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Agravo contra liminar que deferiu inscrição provisória em licitação pública

Agenda 01/04/1999 às 00:00

Agravo contra concessão liminar de inscrição de licitante que não se enquadrara em diversos itens do edital

EXMº. SR. DES. PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EMPRESA MUNICIPAL DE VIGILÂNCIA S/A – GUARDA MUNICIPAL, já devidamente qualificada nos autos do processo de Mandado de Segurança n.º 98.001.196527-6, em que é impetrante AVA INDUSTRIAL S/A, vem, por seu representante legal, interpor, nos termos do art. 524 e seguintes do CPC

AGRAVO DE INSTRUMENTO

da decisão de fl. 193/194, pelos fatos e fundamentos que passa a aduzir.


Exmo. Sr. Relator

Colenda Câmara

1. Trata-se de recurso impetrado contra decisão que concedeu liminar para habilitar a Empresa/Agravada no certame promovido pela Empresa/Recorrente. O ato, supostamente considerado abusivo pela decisão ora recorrida, praticado pela Presidente da Comissão Permanente de Licitações, considerou inabilitada a Empresa/Agravada por vários motivos, todos adstritos aos princípios constitucionais e legais que regem a conduta do administrador público, como passa-se a sustentar.


DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

2. A Lei 4.348/64, que estabelece as normas processuais relativas ao mandado de segurança, não previu expressamente a possibilidade de se formar, em sede mandamental, o litisconsórcio passivo necessário. Não obstante, doutrina e jurisprudência passaram a reconhecer a necessidade de se admitir, ao contraditório, as pessoas que sofram diretamente os efeitos das decisões proferidas.

3. Tal entendimento surgiu como conseqüência das demandas envolvendo concursos públicos, onde se permite o ingresso, no feito, dos demais candidatos aprovados, quando a decisão possa afetar a ordem de classificação da competição.

4. No caso em tela, afigura-se semelhante hipótese, já que o processo licitatório já foi concluído, tendo sido adjudicado o objeto do certame à Empresa vencedora (v. publicação do D.O.Rio em anexo).

5. Se a licitação for anulada, a Empresa vencedora será evidentemente prejudicada, pois já despendeu uma enorme soma na disponibilização do material a ser adquirido pela recorrente (v. doc. apresentado por aquela, em anexo). Tal fato acarretaria, à Administração, a responsabilidade de suportar todos os ônus decorrentes da anulação, conforme art. 59, da Lei 8666/93.

6. Desta forma, torna-se imperiosa a formação do litisconsórcio passivo necessário, sob pena de se ferir os limites subjetivos da coisa julgada, bem como de se causar um prejuízo incalculável à Administração, fruto da responsabilidade legal supracitada.

7. Além desta causa prejudicial, existe outra: a decisão perdeu seu objeto, ou melhor, já nasceu inexeqüível. Como mencionado, o certame foi concluído há mais de 2 meses (v. D. O. Rio, p. 6, de 13/11/98, em anexo), o que torna o dispositivo da decisão ora impugnada desprovido de efeito. Em outras palavras: o mandamus está claramente prejudicado, por perda de interesse processual.

8. Observe-se a seguinte passagem da r. decisão ora atacada: "...reconheço que a AVA Industrial S.A. está habilitada à apresentação da Proposta [...]" – assim o MM Juízo a quo decidiu o pleito liminar. Não se pode considerar a Empresa/Agravada habilitada a apresentar proposta pois os envelopes já foram abertos e o processo concluído. Por óbvio que a decisão não se conforma com a atual situação fática.


DO MÉRITO

9. O ato praticado não se presta à invalidação pela via da ação mandamental, eis que não se vislumbra qualquer vício nos seus elementos constitutivos, quais sejam, objeto, motivo, forma, finalidade, competência. Cumpre analisar cada um deles:

1) "A reclamante apresentou documentos às fls. 311 e 316 do processo 01/700 974/98 que não atendem aos itens 1 e 2, na forma como está exigido no Edital.

Ou os documentos emitidos pelas Secretarias de Fazenda Estadual do Amazonas e pela Secretaria de Fazenda Municipal de Manaus valem como prova de regularidade Fiscal ou como Certidão da Dívida Ativa. Haja vista que o Edital estabelece para a comprovação das exigências"

2) "A reclamante apresentou apenas um Balanço corretamente assinado.

As assinaturas comprovam a validade e a regularidade dos Balanços junto à fiscalização, conforme está citado na Lei 6404/76, que trata as Sociedades Anônimas.

