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Inconstitucionalidade de lei municipal sobre medicina e segurança do trabalho

Agenda 01/10/2000 às 00:00

ADIn proposta por sindicato da construção civil contra o Código Sanitário de Curitiba, que estabelece normas sobre medicina e segurança do trabalho, quando a Constituição Federal determina ser privativa da União a competência para legislar sobre Direito do Trabalho.

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

          O SINDUSCON – SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO PARANÁ, entidade de classe de âmbito estadual, reconhecida pelo Ministério do Trabalho através da Carta datada de 06 de junho de 1944 e inscrito no CNPJ sob nº. 76.695.709/0001-10, com endereço na Rua da Glória, n. 175, Centro Cívico, Curitiba – Paraná, CEP – 80.030.060, devidamente autorizada por assembléia realizada, conforme documentos anexos, neste ato, por seu advogado, com escritório na Rua Emiliano Perneta, 680, salas 301/302, Centro, Curitiba, vem, respeitosamente, com fulcro nos artigos 125, § 2º da Constituição Federal e inciso VI, do artigo 111, da Constituição do Estado do Paraná, promover

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
(COM PEDIDO LIMINAR)

, na pessoa de seus representantes legais, em face dos artigos 30 a 34 da Lei Municipal nº 9.000 de 27.12.1996, publicada no D.O.M. em 31.12.1996, que "INSTITUI O CÓDIGO DE SAÚDE DE CURITIBA, DISPÕE SOBRE A PROTEÇÃO À SAÚDE NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS" – CÓDIGO SANITÁRIO MUNICIPAL - documento anexo – art. 337/CPC .

DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

          O hodierno entendimento jurisprudencial esposado pela SUPREMA CORTE DO PAÍS é de RECONHECER A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS para conhecer e julgar AÇÕES DIRETAS DE INSCONSTITUCIONALIDADE DE LEIS MUNICIPAIS em face das Constituições Estaduais, por textos, normas e princípios repetitivos da Constituição Federal, sem prejuízo de eventual RECURSO EXTRAORDINÁRIO para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Colhe-se a preleção do ilustre professor ZENO VELOSO, em sua obra "CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE" a propósito do tema.

          "Entendia-se, no caso, que o conflito hierárquico entre a lei municipal e a norma da Constituição do Estado, que é mera cópia de regra da Constituição Federal, na verdade, representa desarmonia entre a lei municipal e a Carta Magna, e nem o STF está autorizado a julgar a inconstitucionalidade, em tese, da lei municipal em face da Constituição Federal (art. 102,I,a), não se podendo admitir que, de forma a indireta ou reflexa, o Tribunal de Justiça exerça tal competência. Estaria tomando o lugar do Supremo Tribunal Federal, de guardião principal da Lei Fundamental.

Argumentava-se que, se o Tribunal de Justiça julgar inconstitucional lei municipal, por confronto com preceito da Constituição do Estado, que representa mera norma de reprodução da Constituição Federal, não havendo recurso da decisão, fica afastada a participação do STF, e a dita lei municipal é expulsa, definitivamente, do mundo jurídico, no final das contas, por incompatibilidade com a Carta Magna.

O Tribunal de Justiça terá exercido __ dizia-se __ o controle concentrado da lei municipal em face da Constituição Federal – por via de colisão com uma norma de reprodução contida na Carta Estadual.

Ocorre que o STF modificou, radicalmente, seu antigo entendimento. No acórdão da Reclamação n. 383-SP, Relator Ministro Moreira Alves, o Excelso Pretório decidiu que é possível a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal violadora de dispositivos da Constituição Estadual, repetitivos de normas constitucionais federais, sem prejuízo de eventual recurso extraordinária para o Supremo Tribunal ( cf. RDA. 199/201; 204/249).

Com o Ministro Relator, formando a maioria, votaram os Ministros Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Paulo Brossard, Otávio Galotti, Neri da Silveira e Sydney Sanches. Não obstante, ficaram vencidos, mantendo-se na antiga posição, os Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Francisco Rezek.......(omissis)

Caberá, todavia, recurso para o Pretório Excelso, e, para garantir e resguardar a competência deste, deveria ser instituído o recurso necessário, para o Supremo Tribunal Federal, das decisões que tomassem os Tribunais de Justiça, quando analisassem o confronto duplo da lei municipal – com a Constituição Estadual e com a Carta Magna – e esta sugestão foi feita pelo eminente Ministro Carlos Velloso. (CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE – ZENO VELOSO – EDITORA - CEJUP – PAGS.389/390) .

          Sublinhou-se.

          É, portanto, inequívoca a competência deste Tribunal para apreciar e julgar esta AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de ato normativo municipal, conforme o disposto no inciso VI, do artigo 111, da Constituição do Estado do Paraná e, bem assim, pelo entendimento hodierno adotado pela SUPREMA CORTE.

