à afirmação de culpa, é preciso reconhecer que o réu inadimpliu a avença, já que o pretendido embelezamento não foi alcançado, como provam as fotografias acostadas nos autos, não existindo caso extintivo da obrigação de resultado (caso fortuito ou força maior).

Toda técnica operatória utilizada pelo réu, falhou pela falta de exames mais aprofundados no tecido epitelial de cada paciente e de suas possibilidades e grau de deformação.

          "Além de corrigir os diversos graus de ptose e de hipertrofia, a conduta operatória deve também estar atenta para cicatrizes mínimas e discretas, resultados mais duráveis, adequação da forma às expectativas, mínimo de complicações e, enfim, preservação das funções de sensibilidade e de possível lactação futura."(CROCE, Delton e JÚNIOR, Delton Croce, "Erro Médico", 1a ed., Editora Oliveira Mendes, São Paulo, 1997)

Em suma, tendo as pacientes se submetido a uma cirurgia plástica de obrigação de resultado, pode-se opinar pela responsabilidade objetiva do cirurgião, vez que as expectativas por elas almejadas não foram alcançadas. Pior ainda, ficaram ela com seqüelas desagradáveis nas mamas e abdômen decorrentes da malsucedida operação, além de muitas vítimas terem perdido parte do movimento dos braços.

Nesse linha de raciocínio, cabe as indenizações devidas, nos termos do artigo 948 do Código Civil, que prescreve:

"Nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado."

No mesmo diapasão está o Código de Defesa do Consumidor que prevê, em seu artigo 6º, inciso VI, como efetivo direito do consumidor a efetiva prevenção e reparação dos danos causados, nos seguintes termos:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

          F) Da Responsabilidade do CRM/MS:

Na comunidade, os anúncios e a oferta de serviços médicos especializados, caracterizam-se por ser uma situação descontrolada e anômala, que excede os limites éticos e legais previstos em lei e que reduz a qualidade desses serviços, refletindo a deficiência do atendimento médico em toda sociedade.

Outrora, fora apresentada nesta Promotoria de Justiça do Consumidor representação elaborada pelo Dr. Carlos Eduardo Contar, Promotor de Justiça, tendo por escopo denunciar a publicidade enganosa e abusiva que médicos, convênios e clínicas de saúde de Mato Grosso do Sul vêm fazendo sobre especialidades médicas que não são reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicinal (CFM), oferecendo tratamentos em áreas não identificadas pelos colegiados médicos, pelo CFM e, tampouco, pela lei.

Enunciou, ainda, o ilustre representante do "Parquet" que o Conselho Regional de Medicina (CRM/MS), órgão responsável pela fiscalização da atividade médica no Estado, vem contrariando suas atribuições, mostrando-se inerte deixando de tomar as medidas cabíveis para coibir a propaganda ilícita em evidência, eximindo-se da aplicação das sanções cabíveis aos médicos, convênios e clínicas de saúde que se utilizam de tal expediente para se promoverem, não adotando qualquer ação que pudesse regularizar a situação ora vigente, numa total prova de conivência e cooperativismo inexplicável.

Anualmente, o CRM/MS deveria publicar a relação dos médicos registrados nesta jurisdição com suas devidas especialidades. Obrigação intransferível. Depreende-se, porém, que este não vem elaborando tal lista regularmente e sim repassando tal responsabilidade aos convênios médicos que, aos invés de darem informação precisa e verdadeira aos consumidores, como objetiva a lei, veiculam especialidades que certos médicos não detém ou que ainda não foram reconhecidas oficialmente.

Assim agindo, o CRM/MS não está cumprindo o determinado pela lei regulamentadora da atividade médica no Brasil e, muito menos, as exigências previstas no Código de Ética Médica, não coibindo a publicidade falaz feita por médicos e convênios que não apresentam provas das especialidades oferecidas, quais sejam: certificados, diplomas de pós-graduação, prova de que exerce atividade de magistério em área específica pelo período de 10 (dez) anos, entre outras exigências.

Com apresentação de respostas evasivas e procurando desviar a atenção para resoluções antigas, o CRM/MS afirma que o assunto referente às especialidades médicas ainda não está definido, preferindo, neste mister, manter a atual situação descontrolada, onde qualquer um faz o que quer, em total prejuízo ao público e a saúde dos pacientes consumidores.

Nada obstante, por meio de denúncias anônimas de profissionais da categoria médica, chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça que, em virtude da omissão do CRM/MS, muitas clínicas clandestinas estão operando os serviços de especialidades médicas por todo interior do Estado e até mesmo em nesta Capital, evidenciando o desprezo desse Conselho Regional na fiscalização da medicina que é um serviço de grande utilidade pública.