Nas Sociedades Anônimas de Capital aberto, os Balanços estão sujeitos a Publicações obrigatórias. As de Capital fechado, sujeitas à aprovação por Assembléia Geral. Conforme foi verificado na Ata de Aprovação do Balanço do exercício de 1995, que mesmo não tendo sido solicitado no Edital, foi juntado pela Reclamante e examinado por esta Comissão, conforme determina a Legislação.

Os Balanços dos exercícios de 1995 (fls. 327/329) e de 1996/1997 não tem validade legal, por falta da assinatura do(s) Representante(s) legal(is) da S/A."

3) "A reclamante apresentou os Atestados sem reconhecimento da firma do emitente, conforme pedido no Edital."

4) "A Reclamante alega que o texto está mal redigido levando a interpretação dúbia.

A Lei 8666/93 e suas alterações é clara em seu art. 41 dando direitos ao licitante de IMPUGNAR, de APONTAR FALHAS, como este que a Reclamante alega ter dado dúbia interpretação. Se o Edital não estava claro caberia ao interessado questioná-lo e continuar a participar do certame até o trânsito em julgado da decisão (§ 3º do art. 41)."

5) "Ora, a certidão negativa de débitos para com a Fazenda não é mais abrangente que a certidão de dívida ativa como pretende sustentar o impetrante na inicial; conforme se vê do art. 39, § 2º, da Lei n.º 4.320/64, a dívida ativa abrange a Fazenda Pública, incluindo, assim, ao lado da Administração Direta, as autarquias; a dívida ativa pode ser tributária e não tributária, tais como multas de qualquer origem, foros, laudêmios, aluguéis, taxas de ocupação, preços de serviços públicos etc., débitos esses que devem ser escriturados em registros próprios (§ 1º);"

6) "O balanço social, por sua vez, para ser documento juridicamente válido, deve observar as formalidades legais, entre as quais a sua aprovação pelos administradores ou acionistas, conforme se depreende do art. 177, § 4º, c/c 122, III da Lei n.º 6.404/76, in verbis:

"Art. 177 – A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.

§ 4º - As demonstrações financeiras serão assinadas pelos administradores e por contabilistas legalmente habilitados.

Art. 122 – Compete privativamente à assembléia geral:

III – tomar, anualmente, as contas dos administradores, e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas;"

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7) "Os atestados não demonstram autenticidade, eis que não vieram devidamente reconhecidos com a firma do emitente, alegando a licitante que a redação do instrumento convocatório apresentava-se dúbia, olvidando do fato de a Lei n.º 8.666/93 prever em seu artigo 41, § 2º, que o prazo para impugnação do edital, para o exemplo em tela, é até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação."

10. Demonstrado que o ato observou todos os ditames legais, verifica-se que o impetrante, por não ter atendido aos requisitos exigidos no edital para habilitar-se na licitação, não tem direito, muito menos líquido e certo, a prosseguir no procedimento, com vistas à apresentação de sua proposta; nesse passo, cumpre averbar que, já tendo sido restituído o envelope contendo a proposta de preço, conforme determina o citado art. 43, II, da Lei n.º 8.666/93, não poderá o Judiciário determinar que seja feita nova entrega de envelope, cuja originalidade não se poderá atestar.

11. Toda a decisão recorrida baseou-se unica e exclusivamente na "razoabilidade". Este princípio vem sendo estudado há muito pouco tempo, e somente a doutrina européia (Frederich Müller e J. J. Gomes Canotilho, principalmente) conseguiu, até agora, propor um critério objetivo para sua aplicação. Na r. decisão ora impugnada, inadvertidamente o subjetivismo imperou.

12. Equivocou-se o MM Juízo a quo na análise do mencionado princípio. Para se aplicar a razoabilidade (ou proporcionalidade, como querem os europeus) concretamente, deve ser feito um exame decrescente, desde a Constituição, passando pela legislação pertinente, até se chegar ao objeto do estudo. Trata-se da aplicação da Teoria da Densificação dos Conceitos Jurídicos Abstratos, proposta pelo ilustre constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho.

13. Passo a passo, a aplicação desta teoria ao caso em tela segue o seguinte esquema:

14. Como demonstrado, não houve a inserção de nenhum elemento, em qualquer das fases, desde a norma constitucional até o ato impugnado, que seja desproporcional ou desarrazoado.

15. A decisão que ora se ataca, apesar de reconhecer "os estreitos limites da cognição sumária" não aponta os atos abusivos e nem justifica o porquê considerou-os assim. Limita-se, tão somente, a indicar alguns princípios.