          Observe-se, inda, na esteira da exposição doutrinária acima, dando conta do atual entender do STF, que a lei municipal inquinada, invoca como supedâneo os artigos 167 a 172 da Constituição Estadual (SAÚDE E SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS – âmbito Estadual e Municipal), nada mais sendo que o texto repetitivo dos incisos do 196 a 200 da Carta da República, que tratam do mesmo assunto (SAÚDE E SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – âmbito Estadual e Municipal).

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Logo, por premissas idênticas a lei municipal não guarda conformidade com a CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA e com a CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARANÁ.


DA LEI MUNICIPAL N. 9000/1996:
DO TEXTO COM A EIVA DA INCONSTITUCIONALIDADE

Ao devido e acurado exame, segue transcrito o quanto se inquina de espúria em face das competências privativas invadidas.

          "......omissis....

"Art. 30 – A Segurança no trabalho e a Saúde Ocupacional do trabalhador deverá ser resguardada nas relações sociais que se estabelecem no processo de produção, pressuposta a garantia da integridade do trabalho e da sua higidez física e mental, cabendo ao gestor do Sistema Municipal de Saúde, em conformidade com a legislação vigente, a normatização, a fiscalização e controle das condições de:

a) produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição, comercialização e destinação final de resíduos;

b) manuseio de substâncias e produtos, de máquinas e equipamentos no processo do trabalho.

Art. 31 – A atenção à Segurança do Trabalho e à saúde Ocupacional do trabalhador compreende as ações individuais e coletivas desenvolvidas no âmbito do Sistema ùnico de Saúde, abrangendo:

I - atendimento à população trabalhadora com utilização de toda tecnologia disponível;

II - instituição de instância de referência hierarquizada e especializada na atenção à segurança no trabalho e saúde ocupacional, visando estabelecer as causas dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, com o objetivo de realizar-se uma prevenção efetiva no ambiente laboral e também para chegar-se a diagnósticos e tratamentos adequados se as circunstâncias exigirem;

III - ações educativas visando à prevenção das doenças ocupacionais e dos acidente do trabalho.

Art. 32 – A organização do trabalho exige do empregador adequação às condições psico-fisiológicas dos trabalhadores, com fundamento na legislação pertinente, tendo em vista as possíveis repercussões negativas sobre a saúde, pela potencialização dos riscos presente no processo de produção.

Parágrafo único – Caberá a adoção de medidas de correção de riscos nos ambientes de trabalho conforme a seguinte ordem: eliminação da fonte de risco, controle do risco na fonte, controle do risco no ambiente de trabalho e adoção de medidas de proteção individual, incluindo diminuição do tempo de exposição, utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) e outras.

Art. 33 – O Órgão Municipal competente manterá fiscalização e controle de atividades desenvolvidas nos ambientes de trabalho, as quais, direta ou indiretamente, ocasionem ou possam vir a ocasionar risco à saúde, vida ou à qualidade de vida.

Art. 34 - O Órgão Municipal competente poderá suplementar, no que couber, a legislação Federal que trata dos aspectos que causem riscos à segurança no trabalho ou saúde ocupacional do trabalhador."


SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO
COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PRIVATIVA DA UNIÃO

É de competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho, conforme a expressão taxativa do inciso I, do art. 22, da Carta da Magna.

Não é menos certo que os incisos dos artigos 23 e 24 da Carta Mãe, ao tratarem de competência comum ou concorrente, não contemplam aos Estados e Municípios a possibilidade, mesmo que remota, de legislar sobre direito do trabalho, notadamente Medicina e Segurança do Trabalho.

A edição dos artigos 30 a 34 da indigitada Lei Municipal colide, vilipendiando, os artigos 22, inciso I; 196 a 200, da Constituição Federal, bem como os artigos 167 a 172 da Constituição do Estado do Paraná.

Depara-se, sim, com inequívoca e hedionda invasão de competência privativa e indelegável da União, quando o Município de Curitiba está a legislar sobre direito do trabalho, de organizar, manter e de executar, inspeção e fiscalização do trabalho.

Tanto mais quanto a matéria sobre Medicina e Segurança do Trabalho, inserida no inciso I,art. 22 da CF, já é regida pelos artigo 154 a 201 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como pela Portaria n. 3214/78 do Ministério do Trabalho, por suas Normas Regulamentares.

Tem-se que não se pode ter a matéria compreendida na esfera competência comum ou concorrente do artigo 24 e incisos da Carta da República.

Nem se venha invocar o que previsto no artigo 200, inciso VIII do Diploma Maior, conquanto este somente encerra encerra mera colaboração que deve estar presente no tocante a proteção e, mesmo assim, do meio ambiente, compreendido o do trabalho tal compreendido no Sistema Único de Saúde.

O preceito não contempla, em si, a competência legislativa, concorrente ou comum, seja aos Estados Federados e menos ainda aos Municípios, integrantes do Sistema Único de Saúde para legislar sobre padrões de qualidade alusivos ao desenvolvimento funcional, ao recinto no qual ocorra, muito menos com a previsão relativa a multas ante o descumprimento do que estabelecido.

A Lei Municipal nº.9.000/96 impõe às empresas certas providências e as submetem à fiscalização da autoridade administrativa Municipal.