É exatamente neste ponto, o exercício ilegal das especialidades médicas, que não vem sendo observado e cumprido na comunidade, tanto por médicos quanto por convênios e clínicas de saúde, que abusando da passividade do CRM/MS e demonstrando desapreço para com a profissão e o público, anunciam pública e abertamente à população especialidades médicas sem o devido título de especialistas ou certificado de pós-graduação ou sem o devido registro no quadro de especialistas do CRM/MS, caracterizando, portanto, conduta anti-ética, propaganda enganosa e crime de exercício ilegal da medicina, auferem, com isto, dentre outras, vantagens profissionais ilícitas, em detrimento dos interesses comuns dos bons profissionais da medicina e também dos pacientes. Portanto, os médicos, hospitais e convênios de saúde agem criminosamente contra a saúde pública, com conivência e omissão delituosa do CRM/MS, que confere a estas ilegalidades, sem qualquer constrangimento, perfeita regularidade, necessária fé pública e validade contra terceiros, garantindo, assim, seu "regular" funcionamento.

Fruto da omissão do réu CRM/MS são as barbáries praticadas pelo co-réu Alberto Rondon que, segundo um levantamento preliminar elaborado pelo Instituto de Previdência do Mato Grosso, já foram atendidas 653 mulheres vítimas da atuação ilegal do referido cidadão.

Claro está que o demandado Alberto Jorge Rondon não teria feito tantas vítimas se o CRM/MS tivesse cumprido seu papel legal de alertar à comunidade, na forma da lei, quem são os médicos inscritos em seus cadastros para atuarem neste Estado e quais são suas áreas de atuação e habilitação. Falhou também este réu ao deixar que o referido facultativo mantivesse na frente de sua clínica publicidade enganosa, levando a erro grande parcela de sua clientela. Falhou, ainda, o CRM/MS ao permitir que a Unimed mantivesse em sua lista de médico o réu Alberto Rondon como habilitado em cirurgia plástica, o que certamente corroborou para levar a erro muitas vítimas desse facultativo. Falhou, finalmente, o CRM/MS ao deixar, por anos a fio, Alberto Rondon atuar em um especialidade para a qual não tinha a formação requerida por lei.

O Conselho Regional de Medicina possui obrigações de representatividade social, ou seja, ele não é um órgão meramente cartorial, mas é credenciador de profissionais da área médica que deve participar ativamente de todos os episódios que involucram a categoria dos médicos, cabendo-lhe tomar as medidas administrativas cabíveis em face dos profissionais, convênios, hospitais e clínicas que ajam fora dos padrões éticos, morais e legalmente exigidos.

As funções do Conselho estão reguladas no artigo 15, da Lei n.º 3.268/57, que prevê que lhe compete: "deliberar a respeito de inscrições de médicos, legalmente habilitados; manter um registro dos profissionais numa determinada região; fiscalizar o exercício médico; apreciar e decidir sobre ética profissional e impor as penalidades cabíveis; velar pela conservação da honra e da independência do Conselho; proteger e amparar o perfeito desempenho técnico e a moral da medicina; publicar relatórios anuais e seus trabalhos e a relação dos profissionais registrados; e exercer atos para os quais a lei lhe confere competência".(Grifo do autor).

Da omissão do CRM em face da publicidade enganosa e de toda prática abusiva levada a cabo pelo médico Alberto Jorge Rondon, surge a responsabilidade objetiva desse Conselho, fundada no risco, consistente, portanto, na obrigação de refrear a conduta criminosa e anti-ética do referido facultativo, fixando-se assim a relação de causalidade entre o dano, a conduta do seu causador e a omissão do CRM.

Nestes termos a Constituição Federal, artigo 37, §6o estabelece que:

"Art. 37 - (....).

§ 6º - "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."(Grifo do autor).

No mesmo diapasão, prevê o CDC, em seu artigo 7º, parágrafo único, e artigo 25, parágrafo 1º, "in verbis":

"Art. 7º.- (....).

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Art. 25 (....).

§ 1º. Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

Os artigos 66, 67, 68 e 75, ao preverem as condutas criminosas nas relações de consumo, deixa claro que a publicidade e a informação enganosas são crimes e incidem nas penas a eles cominadas todos que concorrerem para a prática desses delitos, na medida de sua culpabilidade:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

§ 1º. Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem fizer ou promover publicidade de modo que dificulte sua identificação imediata. (Vetado)

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:

Pena - Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa.

(....).

Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste Código incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas."

Assim, não há como afastar a responsabilidade objetiva e solidária do CRM/MS para responder aos termos da presente demanda nem as de seus diretores para responderem futuras ações penais, por prática dos crimes de publicidade e de informação enganosas.

          G) Da Necessidade de Medida Liminar:

Impõe-se, na presente demanda, a concessão de medida liminar, nos termos do artigo 12, da Lei nº 7.347, de 24/07/85, para, no que concerne: a) ao dano moral e físico proporcionado pelos atos lesivos praticados pelo requerido, se efetuar de imediato a reparação dos danos causados: e b) a se evitar novos danos, a proibição de o réu Alberto Rondon não mais realizar qualquer cirurgia estética até julgamento final da lide.

Estão perfeitamente presentes os pressupostos para sua concessão, quais sejam, o "fumus boni juris" e o "periculum in mora".