16. A alegação de que o ato praticado pela autoridade coatora teria ferido o princípio da livre concorrência não procede. Doutrina e jurisprudência são uníssonas em asseverar que a isonomia é uma forma de se possibilitar a livre concorrência.

17. Salienta-se que o documento não apresentado na oportunidade própria foi juntado nos autos do Mandado de Segurança, e esta apresentação intempestiva foi considerada "eficaz" pelo Juízo a quo, o que privilegiou a Empresa/Agravada, violando, aí sim, a livre concorrência e a par conditio dos competidores.

18. Permitir que se cumpra uma exigência, aposta no edital, por via transversa e judicial, após a homologação do procedimento e da adjudicação do objeto, seria admitir o que a lei veda, ou seja, a apresentação de documento fora do prazo, conforme art. 43, §3º, da Lei 8.666/93. Tal tolerância além de ir de encontro à legalidade, também desrespeita a obrigatoriedade da originalidade das propostas.


DO PERICULUM IN MORA INVERTIDO E
DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DE MÉRITO

19. A r. decisão ora recorrida não respeitou a necessária verificação do periculum in mora invertido, assim considerada pela unanimidade da jurisprudência, a exemplo da decisão, em semelhante hipótese, prolatada pelo Ilustre Dr. Jessé Torres, Titular da 3ª Vara da Fazenda Pública da Capital, no processo de n.º 7.260/98:

"...nos requerimentos de liminar contra atos do Poder público, que nascem com a presunção de legitimidade, vale dizer, de aptidão para atender ao interesse público, não devem bastar, para justificar a intervenção do Judiciário, a presença cumulada do relevante fundamento jurídico (fummus boni iuris) e do risco de perecimento do direito (periculum in mora). É mister verificar-se, invertendo-se o risco a que alegadamente estivesse sujeito o titular, ou titulares, do direito tido por ameaçado, não haveria risco maior para o interesse público caso sobrestado o certame ou impedida a contratação dele resultante [...]" (grifou-se).

20. No caso em discussão, o prejuízo da recorrente e da população do Município do Rio de Janeiro é mais que evidente, já que o certame destina-se à compra de motocicletas para a patrulha das ruas da cidade. A Empresa/Agravante pode ser responsabilizada nos moldes do art. 59, § único, da Lei 8.666/93; a sociedade carioca está sendo privada de uma sensível melhoria de seu sistema de segurança; e ainda, a Empresa vencedora enfrenta enormes prejuízos pelo capital empatado nos bens.

21. Ademais, a doutrina especializada ( J. E. Carreira Alvim e L. G. Marinoni, por exemplo) já se manifestou no sentido de que a liminar no mandado de segurança, assim como nas ações possessórias, tem natureza de antecipação da tutela satisfativa de mérito. Na decisão ora impugnada, a liminar concedida se traduz em tutela antecipada, porque a medida obsta a celebração do contrato. Em outras palavras: estaria adiada a aquisição dos bens sine die, o que equivale à imposição, desde logo, de obrigação de não fazer, o que se confunde com o pedido final constante da inicial.

22. Demonstrada a evidente antecipação do mérito, verifica-se que estão ausentes os pressupostos para o seu deferimento, conforme art. 273 do CPC: a decisão não se respalda em verossimilhança e é completamente irreversível, como já demonstrado.


PEDIDOS DE EFEITO SUSPENSIVO

23. Destarte, requer a Empresa/Agravante que se atribua efeito suspensivo ao presente recurso, tendo-se em vista não só a presunção de legalidade do ato, mas principalmente a plena comprovação, conforme razões expostas, da adequação desse aos princípios constitucionais e legais vinculadores da Administração. Acresce-se ainda o fato de que o pedido de liminar formulado pela Empresa/Agravada e concedido na decisão ora impugnada não se conforma com os rigorosos limites impostos pelo art. 273 do CPC, nem tampouco é exeqüível, face a atual fase do processo licitatório.

24. Requer também seja, ao final, revogada a r. decisão concessiva da liminar, por ser o que melhor se afina com a proteção do interesse público.

25. Finalmente, requer seja intimada a Empresa/Agravada para querendo, responder ao presente recurso.

Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1999.

Raphael Augusto Sofiati de Queiroz
OAB/RJ 92.075

Sobre o autor
Raphael Augusto Sofiati de Queiroz

assessor jurídico da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, formado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati. Agravo contra liminar que deferiu inscrição provisória em licitação pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16123. Acesso em: 5 nov. 2024.

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