Portanto, em face da Constituição Federal de 1988 e da Constituição do Estado do Paraná, a Lei referida deve ser declarada inconstitucional por invadir a competência privativa da União em matéria de segurança e medicina do trabalho, NOTADAMENTE os malfelizes artigos 30 a 34 já transcritos.

Ao melhor exame dos artigos 196 a 200 da Carta da República, vê-se que os dispositivos estão a tratar do SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE e da SAÚDE PUBLICA, sem contemplar MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO.

          Cabe bem aclarar que não se há que confundir a possibilidade municipal de COLABORAR NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE, INCLUÍDO O DO TRABALHO, com POSSIBILIDADE DE LEGISLAR E PRETENDER EXERCER ATIVIDADES DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO, matéria de competência exclusiva da UNIÃO, conforme inciso I, do art. 22, da Constituição Federal de 1988, artigos 154 a 201 da CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO e PORTARIA 3214/78 do MINISTÉRIO DO TRABALHO.

Por seu turno, a Constituição do Estado do Paraná, invocada como supedâneo da inquinada LEI, em seus artigos 167 a 172 trata da Saúde e do SISTEMA ÚNICO DA SAÚDE, com remissão ao artigo 200 da CF/88, sem contemplar, e nem poderia, competência aos MUNICÍPIOS PARANAENSES para legislar sobre SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO.

Conclusivamente, a Lei nº. 9.000/96, seja em face dos preceitos da Carta Constitucional/1988, seja frente às disposições da Constituição do Estado do Paraná, é flagrantemente INCONSTITUCIONAL, devendo assim ser declarada por esse Egrégio Tribunal.

Transcreve-se, como fundamento, por identidade absoluta de matéria, o voto do ILUSTRE MINISTRO MARCO AURÉLIO, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na ADI 1.893.9 – RJ, a saber:

          "A Lei nº 2.702, de 25 de março de 1997, do Estado do Rio do Janeiro, acabou por introduzir, de forma localizada, política estadual de qualidade ambiental ocupacional e de proteção da saúde do trabalhador. A valia do objeto da lei, do bem protegido, salta aos olhos. Está o diploma voltado à higidez, em si, do trabalhador. Ocorre que não se pode ter a matéria, ao menos neste primeiro exame, compreendida na competência concorrente do artigo 24, inciso VI, da Carta da República, e que diz respeito a "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recurso naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição". Ao contrário surge a presunção de ter-se a matéria compreendida na competência legislativa da União, considerado o Direito do Trabalho e as normas relativas à inspeção do trabalho – artigo 22, inciso I, e 21, inciso XXIV, da Carta de 1988. O que previsto no artigo 200, inciso VIII, do Diploma Maior, encerra a colaboração que deve estar presente, no tocante à proteção do meio ambiente, compreendido o do trabalho do Sistema Único de Saúde. O preceito encerra, em si, a competência legislativa dos Estados Federados integrantes do Sistema Único de Saúde para legislar sobre padrões de qualidade alusivos ao desenvolvimento funcional, ao recinto no qual ocorra, muito menos a previsão relativa a multas ante o descumprimento do que estabelecido. A lei atacada impõe às empresas certas providências e as submete à fiscalização da autoridade administrativa local.

          Defiro a liminar, suspendendo, até a decisão final desta ação, a eficácia da Lei 2.702, de 1998 do Estado do Rio de Janeiro.". (Decisão anexa).


DA SUSPENSÃO LIMINAR DOS ARTIGOS 30 A 34 DA LEI MUNICIPAL 9000/96

Pelo exposto, requer o SINDUSCON-PARANÁ:

  1. – A concessão da MEDIDA LIMINAR, com efeito ex-tunc, para suspender a vigência dos artigo 30 a 34 da Lei Municipal nº. 9.000/1996 (CÓDIGO SANITÁRIO), no que concerne a invasão da competência legislativa da União Federal para legislar sobre SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO, até final julgamento do mérito, considerada a irreversível lesão de direitos das EMPRESAS e a afronta aos Princípios Constitucionais.
  2. – O conhecimento da presente e a procedência do pedido, declarando a final a inconstitucionalidade dos preceitos legais indicados.
  3. – A citação dos Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal e Presidente da Câmara Municipal de Curitiba.
  4. – Intimação do Senhor Procurador Geral do Estado e Procurador Geral do Município de Curitiba, bem como do Procurador Geral de Justiça do Estado do Paraná, para que, na forma da lei, intervenham no feito, como lhes convier.

Dá-se à causa o valor de R$. 1.000,00 (hum mil reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Curitiba, 24 de julho de 2.000.

LINEU MIGUEL GÓMES
OAB-PR.10.605 - ADVOGADO.

Sobre o autor
Lineu Miguel Gómes

advogado trabalhista em Curitiba (PR), assessor jurídico de empresas e entidades financeiras, ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓMES, Lineu Miguel. Inconstitucionalidade de lei municipal sobre medicina e segurança do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16117. Acesso em: 23 dez. 2024.

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