O "fumus boni juris" caracteriza-se pelo direito básico do consumidor à efetiva reparação e prevenção dos danos causados por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes sobre sua fruição ou risco, como é o caso, inelutavelmente, questionado.

Não é por outro motivo que o artigo 56 do CDC prevê que:

"As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

(....);

VII - suspensão temporária de atividade;

VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;

IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

(....);

XII - imposição de contrapropaganda.

Por sua vez, o artigo 11 da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública) prevê que o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, nos seguintes termos:

"Art. 11 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor."

Não há como negar, de outra parte, o "periculum in mora". Sem dúvida, não é razoável exigir-se que todas as pacientes lesadas permaneçam, até o final da demanda, sofrendo resignações sem qualquer medida plausível buscando impedir imediatamente que lhes desabrolhem infortúnios.

Nem é, igualmente, aconselhável que outras pessoas sejam colocadas a risco imediato, podendo a qualquer momento serem vítimas da atividade inescrupulosa e lesiva do réu Alberto Jorge Rondon. Como é natural, o desfecho final da ação demandará tempo relativamente longo, suficiente o bastante para que inúmeros consumidores sejam lesados, ao se submeterem a especialidades médicas não reconhecidas, sujeitos a tratamentos irregulares capazes de agravar o estado clínico de alguns.

De fundamental importância é citar decisão judicial em caso semelhante, para demonstrar ao julgador a possibilidade de antecipação da tutela mesmo quando há obrigação de prestação pecuniária envolvida.

Eis o teor da decisão:

"Joana Darc de Oliveira representando sua filha, através de seu advogado devidamente constituído requereu a concessão de tutela antecipatória em face da Schering do Brasil, Química e Farmacêutica Ltda. visando o depósito pecuniário de R$ 20.000,00 para a cobertura de despesas de tratamento médico, transporte e despesas afins.

Funda seu pedido na prova inequívoca de que o réu causou danos morais e materiais através de relação de consumo estabelecida entre as partes. Justifica a urgencialidade da medida em vista da necessidade de se tratar rapidamente a filha da autora.

É o relatório.

A presente relação teve o seu fundamento na relação de consumo de produtos fornecidos pela ré, no qual autora era consumidora. Pelo fornecimento de produto viciado, veio a autora a ficar grávida. Esta é a alegação. Caracterizada está a relação de consumo. Pelos elementos que já se encontram nos autos, constato a verossimilhança da alegação da autora. É coerente com as provas que juntou e que pretende produzir. Também resta demonstrada a hipossuficiência da autora face ao poderio da parte ré. Assim, preenchido os requisitos do artigo 6º , inciso VII do Código de Defesa do Consumidor. Inverto o ônus da prova.

Imprescindível para a concessão da tutela antecipada, a obediência do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil. Através da inversão do ônus da prova, esta combinada com o que se acostou nos autos é suficiente para o reconhecimento da prova inequívoca respaldada pela verossimilhança das suas alegações.

O liame entre a gravidez da autora e o uso do medicamento viciado está delineado, pois cabe ao réu provar o não uso ou a ausência da conseqüência da gravidez pelo remédio, pois a gravidez tem nos autos a sua comprovação, tendo a criança já nascida.

No que tange ao pressuposto da urgência, que ora se reclama pautado no artigo 273, inciso I do Código de Processo Civil, a autora juntou provas de que seu filho se encontra doente e precisa de certo valor para cuidar com esmero do mesmo. A delonga processual fatalmente vai trazer prejuízos à autora. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, é inevitável que o sistema processual ‘seja dotado de um mecanismo de antecipação de tutela que permita a distribuição racional do tempo do processo’.

Não coaduna com o princípio constitucional da isonomia que o autor sempre tenha que arcar com a demora processual. Se são repartidos os ônus probatórios no artigo 333 do Código de Processo Civil, também devem ser repartidos os encargos do lapso temporal para a prestação jurisdicional justa, mormente quando os fatos constitutivos do direito do autor restam comprovado. No caso em tela, a inversão do ônus da prova é fundamental, pois dá o que é necessário para a fotografia dos fatos constitutivos do direito do autor.

Atendidos os pressupostos para a formação da cognição sumária da tutela de urgência pedida, concedo a medida liminar para que o réu deposite R$ 20.000,00 em conta em nome da autora Joana Darc de Oliveira para que seja suportado o desenvolvimento processual com dignidade. Intime-se o réu para prestar o depósito em 10 dias. Cite-se para que o réu querendo conteste o pedido em 15 dias.

Aparecida de Goiânia, 04 de , março de 1999.

Alexandre Bizzotto

Juiz de Direito"

(Sentença proferida no Caso Microvlar, presente no endereço http://www.eip.com.br/castrodias/schering.htm).

Imprescindível, portanto, a concessão de liminar, de sorte a se proteger os consumidores até definitivo julgamento da lide.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Ética médica e publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16054. Acesso em: 22 nov. 2024.

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